terça-feira, 29 de outubro de 2013

PAS148. Soluços de uma jovem desesperada

Depois de meditar alguns instantes, resolveu levar a cabo um reconhecimento na casa que daí em diante ia habitar, a residência daquele que fora o representante da Lei.
Ao chegar à porta, empurrou-a com decisão, certo de que lá dentro não estaria ninguém. Mas uns soluços que escutou fizeram-no deter-se no umbral. Os soluços cessaram acto contínuo, talvez porque se tinham apercebido da sua chegada.
Reparou que havia movimento no quarto do lado e deu dois passos nessa direção. De novo se deteve, surpreendido.
Barrando-lhe a passagem, acabava de surgir uma rapariga. Era alta, morena, de extraordinária beleza, com uma cabeleira comprida que lhe caía pelas costas como uma catarata de ébano brilhante e sedoso.

Ambos permaneceram mudos durante alguns segundos. Noel, surpreendido; a jovem, com os olhos brilhantes, húmidos ainda de ter chorado. Tinha o busto erguido, movendo-se desordenadamente devido à respiração agitada.
Tudo nela fazia pensar em ódio, dor e desespero.
Noel tirou o chapéu, sujo e esburacado. E pronunciou um tímido:
- Boa tarde, menina…
O olhar dela percorreu o homem dos pés à cabeça. Voltou depois a descer um pouco para se deter na estrela prateada que Noel levava presa ao peito.
- Podia ter esperado um pouco – disse então a jovem, fazendo esforço para se mostrar calma. – O enterro é amanhã de manhã…
- Perdão! – murmurou ele. – Não foi minha intenção incomodá-la. Julguei que não havia ninguém em casa.
- Pois enganou-se. Estou eu e… ele… E agora pode ir-se embora. Tenho um revólver.
Contemplou-a atentamente, sem se mover, em silêncio.
Ao cabo de alguns segundos, perguntou:
- Posso saber o que lhe aconteceu, menina?
- Já está farto de saber. E ponha-se a andar. É uma vergonha que esteja em minha casa quando o cadáver do meu pai ainda está quente…
Um soluço estrangulou-lhe a voz e, num momento de debilidade, as suas mãos, finas e brancas, ergueram-se até à altura do rosto, para o tapar, tentando ocultar a sua dor, ao mesmo tempo que os ombros se lhe agitavam por incontidos soluços.
Noel compreendeu tudo. Deu dois passos para a frente, impulsionado pelos seus nobres sentimentos, decidido a reconfortar a jovem.
Mas ela tirou as mãos da cara e olhou-o furiosa:
- Não se aproxime! Gritou. – Não tente tocar-me, porque…
E, na sua mão direita, surgiu um revólver grande com o qual apontou tremulamente para o peito de Noel.
- Engana-se, menina – disse ele com voz tranquila e o rosto sério. – Não sou o que pensa.
- Saia daqui – gritou ela. – Saia agora mesmo ou disparo.
- Acalme-se, por favor. O que eu desejo é ajudá-la. Talvez seja eu na povoação o único que o deseja fazer.
- São todos uns repugnantes assassinos, você e os seus companheiros.
O revólver tremia-lhe na mão, agitada pelo furor que a atingia e pela profunda dor sentida que lhe causara a morte do pai.
- Eu explico-lhe – insistiu Noel sem perder a calma e desprezando o perigo que o revólver apontado ao seu peito significava. – Você precisa de alguém que a ajude nestes momentos, e eu necessito também da sua colaboração.
- Vou disparar. Se continuar a falar, carrego no gatilho! – gritou ela, histericamente. – Vá-se embora daqui imediatamente.
Noel encolheu os ombros e deu meia volta. No segundo imediato saltava, fazendo girar habilmente o seu corpo no ar, para cair com matemática precisão a um escasso passo da jovem.
A mão direita agarrou no revólver que ela empunhava e, com um rápido puxão, tirou-lho, fazendo-o desaparecer num dos amplos bolsos das calças.
A rapariga, passado o primeiro momento de surpresa, portou-se como uma gata assanhada. As unhas para a frente, a boca aberta, húmida, mostrando os dentes, querendo lutar para castigar o homem que julgava cúmplice dos assassinos do pai.
(Coleção Pólvora, nº 31)

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