quinta-feira, 30 de novembro de 2017

PAS810. Uma jovem caída no caminho

Era uma das raparigas mais bonitas que Cass Tirrell vira nos dias da sua vida.
Estava caída a um lado do caminho, com o rosto pálido voltado para o céu azul.
Sem desmontar, Cass olhou em volta. Não viu nada de anormal na habitual paisagem de árvores e pastagem que rodeava o caminho até Cheyenne.
Aproximou mais o cavalo e depois desmontou.
Antes de se ajoelhar junto da rapariga, olhou-a novamente.
Usava uma blusa simples, saia de montar e umas botas muito elegantes, de tacão alto e esporas.
Era, certamente, uma rancheira da região, Cass não a conhecia, como é natural, pois a rapariga teria uns dezanove anos e ele há dezoito que saíra dali, para só agora voltar.
Pegou na jovem como se fosse uma pena e atravessou-a sobre a sela do cavalo. Depois montou ele próprio, após o que tomou a rapariga nos braços. Lembrava-se, vagamente, de que, não muito longe, corria um pequeno regato, e dirigiu o cavalo para lá.
Alcançou-o em menos tempo do que pensara. Desmontou e transportou o corpo inanimado até à beira da água, pondo-o, cuidadosamente sobre a relva, fresca e macia.
Tirou o lenço do pescoço e examinou detidamente a formosa cabeça da rapariga. Encontrou um ferimento na nuca. Ao que lhe pareceu, fora provocado por uma pedra, quando ela caiu... de um cavalo, talvez?
Enquanto fazia esta interrogação a si mesmo, molhou o lenço na água e começou a limpar o ondulado e ruivo cabelo empastado de sangue e pó. Quando viu a ferida completamente livre de sujidade, molhou a ponta do lenço com uísque que tirou de um cantil e procedeu a uma sumária desinfeção. Em seguida rasgou várias tiras do lenço e com elas improvisou uma ligadura que passou à roda da cabeça da rapariga.
Permaneceu algum tempo a contemplar a respiração ritmada que o elevar do peito juvenil marcava. Simultaneamente, tentava calar uma voz que só ele ouvia:
«— Vai-te embora e não voltes! Não voltes a Cheyenne! Vai-te, idiota...»
Levantou-se, uma vez que a rapariga não voltava a si, resolveu levá-la a Cheyenne. Lá, certamente, que alguém a conheceria.
Voltou a pegar-lhe e aproximou-se do cavalo, quando ouviu o ruido provocada pelas patas de vários cavalos lançados a galope.
Tornou a pousar a rapariga no chão e quando levava a mão ao «Colt» verificou que já não tinha tempo.
Segundos mais tarde, estava cercado por uns vinte cavaleiros silenciosos, todos vaqueiros, a julgar pelos trajos que usavam.
— Quem é você e que faz aqui com a minha filha? Que aconteceu? Responda!
Quem fazia estas perguntas era um homem forte e alto como um pinheiro, de olhos cinzentos e de aspeto nobre, apesar dos seus modos e do tom das suas palavras.
— Encontrei-a a cerca de meia milha daqui, patrão — respondeu Cass em tom ainda mais seco do que o cavaleiro. — Suponho que caiu de um cavalo, mas isso só ela o poderá explicar quando acordar. Quanto a mim, chamo-me Cass Tirrell e vou a caminho de Cheyenne.
O rancheiro não respondeu, pois desmontara já de um salto e correra para a filha.
Depois de a examinar, tomou-a nos braços e caminhou para o cavalo. No caminho olhou para as tiras que ligavam a cabeça da rapariga e em seguida para os restas do lenço que Cass tinha preso ao pescoço.
Foi já com modos afáveis que voltou a falar ao rapaz.
— Espero que não seja nada de grave, Tirrell —disse-lhe ele. — Se não tem pressa de chegar a Cheyenne, peço-lhe que nos acompanhe, ao meu rancho.
— O senhor manda — respondeu Cass.
— Então vamos.
Montou, a cavalo e voltou-se para um dos vaqueiros:
— Tu, Phil, corre a Cheyenne, e chama um dos médicos de lá.
Ao colocar o pé no estribo, Cass olhou em volta e sentiu-se satisfeito por não notar a mínima hostilidade nos semblantes dos vaqueiros.
O chamado Phil partiu a galope e o grupo pôs-se também em marcha com o rancheiro à frente a marcar um andamento moderado e Cass logo atrás dele,
Meia hora depois, a' rapariga começou a dar sinais de voltar a si, e todos pararam.
Ela não sofrera, realmente, mais do que o desmaio provocado pela pancada, porquanto, decorridos uns momentos de natural confusão, mostrou-se logo risonha e bem-disposta, ante a compreensível alegria do rancheiro.
Este e a filha trocaram algumas palavras e depois ela passou para a garupa do cavalo, agarrando-se à cintura do pai.
Antes de se porem de novo em marcha, Cass viu que ela se voltava para trás e lhe sorria, ao mesmo tempo que acenava com a mão.
O rapaz sentiu-se deslumbrado com o encanto daquele sorriso e com o brilho de tão formosos olhos.
Correspondeu com uni ligeiro sorriso e depois desviou os olhos.
Seguia na retaguarda do grupo, embrenhado nos seus pensamentos, quando notou que alguém cavalgava a seu lado, estribo com estribo.
Voltou a cabeça e enfrentou um semblante tão duro como o seu próprio, embora muito mais velho, no qual luziam uns olhos castanhos e vivos.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

KNS104. Não voltes a Cheyenne

 
(Coleção Kansas, nº 104)

Apesar deste aviso feito em tom ameaçador, passados 18 anos Cass Tyrrel voltou a Cheyenne e aí vingou a memória dos pais ultrajados por uns facínoras que chegaram a apoderar-se das suas terras. Conquistou também a mais linda rapariga que conhecera até então, uma jovem que, curiosamente, também andava a ser perseguida por uma estranha seita.
Joe Mogar é um bom autor, esta obra demonstra-o amplamente, tem bons argumentos, mas é um pouco repetitivo e não é um grande produtor de passagens, ficando, neste aspecto, bem abaixo de um Clliff Bradley ou mesmo de um Raf Segrram. Por esse motivo, deste livro muito interessante, só vamos extrair os primeiros dois capítulos.

domingo, 26 de novembro de 2017

PAS809. Dodge, dois minutos

— Oh!
Gail deteve-se, sobressaltada, levando a mão direita à garganta e olhando para Martin com os olhos muito abertos.
Cada vez que a via, Martin surpreendia-se por achá-la mais bonita. Não se tratava só da sua perfeição física. Existia algo mais que não se via, que não podia definir-se. Eram a sua expressão e viveza, o brilho dos seus olhos e dos seus cabelos; eram mil coisas encantadoras que a faziam irresistivelmente sedutora.
O jovem dedicou à rapariga o melhor dos seus sorrisos, ao mesmo tempo que tirava o chapéu. — Que surpresa tão agradável, menina Culver!
Gail sobrepôs-se quase imediatamente ao seu assombro e, levantando a cabeça altivamente, olhou-o com frieza.
-- Vejo que lhe entregaram a minha nota, pois tem o chapéu.
— Entregaram-mo, com efeito. Um cavalheiro, se sabe o que isso significa, não desobedeceria jamais aos desejos de uma dama. É muito injusta, menina. Não fui a sua casa nem lhe impeço que feche os olhos, se não deseja ver-me. Eram os únicos desejos que expressava, e ainda que fosse uma autêntica lástima ocultar essa glória que tem nos olhos, eu s6 pretendo que me escute. Gail corou.
— Não quero ouvi-lo, nem vê-lo, nem tê-lo próximo. Está agora suficientemente claro? Faça-me o favor de ser ir embora imediatamente.
— Nada desejo tanto como agradar-lhe, menina. Mas posto que já expressou claramente que não acredita que sou um cavalheiro, correrei o risco de que se afirme na sua opinião.
— Isso já o fez — replicou Gail, secamente.
E em seguida começou a andar, muito erguida. Martin foi uns momentos atrás dela, pondo o chapéu.
— Não foi minha a culpa que seu pai me julgasse um federal. Nada fiz para induzi-lo nesse erro.
A rapariga continuou andando, sem dar a menor mostra de tê-lo ouvido nem de advertir a sua presença.
— Por outro lado, fui o mais prejudicado. Estivera várias vezes a ponto de me matar.
Tão-pouco aquilo a comoveu. Martin tentou, então, deliberadamente' enfurecê-la compreendendo que seria a única maneira de romper a sua reserva.
— Quando você... me ajudou, a minha vida estava real mente em perigo.
Naquele momento viu como ela corava, e um instante depois tinha parado, enfrentando-o com os seus formosos olhos fulgurantes de indignação.
— Você é um... um... — mas não pareceu encontrar a palavra adequada, dentro das limitações impostas a urna menina de bons princípios. — Como se atreve a recordar o seu descaramento? Abusou imperdoavelmente de que o pensasse em perigo mortal. Não é mais do que um malandro. Um... — de novo não encontrou o vocábulo apropriado, e calou-se.
— Aquilo foi algo que perdurará no meu coração e na minha memória no resto dos meus dias — disse ele, com intenção, sorrindo alegremente.
— Oh! — Gail olhou-o com as faces coradas e os olhos lançando chamas. — Vá-se embora! Não quero vê-lo! — gritou a rapariga, que pôde ler nos olhos do texano quanto ele a desejava.
— Se fosse um homem ou tivesse pelo menos uma arma...
— Se você fosse um homem não estaria agora tão zangada comigo e eu não teria corrido perigo algum nem iria jogar a vida dentro de uma hora.
Martin procurava irritar e desconcertar a rapariga, mas surpreendeu-se ao advertir o efeito das suas palavras. Assombrado, viu como o calor desaparecia das faces da jovem, passando de encarnado a urna palidez, e também como a indignação que relampejava nos seus olhos era substituída pelo escuro temor que os tornava quase negros.
A sua surpresa impediu-o de juntar mais alguma coisa, e produziu-se um silêncio de admiração e descontentamento. Gail depressa baixou a cabeça e começou a andar de novo, quase precipitadamente. No entanto, não foi muito longe.
— Você... lutou com Henry? — perguntou inesperadamente, detendo-se, de novo, ainda que sem olhá-lo.
Então foi Martin quem sentiu um estranho receio. Toda a sua alegre fanfarronice e segurança em si mesmo não bastavam para fazê-lo supor que ela temesse pela sua vida, e a única alternativa produzia-lhe uma profunda e dolorosa opressão no peito. Seria possível que Gail amasse Henry?
— Desafiou-me — murmurou roucamente.
Ela não disse nada. Permaneceu imóvel, com a cabeça baixa, de modo que Martin não podia ver-lhe os olhos. E não soube que juntar. Pela primeira vez em toda a sua vida, o jovem conheceu a cruel mordidela dos ciúmes. Sentiu um ódio tão intenso, que lhe produziu um estremecimento e lhe fez apertar os punhos até cravar as unhas nas palmas das mãos, e a ânsia de matar assaltou-o como uma abrasadora labareda que lhe queimou as entranhas e lhe corou as faces.
— É seu noivo? — perguntou surdamente. Ela levantou a cabeça para olhá-lo. Tinha os olhos cheios de lágrimas e uma perturbadora expressão neles, que Martin não pôde compreender.
— O quê?
O jovem fez um esforço para aclarar a sua voz.
— Perguntava-lhe se Henry é seu noivo.
— Oh, não! — Disse-o com indiferença, como se estivesse muito longe.
— Eu... farei o possível por não o matar. Se tenho uma única oportunidade, procurarei desarmá-lo sem lhe fazer outro mal.
Ela baixou novamente a cabeça, de forma precipitada, e algo como um afogado soluço escapou dos seus lábios.
— Por favor, deixe-me! — disse, ao mesmo tempo que se voltava, e começou a correr, precipitadamente.
O tom em que foi feita aquela súplica conseguiu que Martin ficasse petrificado, olhando-a com um véu húmido nos olhos e um nó na garganta. Vendo-a afastar-se dele, da sua vida, compreendeu perfeitamente o que aquela rapariga tinha chegado a ser para ele. Parecia-lhe impossível que tal coisa tivesse podido acontecer em tão pouco tempo, mas a razão nada tinha que ver com os sentimentos.
— Sou um estúpido romântico — disse, com uma careta —, a quem lhe ocorre saltar dum comboio somente por um bonito palmito de cara.
Deitando o chapéu para trás, meteu as mãos nos bolsos e começou a andar lentamente, assobiando uma canção.
Não podendo chorar, só lhe restavam dois caminhos: aumentar o peso do seu rival em algumas onças ou ir-se embora. E como tinha prometido não matar Henry...
— Dodge, dois minutos — disse em voz alta, imitando a entoação do empregado do caminho de ferro.
 

sábado, 25 de novembro de 2017

PAS808. A cabana da tia Sarah

Talvez por ser de dia, ou devido a que já fosse conhecido de que não era um polícia, o caso foi que não pôde descobrir nada suspeito, nem que alguém o seguisse.
Ao chegar diante da cancela da casita, o jovem vacilou, indeciso. Pela manhã não era nunca boa a hora para visitas, e realmente não tinha nada que justificasse ir molestar a boa mulher. Instintivamente, levou a mão até ao bolso da jaqueta, onde guardava a nota de Gail, e o leve toque do papel acabou com as suas vacilações.
Resolutamente, abriu a cancela, atravessou o jardim e bateu à porta. Esta foi aberta com tal rapidez que pareceu estarem esperando a sua visita.
—Como se atreve a pôr aqui os pés, jovem desavergonhado?
A frase foi dita com voz gritante, mas nos olhos vivos da anciã havia um riso malicioso, de modo que Martin não se aborreceu e, tirando o chapéu, sorriu também.
— Devo lembrar-lhe que me convidou — disse.
— Mas isso foi antes de saber o malandro que você é.
Martin riu calmamente e respondeu:
— Tem um grande reportório de palavras feias.
— Não se' faça inocente, jovem, que sou demasiado velha para que me possa enganar. Você veio seguindo a minha sobrinha, mas não lhe vai servir de nada fazer-se de novas.
O jovem olhou-a, assombrado.
— Quer dizer que... está aqui?
Tia Sarah piscou-lhe um olho.
—Claro que está! E não finja que não o sabia.
Martin compreendeu perfeitamente que a anciã se estava divertindo à sua custa, mas naquele momento encontrava-se demasiado confuso para saber como raciocinar. Vá-se embora daqui, jovem libertino. Ela estava quase a sair, mas já não o fará até estar bem segura de que você se afastou. Não quer voltar a vê-lo nunca mais.
Depois de dizer aquilo, deu-lhe praticamente com a porta na cara. O jovem ficou olhando a porta de madeira até que o sentido das palavras de tia Sarah se foi infiltrando entre as nuvens do seu aturdimento.
E, de repente, a sua confusão desvaneceu-se por completo, assaltando-o tal alegria, que esteve a ponto de dar uma cambalhota. Gail estava ali, e ia sair de um momento para o outro! Poderia vê-la e falar-lhe! Voltando-se sobre si mesmo, afastou-se a grandes passadas.
Quanto mais depressa o perdessem de vista, mais rapidamente Gail sairia, pois devia estar escondida atrás de qualquer cortina. Este pensamento esteve quase a fazê-lo voltar a cabeça para ver se a descobria, mas pôde conter-se a tempo. Não devia alarmá-la, pois se ela suspeitava das suas intenções, poderia fazer bastante comprida a espera. Era ainda cedo, mas o seu encontro com Henry Spincer não lhe deixava muito tempo.
Resolutamente, meteu-se pela rua que desembocava diante da pequena vila de tia Sarah, e seguiu-a até estar bem seguro de que não podiam vê-lo desde o sítio onde iria esperá-la.
Só então voltou a cabeça e, ao comprovar que não podia ver mais que o muro do jardim, apressou-se a encostar-se à parede e retrocedeu sobre os seus passos. Continuou até ver a borda do marco da primeira janela e deteve-se sem se atrever a continuar, por temer que o pudessem descobrir.
Sem dúvida, não bastava estar ali, pois não via a porta nem a cancela, de modo que se Gail tivesse a menor suspeita de que a estava aguardando, poderia enganá-lo facilmente, indo por outro sítio. Voltou a seguir pela rua com passo cada vez mais apressado, até acabar por correr.
Por aquelas ruas apertadas não se via ninguém, mas de qualquer modo, Martin não lhe importava em absoluto que o vissem correr, e fê-lo com toda a ligeireza de que era capaz, metendo-se pela primeira transversal, saindo novamente para o descampado.
Assomou com cuidado atrás da esquina de um curral e pôde ver a casita e também as duas mulheres, que se despediam carinhosamente diante da cancela. Naquele momento teve que ocultar-se, porque Gail, com a cabeça voltada para o final da rua que acabava de abandonar, vinha diretamente na sua direção.
—És um sol, tia Sarah! —disse para si, pois já não tinha dúvida alguma de que todos os impropérios e desplantes da velha dama, não tiveram outro objetivo do que indicar-lhe a presença da sua sobrinha e de que ela se dispunha a ir-se embora.
Um momento depois ouvia o rápido bater dos passos da rapariga, que soavam apagadamente ao pisar a dura e seca terra nua.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

PAS807. Um aristocrata ofendido na sua honra

Martin estreitou, com os seus fortes braços, a rapariga e beijou aqueles lábios que o estavam enlouquecendo desde o mesmo instante em que os viu.
Ela não lutou. Permaneceu imóvel, sem responder à sua carícia, mas aceitando-a passivamente.
O jovem, então, recordou as suas experiências e, sobretudo, os ensinamentos daquele diabo tentador da Jade, a «vedette» francesa de Chicago, e juntou a tudo isso algo que nem sequer sabia então, que tinha surgido no seu interior.
Esqueceu até os passos e não ouviu como se aproximavam até se deterem ali mesmo.
— De modo que era isso!
A voz rouca e violenta fê-lo voltar a si da loucura em que se encontrava, e levantou a cabeça para o homem que permanecia em pé diante do banco.
O luar caía plenamente sobre o inoportuno, e pôde ver que se tratava de um atlético rapagão, jovem, bem vestido, de angulosas feições, onde se marcavam fortes ângulos de luz e sombra.
— És igual a todas as outras — continuou o homem, dizendo as palavras com profundo desprezo e mal contida violência. — Deste-me largas, brincando com os meus sentimentos, só para te atirares para os braços do primeiro forasteiro que chega.
—Henry! — exclamou a rapariga, demasiado surpreendida para reparar de que a estava insultando.
Mas Martin já se tinha posto de pé, como que impulsionado por uma mola.
— Não tens vergonha nem... — continuava o chamado Henry.
O forasteiro estendeu, então, o punho esquerdo e aplicou-o no estômago de Henry e, com verdadeira gana, pondo toda a sua força e impulso nisso, disparou um formidável gancho à ponta do queixo do adversário, levantando-o e estirando-o de costas no chão, tão inerte e pesadamente como se fosse um saco.
Antes de cair em terra, o enfurecido Henry rebolara pelo canteiro.
Martin voltou-se com apreensão para a rapariga, temendo as suas iras.
Mas ela não lhe fez uma cena, como temia, nem formulou sequer a menor reprovação por tê-la beijado. Parecia assustada, e nem por isso precisamente, como o demonstraram as suas primeiras palavras:
—Tem que abalar imediatamente. Seria impossível fazê-lo entrar em casa sem que ninguém o visse, nem tão--pouco pode sair por porta alguma. Tudo está cheio de gente. Terá que voltar a saltar o muro.
— Não se preocupe por isso.
— Siga a rua até à terceira transversal à esquerda, o encontrará uma pequena quinta, já nos arredores da capital, completamente rodeada de jardim. Convença-se de que não há ninguém pelos arredores antes de bater à porta. Abri-la-á uma mulher magra, já de idade. >G a minha tia Sarah. Vive só, e se você proceder com cuidado, ninguém suspeitará de que se refugiou ali.
— Mas é que...
— Vamos, não há tempo a perder. Henry armará um escândalo quando recuperar os sentidos.
— Quem é esse Henry? — perguntou Martin, sentindo uma aversão tão profunda como injustificada contra aquele jovem que nem sequer conhecia.
Mas ela pareceu não ter ouvido a pergunta. Voltou a pegar-lhe no braço e levou-o precipitadamente até ao muro.
— Vamos, suba — disse. — Espero que esta trepadeira seja bastante resistente para sustê-lo.
Tinha-lhe soltado o braço e Martin voltou-se para olhá-la. Iluminada pelo luar, pôde vê-la quase com a mesma claridade que à luz do dia. E estava maravilhosamente formosa. Sentiu novamente um desejo louco de voltar a beijá-la. Sem parar de refletir, incapaz de conter-se, Martin inclinou-se ligeiramente, solando de novo os seus lábios aos da jovem. Beijou-a loucamente e, ao afastar-se, reparou que a jovem tinha os olhos muito abertos, tão grandes que pareciam querer sair-lhe do rosto. Ele, então, disse:
— Não teria sabido de que outro modo poderia agradecer-lhe tudo o que fez por mim. Depois, voltou-se para o muro e trepou agilmente pelo grosso tronco da trepadeira, saltando para o outro lado.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

PAS806. Passos na noite escura

Internou-se pela rua, aproximando-se do muro. Era feito de pedras, e para uma pessoa muito ágil e de fortes dedos, não era impossível trepar por ele. O jovem ficou indeciso durante uns segundos. Não conhecia aqueles sítios, ignorava onde se encontravam os seus inimigos e quem eram estes, pelo que não se podia prevenir contra eles, e ser-lhe-ia igualmente perigoso continuar deambulando pelas sombras ou voltar para o hotel.
Necessitava urgentemente um refúgio, um lugar onde pudesse deixar passar algumas horas que desconcertassem e até fizessem desistir os assassinos. Não tinha a menor ideia de onde poderia esconder-se.
Resolutamente, iniciou a subida do muro, e depois de um par de infrutuosas tentativas pôde assomar por cima do muro.
Este dava para um formoso e bem cuidado jardim, profusamente adornado, em torno da casa, ainda que não se visse dali.
Do seu alto observatório podia ver uma grande animação. Dançava-se no amplo terraço e também no jardim, e à simples vista resultava fácil calcular que se reuniam ali mais de meia centena de pessoas.
A casa era ampla, branca, de dois andares e vermelho telhado, adornada com esbeltas colunas. Se uma casa podia definir a personalidade e procedência dos seus donos, aquela fazia-o sem a menor dúvida. Aristocratas procedentes da Louisiana. Ou pelo menos, tal era a ideia que Martin tinha sobre as casas dos grandes plantadores do Mississípi.
Rapidamente passou para o outro lado, deixando-se cair agilmente no chão e, ainda agachado, olhou em seu redor.
Tinha produzido algum barulho ao roçar pelos ramos de uma árvore trepadeira que ocultava a fealdade do muro por aquele lado, mas dificilmente podiam tê-lo ouvido, mesmo que se encontrasse muito próximo, pois a música e as vozes teriam afogado qualquer som mais forte.
Em seguida, ficou tenso ao descobrir, meio oculto entre alguns arbustos, um banco muito próximo, onde se sentavam duas pessoas.
O seu sobressalto durou soente uns instantes, até reparar de que se tratava de um par muito enamorado, que não tinha ouvido nada, tão absortos estavam nas suas conversas amorosas.
Martin esperou um momento e, na altura em que se beijaram, saiu de entre as plantas, afastando-se por um estreito caminho, com um sorriso malicioso nos lábios.
Não tomou muitas precauções. Limpou as mãos e, sacudindo a roupa, fez um cigarro e escondeu o chapéu entre uns arbustos. Depois encaminhou-se decididamente para a casa.
Dada a quantidade de gente que dançava e se movia em torno do terraço, chamaria muito menos a atenção confundindo-se entre elas do que passeando solitário pelos sítios escuros.
A sua ideia, ainda que audaz, era boa, indubitavelmente. Mas houve algo com o que não tinha contado e no que nem sequer pensou.
Corretamente vestido e de boa presença, nada o diferenciava dos homens que dançavam ou conversavam por ali, uma vez próximo do terraço, pois também se viam alguns com revólveres pendentes do cinto. Ninguém lhe prestou atenção.
Mais calmo, quando olhava em seu redor, levemente sorridente, pensando na possibilidade de divertir-se dançando com alguma rapariga bonita, os seus olhos encontraram a jovem da estação.
Viu-a no momento em que, rindo, com a cabeça voltada, se separava de um grupo de homens já maduros, com os quais parecia ter estado brincando. A sua atenção foi ainda mais despertada pelo recorte gracioso e esbelto da sua figura, envolta numa nuvem de tule branco, e pelo doirado da sua cabeleira, que lhe caía sobre os ombros em enormes ondas, artisticamente penteadas.
Estava ainda um pouco indeciso, quando ela se voltou, quase tropeçando nele.
Gail levantou a cabeça, ainda sorridente, e daí a pouco abriu imensamente os olhos, levando a mão direita à garganta, tão sedutora como toda ela.
— Oh!
Os seus lábios, cheios, encarnados, formaram um pequeno e delicioso círculo. Estava muito bonita.
Martin ocultou como pôde o seu sobressalto e, ampliando o sorriso que se tornara um pouco rígido, inclinou-se galantemente.
— Levei séculos procurando-a para lhe apresentar as minhas desculpas pelo incidente desta tarde — disse, recorrendo a toda a desfaçatez de que dispunha.
Ela nem sequer pareceu ouvi-lo.
— Você! — exclamou, muito aflita.
— Foi um desafortunado incidente em que ninguém teve culpa, asseguro-lho — continuou o jovem, com um desembaraço mais fingido do que outra coisa. — Mas não me sentirei tranquilo, enquanto não ouvir dos seus próprios lábios que já o esqueceu.
Ela agarrou-o pelo braço.
— Venha — ouviu-a dizer.
Aquilo era, certamente, a última coisa que Martin esperava ter ouvido. No entanto, deixou-se levar sem opor a mais leve resistência, entrando novamente nos lugares mais escuros do jardim.
Ela parecia conhecer muito bem todos os recantos, e o jovem temeu que o levasse diretamente para o mesmo lugar por onde havia saltado.
Mas, pelos vistos, não era isso que ela desejava, pois ouviu como a jovem deixava escapar uma clara exclamação de contrariedade quando, entre os arbustos, pôde descobrir o banco onde o par de namorados continuava beijando-se, muito apertado.
Martin reparou que a jovem vacilava um instante, mas quase em seguida voltou a puxar por ele e, sempre agarrando-lhe pelo braço, levou-o até outro recanto afastado, onde se encontrava um banco, desta vez vazio.
Gail conduziu-o até lá quase correndo, como se temesse que fosse alguém ocupá-lo. Sentando-se, puxou por ele para o fazer ocupar um lugar a seu lado.
— Viu aquele par? — perguntou-lhe num sussurro.
O jovem não pôde evitar um sorriso divertido.
—Perfeitamente — assentiu, igualmente calmo, tanto para manter o misterioso tom da jovem, como para ocultar o riso que lhe bailava.
— Pois comporte-se como se... se fôssemos também apaixonados — continuou ela, sussurrando. —É a impressão que devemos dar, no caso de alguém nos ver.
Martin olhou-a entre irónico e assombrado, mas a escuridão ali era quase completa, e o rosto dela, apesar de o ter muito próximo, era somente uma pálida mancha.
— Se assim o quer... — murmurou, sufocadamente.
— Só para dar a impressão — apressou-se ela a advertir quando Martin estendia já o braço para enlaçar os seus ombros nus.
— Mas suponho que será necessário fazê-lo ao vivo —disse ele, rodeando os maravilhosos ombros da rapariga.
— Aproxime a sua cara da minha. Com isso bastará. Está demasiado escuro para que alguém consiga reconhecê-lo e, desse modo, poderemos falar ao ouvido.
Martin prestou-se com muito gosto. Tendo-a praticamente abraçada, roçando a sua face com a dela e sentindo a sua perturbadora proximidade, aspirando o seu ténue, ainda que embriagador, perfume, ouvindo o leve e algo agitado sussurro da sua respiração, notando incluso a agitação do seu busto e o levantar e baixar dos seus erguidos seios, desvaneceu o seu sorriso e advertiu que estava ainda em maior perigo que quando os quatro assassinos o perseguiam, disparando contra ele. Então podia defender-se e fugir, mas agora...
Tão absorto estava nas suas sensações, lutando mesmo contra o clamor do seu sangue, que a voz dela, apesar de não ser mais do que um suspiro junto ao seu ouvido, produziu-lhe um sobressalto.
— Como pôde entrar aqui? — perguntou-lhe ela.
Martin necessitou de fazer um esforço para compreendê-la e coordenar os seus pensamentos.
— Sei perfeitamente quem é. Não percamos tempo—disse a jovem.
— Assim o crê? — perguntou Martin, apagadamente, sobrepondo-se aos seus instintos.
— Não, não se afaste.
O jovem, não muito seguro de si mesmo, pois aquela rapariga tinha-lhe produzido uma profunda impressão desde o momento em que a viu, intentava afastar-se um pouco, mas ela conteve-o, puxando-o mais contra o seu peito e encostando suavemente a face contra a dele.
— Confio em que a sua presença aqui não haja sido advertida, mas não estou muito segura, e. poderiam as. piar-nos.
Martin ouvia o seu coração bater no peito de tal modo, que duvidava muito não atraísse quantos se encontrassem na casa, para averiguarem a razão daquele maluco martelar.
— Não sabe bem o perigo que estou correndo — suspirou, sentindo-se completamente perdido. — Honradamente, creio que devia ir-me embora sem perda de tempo.
— Não me explicou como teve o atrevimento de se meter aqui — continuou Gail, trocando completamente o sentido das palavras do jovem. — Meu pai estava seguro de que você intentaria vê-lo, pelo que me advertiu da sua personalidade por se... para que não...
— Não me faria um escândalo — sorriu Martin.
Sentiu perfeitamente o pestanejar dela, pois estavam tão juntos que as pestanas da jovem lhe roçaram pela face.
— Esqueçamos isso — murmurou Gail.
— Asseguro-lhe que não foi intencional. Um golpe de vento arrebatou-me o chapéu e...
— Não tem importância e já o esqueci. E em seguida acrescentou: — Afinal, ainda não me disse como entrou aqui. Isso é para mim muito mais importante. O jovem esboçou um sorriso e respondeu:
— Saltando o muro. Perseguiam-me e, calculando que ninguém me conhece em Dodge, pensei que poderia confundir-me entre os convidados.
A jovem olhou-o, surpreendida.
— Que loucura! Não compreende que neste momento já toda a gente sabe a sua descrição? E que é aqui precisamente onde esperam que venha?
Agora foi a vez dele se mostrar surpreendido.
— Porquê?
De novo sentiu na sua face a carícia das pestanas da jovem. Sobressaltou-se.
— Por favor! — murmurou Gail, com impaciência. —Tem que se ir embora imediatamente. Cada minuto que passa aqui é um constante perigo para a sua vida. Portanto, peço-lhe que parta!
Martin não estava disposto a abandonar a companhia de Gail.
— Que importa? Já não tenho salvação — murmurou.
A jovem tentou animá-lo.
— Não desespere. Ainda que não possa voltar ao hotel, pois seguramente o terão vigiado, eu já lhe arranjei um bom refúgio para si.
Martin acariciou levemente a face dela e aspirou o seu perfume. Naquele instante, um débil raio de prata acabava de atravessar os arbustos, pousando sobre a doirada cabeleira da jovem, pois a Lua começava a assomar, então, por cima do telhado da casa. O jovem notou como a rapariga se punha rígida e, perdendo completamente a cabeça pela sua formosura, pela sua proximidade, pelo influxo da Lua que a acariciava com a sua luz de prata, ia a beijá-la, quando percebeu perfeitamente o som de uns passos que se aproximavam na direção do banco onde se encontravam.
Gail também os deve ter ouvido, pois imobilizou-se quando já tinha apoiado as mãos no peito para rechaçá-lo na sua investida.
Os passos soavam cada vez mais fortes.
A Martin pouco lhe importava que alguém se aproximasse. Alegrou-se, realmente, já que por isso se lhe deparava uma magnífica oportunidade para se aproveitar da situação.
Sem qualquer receio, e sentindo os passos já muito perto do banco, fê-lo em seguida.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

KNS100.1 Reencontro com «Dodge, dois minutos»

Após a venda com sucesso de um conjunto de cabeças de gado em Chicago, Martin regressou de comboio com os seus vaqueiros à terra de origem. Em Dodge, o jovem resolveu sair do comboio para desentorpecer as pernas, mas uma rabanada de vento atirou o seu chapéu contra uma jovem de beleza inigualável, acabando por lhe produzir uma atrapalhação de tal ordem que a pequena se estatelou.
Martin desculpou-se, mas não foi bem atendido. Apesar de tudo, depois de ver a jovem afastar-se resolveu ficar na cidade.
E os dois minutos da paragem transformaram-se nos mais importantes da sua vida ao ser confundido com um federal, que uns procuravam abater e outros proteger, que vinha investigar a sucessão de roubos que andavam a ser praticados na cidade.
Sigamos então os encontros de Martin com a bela Gail e as suas desavenças com o ciumento Henry que acabou para o desafiar para um duelo…

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

CLT103. Milionária perigosa

 
(Coleção Colt, nº 103)
 
No final da guerra da Secessão, um conjunto de gente pouco séria tenta apoderar-se da fortuna de um simpatizante da causa do Sul que se encontrava depositada no México. Alguns não hesitaram em matar o velho banqueiro, mas acabaram por ter de se enfrentar com a filha do mesmo e com um pistoleiro que acabou por cair nas suas graças depois de o ter chicoteado violentamente.
Este livro já não tem o encanto das primeiras obras de Kane. É em estilo corrido possivelmente para responder à pressão das editoras, parecendo em algumas passagens algo resumido...

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

PAS805. A adorada impossível

Charmion Graham meditara um longo momento antes de decidir-se a aparecer.
Lyon Carmichael saltou em pé, abandonando o rebordo onde se sentara. Tirou lentamente o amplo chapéu que colocou sobre as costas e disse solenemente:
— A tua palavra aprazível e firme tem estado sempre no meu coração., raiozinho de sol. Não deves erguer-te nem ofender-te, Charmion, mas sim escutar-me com a mesma indiferença com que a alta, aparecendo para todos, é contemplada com adoração. E quando regresses à tua região continuarás sendo a imagem que ilumina a minha solidão, raiozinho de Sol que ilumina as trevas, a louçã rosa que invade os meus sentidos, ainda nos instantes mais sangrentos do combate. E não desaparecerás, Charmion... Continua brilhando a estrela, mesmo quando o pirilampo na terra a adora...
Charmion Grabant perguntou mentalmente como era possível que o selvagem, que nos combates arrepiava os seus próprios aliados, o homem dos olhos de prata, pudesse falar tão timidamente, embora com ousadas declarações…
Um espírito primitivo, havia dito Clem Bogart, a quem era preciso tratar com simplicidade. E fê-lo ao dizer:
— Não combaterás mais com Harry, se queres que enquanto continue aqui possamos falar de... do que seja. E, além disso, poderias ter vindo muito antes, já que... o capitão Bogart me transmitiu a tua mensagem. Mas deve ficar bem entendido Lyon Carmichael, que eu... não posso, ainda, acomodar-me ao teu estranho modo de falar, porque na minha zona quando um homem... Enfim, eu aprecio-te, Lyon. Queres provar uns doces que eu. preparei? São saborosos., porque...
Retrocedeu assustada... Lyon aplicara um rude soco no peito e serenando-se, disse:
— Já passou o meu impulso, raiozito de Sol. Foi que, ouvindo-te, concebi tanta esperança que senti desejos de afundar o meu, alento .na doce carícia das tuas mãos. Já passou, Charmion.
— Muito te agradeço, Lyon. Por um instante fizeste--me medo. Não deves ser tão impulsivo. Prometes-me?
— Prometo.
— E agora diz-me: — Ela sorriu maliciosa, embora com o peito arfando ansiosamente, porque se sentia em perigo e se repreendia interiormente por aquele homem lhe agradar — É certo que uma rainha apache é tua escrava?
— Foi paixão que me atraiu e que se esfumou como o fumo do vulcão na luz pura do céu. Mas tu vives já para sempre, e comigo a tua imagem morrerá, quando o ferro inimigo me. vencer. Nenhuma, outra imagem vive no meu coração e cada vez que inclino a fronte para procurar repousar, meu pensamento lateja como o meu coração, repetindo sem cessar as mesmas palavras...
Charmion Graham, avançando, perguntou trémula:
— Que palavras alteram o teu sono, Lyon?
Com fervor, amarrotando. entre as suas mãos o chapéu, ele disse:
— Toda a formosura do Universo reside na minha adorada impossível. Ela é doce tormento inextinguível. Ela é Charmion, o meu raiozinho de sol. Charmion, minha amada. Charmion...
A mãozinha fragrante pousou nos lábios de Lyon. Calava-o ou consentia? Lyon dobrou o joelho e com a respiração entrecortada beijou a mão direita de Charmion, mantendo-a depois contra a sua face.
— A tua felicidade far-me-á feliz, Charmion. Mas... sai do meu território se outro homem há-de possuir-te por esposa. Já não seria Lyon Carmichael, o que de joelhos beija a tua mão, mas sim aquele que os apaches continuam a chamar «Lua Escarlate», o Bronco Navajo, o que mataria... antes de se matar.
Novamente de pé, Lyon Carmichael perdeu todo o seu selvagismo. Algo incrível lhe produzia um êxtase de intenso, embora fugaz deleite.
Contra o seu peito, a cálida pressão de um busto ansioso e contra os seus lábios a fresca e breve pressão de uns lábios... E continuou com os olhos fechados, trémulo, alucinado...
Ouviu, como entre as brumas radiantes de um sonho maravilhoso: «Obstáculos que eu... não posso vencer».
A mão direita, sempre firme, tremeu, quando ela, colocando a sua mãozinha na dele, acrescentou:
— E agora, pelo Santo Céu! Fazes ou não honra aos meus doces?

domingo, 12 de novembro de 2017

PAS804. O cão só morde aquele que o odeia

Omer Graham montou para alcançar a galope o «mustang» sem sela que o mestiço conduzia para as escarpas do povoado navajo.
O rancheiro emparelhou a sua montada e disse:
— Os navajos não hostilizam aquele que nada lhes fez.
— Assim é.
— Meu irmão quis cingir-se às suas instruções; o meu caso é distinto. Quanto antes consiga a palavra de amizade de Calmed Blood, poderemos empreender o apaziguamento ou a guerra contra os apaches. Conheces bem o povoado navajo.?
— Ali nasci.
— Mas vives isolado.
— Porque eles estão pacificados e não saem a caçar. Eu sim.
— Tens feições de navajo e fala de 'inglês. Os teus olhos claros recordam-me alguém, mas neste momento não consigo acertar. Calmed Blood deve ser um guerreiro inteligente, já que conseguiu que a sua não hostilizasse aqueles que em breve dominarão estas. terras, trabalhando em união com todos os índios para o engrandecimento, do Arizona.
— Calmed Blood aceitou a palavra sábia de um enviado de longínqua terra. Ficarás assombrado com o que observarás no Recinto do Sossego.
— Recinto do Sossego? Sim .....Chamais assim à grande praça central onde se reúnem os chefes de lares e de tribo para conversarem. E também onde está o templo de Manitu.
— Manitu continua sendo reverenciado par muitos navajos, mas todos veneram o Deus crucificado.
— Não! índios cristãos? Isso é incrível!
— Há muitos anos que um monge se perdeu, quando os seus companheiros menos afortunados morreram às mãos dos navajos. E chegou extenuado ao povo que ainda não era chefiado por Calmed Blood. Sucedeu que, quando estava atado ao paste das torturas, um corvo maligno, que estava habituado a picar os olhos daqueles que eram atados ao poste, pousou no ombro do monge que vinha de uma distante missão mexicana. E em vez de lhe picar os olhos, colocou nos ressequidos lábios do monge um pedaço de pão de milho empapado em leite: o alimento das crianças navajos. Aquilo fez ver um bruxo no homem que os navajos se dispunham a torturar. E, pacientemente, o monge foi ganhando a amizade de alguns navajos. Não proibiu a adoração a Manitu, mas disse-lhes que o seu Deus era mais poderoso... E continua no povoado porque tem a esperança de que, algum dia todos os navajos dos Cliff Dowling acatarão os mandamentos de Cristo.
— Em outros territórios já os conseguiram pacificar. Mas por cada um que o conseguiu, centenas morreram. Isso do corvo— a que o atribuis tu, que não és supersticioso?
— O monge demonstrou depois um dom especial. Explicou-me que, sendo missionário franciscano, o seu credo o obrigava desde noviço a querer com verdadeiro amor aos animais de piores instintos, E explicou-me que o corvo soube adivinhar nele um irmão dos piores animais, um homem que os amava. Os animais adivinham quando um homem lhes quer; o cão só morde aquele que o odeia.

sábado, 11 de novembro de 2017

PAS803.Um tratado para a paz

— Pede a este homem juramento de que lá poderás entrar e sair livremente — disse Justos Graham, entregando urna bolsa com os documentos pedidos ao irmão.
O mestiço deu meia volta e afastou-se.
Omeir Graham disse em vos baixa:
— Já há quinze anos que os navajos não hostilizam. Não há perigo na minha ida. Obtido o tratado com a assinatura de Calmed Blood, teremos metade do terreno conquistado. Podemos acumular as forças necessárias a uma só finalidade: exterminar ou chegar a um acordo com os apaches. Lacey!... Fica aqui com o meu irmão ou regressa ao fortim. Irei com Branco Navajo. Os índios respeitam o homem que não os teme, e, neste caso, nenhum risco corro. Nenhum mal lhes fiz a eles.
— Tens razão — admitiu Justus Graham—. Mas se eu não vou, possa permanecer à distância combinada para pactuar...
— E expores-te inutilmente a um ataque apache. Esperem aqui ou vão ao fortim. Eu acompanho o mestiço.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

PAS802. A prodigiosa e estoica história de Fox Lacey

O cavalo pisava já as sombras entre os catos quando o caçador de cabeleiras apaches agarrou num pau afiado, espetando-o no Solo. Empregou o punho direito como maça. Prendeu as rédeas .ao extremo da estaca.
Só então desabotoou o gorro, tirando a vante que lhe cobria o pescoço, e prendeu-o ao arção.
O que se seguiu seria grotesco se não fosse repulsivo. Para tirar o gorro, efetuou uma estranha manobra: apoiou os dedos ala madeixa de negríssimo cabelo e esfregou a cabeça — um crânio desprovido de cabelo e cheio de costuras. Deixou cair a cabeleira e prendeu-a às suas orelhas. Era uma cabeleira densa e negra.
Olhou à sua volta, lentamente, à direita e à esquerda, pondo a mão esquerda no rolo de corda que pendia do seu cinturão.
E assim permaneceu enquanto. Kid Cactos se aproximava. Os olhos azuis do «escalpelado» e os claros olhos cinzentos do mestiço estudaram-se.
Finalmente, Kid Cactos, disse:
— Os apaches conhecem-me por Bronco Navajo. Os de Fort Defiance por Kid Cactos. Este é o Bosque dos Cactos e há água na nascente da parte Norte.
— Venho do Novo México... Chamo-me Fox Lacey. E antes de aceitar a tua oferta, Branco Navajo, é mais leal que saibas quem sou. São estas as minhas credenciais. Fox Lacey puxou por várias pequenas bolsas. Desatou uma e disse;
— Lê o seu conteúdo. De comum, caçamos apaches, mas os de Fort Defiance não me pagarão estes dois escalpes. Ouvi falar de ti ao Sul da Meseta dos Não-Convidados e ao Oeste do Little Colorado. É justo, pois que oiças falar de mim.
Fox Lacey entregou-lhe a bolsa e, dando meia volta, afastou-se para junto do cavalo, dando-lhe algumas palmadas nas ancas.
Kid Cactos extraiu dois papéis, uma folha grande e outra mais pequena. Começou a ler a primeira. Era uma folha de jornal.

«2 de Agosto de 1867.

A PRODIGIOSA E ESTÓICA HISTÓRIA DE FOX LACEY

«Os corpos dos brancos que os apaches mataram no caminho de Plum Creek, antes que pudessem chegar os cavaleiros de Omaha, foram levados para Albuquerque, onde a multidão disputava, o ensaio de observar os cadáveres daqueles homens que havia conhecido plenos de vigor e saúde. «Quem excitava mais a curiosidade era um inglês chamado Fox Lacey, de que damos a sua efígie. A morte de Fox Lacey, caçador de peles ao serviço da «American Fur Company», tinha sido anunciada.
«Voltava vivo, mas, de que maneira! Haviam arrancado o couro cabeludo ao desditoso. Aquela cabeça desprovida de cabelos e pele era uma massa repugnante. Lacey é talvez o primeiro homem que, privado do couro cabeludo pelos índios, haja saído vivo das suas mãos.
«Eis aqui como relata a sua aventura:
«Terça-feira, às nove da noite, havíamos saído de Pium Creek, a caminho de Albuquerque, quando, a dezasseis milhas do percurso, apareceram apaches de entre as altas ervas onde estavam escondidos, rodeando-nos.
«Estavam armados com carabinas de repetição e em número de vinte por cada um de nós.
Dois deles atacaram-me. Um disparou-me um tiro de carabina que me atingiu o braço direito. O outro, agarrando a sua carabina pelo cano, deu-me urna terrível coronhada que me derrubou. Consegui matar o primeiro apache do tiro, antes de cair.
«O outro maldito apache desmontou, e agarrando fortemente a minha cabeleira começou a arrancar-me o couro cabeludo. Experimentei horríveis sofrimento 'e unia 'angústia indizível. Mas tive a presença de espírito de não me mover inutilmente. A minha salivação estava em fingir-me morto.
«Quando .me deixou e se dispunha a saltar sobre o seu cavalo, pude lançar-lhe o meu punhal.
E... embora cabeleira por cabeleira, eu ainda continuo vivo!».
«Terminado o seu relato, Fox Lacey mostra-nos o «scalp» apache. E diz-nos que estando vivo tudo tem arranjo; basta uma cabeleira postiça.
Homens assim são os que escrevem a história do Grande Oeste».
A outra folha, com quatro orifícios nas suas pontas, tinha um texto muito breve. No centro, o rosto de Fox Lacey. Em cima:

VIVO OU MORTO
1.000 dólares ouro
E abaixo do retrato:

«Fox Lacey, assassino, que escapou da forca em Phoenix».
Kid Cactos dobrou os papéis, colocando-os na pequena bolsa de couro. Fê-la girar pelos cordões que a fechavam e atirou-a pelo ar.
Fox Lacey, voltando-se, apanhou-a no voo e avançou.
Disse:
— Por isto não podem pagar-me em Fort Defiance estas duas cabeleiras.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

PAS801. Encontro romântico com a filha do grande chefe

A planura de areia seivosa foi-se tornando mais compacta e menos resvaladiça quando distavam meia centena de metros os primeiros cactos polposos, excelente alimento açucarado.
À sombra destas plantas espinhosas e hostis pululavam coelhos selvagens, grandes ratos, sapos e lagartos, de cores variegadas.
Um pequeno mundo que sabia esconder-se quando o felino das mesetas, o «Chetah», metade pantera, metade leopardo, andava, contra o seu costume, pelo Bosque dos Cactos.
Um pequeno mundo que já conhecia, mas que se mantinha afastado do felino, que abandonava a zona onde cresciam os grandes «cactos de Josué», para acorrer ao cheiro do homem.
E não havia mais do que um homem tendo por mansão o musgoso espaço entre as árvores de Josué.
Kid Cactos para os de Fort Defiance e Bronco Navajo para os apaches, uns três anos antes tinha encontrado um cachorrinho junto de uma fêmea morta, o mesmo que, batendo agora a cauda contra os seus esbeltos flancos e com os olhos verdes fosforescentes, apareceu quando o mestiço pisava o seco solo oriental do verde bosque espinhoso.
O mestiço continuou caminhando no mesmo passo largo, à maneira do navajo que, sem cavalo, quer percorrer depressa e sem cansaço largas distâncias.
O «chetah» voltou a desaparecer quando Kid Cactos chegava ao círculo de vegetação musgosa que atapetava o solo, enquanto a dois metros de altura se enlaçavam, formando uma abóbada, líquenes e lianas que se haviam enroscado em torno das gigantescas árvores de Josué.
Entre duas pequenas rochas, a cinza cobria um fogo recém-acendido. Odor a carne assada, a ervas e a sumo de piteira refrescante exalava-se dos nacos de caça enfiados em compridas varinhas de fina madeira duríssima.
A mulher que havia preparado aquele «papoose» acabou de fincar a terceira vara pelo extremo que servia de pega.
Em pé, inclinou, por duas vezes, a cabeça que havia coberto com um tecido de cor azul e branco. Vestia como as filhas de chefe de tribo apache.
Tinha liberdade de acção e nunca era seguida.
— A filha de Wasai Heque é imprudente como uma pomba domesticada — disse o mestiço sombriamente —mas é uma doce chicotada que não magoa, vê-la esperar-me. Ela não sabe que poderá mostrar no seu bonito pescoço colares de marfim que embelezará a linda cor da sua testa, que poderá admirar num espelho que para ela fui buscar.
E descravou uma das varas, mordendo a carne com apetite.
— Spring Heque ama-te e não quer os teus presentes, Bronco orgulhoso. É filha de um grande chefe.
—Que ficará raivoso quando souber que sua filha se comporta como uma «mulher pintada». Os teus darão pelo meu cabelo muitos presentes, Spring.
—Se eu não tivesse gravado o teu rosto no meu coração, não me faltarias assim. O meu orgulho iguala o teu, Bronca «halfbreed».
— O meu meio sangue sussurra o teu nome com amor pelas minhas veias, porque não diferencia tribos, Spring. O sangue de navajo cala-se, porque seria vergonhoso que também murmurasse o teu nome com amor, Spring Heque. Depressa as trevas não me deixarão ver se na ausência o teu rosto recebeu ultraje da borrasca...
Ela deitou então o tecido sobre os seus ombros. Tinha os olhos negros fulgurantes e as finas feições da tribo superior que dominava a passagem oriental do Grand Canyon. O corpo forte, mas flexível, era bem o da «mulher herdeira» que só se desposasse um chefe apache deixaria de suceder a Wasaj Heque, «Lobo Astuto».
O mestiço acabou de comer. E colocou o bornal, o cinto e a carabina sobre uma das pequenas rochas. Estendeu-se sobre o musgo, bocejando:
—O cansaço mói o ânimo. Dormirei, filha de Wasaj.
Ela tirou do bornal o espelho e os colares. Colocou estes no pescoço e desfez as tranças. Adoptou diversas posições, dizendo:
— Sou preciosa como um amanhecer de Primavera, isso disseste. Sou bonita como o rumor duma fonte, isso disseste... — assim falava, enquanto Kid a procurava abraçar.
Fingiu debater-se para se sentir mais aprisionada no abraço. Fugia com o rosto. A filha de Wasaj Heque só dava o seu amor ao que a dominava: Bronco Navajo.
Murmurou algum, tempo depois:
— Os meus olhos turvam-se e sinto-me morrer quando gravas o teu nome nos meus lábios. Porque só eu conheço o teu verdadeiro nome. E em cada beijo renasce a minha contínua esperança. Eu serei algum dia a mulher-chefe dos Wasaj Heque. E tu poderás ser rei.
— Reino em ti e teu escravo sou. Basta-me e sobra-me.
— O teu «chetah» é mais amável, Bronco orgulhoso. Vou partir.
— Entrança primeiro os teus cabelos ou os guerreiros que te escoltaram se rirão de ti.
— Ninguém se atreve a rir de mim. E entrançarei o meu cabelo só quando eu o quiser.
Apoiada sobre um cotovelo, num êxtase prazenteiro, Sprig Heque dilatou repentinamente os seus olhos. Com felina elasticidade, pôs-se de pé, pressurosa. Guardou o espelho, colares e travessas.
Voltou a olhar o horizonte, onde o crepúsculo se tingia de vermelhas nuvens que acorriam como prelúdio do cálido e abrasante vento das mesetas.
Disse entrecortadamente:
— Voltarei quando passarem as homenagens devidas a Manitu...
Correu a colher o seu arco e as flechas. E empregando como bastão a sua lança com o distintivo da sua nobreza, abandonou apressadamente o musgoso oásis.
Bronco Navajo continuou estendido. Perto, a dois passos apenas, o «cheth» bocejou e espreguiçou-se, estendendo-se quanto pôde.
A lua escarlate não atemorizava o felino. E Bronco Navajo dormiu profundamente, sem loucura ou ataque de demência.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

PAS800. Perseguição invade território navajo

Keith Carmichael colocou a sua mão esquerda em pala sobre os Olhos fatigados. Tinha de continuar até ao Norte, se queria escapar.
Depressa o alcançariam os seus três perseguidores, pois, além de poderem substituir as suas montadas, contavam com provisões e facilidade de informes sobre o seu rasto.
Ele, pelo contrário, por ter enfrentado muitos, só, numa selvagem revolta do seu indómito carácter irlandês, agora tinha atrás de si os três melhores atiradores do Sul do Arizona...
Quatro dias, com as suas imensas noites, procurando despistá-los, piara, ao entardecer do quinto dia, os voltar a divisar, a umas cinco léguas ao Oeste!
Estavam a encurralá-lo na confluência do Little e do Grand Colorado.
Continuou a olhar para o arco azul que formavam o afluente e o rio principal. Era a sua única via de salvação.
Mas entre os seus joelhos, os flancos do alazão capturado a laço num cercado, duas noites antes, latejavam aceleradamente.
O melhor cavalo não poderia suportar aquela frenética fuga de horas e horas num constante galopar.
Keith Carmichael apoiou-se sobre a garupa para se voltar e olhar para o Sul, onde consumira as suas últimas munições.
Não havia possibilidade de retorno para o foragido Carmichael. E dam um alazão quase a rebentar entre as suas rijas pernas, uma carabina sem munições, e dois revólveres sem balas, aquele quinto dia de êxodo, significava o fim para Keith Carmichael.
O seu temperamento incitava-o à luta, mas seria um brinde para aqueles três seletos caçadores de homens enfrentá-los de mãos vazias.
Viu-os encorajar as suas frescas montadas, desfilando ladeira abaixa, seguros já de o alcançarem.
Carmichael fustigou o alazão. Uma careta feroz crispou o seu belo rosto onde os olhos duzentos se destacavam em contraste com o cabelo, negro e a tez bronzeada.
À esquerda, quase na confluência dos dois colorados, divisava-se o inexplorada e terrível Grand Canyon, como um dedo erguido, ameaçador, a indicar que era perigoso passar além da meseta dos Não-Convidados.
À direita, o Painted Desert e Cliff Dwelling. Um deserto de um esplêndido colorido, com as manchas verdes de enormes cactos, e as grutas onde habitavam ds navajos. Nenhum branco se aventurava pelo território que se estendia entre o arco formado pelos traços azuis da linha do horizonte. E foi por isso que Keith Carmichael levou o seu fatigado alazão, até um dos vaus da Little Colorado,.
Seria a sua última rebeldia. Aqueles três sabu¡os não o caçariam. Preferia deixar a cabeleira e todo o resto da pele entre os habitantes daqueles ninhos abertos nas rochosas escarpas das pequenas mesetas.
Iria tentá-lo. Seria quase agradável sentir cotim lhe separavam a pele do crânio, se as cabeleiras daqueles três atiradores acabassem também por adornar os cintos dos nava¡os.
Mas aqueles três homens não eram ingénuos, e era preciso sabê-los enganar. O chapinhar das patas dentro de água, em que se afundava até ao peito, pareceu vigorizar o alazão. As salpicaduras, empapando o cavaleiro, proporcionavam-lhe um deleite tanto mais grato quanto fugaz. Depressa, para Carmichael, terminaria toda e qualquer sensação.
Em vez de cruzar o vau, saltou, deixando, que o alazão se aliviasse da sua carga. E ambos, ao cabo de uns minutos, nadavam deleitosamente: o cavalo, submergindo até à boca, na ânsia de se refrescar; a seu lado, Carmichael, agarrado à sela, encontrava também um natural bem-estar em se submergir uns instantes.
Ainda queimavam os oblíquos raios do sol que declinava. E os três cavaleiros apareceram recortados no azul, que ia escurecendo sobre a meseta, onde meia hora antes Carmichael contemplava os pontos cardiais e avaliava ás suas possibilidades.
O alazão nadava em direção ao Norte, para a confluência dos dois rios, como se quisesse indicar que aquele caminho líquido era um alívio na tortura de fugir entre nuvens ide pó e um sol abrasador.
Keith Carmichael emergiu, quando a ribeira oriental mostrava já, um leito de seixos redondos. Reteve o cavalo que continuava mergulhado até ao peito e dedicou-se a uma estranha manobra. Via aproximarem-se os três cavaleiros, que ainda não, podiam 'empregar as suas carabinas.
Desencilhou o cavalo, e, puxando pelas rédeas, abandonou o rio. Outra «loucura» ido irlandês Carmichael, pensariam os seus perseguidores. Levava ao ombro a pesada sela com a sua bainha para a 'carabina sem munições. E colocara o cinturão com os dois revólveres sem utilidade em torno do arção.
Avançava diretamente piara Painted Desert. E quando distava três léguas do local onde pusera pé em terra, atirou a sela ao chão e obrigou o alazão a sentar-se sobre os quartos traseiros, à usança dos índios.
A última loucura do irlandês Keith Carmichael
E começou a rir em gargalhadas sucessivas, vendo como, passado a vau o Little Colorado, os três cavaleiros se agrupavam em conciliábulo.
Havia entre a caça e caçadores apenas uma légua, suficiente distância para que as suas carabinas se tornassem inúteis.
— Se deixarmos que a noite desça, esse louco torna a escapar-se, Smitters — murmurou um dos três.
— Já não tem munições, e o alazão não pode correr — respondeu o interpelado, 'em voz sonora.
— Mas se o perseguirmos, ele ainda arrancará umas milhas ao seu cavalo, Smitters.
Os três homens olhavam friamente as manchas verdes dos catos e as escarpas rochosas; nalgumas das quais as escadas até Meia altura pareciam fios de negra teia de aranha.
Smiters era o responsável pelo bom termo da expedição. Tinham de regressar ao Sul, levando de rastos, vivo ou morto, o irlandês rebelde.
— Vamos. Sempre nos restará tempo para voltarmos a passar o rio se... os emplumados assomarem.
Os outros dois hesitaram e Smiters acrescentou, imperioso:
— Para o Este, tu; Paxton. Tu, pelo curso do rio, Golding. Já!
Smitters partiu a galope em direção ao vulto que parecia um centauro sentada na areia.
O sol incendiou, num fulgor derradeiro o cume do Grand Canyon,
Paxton, a todo o galope, seguiu urna linha obliqua. Carmichael permanecia imóvel, mantende o alazão sentado sobre ias ancas.
Paxton refreou bruscamente, para assentar com força a coronha da carabina sobre o seu ombro direito.
Carmichael lançou um grito aguda, esporeando a montada. O cavalo levantou-se e, voltando, empreendeu um rude galope can direção aos verdes agrupamentos de gigantescos cactos e aos Cliff Dwelling.
Sabia que aquele renovada vigor do alazão, após o banho e o omito repousa, era fictício. Era, como a nervosa sacudidela após uma chicotada, de efeitos breves. Os três cavaleiros iam atrás da sua garupa cerrando o leque. Roy Smitters era o mais próximo.
Outro irlandês, aquele Roy Smittens, como também o era Martin Paxton. E tão jovens como ele, apenas rondando os vinte e cinca anos. Mas por isso, por que eram Irlandeses, lhes haviam encomendado trazer vivo ou morto o louco Keith Carmichael, que se atrevera a derrubar a socos o rico rancheiro Omar Graham.
Keith Carmichael não queria olhar em frente. O seu rosto, contraído em sarcástico regozijo, encarava ferozmente o cavaleiro mais próximo.
Gritou:
— Dispara já, Roy. Assim serás o primeiro a dar a tua cabeleira!
Roy Smitters praguejou furiosamente. O rio ficava distante umas quatro léguas em linha reta.
As sombras amontoam-se, atapetando a verdura da Giant Forest Cactus, e os cumes avermelhados dos Chuska Mounts, mais além. E em contraste, ressaltavam mais as lívidas escarpas dos Cliff Dwelling, os ninhos com escadas, dos navajos,
Thomas Golding, exasperado, encabritou o seu cavalo para apenas retomar a posição normal, fazer pontaria.
Carmichael, que novamente detivera o seu cavalo, riu…
Roy Smitters gritou raivosamente:
— Não dispares, maldito! Não dispares, maldito!
Mas foi Martin Paxton quem, sobre-excitado pelas gargalhadas de Carmichael, disparou...
O tiro ecoou, repetindo pelas penedias o seu estampido !sibilante.
Keith Carmichael pareceu crescer repentinamente. Na camisa de pele de antílope, o pó tornou mais espessa a mancha vermelha, que brotou do lado direita do seu amplo torso.
— Já está, Smitters! Dei-lhe em cheio! — gritou Paxton.
E os três, que se dispunham a esporear os seus cavalos, permaneceram um instante indecisos. Era arrepiante ver o «louco» Keith rir em sacudidelas espasmódicas, estendendo o braço em linha recta, apontando para além dos três cavaleiros, para a linha azul escura do Little Colorado.
Foi Thomas Golding o primeiro a olhar pana trás e a gritar, desfigurada:
— Eles cercam-nos!
Nos torsos nus e cobreados dos índios destacavam-se as linhas ondulantes das negras cabeleiras, brilhantes de gordura de búfalo, e os sulcos brancos de pintura que também formavam pequenos riscos nos seus rostos. A cabeleira penteada com um risco ao meio, em espessos bandós a cada lado, cobria orelhas e nuca, para logo se abrir em grossas tranças.
Os simples frecheiros levavam uma pluma vermelha na cabeça, e mais atrás os cavaleiros sobressaíam sobre os seus potros selvagens de compridas crinas e patas curtas, e também porque levavam diferente ornamento nas cabeças. A maior parte, a dupla fileira de penas inscritas no gorro de pele, com compridos pingentes. Alguns, a cabeça dissecada de um animal, com os pequenos chifres, formando uma horrível máscara.
Pareciam não ter pressa, certos de que aqueles temerários brancos, apenas caísse a noite, seriam fáceis presas no Painted Desert.
Foi Thomas Golding o primeiro a empreender uma frenética fuga em direção ao Sul, seguindo-o Martins Paxton.
 Vários navajos a cavalo destacaram-se, seguindo também o curso do rio.
Roy Smiters hesitou um instante. Finalmente, lançou a sua montada para o Este.
Keith Carmichael, abraçado ao pescoço do alazão, sangrando, ainda viu como Thomas Golding era desmontado. Dois navajos haviam-lhe cortado a passagem enquanto um terceiro saltava sobre a garupa, afundando num golpe certeiro o seu pequeno machado na nuca de Golding.
Carmichael ria silenciosamente, enquanto o seu alazão galopava impelido pelo instinto, como se procurasse fugir às trevas e àqueles vermelhos emplumados.
Quando o alazão tropeçou, não foi por ter encontrado uma rocha ou uma cova sob os seus cascos. Simplesmente esgotara as suas possibilidades.
Keith Carmichael rolou pela pequena pendente arenosa, do lado oposto onde o alazão tornara a pôr-se de pé, para continuar a sua fuga para a morte.
Keith teve um instante de lucidez. Compreendeu que estava perdido — peito húmido de sangue, com calafrios de morre percorrendo-lhe a espinha dorsal. Mas contraiu o seu rosto num rictos triunfante. Morria, sim, mas Roy Smitters, Thomas Golding e Martin Paxton acompanhavam-no na sua viagem final.
E no negro céu coberto de estrelas, antes de ver inclinada sobre si a horrível cara pintalgada de um navajo com a machadinha ao alto, viu o nimbo vermelho que aureolava a lua. Uma lua sanguinolenta, escarlate...

terça-feira, 7 de novembro de 2017

BIS031. Lua escarlate

 
(Coleção Bisonte, nº 31)

Finalmente, encontrámos um daqueles livros onde nem possuíamos a imagem de capa.
«Lua Escarlate» é um texto estranho de Chas Logan, diferente de todos os outros que temos lido, e que merece ser posto à disposição dos que nos acompanham pela sua qualidade e pela sua temática.
Um homem é perseguido e conduz os que o procuram abater para um desfiladeiro dominado pelos navajos onde todos parecem ser chacinados. Passados vinte anos, um mestiço torna-se figura central para negociar a paz com esta tribo, permitindo uma melhor abordagem aos apaches. Curiosamente, o mestiço tem uma paixão no seio da comunidade branca e outra na pessoa da filha do grande chefe apache.
O dilema de Bronco Navajo, também conhecido por Kid Cactus acabou por ser resolvido em favor da paz entre brancos e apaches. E só na parte final do livro se desvenda o destino do perseguido e de um dos perseguidores...

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

BIS149. A vingança não satisfaz

 
(Coleção Bisonte, nº 149)
Era um homem marcado pelo sofrimento. Ainda não tinha um ano, os pais morreram na viagem que faziam para o Oeste à procura de terras. Foi recolhido, quase morto, por uma tribo índia que o criou e educou. Um dia, contaram-lhe a sua origem. Nessa altura, a jovem índia a quem considerava como irmã já era uma belíssima mulher. Um grupo de comerciantes tentou vender álcool aos índios e ele afastou-os da tribo, mas um dia, quando regressou de uma ausência maior, encontrou os seus mortos. A sua irmã tinha sido violada e maltratada. Ficou louco e matou um dos comerciantes, inflingindo-lhe notável sofrimento e enforcando-o. Foi parar à prisão e, quando saiu, o desejo de se vingar permanecia, iniciando assim uma longa busca... na qual se encontra com Leah...
Este livro de Frank Mc Fair torna-se um pouco estranho por ser contado na primeira pessoa. Isso, no entanto, contribui para uma melhor revelação dos sentimentos da personagem central. A novela é excelente.
A capa, não assinada, retrata um momento em que um dos comerciantes assassinos castiga a sua mulher por ela se ter envolvido com o homem que procurava a vingança.
 

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

BIS148. O prémio do seu esforço

 
(Coleção Bisonte, nº 148)
Havia sete anos que o general Suarez governava o México. No início, as pessoas que o viram avançar montado a cavalo, completamente esfarrapado, estiveram loucas por ele. Mas Suarez mudou e os primeiros a pagar com a vida foram os que o tinham ajudado na revolução. Transformou o seu governo, que devia ser de paz e justiça, num exercício de piratatria. Aos poucos a resistência formou-se e Suarez sentiu-se encurralado. Procurou financiamento e este foi-lhe oferecido por um banco americano em troca de contrapartidas pouco sérias, mas que aceitou. Uma fortuna enorme partiu na direcção do México e, quando os revoltosos o souberam, trataram de se organizar para se apoderar da mesma e financiar a sua actividade. Vários pistoleiros são contratados, todos levavam o fito de, à primeira oportunidade, escapar com o dinheiro. Após emboscadas e mortes, atravessaram o deserto e, no combate final, a voz simples de uma jovem conseguiu que o amor da sua vida entregasse o dinheiro à causa sagrada da revolução.
John Weiber tem dezanove obras registadas em Portugal entre 1963 e 1979. Nesta revela-se um excelente argumentista que inculca nas suas personagens e faz vingar as ideias de honradez.
A capa, não assinada, mostra um aspecto do combate final: o pistoleiro regenerado ao lado da jovem, o prémio do seu esforço, antes de avançarem para território mexicano com o objectivo de fazer chegar o dinheiro aos revoltosos de Ramirez.