terça-feira, 30 de agosto de 2016

PAS668. Reabilitação

Depois que a calma, ou coisa parecida, se restabeleceu no rancho Ensenada, Wilmore insistiu repetidas vezes com Ramirez para que os acompanhasse a Erva Boa, que era o ponto a que se destinava. O rapaz recusou-se obstinadamente, sem esclarecer a causa da negativa, pois não queria, agora que ficava livre da, esteira da sua história de aventuras, voltar a comprometer-se aos olhos do seu novo amigo, ainda que fosse por um incidente de que não era responsável.
— Não insistas, papá — interveio Luísa, despeitada, interpretando a atitude de Ramirez como coisa pessoal. — Ele sabe o que faz. Se não quer vir connosco, lá terá as suas razões.
O rapaz mordeu os lábios. Luísa voltou a cabeça, e Wilmore, que não era alheio à corrente de simpatia que unia os dois jovens, sorriu levemente.
— De acordo, Ramirez, mas já sabe que tem aqui um amigo, que fará por si tudo quanto seja possível, sempre que dependa de mim, claro. Há coisas que...
Olhou Villarreal e Nacho que se encontravam atrás de Ramirez, e com um gesto indicou os dois jovens. Nacho, com o braço e o peito ligados, soltou uma gargalhada. Finalmente, pai e filha afastaram-se a galope, a caminho de Erva Boa. Ramirez viu-os partir, em silêncio, sem fazer caso dos gracejos dos amigos..
— No fim de tudo isto, não chegámos a saber quanto leva aquele homem no cinturão....
Ramirez separou-se deles, pois não estava com disposição para brincar. Foi andando até aos currais e quedou-se junto de um pilar onde um dos bandidos encontrara a morte. Sentou-se ali perto, maldizendo a fatalidade que o fazia perder Luísa Davis.
A habilidade e boa intenção de Wilmore haviam conseguido o mais difícil. Apagar o passado de «Perigoso». Mas em Erva Boa ainda tinham vontade de pendurar Joe Stickwell por um delito que não havia cometido.
O galopar de um cavalo arrancou-o aos seus pouco agradáveis pensamentos, surpreendendo-o, por quanto eram raros os visitantes de Ensenada. Um cavaleiro aproximava-se veloz, em direção ao rancho. Passou por ele, e quando ia já a entrar no pátio, retrocedeu, trotando até junto dele. Ramirez reconheceu o cavaleiro, imediatamente. Era um rapaz de Erva Boa, que morava perto da casa de sua mãe. Sem saber porquê, sobressaltou-se. Que nova complicação surgiria agora? Na povoação, só sua mãe sabia onde ele se ocultava. Ter-lhe-ia sucedido alguma coisa?
O rapaz desceu do cavalo e começou excitado:
— Olá, Ramirez! Sempre dei uma estafa! Julguei que o cavalo rebentava!
— Que se passa? Quem te mandou aqui? — inquirou Ramirez, inquieto.
— Toma. É uma mensagem da tua mãe. O velho Troy falou, Ramirez! O xerife obrigou-o a despejar tudo! Agora, toda a gente do povoado quer linchá-lo, mas o xerife Tindall requisitou tropas aos ianques! Lê!
Ramirez recebeu o papel. As letras bailavam-lhe em frente dos olhos, mas conseguiu inteirar-se do conteúdo. A senhora Stickwell comunicava-lhe simplesmente que Peter, apertado pelo xerife, havia confessado a verdade do incidente que ocasionou a morte de seu filho. Que ele podia voltar para Erva Boa, onde Tindall o esperava para o reintegrar do seu lugar.
O rapaz ficou deslumbrado. Tinha suficiente sensatez para compreender que a Providência o favorecia extraordinariamente, permitindo-lhe desviar-se de um fim para que, logicamente, se encaminhava. Não pensou mais e gritou ao rapaz:
— Vai ao rancho e pede a Nacho Salazar que te dê outro cavalo! Eu levo o teu!
O outro ainda quis objetar, mas já era tarde. De um salto, Ramirez firmou-se na sela e tomando as rédeas, lançou o animal a um galope desenfreado. O cavalo, mesmo cansado, pareceu compreender a importância do esforço que se lhe exigia e obedeceu.
Desceu a colina como um furacão, agitando o chapéu no ar e gritando para incitar o cavalo. E assim foi correndo, até que distinguiu ao longe a silhueta inconfundível de dois cavaleiros. Redobrou os gritos como um índio amalucado.
Antes que os gritos lhe chegassem aos ouvidos, Luisa Davis pressentiu a presença de Ramirez. Esticou as rédeas e deteve o cavalo.
— Espera, papá. Ele vem aí.
— Ele quem? — inquiriu Wilmore, sem compreender.
— «Ele». Quem havia de ser? Essa pergunta nem parece tua!
— Ah! Pois claro! Só podia ser «ele». Compreendo. Tinha-me esquecido de que não existe outro homem na Terra.
Ramirez alcançou-os a galope, contendo o animal, que ergueu as patas relinchando. Disse simplesmente:
— Mudei de ideias. Precisa de um colaborador, senhor Wilmore?
— Tem a certeza de que essa pergunta deve fazer-ma a mim? -- inquiriu o político, sorrindo. — Claro que me interessa a sua colaboração. Tenho muito trabalho a fazer na Califórnia, e ninguém melhor para se estabelecer uma boa organização neste país que um homem metade mexicano e metade ianque, como você. Mas, perguntemos a Luísa, que também faz parte do grupo. Aceitamos a oferta de José Ramirez?
A rapariga baixou os olhos um pouco ruborizada e respondeu:
— Naturalmente... «Nós» precisamos dele...

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

PAS667. Uma mensagem para o traiçoeiro ajudante de xerife

O rancho de Porfirio Ensenade acolheu uma vez mais os três homens. Nacho dedicava-se a procurar pelos corredores a linda Estrela, e Ramirez, depois de dar conta a Ensenada de sua última digressão, foi procurar Ascensão.
— Escuta, Ascensão. Conheces, em Erva Boa, Peter Troy?
— Claro que conheço.— o índio sorriu abertamente. — O senhor deu-lhe um correctivo o mês passado, mas ele anda outra vez a perseguir-nos.
— Bom. Quero que ele receba um aviso meu. É um pouco arriscado. Atreves-te a ir a Erva Boa e deixá-lo em sua casa? Não está vigiada, e ele ande por fora rodo o dia. Vê se consegues entrar dentro do quarto e deixar sobre a cama o que te vou dar.
— É fácil patrão. Ascensão pode fazer isso.
— Vem comigo.
Entrou no, seu quarto e num pedaço de papel escreveu umas linhas. Depois tirou uma coisa do bolso da jaqueta. Olhou com atenção e embrulhou no papel.. Depois, amarrou-lhe um fio.
— Toma. Tem cuidado. Ninguém deve saber.
Ascensão, lisonjeado pela confiança, desapareceu. Abandonou o rancho, em silêncio, e pouco, depois galopava para Erva Boa, montado num ruão de má raça. Chegou ao povoado onde a sua presença passava despercebida, e numa taberna informou-se do domicílio do primeiro ajudante do xerife Tindall. Ramirez escolhera bem o emissário. Ascensão entrou de noite no quarto de Troy, quando este tentava, esquecer num «bar» a dor causada pela morte do filho, e o escasso remorso que poderia apoquentá-lo pelo destino de José Ramirez. Quando voltou para casa, encontrou sobre a cama um pequeno invólucro, que desembrulhou intrigado. Tomou entre os dedos um projétil 44.
— Algum engraçadinho! — resmungou.
Só então, viu o que estava escrito no papel. Aproximou-o da luz do candeeiro, e leu:
«Ainda me restam cinca balas das que escondeste, Peter. Se tens consciência conta a verdade do que se passou. Esperarei até que sómente me reste ume bala. Será a que destino para acabar contigo>.
Peter estremeceu. Havia muito tempo que se perguntava onde se teria escondido José Ramirez. Agora sabia que ele estava perto. Instintivamente, levantou-se para fechar a porta. Aquela mensagem encheu-o de ódio e rancor, convencido de que a morte do seu filho o absolvia, de certo modo, da sua torpeza. Por isso, se enfureceu com a pretensão do rapaz. Se houvesse sabido antes que Ramirez e «Perigoso», para o qual tinha um aviso na secretária do xerife, pondo a sua vida a prémio, eram uma e a mesma pessoa, talvez ele agora, não se permitisse tais bravatas.
— Que venha esse mestiço buscar-me! Desta vez não me surpreenderá tão facilmente!

domingo, 28 de agosto de 2016

PAS666. De ajudante de xerife a assaltante de diligências

Seis semanas haviam decorrido desde que fora pelos ares o depósito de pólvora de Monterrey. Sobre um pico dos Montes Tehechpi, viam-se três cavaleiros imóveis, como se formassem parte da dura paisagem. Pareciam contemplar a grande superfície morta do Deserto Mojave, que se estendia até aos Montes São Bernardino. Não falavam. O do meio tinha a aba do chapéu descida sobre a fronte. Os dos lados não necessitavam dessa precauçâo porque a imensa roda dos seus chapéus projetava sombra suficiente.
— Já lá vêm! — exclamou Nacho Salazar, apontando da direção Este.
Ramirez assentiu. Uma pequena nuvem de pó aproximava-se pela planura. Fez um sinal aos dois companheiros, e os três subiram os lenços com o desembaraço de quem já havia 'executado aquele movimento muitas vezes. Esperaram ainda um pouco e quando julgaram chegado o momento, lançaram-se na descensão, deixando resvalar os cavalos pelo declive. Era unia maneira rápida e excitante de encurtar distâncias.
A diligência de Las Vegas avançava, arrastada briosamente per duas parelhas de cavalos frescos, mudados havia apenas umas horas numa estalagem de Inyokern. Os três mascarados ocultaram-se atrás de duas rochas até que Ramirez ordenou:
— Vamos! Preguemos-lhe um bom susto!
Bateram com as palmas das mãos no pescoço dos cavalos e romperam numa carreira desordenada. Nacho e Villiarreal começaram .a soltar gritos estridentes; como se estivessem- num «rodeo» de Tijuana, e disparando, os revólveres para o ar.
.A aparição idos três cavaleiros surpreendeu desagradavelmente o cocheiro, que se apressou a soltar as rédeas para deitar a mão à espingarda. Mas logo pensou que não era fácil acertar naqueles três vultos móveis, e fustigou os cavalos para que adquirissem maior velocidade no andamento.
Ramirez vinha à cabeça. Inclinou-se para um lado e disparou o seu «Colt»!...Parecia incrível que pudesse fazer pontaria naquelas condições. Não obstante, o condutor da diligência largou o chicote e dobrou-se, tentando firmar-se no assento, com uma bala no' ombro. Os cavados estacaram ajudados por Nacho que lhes segurou as rédeas.
A diligência dava a impressão de ir vazia. Ninguém assomou nem pretendeu defender-se. Ramirez e os seus companheiros aproximaram-se calmamente. Vilarreal desceu do cavalo e dirigiu-se à portinhola, que abriu, e, sem o menor receio de receber uma bala na cabeça, espreitou para dentro. Examinou, com atenção as seis pessoas que se encolhiam no assento, e depois anunciou fiara fora:
-- Todos ianques, chefe! — soltou uma gargalhada. — Conquistadores!
Ramirez engatilhou o revólver.
— Bem. Que desçam um por um.
O primeiro a aparecer foi um sujeito gordo, que pretendia mostrar altivez. Villarreal, trocista, saudou-o com uma grande vénia. Depois, desceu o rapaz magro, que olhava para todos horrorizado, e ainda um vendedor charlatão, que ria, dizendo chistes. A este seguiram-se dois homens de idade, dois pesquisadores de fortuna que mereceram certa atenção dos assaltantes. Villarreal esperou um pouco e tornando a espreitar para dentro de diligência disse:
— Vamos, princesa! Um pouco de ar fresco vai fazer-lhe bem! Quer que a ajude?
O oferecimento fez que o último dos passageiros se apressasse a descer. Ramirez e Nacho ficaram surpreendidos. Era uma mulher. Uma mulher jovem, verdadeiramente encantadora de rosto perfeito e feições delicadas, um produto da mais requintada civilização do Este, que resultava deliciosamente deslocado no deserto de Mojave. Vestia com simplicidade e apertava os lábios, denotando decisão e firmeza de carácter.
— Se houvesse apenas um homem nesta, diligência, não se ririam tão comodamente de nós! — disse ela, relanceando o olhar pelos companheiros de viagem. — Podem começar a despojar-nos do que trazemos.
Ramirez mostrou-se um pouco apático a partir daquele momento. Havia conhecido muitas mulheres, mas aquela desconcertava-o. Nacho murmurou a seu lado.
— Uma preciosidade! Realmente, é uma pena deixá-la aqui abandonada!
— Não sejas cínico, Nacho. E Estrela?
Salazar embatucou e desceu o lenço.
O mexicano empurrou os viajantes com o cano do seu revólver e todos se apressaram a obedecer. Quando ficaram agrupados junto às rochas, Nacho desceu da sua montada. Com uma navalha cortou os arreios dos cavalos, que se afastaram devagar para se deterem um pouco mais longe. Depois, ordenou, a dois dos passageiros que descessem o cocheiro e pousaram-no no chão. O homem havia desmaiado. Agora, só restava largar fogo à carruagem. Villarreal efetuou esse trabalho com verdadeiro entusiasmo. A madeira ressequida da diligência era um esplêndido combustível, e com o carro arderam também as bagagens dos passageiros.
— Seguramente, a menina trazia bonitos vestidos —disse Ramirez acercando-se da rapariga e contemplando-a com admiração. — Teria feito, melhor em os exibir na sua terra. Aqui, na Califórnia., a vida não é muito cómoda, sobretudo para os ianques.
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— Você é o «Perigoso», não é verdade? --- perguntou ela.
— Assim me chamam os amigos: Suponho que não quererá dizer-me o seu nome.
Nacho aproximou-se. Trazia na mão um pedaço de coiro caído da diligência. Era a asa duma maleta, à qual eslava preso um cantão. Leu em voz alta:
-- Luisa Davis, de Virgínia. Bonito nome!
Lançou-a ao fogo e montou seu cavalo, advertindo:
— Vamos, rapaz. As chamas podem atrair algum curioso.
«Perigoso» separou-se do grupo. Villarreal vigiava os cinco homens cuidadosamente, visto que todos estavam armados. O jovem que fora ajudante do xerife em Erva Boa levou a mão à aba do chapéu.
— Lamento muito o que acontece, menina Davis. Terão de caminhar bastante até que encontrem a primeira povoação. Com um pouco de sorte talvez o consigam sem apanharem alguma insolação. Assim terão oportunidade de conhecer uma das zonas mais interessantes da Califórnia. — Olhou os homens— Os senhores foram muito prudentes. Se eu levasse por companheira de viagem uma mulher como esta, não haveria ninguém que pusesse obstáculos. Mas é melhor estar vivo que heroicamente morto. Nisso têm razão.
— Você não, passa dum bandido, «Perigoso»! Mas acabará na forca sem a menor heroicidade!— gritou Luísa Davis com rancor. —.Os seus próprios amigos acabarão por odiá-lo! Pode estar certo disso! Há muitos como você no Oeste! Não tenha pretensões da herói É um bandoleiro e nada mais! Sim, um bandoleiro! 
Ramirez esteve tentado a dar uma, lição àquela ferazinha, mas não o fez. Nacho e Villarreal esperavam, vigiando o grupo que tinham imobilizado sob as suas armas. Cruzou o seu olhar com o da jovem e estremeceu. Pela primeira vez, baixou a cabeça, sem poder explicar o desassossego que o invadiu. Deu meia volta ao cavalo e afastou-se a trote.
— Nada de gracinhas, senhores! Guardem as suas forças para o caminho! E, se encontrarem uma ou outra caveira, não desanimem! — gritou-lhes Nacho.
Espantaram os cavalos da diligência. e afastara-se. Então, soaram tiros dos valentes passageiros, que se perderam sem atingir ninguém.
Treparam por um carreiro arenoso. Ramirez voltou-se para olhar o grupo e murmurou:
— A rapariga não resistirá... Talvez devêssemos...
— Não sejas agora tão sensível! — disse Villarreal. —Se algum deles tem coragem é ela. Demais, não passam de suínos ianques!

sábado, 27 de agosto de 2016

PAS665. Uma arma sem balas para o ajudante do xerife

Joe Stickwell esperava que os seus serviços fossem necessários, indolentemente recostado num cadeirão de verga, arrancando com a navalha as folhas a um pedaço de cana verde. Os, outros ajudantes deambulavam pelo povoado, indiferentes ao intenso calor que parecia abrasar tudo.
O velho Peter Troy, o primeiro ajudante do xerife Tindall, sentado à sua mesa de trabalho, olhava o rapaz de relance.
— Falei de ti com Tindall, rapaz — anunciou sem voltar a cabeça. — Já sabes que vou deixar isto...
Joe pôs-se um pouco; nervoso. Fechou a navalha com mais força.
— Ah... — foi tudo o que lhe ocorreu dizer.
—Está decidido a que ocupes o meu lugar. Disse-mo ele. Que te parece?
O rapaz agitou-se inquieto. Captava a ironia que se ocultava sob a amabilidade de Troy. O velho ressumava amargura e despeito. Andava havia umas semanas a intrigar Tindall para que desse o seu lugar ao seu próprio filha, um garoto inexperiente, mas o xerife recusara-se redondamente.
— Não sei nada a esse respeito. O assunto é com ele.
Peter inclinou a cabeça. O jovem Troy assomou à porta e o pai saudou-o com um gesto.
— Não há nada para mim, pai?
— Não, põe-te a andar! — Calou-se, e em seguida continuou, como se falasse para si próprio: — Alguns têm mais sorte...
Joe fez-se desentendido e dedicou-se à sua tarefa até que o próprio Tindall entrou na secretaria. Era um homem forte, de rosto congestionado. Falou aos gritos como sempre fazia:
— Ocupa-te 'disto., Peter! Um bêbado fechou-se na cavalariça do Vacarro e ameaça queimar tudo! É aquele bruto do Mesa! Está a defender-se a tiros! Há que arrancá-lo de lá, de qualquer maneira, nem que seja à força de chumbo! Correndo!
E Tindall desapareceu no mesmo instante. Peter esboçou um sorriso. Conhecia bem o Mesa. Era um louco perigoso, que, embriagado, se convertia numa autêntica fera. Era preciso arriscar a pele para o enfrentar. Três ou quatro homens poderiam conseguir alguma coisa com menos risco, mas, para um só, representava pouco menos que uma morte certa.
Joe levantou a cabeça, estranhando o silêncio que se seguiu às ordens de Tindall. O velho disse com calma:
— Isto é coisa tua, rapaz. Vai buscá-lo. Tens uma boa oportunidade para mostrares o que vales. Tindall diz que és um prodígio. Suponho que deves estar desejoso de o demonstrar.
O rapaz levantou-se, aborrecido com a atitude do velho, que apenas tinha por única desculpa o amor ao filho. Dirigiu-se à parede e retirou o seu cinturão com um só «Colt», negro e polido. Acercou-se de Troy, e postando-se em frente dele, procedeu com toda a calma ao exame do conteúdo do tambor, fazendo-o girar com o dedo polegar.
— Vou imediatamente, chefe. Se por acaso me demorar muito, pode mandar alguém recolher o meu cadáver. Os outros ajudantes devem estar muito ocupados no «bar»... mas encontrarão um momento livre.
Meteu a arma no coldre e deixou o pesado conjunto sobre a mesa. A cavalariça ficava atrás do edifício. Sem olhar Peter, saiu em busca do seu cavalo.
Troy ficou só e os seus olhos rodeados de pequenas rugas fecharam-se. Tinha ao alcance da mão o revólver do rapaz. Podia dizer-se que a vida de Joe Stickwell dependia daquela arma bem cuidada. Se o mexicano fosse abatido ,por Mesa, Tindall teria de dar o lugar a seu filho...
Já os seus dedos tocavam a coronha quando, arrependido da sua ideia, retirou a mão apressadamente. À entrada da porta ouviu o riso do seu filho, e, então, não hesitou mais. Retirou, o «Colt» do coldre e, com a maior rapidez, esvaziou o tambor, ficando com seis projéteis na mão. Só teve tempo para repor a arma no seu lugar e apertar o punho para esconder a prova da sua canalhice. Joe entrou e, sem se deter, pegou no cinturão e ajustou-o às ancas rapidamente.
— Boa sorte, rapaz! — desejou Peter, corando um pouco.
— Ora, ora! Suponho que você, para chegar ao posto que ocupa, deve ter roído ossos mais duros. Não é assim?
As passadas enérgicas do jovem afastaram-se e em seguida ouviu-se o bater da porta ao fechar-se. Foi então que Peter Troy abriu os dedos, quedando-se a mirar as seis balas que retirara do carregador. Murmurou:
— Isto é pior que disparar a um homem pelas costas! Mesa vai matá-lo com toda a impunidade.
Esteve tentado a correr atrás de Joe para o prevenir de que estava desarmado. O primeiro ajudante tinha na sua história muitos feitos de abnegação e valentia, e nunca julgou que fosse capaz de planear um assassínio repugnante comi tanta frialdade.
Levantou-se repentinamente e resolveu sair para tomar um pouco de ar, embora fizesse um calor abrasador. Além disso, queria estar na primeira fila quando chegasse a notícia do sucedido. Era preciso desviar os comentários para onde lhe convinha. Examinaria o revólver e diria:
— «É possível? Ele tinha a arma descarregada! Esqueceu-se de encher o tambor!».
Passou pelo corredor e foi colocar-se à porta. Então, abriu muito os olhos, surpreendido, incapaz de compreender. Todo o sangue lhe subiu ao rosto, e por fim, conseguiu perguntar ao homem que naquele momento saía do gabinete do xerife:
— Que fazes aqui? E Mesa? Não foste buscá-lo?
Joe Stickwell sorriu-lhe satisfeito. O velho temeu que a sua patifaria houvesse sido descoberta e Joe o tivesse ido acusar a Tindall. Levou a mão à cintura, na prevenção de qualquer contingência. O rapaz respondeu:
-- Não. O xerife chamou-me quando eu me retirava Para me consultar sobre umas coisas. Por isso, não fui à cavalariça do Vacarro...
Peter tranquilizou-se, e quase se alegrou de que o rapaz não tivesse comparecido à sua entrevista com a morte. Fingiu-se aborrecido e resmungou de mau modo:
— Muito bem! E, entretanto, o bêbado que incendeie a povoação! O que teria Tindall para…
O sorriso de Joe ampliou-se mais ao interromper o homem:
— Não se preocupe, Peter. Aquele louco já deve ter sido posto a bom recato. Tindall mandou lá o seu filho... O rapaz ia entusiasmado. É de boa têmpera!
Joe dizia isto de boa fé, e por isso ficou bastante surpreendido ao ver a expressão crispada de Peter Troy, que exclamou furioso:
— Tom? Diabos o levem! Mas se ele nem sequer levava uma arma! Deixou a dele na secretária!
— Não, Peter. O rapaz vai bem armado. Pana não perder tempo dei-lhe o meu «Colt»... Mas... que tem você? Peter! Responda! Que se passa?

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

BIS111. Traição Fatal

 
(Coleção Bisonte, nº 111)
 
A ação desta novela passa-se no Estado da Califórnia num momento em que esta ainda não tinha sido integrada na União e em que eram conflituosas as relações entre aqueles que pretendiam a sua ligação ao México, a sua consolidação como estado independente e a sua integração nesse espaço mais vasto.
Esse formidável conflito levou a que um respeitável mexicano (Ensenada) reunisse um conjunto de homens com o objetivo de criar os maiores problemas aos «Ianques».
Joe Stickwell, um homem de sangue mexicano e descendente de uma irlandesa foi vítima de formidável traição por um companheiro que era ajudante do xerife de Erva Boa. Este, num momento em que ele fora mobilizado para dar caça a um malfeitor, retirou as balas da pistola que ele iria utilizar, procurando que a ação não lhe saísse bem de forma a ver-se livre dele. Mas um imprevisto de última hora acabou por fazer com que o seu próprio filho fosse encarregado dessa tarefa, acabando o mesmo por levar a arma que ele tinha descarregado.
A morte do jovem foi impossível de uma explicação e todas as suspeitas recaíram sobre Stickwell o qual teve de fugir e acabou por se integrar no grupo de Ensenada sem perder a vontade de esclarecer o que se tinha passado. As balas que o traiçoeiro ajudante de xerife tinha retirado da arma foram-lhe sendo enviadas uma a uma com mensagens incitando-o a dizer a verdade. A última bala seria a que o levaria para o paraíso.
Cesar Torre aparece aqui numa fase muito produtiva da sua carreira com uma novela muito interessante, um bom retrato do conflito que naqueles anos dividia a Califórnia.

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

PAS664. Quando o dinheiro já não compra servidores

Gerald Wells sabia que os jogadores nunca querem retirar-se do «saloon», a não ser que estejam arruinados; sabia que a presença de mulheres atrai sempre clientela e também sabia que quem chega do campo, para se divertir, não abandona o estabelecimento, assim sem mais nem menos.
Quando despontava a aurora, ele anunciava o encerramento da casa e então tratava de proceder ao pagamento do pessoal.
Naquele dia, o pagamento teve algo de original. Achava-se a contar o dinheiro, quando um homem entrou a correr no «saloon».
— Radford e Clay foram mortos! Fred Queen vem para aqui!
As moedas pareceram desintegrar-se nas mãos do dono do botequim. Os seus olhos espantados fitaram com um brilho assassino o portador da notícia.
E todos quantos rodeavam o proprietário começaram a afastar-se dele, prudentemente.
— Aonde vão, estúpidos! — gritou. — Matem-no!
Os empregados entreolharam-se. Uma coisa era manter a ordem ali dentro, assustando os clientes recalcitrantes, mas enfrentar um homem como Fred Queen...
— Abandonam-me? — rosnou Wells. — Fogem, cães malditos? Querem dinheiro? Tomem-no! Tomem-no!
E arrojou as moedas ao chão.
— Ainda querem mais?
Correu ao cofre e abriu-o. Em poucos instantes, as suas mãos nervosas esvaziaram-no do recheio.
— Mais? Mais? — gritava fora de si, atirando para o ar moedas de ouro e maços de notas.
Os homens acharam que valia a pena tentar a sorte. Aquilo era muito, mas mesmo muito dinheiro. E até podia ser que apanhassem desprevenido aquele suicida que se aproximava.
Antes, porém, trataram de encher as algibeiras enquanto Gerald Wells retirava, detrás do balcão, uma carabina.
Acabava de pegar na arma quando um cavalo interrompeu o galope diante da porta. Apurou o ouvido e escutou um tilintar de esporas.
Levou a arma à cara e disparou. Um dos seus empregados imitou-o.
Então, a porta abriu-se de par em par e Fred Queen fez a sua aparição. De um salto, caiu acocorado no meio do salão e premiu o gatilho da carabina que trazia consigo. Urna detonação e um homem morto.
Dispararam de novo mas não conseguiram atingir Fred que rolava pelo chão, de um lado para o outro. Deu mais dois tiros e outros dois dos bandidos estatelaram-se no soalho, como sacos vazios.
Fred logrou, então, abrigar-se por detrás do balcão e, largando a carabina, «sacou» do revólver.
Os homens de Wells faziam fogo quase ao acaso. Mas sempre que Fred ripostava, um deles soltava um berro de dor e mordia, ato contínuo, o pó do soalho. Só não aconteceu isso aos que preferiram fugir por uma janela.
Momentos depois de ali haver entrado, Fred viu-se diante de Gerald Wells que o fitava, de olhos esbugalhados, incapaz de disparar a carabina.
Noutra ocasião, o jovem talvez o tivesse poupado. Mas, naquela altura só via nele o homem a quem odiava profundamente, o homem que empunhava uma arma mortífera.
Apertou o gatilho e uma bala atingiu Gerald precisamente no coração. O proprietário revirou os olhos, abriu os braços, corno a querer agarrar a vida que lhe fugia pelo ferimento... e caiu, redondo, em cima da roleta quebrada. Não mais se mexeu.
Então, Fred guardou o revólver no coldre, meteu a carabina debaixo do braço e saiu do «Big Saloon»...

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

PAS663. Nem todos que nos avisam são boa gente

Pôs o chapéu e veio para a rua.
— Cuidado, Fred. Andam à tua procura.
Prevenia-o um velho cego que estava à sombra de um alpendre, numa cadeira de baloiço. Ainda havia gente boa em Oklahoma
Não ligou muita importância ao aviso, mas observou a rua, com vivo interesse. Queriam matá-lo. Era divertido!
Diante da taberna onde estivera a jogar as cartas com Hudson, lá estava o seu cavalo. Devia ter descansado, pois não mostrava mau aspeto.
— Querem dar cabo de ti, Fred — disse alguém, por detrás das cortinas de uma janela.
Então, pensou no cego. Como o teria reconhecido? Pela maneira de andar ou porque, desde que o procuravam, ninguém se havia arriscado a pôr pé na rua?
Pensou na imensa pradaria, nos montes e vales, nos rios, no vento e no sol. Voltaria à vida livre de cavaleiro solitário, caso a sorte o protegesse.
Sentiu-se um pouco emocionado. Defender a vida é sempre defender a vida.
— Tem cautela, Fred Queen... muita cautela.
Era uma voz feminina. Mas a quem pertenceria? A mulher do ervanário? A qualquer outra?
Junto do cavalo apareceu um homem de ar sinistro.
— Bons dias, Fred Queen.
— Bons dias... para quem viver — respondeu o jovem.
— Sabes que vou matar-te?
 — Toda a gente sabe isso.
— Tenho pena de ti... Mas quero ver a tua rapidez. O teu nome chegou-me aos ouvidos no Arizona, lembras-te?
— Andei por lá a matar sapos.
O homem procurava distrai-lo e Fred não o ignorava. O outro pistoleiro, escondido atrás do bebedouro, aguardava o momento propício para disparar.
— E tu morrerás aqui — disse o arruaceiro..
— Pouco me importa a terra onde serei enterrado.
— É esta — respondeu o bandido, dando uma patada no chão, de onde se ergueu uma espessa nuvem de pó avermelhado.
Fred baixou a cabeça e o assassino aproveitou a ocasião para «sacar» o revólver. Quando ia premir o gatilho, ouviu um tiro e do bebedouro partiu um grito de dor.
Voltou-se para trás, num momento de estúpido terror e viu o amigo deixar cair o revólver e levar as mãos ao ventre.
Soou outro disparo. Então, o seu companheiro estatelou-se no solo, com um gemido, e não mais se mexeu.
Virou-se para Fred. Havia um sorriso cruel e trocista nos lábios do jovem. E, na sua mão direita, um «Colt» ainda fumegante.
O pistoleiro ainda tentou fazer fogo, mas Fred não lhe deu tempo. Desfechou a arma e o homem ficou de boca aberta a mirar o buraco que a bala lhe abrira no peito, para ir direitinha ao seu coração. Depois, como sem coração ninguém vive, o facínora morreu tão de repente que, quando caiu de borco no chão, a sua alma já ia a caminho dos infernos há um bom par de segundos.
Fred manteve-se imóvel durante uns instantes, à espera de qualquer outro inimigo. Não apareceu mais nenhum pistoleiro.
Então, aproximou-se do cavalo.
— Não te assustes, «Valente». Quando ouvires tiros, é o teu dono que se está a divertir.
Subiu para a montada e empunhou as rédeas. Nessa altura, as pessoas começaram a sair das suas casas para irem observar os cadáveres.  
Fred hesitou um pouco, antes de partir, pois não queria passar no local onde se encontrava o carro de Elisa.
De entre os curiosos destacou-se uma figura encurvada que se aproximou dele.
— Para aonde vais, Fred Queen?
— Para a pradaria. Queres que te traga ervas?
A velha negou energicamente com a cabeça.
— Deste-me ontem muito dinheiro. És um homem bom, Fred Queen.
— Estás enganada, avozinha!
— Tu és bom e mau é aquele que procuravas. Foi ele quem ordenou que te matassem.
Fred mirou-a bem nos olhos e inquiriu:
— Isso é verdade?
A mulher cuspiu no chão.
— A pura da verdade.
— Tanto faz. Deixemo-lo viver. Foi, certamente, por causa de ciúmes.
— Da loira das plumas?
— Sabes demasiado, avozinha — comentou Fred, dando um toque com os tacões nas ilhargas do cavalo.
A velha correu para a frente dele, de braços abertos e foi obrigado a deter a montada.
— Ela seguiu por ali.
— Quem?
— A mulher dos olhos meigos. A mulher sem pinturas e sem plumas...
— Elisa?
— Não sei o seu nome. Wells — ou Garret —, o homem mau, expulsou-a da povoação. E ela chorava.
Fred sentiu como um choque elétrico na coluna vertebral.
— Falas a sério?
 A velha voltou a cuspir e a dizer:
— É verdade. A pura da verdade!
Não respondeu. Puxou com fúria as rédeas e o cavalo lançou-se a galope na direção indicada pela mulher.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

PAS662. Mulheres que despertam o remorso

Quando os vapores do álcool desapareceram da mente de Fred, surgiram as recordações e os remorsos. Não quis olhar para a mulher que dormitava a seu lado.
— Vai-te daqui — disse-lhe.
Lulu ergueu a cabeça e mirou-o com um sorriso cheio de ternura. Como ele se mostrasse indiferente, beijou-o, ao de leve, nos lábios.
— Vai-te embora, Lulu.
— Falas a sério?
— Sim.
Não se zangou. Inclinou-se para o jovem e voltou a beijá-lo.
— Se não fosses bonito, Fred, pediria a Garret que viesse matar-te. Ainda bem que irritámos esse ricaço presunçoso.
Fred cerrou os olhos. Não a viu vestir-se.
— Adeus, querido — murmurou a rapariga, beijando-o de novo. — Nunca te esquecerei...
Ouviu a porta abrir-se e fechar-se e logo os passos da mulher que se afastava. Então, voltou-se para o outro lado e adormeceu. Era meia-noite. Lulu entrou no «saloon» com um sorriso malicioso.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

PAS661. Rejeição

Gerald Well – James Garret – ficou no mesmo sítio, como paralisado.
Quando conseguiu reagir, compreendeu que se encontrava metido numa camisa de onze varas. Elisa não aprovaria o género de vida que ele levava. Sonhara sempre com um rancho... com...
Não. Elisa jamais poderia aceitar aquele «saloon» de frequência meio clandestina. Nem o «saloon», nem Lulu.
Ele também não estava disposto a aceitar Elisa com as suas ideias retrógradas, a sua moral, a sua simplicidade. Não olhou para ninguém. Compôs o casaco, encheu o peito e dirigiu-se para a porta.
O sol principiava a sumir-se por detrás do casario.
Não levou muito tempo a chegar ao extremo da rua. No vasto terreiro achavam-se vários carros mas ele descobriu sem dificuldade o que pertencia a Elisa.
Viu-a descer da galera e correr ao seu encontro. Hesitante, Wells deu uns passos em frente. Elisa abraçou-o, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Oh, Gerald! O que eu passei!
Wells libertou-se dos braços dela e fitou-a com um ar de censura.
— Que fazes aqui?
-- Vim para nunca mais nos separarmos.
— Não devias ter feito isso.
— Gosto tanto de ti, Gerald... Sentia-me tão só...
— És uma estúpida!
A jovem empalideceu. Os seus olhos angustiados percorreram o rosto do marido, tentando descobrir a razão do insulto.
— Gerald...
— Disse-te, alguma vez, que viesses?
— Nas tuas cartas...
— Nunca falei nisso... E nunca pensei que fosses tão louca!
Elisa só podia atribuir aquela atitude a um desabafo de quem, por muito gostar dela, não lhe perdoava os riscos a que se havia sujeitado, para chegar até ali. Uma demonstração de amor e fidelidade, no fim de contas.
— Não corri nenhum perigo, Gerald!
Agarrou-lhe as mãos mas ele repeliu-a.
— Quem é aquele homem?
— Que homem?
— Um tipo novo que sabe o meu nome.
— Acompanhou-me na parte final da viagem... Eu tinha-me perdido...
O ódio fulgurou nos olhos de Wells.
— Que angústia, que maus pressentimentos tive, Gerald! As pessoas diziam-me que não te conheciam, que nunca tinham ouvido o teu nome!...
— Elisa, tens de voltar.
— Gerald!
— Não venhas para cá com comédias. Vais voltar para Chicago ou para onde queiras. O que não podes é ficar aqui.
— Regressar?
— Agora mesmo.
Elisa tornou-se muito pálida e toda ela tremia.
— Não te compreendo, querido.
— Continuas estúpida como sempre! Vê lá se me entendes de vez: criei novas amizades, tenho o meu negócio e... uma mulher.
— Gerald!
— Esquece o meu nome, Elisa, e vai-te embora.
— Não posso... Por favor...
— Estou a perder a paciência... Some-te daqui, imediatamente!
— Sozinha?
— É-me indiferente. Olha, leva o «teu» guia!
— E perco-te?
— Perdeste-me há muito tempo. Cansei-me de ti, do teu sorriso imbecil, das tuas ideias estreitas...
Segurou-a por um braço e levou-a, quase de rastos, até ao carro.
— Sobe!
— Gerald...
— Sobe, já disse!
Elisa obedeceu-lhe como um autómato e pegou nas rédeas, lavada em lágrimas.
Wells deu uma palmada na garupa do cavalo e o animal começou a andar.
O miserável quedou-se uns instantes a ver a galera afastar-se.
Dois homens, que tinham assistido de longe, à cena, aproximaram-se dele.
— Que manda, chefe?
— Temos de falar. Sabem onde se escondeu aquele tipo?
— Ninguém tornou a vê-lo. Há quem diga que saiu da povoação.
— Como se chama?
— Fred Queen.
— Vocês vão dar cabo dele, ouviram? Quero vê-lo morto antes de amanhecer. De contrário...
Estugou o passo. Os guarda-costas, após uma breve hesitação, seguiram-no até ele entrar no «saloon).
Quando ficaram sós, olharam um para o outro.
— E onde vamos descobrir esse tipo?
— Esperemos. Há-de aparecer, caramba!

domingo, 21 de agosto de 2016

PAS660. O cavaleiro que furou a lei do «Lynch»

— Para já, ela deseja tomar banho. Dispõem de água, à vontade?
— O meu filho irá buscar a água que for necessária — respondeu a proprietária da casa, recolhendo as moedas reluzentes.
Após uma breve hesitação, Elisa interveio:
— Isso do banho não será um luxo, numa altura destas, Fred?
— Cheiras a estrume fermentado, minha querida — retorquiu ele com um sorrisinho trocista que a mulher do monóculo não chegou a notar.
Depois, aproximou-se da jovem e fingiu preparar-se para beijá-la. Elisa ofereceu-lhe a face e sentiu nela apenas uma leve comichão, em lugar da carícia que esperava. Sofreu uma desilusão.
— Boas noites.
— Já?
— Partiremos ao nascer do sol. Não dispões de muitas horas para o repouso...
— E tu, que vais fazer agora?
— Vou procurar um sitio melhor para o carro e... deitar-me, logo que o descubra.
-- Falas a sério?
Fred abriu os braços, de par em par, e curvou-se ligeiramente, como a mostrar a pureza das suas intenções. Após este gesto teatral, deu meia volta sobre os tacões e afastou-se.
Conduziu a galera para o local que se lhe afigurou mais protegido e, sem seguida, montando no seu cavalo, regressou à rua dos estabelecimentos.
Entrou numa das tascas e bebeu um uísque. Ao seu lado, no balcão, estava um homem que, pelo modo como se comportava, devia achar-se à beira de uma bebedeira fenomenal. Falava pelos cotovelos, ora monologando, ora dirigindo-se a quem entrava ou saía. Fred resolveu aproveitar a loquacidade do bebedor, para tirar nabos da púcara.
— Conhece um tipo chamado Gerald Wells?
— Nunca ouvi esse nome na minha vida, mas... — e o homem encolheu os ombros. — Mas... quem sabe?
Depois, começaram a oferecer um ao outro copos de uísque. Agora eu, agora tu. E o responsável, pelo que estava a acontecer, era Fred, que pretendia desanuviar o espírito. Não queria pensar em Elisa e no marido. A beleza da jovem tinha-o conquistado. A beleza e a sua maneira de ser. Era a primeira vez que sentia por uma mulher algo tão profundo e, ao mesmo tempo, tão nobre, embora a soubesse casada.
— O que há lá fora? — perguntou o bêbado.
Fred começava a encolher os ombros, quando um homem entrou, de roldão, no estabelecimento, gritando:
— Vamos «linchar» um ladrão!
E, assim como havia entrado, o alvissareiro desapareceu, num abrir e fechar de olhos. Seguiu-o, de perto, a turbamulta dos frequentadores do bar que só não o espezinhou porque ele levava, por certo, asas nas botas.
— E se fôssemos também dar uma espreitadela? — disse o borracho palrador.
Fred aceitou a sugestão, sem entusiasmo. Pagou a despesa e saiu do «saloon», atrás do embriagado.
A cinquenta jardas da porta do estabelecimento, deparou-se-lhe um homem alto e bem fornecido de carnes, que se defendia, a murro, de meia dúzia de indivíduos que tentavam agarrá-lo. Os socos que ele ia distribuindo com magnanimidade equiparavam-se a coices de mula.
— Roubou um cavalo! — berrou uma voz.
Fred olhou instintivamente para o sítio onde havia deixado a montada e não a viu. Preparava-se, para tomar uma atitude drástica, quando reparou que o «Valente» se encontrava um pouco mais distante, junto de um rapazito de uns dez anos, que o segurava pelas rédeas e lhe acariciava o focinho.
Entretanto, a luta continuava. E continuaria se, de súbito, um inconsciente não se houvesse lançado de cabeça às pernas do gigante, para as abraçar com toda a gana.
O grandalhão perdeu o equilíbrio e estatelou-se no solo. Nessa altura, uns sete ou oito heróis caíram em cima dele e reduziram-no à impotência.
Instantes depois, o desgraçado estava de mãos amarradas atrás das costas e com uma corda ao pescoço.
— Gatuno de uma figa! — vociferou o borracho.
Fred percebeu que iria assistir, dentro de instantes, à aplicação da «Lei de Lynch». O homem devia ter sido surpreendido no momento em que tentava roubar o cavalo e, com isso, assinara a sua própria sentença de morte.
O rapazinho continuava a fazer festas ao animal, sem dar mostras de se ir embora de ali, quando Fred chegou perto dele.
Fred pegou nas rédeas do cavalo, mas o garoto continuou, como petrificado, de olhos postos no gigante que se deixava levar pela populaça para a árvore que onde seria enforcado.
— Não é espetáculo para ti, menino — disse Queen, tentando afastar o moço.
Foi então que decidiu evitar o linchamento. Porquê? Não saberia explicar, mas...
— Um momento!
Apesar do burburinho, a sua voz ouviu-se em todo o povoado. Alguns dos algozes voltaram-se para ele mas, ao verem-no de revólver em punho, tornaram-se mansos como cordeiros.
— Soltem esse homem!
— É um ladrão de cavalos — responderam várias vozes. — Não podemos perdoar...
— O cavalo pertence-me.
A pura verdade. No entanto, o roubo de cavalos, naquela região, era punido com a morte e nem sequer davam ao réu a possibilidade de ser julgado.
— Dei-lhe autorização para ir buscá-lo — respondeu Fred, num tom glacial.
Esta atitude bastou para semear a dúvida no meio dos algozes. Os homens entreolhavam-se, meio desconcertados. Para eles impunha-se que insistissem na acusação pois, de contrário, seria confessarem que se haviam enganado redondamente. Todavia, apodar de mentiroso aquele homem que empunhava o revólver, com um ar tão resoluto, não era nada fácil e poderia acarretar-lhes trágicas consequências.
Acharam melhor afastar-se pouco a pouco do condenado, embora alguns deles lhe lançassem, de quando em quando, olhares furtivos cheios de hostilidade.
Fred deu alguns passos em frente e parou diante do homenzarrão. Este devia contar uns quarenta anos e certos traços das suas feições, revelavam ascendência espanhola.
Miraram-se com frieza.
— Por que me salvou? — inquiriu, de chofre, em correto inglês.
— Sou o dono do cavalo e julguei-me com o direito de interferir...
— Pois, tanto como eu, o senhor desrespeitou a lei. Mate-me ou deixe-me em liberdade. Não tem o direito de me ter amarrado.
Mas Fred não o ouviu mais. Obrigou-o a dar meia volta e desatou-lhe as mãos.
— Mas é lícito que defenda o que me pertence.
E, ao acabar de proferir esta frase, vendo o gigante já em condições de se defender, atirou-lhe um tremendo soco à ponta do queixo.
O homem retrocedeu alguns passos, com um ar perplexo. Logo, porém, que conseguiu readquirir o equilíbrio, tomou balanço e lançou-se, com fúria, para a frente, pretendendo agarrar Fred, fosse lá como fosse.
Fred, que era um jovem ginasticado, evitou-o com uma esquiva digna de mestre e, para não ficar para ali de braços caídos, tratou de lhe aplicar mais dois murros na mandíbula.
Dizer que esses socos, embora potentes, abalaram o ânimo do inimigo, seria mentir descaradamente. O homem encaixou-os, como quem bebe um copo de água, e procurou, de novo, deitar as mãos ao seu libertador. Então, Fred, que não era uma pessoa dotada de paciência sem limites, entendeu que devia abreviar o espetáculo. Quando o gigante, coçando outra vez o queixo, preparava nova acometida, Fred, num salto, colocou-se junto dele e ato contínuo, atingiu-o, em cheio, no estômago, com um murro tão potente como o coice de uma mula manhosa.
O grandalhão revirou os olhos, pareceu sorrir, olhando em volta. Depois, abriu muito a boca, como se pretendesse praguejar, girou sobre um dos calcanhares e caiu, de borco, no solo. Nesse mesmo instante, o rapazinho, que não se havia afastado do cavalo, correu para o homem derrubado.
— Pai! ... Paizinho!
Fred ficou perplexo. O garoto fitou-o com os olhos rasos de água e, num tom abafado pelo ódio, atirou-lhe à cara, a palavra:
— Assassino!...
Ajoelhou-se junto do pai. Este, que já recuperara os sentidos, fez-lhe uma festa na cabeça.
— Agradece-lhe, meu filho... Não o insultes...
Fred dirigiu-se para o cavalo, percebendo que era alvo de todas as atenções. Durante esse breve percurso, ouviu pronunciar o seu nome várias vezes. Montou o «Valente» e fê-lo trotar até ao local onde havia deixado o carro.
Assim que lá chegou, apeou-se e atou as rédeas do cavalo, a uma trave da galera. Depois de ter dado uma volta pelas imediações, a fim de ver se poderia dormir descansado, subiu para o carro e deitou-se no colchão, debaixo da lona protetora. Não adormeceu logo. Durante muito tempo, só pensou em Elisa. Quando o sono estava prestes a vencê-lo, descalçou as botas, acomodou-se melhor e... adormeceu.

sábado, 20 de agosto de 2016

ARZ120. O nómada

(Coleção Arizona, nº 120)
 
Elisa partiu de Chicago, numa galera, com destino a Durham, no Oklahoma. Pretendia juntar-se ao seu marido que partira à procura de uma nova vida.
A jornada foi dura e errática e, se durante os primeiros dias, Elisa não se deparou com qualquer percalço, os problemas em breve surgiram. E o primeiro foi o encontro com um homem que se cruzou no seu caminho, um homem que fazia da sua vida a deslocação constante de um lado para o outro, um «nómada». A partir daquele momento, Fred Queen enfrentou um conjunto de peripécias para guiar aquela mulher até ao seu destino.
Chegados a Durham, parecia impossível encontrar o marido de Elisa, ninguém conhecia Gerald Wells. A razão era simples: o homem tinha mudado de identidade, dominava um negócio não muito limpo e explorava garotas de «saloon». Quando finalmente Elisa o encontrou, foi rejeitada, desprezada. E Fred viu ali o motivo para abandonar a sua vida de nómada.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

ARZ119. O cavalheiro do Leste

(Coleção Arizona, nº 119)


Frank Quincey Scott, nado e criado no Leste, resolveu partir à aventura para o Oeste com o objetivo de ajudar um tio que vinte anos antes partira com essa intenção e conseguira ter sucesso. O jovem advogado e banqueiro preparou-se o melhor possível para a aventura, mas ficou surpreendido quando, no dia da viagem, a sua noiva, Diana, apareceu para o acompanhar, bem como a tia desta e um seu criado.
River Ladd, uma povoação de Montana, não era propriamente um local pacífico. Eram frequentes os assaltos e enormes fortunas se juntavam à conta dessa atividade, proporcionadas pela pesquisa de ouro.
O tio de Frank era uma das vítimas daquela situação. Conseguiria o jovem ajudá-lo? E qual seria a reação da sua egoísta noiva ao enfrentar aquele local caótico. A resposta está em «O cavalheiro do Leste».

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

PAS659. Quando o ciúme comanda as nossas mãos

Cinco.
Cinco homens a cavalo, trazendo as espingardas nas mãos.
Cinco pistoleiros ao serviço de Tracy.
Lassiter fez uma careta enquanto levava a coronha da espingarda ao ombro.
Em seguida disparou.
Um dos pistoleiros deu um salto sobre a sela, abriu os braços em cruz e caiu pesadamente. O grupo de quatro desagregou-se, afastando-se um dos outros. Lassiter disparou novamente e outro pistoleiro mordeu o pó do solo sem soltar um gemido sequer. Então correu para o local onde estava o seu cavalo, montou de um salto e, rapidamente, galopou na mesma direção que Ethel havia seguido. Três minutos depois, os três pistoleiros que restavam perseguiam-no, mas Lassiter não voltou a disparar contra eles. Necessitava pelo menos de um vivo. Para isso contava com McNamara e com o pessoal que este tinha às suas ordens.
A sua frente, a grande distância, viu galopar Ethel e, muito mais longe, pareceu-lhe distinguir McNamara, a sua ruiva noiva e mais alguns homens que saíam dos diferentes barracões.
Lassiter reduziu o galope do animal ao ver o brilho das armas e ao observar que se dispersavam em todas as direções dispostos, segundo parecia, a cortarem o avanço dos três pistoleiros que não cessavam de disparar contra ele.
Duzentos metros mais longe, com a espingarda na mão, McNamara viu Lassiter sobre a sela, quase estendido sobre o pescoço do cavalo que montava, galopando aos ziguezagues e, no seu coração, agitaram-se sentimentos contraditórios numa dança quase infernal.
Hesitava.
Sabia que podia disparar contra aqueles três homens que perseguiam Lassiter. Sabia que tinha de ser ele a dar a ordem para que os seus homens varressem num instante os inimigos, mas hesitava em o fazer.
Lassiter havia reduzido a marcha do seu cavalo e os três pistoleiros estavam cada vez mais perto dele.
McNamara compreendia a razão pela qual ele o fazia. Sabia que desejava apanhar algum deles vivo e, contudo, não se decidia a dar aquela ordem. Não se decidia a ajudar o amigo. Porquê?
Como resposta à sua pergunta, ouviu à sua direita a voz angustiada de Ella:
— Tex, vão matá-lo! Por favor, querido, tens de os deter.
McNamara voltou o rosto para ela e viu-a intensamente pálida, com as pupilas fora das órbitas e o busto a acusar o choque da respiração entrecortada.
— Tex! Por favor.
Levantou a espingarda quando Lassiter parava o seu cavalo e o voltava para os seus perseguidores. Depois, esporeando o animal, lançou-se contra os três, levando o «Colt» na mão, apoiado contra o arção da sela. Sempre à sua direita, McNamara ouviu-a dizer:
— Se o matarem, Tex, se o matam por tua culpa, juro que te odiarei toda a minha vida.
Depois, como fascinados, viram os longos riscos de fumo e fogo que irrompiam do lado de Lassiter e, quase no mesmo instante, começaram a acontecer coisas com uma rapidez que desconcertou todos.
A partir da direita para a esquerda de Lassiter, dois dos pistoleiros viram-se arrancados da sela, enquanto o terceiro parava o cavalo, fazia-o dar meia volta erguendo-se sobre as patas traseiras e em seguida o esporeava selvaticamente lançando-se num galope demoníaco na direção das pastagens de Elmer Tracy.
Lassiter parou a sua montada. Permaneceu completamente imóvel sobre a sela durante alguns minutos, recortando-se contra o azul do céu de uma forma mortiferamente sinistra e depois voltou-se para o acampamento. Fez então avançar o cavalo a passo até o parar em frente de McNamara, perante a silenciosa expectativa de Ella, Ethel e da não menos silenciosa assistência.
— Devias ter agido, McNamara — disse suavemente. -- Interessava-nos a todos ter um desses tipos vivo.
— Pus-me nervoso. Tu estavas bastante perto, quase na linha de tiro das nossas «Winchester». Não podia fazer outra coi...
Foi então que Ella avançou impetuosamente e o agarrou pela camisa logo que ele desmontou.
— Lass...! Lass, feriram-no? Está bem?
Lassiter esboçou um sorriso, mas este era extremamente duro.
— Estou bem, menina Sherman — replicou friamente. — Não se preocupe comigo.
Lançou um olhar a Ethel e, em seguida, fez o mesmo com McNamara.
— Gostaria de falar contigo, Tex — disse com simplicidade. — Sobre uma ideia que me ocorreu quando vinha para cá.
McNamara olhou-o com uma expressão indefinível, depois voltou-se para os seus homens e exclamou:
— Montem dupla guarda em torno do acampamento — Olhou para Lassiter e acrescentou: — Quando quiseres, Lass.
Este seguiu-o até ao barracão que fazia as vezes de escritório e, quando os dois ficaram sós, frente a frente, Lassiter quebrou o silêncio dizendo: —
Ouve, Tex, a minha ideia é a seguinte...
A conferência entre os dois durou mais de hora e meia, depois do que ambos abandonaram o barracão e se dirigiram para o lugar onde os esperavam as duas mulheres.
Tex despediu-se da sua noiva num tom um tanto frio, estendeu a mão a Ethel e a Lassiter, e em seguida os três empreenderam a caminhada até ao «Silver», fazendo-o no mais completo silêncio.
Já no rancho, pretextando cansaço, Ella foi para o seu quarto e Ethel ficou só com Lassiter. Mas este também não tinha vontade de responder a uma infinidade de perguntas que adivinhava nela e, alegando a mesma razão, dirigiu-se para o seu quarto, para o quarto que lhe fora destinado desde que chegara ao rancho.
Estendido de boca para cima, com o cigarro fumegante entre os lábios, pensava. Em Ella, em Ethel, e, sobretudo, na atitude de McNamara para com ele. Compreendia-o em parte, embora ele tivesse a certeza de não ser capaz de deixar um amigo à mercê dos seus inimigos, e muito menos por causa de uma mulher. Ou estaria enganado, nas suas apreciações?
Quando esta pergunta aflorou à sua mente, Lassiter abandonou o leito sabendo que, naquela altura, se sentia incapaz de conciliar o sono. Portanto saiu para o alpendre a respirar o ar puro e fresco da noite enquanto agora o nome de Elmer Tracy lhe ocupava os pensamentos.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

PAS658. Um sorriso inefável de mulher

Ethel ainda dormia quando Lassiter se levantou e começou a vestir-se, olhando-a de passagem, com o formoso cabelo espalhado sobre a almofada e tendo no seu rosto maravilhoso a mesma expressão de criança feliz. Sorriu sem afastar os olhos dela, enquanto afivelava o cinturão-cartucheira e abandonava o quarto e saía para o alpendre.
Quando se encaminhou para o bebedouro dos animais, tal como fazia desde que chegara ao rancho, perguntou a si próprio o que diria St. Loman-pai quando Ethel, conforme haviam combinado os dois, lhe contasse o que havia sucedido.
Pensava também em Ella. Em Ella Sherman e no que ela diria quando se informasse do que se passara.
Começou a lavar-se quando dentro do seu cérebro dançavam as figuras de Ella, Ethel, Tracy e, claro que também, Tex McNamara. Acabava de se lavar quando a primeira chegou ao alpendre, olhou à sua volta e o viu. Um sorriso inefável se desenhou na sua formosa boca. Se Ethel tivesse visto aquele sorriso ainda ficaria mais perplexa que até então estivera.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

PAS657. Acordo nupcial com o pistoleiro

Lassiter abandonou o escritório e dirigiu-se para o alpendre.
Não se foi deitar. Encostado a uma das traves do alpendre, contemplou as estrelas, os arredores, as colinas atrás das quais estava o rancho do seu inimigo, enrolou um cigarro empregando para isso a mão esquerda e acendeu-o enquanto desta vez, duas mulheres, qual delas a mais formosa, dançavam no interior do seu cérebro.
Os seus pensamentos foram interrompidos por Ethel que disse a seu lado:
— Ella é uma rapariga muito bonita, não é verdade, Lass?
Lassiter voltou-se para a olhar, calculando quais seriam as intenções daquela pergunta e, olhando-a de frente.
— Sim, muito. Quase tanto ou mais que você, Ethel — disse, sem notar que, com aquelas palavras ou outras semelhantes havia respondido a Ella quando lhe fizera pergunta parecida em relação a Ethel.
Ato contínuo, como se não desejasse continuar a conversa, Lassiter desencostou-se da trave, desceu os três degraus do alpendre e, lentamente, dirigiu-se para as árvores próximas que circundavam o rancho, trinta e cinco metros para lá da cerca de arame farpado.
Não parou antes de chegar à margem do pequeno regato que por ali passava e então tirou o chapéu e aproximou-se de um tronco grosso, recostando-se contra o mesmo.
Fechou os olhos.
Quando, segundos mais tarde, os abriu, Ethel St. Loman estava parada em frente dele, com os olhos rasgados e grandes fitos no seu rosto, com uma pergunta muda estampada neles e também com uma estranha e misteriosa promessa.
Foi Lassiter quem falou primeiro e fê-lo com uma pergunta:
— Que procura aqui, Ethel?
Durante alguns segundos o rosto formoso de Ethel St. Loman ruborizou-se um tanto, mas depois, olhando-o firmemente, replicou:
— Procuro-te, Lass. Desejo saber se o primeiro homem que me beijou e que não me quer agora...
Ele interrompeu-a com um gesto e, ao responder, tratou-a por tu:
— Agora o quê, Ethel? Se recordo bem, foste tu que desejaste que não se repetisse o que se passou entre nós. Não é assim?
— Sim, mas... — hesitou e Lassiter não a ajudou e por isso ela continuou, desviando os olhos daqueles olhos frios e cinzentos que pareciam esquadrinhar-lhe a alma até aos pontos mais recônditos: — Que há entre ti e essa mulher, Lass?
Lassiter fez um gesto de assombro bem fingido.
— Referes-te a Ella, Ethel? perguntou por sua vez. — Se assim é, confesso-te que não te compreendo.
Ethel deu alguns passos aproximando-se dele e não parou enquanto Lassiter não sentiu o calor do corpo dela junto do seu e o fino e estranho perfume que usava e lhe enervava os sentidos.
— Que razão há para não responderes, Lass? Onde a conheceste? Responde, por favor.
Ele respondeu, mas não da forma que ela esperava:
— Creio que laboras num erro, Ethel. Quem meteu essa ideia debaixo dos teus cabelos louros?
— Ninguém. Eu própria. Basta ver como te trata. A confiança que tem contigo. Basta uma indicação tua para fazer o que tu decides. Tex não vai gostar disso, da mesma forma que eu não gosto. Que há entre ti e ela, Lass?
— Haver? Nada, querida. Creio que são ideias tuas e nada mais. Ella apenas pode sentir por mim, se assim é, uma amizade sincera. Sou amigo do seu noivo e nada mais.
— Não sei se deva acreditar-te ou não, Lass querido. Mas é estranho, muito estranho, que Ella esteja pendente das tuas palavras desde que começas a falar até que terminas. Enfim, Lass, nem eu própria sei o motivo, mas tenho uns ciúmes horríveis da noiva de Tex.
Lassiter sorriu.
— Pois nada tens a recear de momento, Ethel. Não há outra mulher. Mas, mesmo que a houvesse, não esqueças que foste tu a expressar o desejo de que, aquilo que se passou entre nós não se repetisse.
Ethel recuou alguns passos e, durante alguns instantes, ambos se olharam silenciosamente, como se se estudassem, até que ela, com um grito, se lançou nos seus braços.
— Não percebes que minto, que mentia, Lass, amor? Que te amo, que te amo como nunca amei ninguém, visto que tu foste o primeiro homem na minha vida? Oh, Lass, querido! — terminou alguns segundos mais tarde antes de lhe procurar a boca com os seus lábios carinhosos e incitantes.
Ethel apertou-se contra ele com verdadeiro desespero, até que o mundo, e com ele Elmer Tracy, deixou de existir para os dois e só voltaram à realidade quando Lassiter, com um esforço, a afastou dos seus braços, com o busto ofegante e o cabelo e as roupas revoltas.
— Agora sou eu que te peço que deixes as coisas como estão, Ethel.
Ethel abriu os olhos com assombro e, ato contínuo, replicou:
— Deixá-las, Lass, querido...? Nem sonhes com isso, a menos que me digas a verdade.
— E se não o fizer?
O rosto de Ethel St. Loman turbou-se. Depois, as suas palavras lentas, a entoação que lhes deu, abriram brecha no ânimo de Lass Lassiter:
— Ouve, Lass; eu amo-te, sabes? Se assim não fosse, as coisas não teriam acontecido como aconteceram. Agora, apenas quero pedir-te uma coisa: sela o teu cavalo e vamos a Rato. Há lá um juiz que, embora velho, nos pode casar. Um juiz e um hotel onde podemos passar a noite, compreendes? Depois, amanhã, poderemos estar de volta para acompanharmos Ella Sherman até ao lugar onde se encontra Tex.
-- Mas para que é tanta pressa, Ethel?
— E és tu que me fazes essa pergunta, querido?
Lassiter não respondeu de momento. Quando o fez foi com uma pergunta que sobressaltou Ethel:
— E se eu não concordar, querida?
Seguiram-se alguns segundos de angustioso silêncio que Ethel quebrou acentuando cada uma das suas palavras:
— Matá-la-ei, Lass. Se eu averiguar que é por causa dessa mulher, por causa dessa mulher tão formosa, matá-la-ei.
Voltou a reinar um novo silêncio entre os dois, e, desta vez, o encarregado de o quebrar foi Lassiter:
— Não há nenhuma mulher, Ethel, já te disse. Por outro lado também te disse que eu...
— Sei tudo isso, Lass. Sei-o e contudo... Oh, Lass! Eu...
Num repente instintivo correu para os braços dele e escondeu a sua cabeça loura e formosa contra o seu peito.
Acariciando-a, Lass Lassiter pensava em muitas coisas e então cravou os olhos frios nas estrelas longínquas que brilhavam rutilantes no negrume da noite.
Sem a olhar, murmurou suavemente:
— Espero-te junto das cavalariças, Ethel.
Ela levantou os olhos luminosos para ele.
— Lass!
— Vamos, pequena, muda de roupa rapidamente — olhou-a fixamente e acrescentou: — Vai fazer-se como queres, rapariga. Esta noite converter-te-ei em minha esposa.
Sem esperar resposta afastou-se dos seus braços e dirigiu-se para as cavalariças. Ethel foi atrás dele e, junto do cavalo, vendo que a olhava, replicou:
— Não necessito mudar de roupa, Lass. Vamos quando quiseres.
Três minutos mais tarde, levando-a a garupa, Lassiter galopava em direção a Rato.
Mas não ficaram no hotel da povoação, regressaram imediatamente ao rancho onde chegaram quando apenas faltavam umas quatro horas para amanhecer.
Foi Ethel quem o puxou para o andar superior dizendo:
— Lass, querido, desejo mostrar-te uma coisa.
Ele não replicou mas foi com ela.
Ethel parou em frente da porta do seu quarto e abriu-a.
— Entra, Lass — disse, com o semblante um pouco ruborizado —, desejo que vejas isto.
Afastou-se para um lado e Lassiter entrou. Enquanto ela fechava a porta atrás dos dois, ele viu que Ethel havia preparado o quarto para os dois há bastante tempo. Voltou-se para a observar e viu-a com um olhar carregado de promessas sedutoras.
— Ehtel, isto...
— Oh, Lass!... — interrompeu ela. — Sabia que o conseguiria. Sabes...? Eu... amo-te desde o momento em que te vi ferido, às portas da morte, naquela cama e...
Correu para os seus braços, procurando-lhe os lábios com verdadeiro desespero. Talvez pensando naquela outra mulher formosa, de cabelos louros, que o tratava com tanta intimidade.
Lassiter deixou-se abraçar e, minutos mais tarde, o silêncio mais absoluto reinava no quarto nupcial.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

PAS656. Chega a segunda mulher formosa

Antes de começar a beber, Lassiter colocou meio dólar sobre o balcão, depois pegou no copo e bebeu-o voltado para a porta, embebido numa multiplicidade de pensamentos que convertiam a sua cabeça num caos extraordinário.
Assim o surpreendeu a chegada da diligência com os gritos do condutor, as suas pragas e o ruído de ferros velhos e estalidos de madeira que ameaça desconjuntar-se.
Bebeu o resto do uísque de um trago, apertou um pouco mais o cinturão e abandonou o «saloon».
Tal como sempre, havia uma infinidade de curiosos rodeando a velha e ruidosa diligência quando Lassiter atravessou a rua poeirenta e se aproximou colocando-se atrás de todos.
Três homens.
Vaqueiros, e, segundo parecia, tão forasteiros como ele próprio.
Depois saiu a mulher.
Jovem, não devia ter mais de vinte anos, de intensos olhos verdes, alta, de busto pujante e audacioso, cintura estreita e cabelo ruivo, uma pequena boca vermelha de lábios sensuais e húmidos como o orvalho.
Lassiter sorriu, enquanto uma multidão de pensamentos contraditórios o sacudia dos pés à cabeça, fazendo-o estremecer como uma folha varrida pelo furacão.
Não se moveu, vendo como ela voltava a cabeça de um para o outro lado, procurando descobrir Tex McNamara, o seu noivo.
Repentinamente, Ella Sherman viu-o.
Notou corno se sobressaltava e como depois os seus lábios se distendiam num sorriso carinhoso e, com ele nos lábios, com os olhos extremamente brilhantes, começava a avançar para ele seguida pelos olhares fascinados dos homens e curiosos das mulheres.
Lassiter fez-lhe um sinal e quase instantaneamente o rosto dela mudou de expressão como por encanto, tornando-se completamente impassível. Depois parou e olhou para todos os lados.
Lassiter avançou então ao seu encontro.
Parando em frente dela, tirou o chapéu e perguntou:
— A senhora é Ella Sherman, a convidada de «miss» St. Loman ?
Ela lançou-lhe um olhar curioso que, dissimuladamente, o abarcou da cabeça aos pés. Em seguida sorriu e, sem perder o sorriso, replicou com outra pergunta:
— Esse é o meu nome, vaqueiro. E você...?
— Lass Lassiter, do «Silver Rach», menina Sherman. A menina St. Loman mandou-me para a conduzir até ao rancho. Quando quiser poderemos partir.
— E a minha bagagem?
— Na estação da diligência encarregar-se-ão dela até que a venhamos recolher, menina Sherman — replicou Lassiter. — Agora venha comigo. Tentaremos alugar uma carruagem para a levar ao rancho. A menina St. Loman disse que a desculpasse, mas no rancho não há nenhuma que seja cómoda.
A rapariga sorriu.
Ambos muito juntos entraram na estação sob a expectativa geral. Meia hora mais tarde saíram dali e, um pouco mais tarde Lassiter conduzia, levando o seu cavalo amarrado à parte traseira do «sulky» que alugara. Dirigiam-se para o rancho.
Foi a meio da pradaria, fora dos olhares indiscretos dos habitantes da povoação, que ela tomou as rédeas que Lassiter segurava e parou os cavalos.
Ambos voltaram a olhar-se e então, Ella, sem se poder conter, soltou um pequeno grito e lançou-se nos braços de Lassiter, num repente incontível.
— Oh, Lass, querido, como desejei que este momento chegasse!
Depois, durante vários minutos, ambos ficaram estreitamente abraçados, beijando-se e acariciando-se, até que Ella se afastou dos seus braços. Olhando-o fixamente, começou a perguntar:
— Lass! Que significa isso? Que razão há para todo este mistério? Que há de mal em...? Por favor... — fez uma ligeira pausa e acrescentou, vendo que ele não dizia nada: — Disseste a Tex?
Olhou-o, expectante, com os maravilhosos olhos verdes fitos nos seus e o busto agitado violentamente sob o tecido do vestido.
— Ouve, pequena — começou Lassiter. Nem tu nem eu nos conhecemos, compreendes? E o pior para ti é que, para todos os estranhos ao «Silver Rach», também fingirás não conhecer Tex. Compreendido? Tu, para todos, vais ser, no rancho, apenas a convidada da menina Ethel St. Loman. Portanto, querida, terás de aguentar até que tudo isto se solucione.
Não replicou de momento. Olhava-o pensativamente, como tentando assimilar todas e cada uma das suas palavras.
— E Tex, como está, Lass?
— Está bem, rapariga. Tão bem quanto possível.
Houve alguns segundos de silêncio entre os dois e por fim Elia quebrou-o, perguntando uma vez mais:
— E... e Tracy, Lass?
O rosto de Lassiter carregou-se.
— Como sempre, querida — replicou.
Ato contínuo contou-lhe os sucessos mais recentes e em seguida empunhou novamente as rédeas e pôs o «sulky» em marcha, sem deixar de falar, contando-lhe os motivos que tinha para não desejar que alguém soubesse, de momento, quem ela era e muito menos as relações que a ligavam a ele e a McNamara.
Avistavam o rancho quando Ella perguntou uma vez mais:
— Como é Ethel St. Loman?
— É loura, Ella. Loura e tanto ou mais formosa que tu, querida.
— Lass, querido! Fazes-me corar com as tuas galantarias.
Lassiter soltou uma gargalhada e não respondeu.
Segundos mais tarde, Ella encontrava-se a abraçar e a beijar Ethel que a acolheu como se se tratasse de uma sua irmã.
— Vamos — disse quando acabaram as efusões entre as duas. Vamos para dentro. Meu pai deseja conhecer-te.
Ella correspondeu ao tratamento por tu quando perguntou:
— E Tex, sabes se está no rancho?
— Não, Ella. Está junto das margens do Canadian vigiando os trabalhos da represa.
O rosto de Ella obscureceu-se um tanto.
— Quero ir vê-lo — replicou, lançando um olhar acusador a Lassiter que este simulou não ver.
Por isso não respondeu, o mesmo não acontecendo com Ethel que o fez imediatamente:
— Levar-te-emos lá, Ella, mas não hoje, apenas amanhã. E por favor, sê prudente, Suponho que Lass já te disse que ninguém deve saber as relações que te unem a Tex, não é verdade?
— Sim, disse-me, embora não tivesse dito que Tex não estava no rancho. Se assim tivesse acontecido...
— Será melhor, menina Sherman, que faça caso dos conselhos de Ethel.
Ela olhou para Lassiter, inclinou a cabeça e replicou lentamente:
— Seja como quer, Lass.
Sem mais palavra entraram os três no rancho onde os esperava St. Loman e, segundos mais tarde, os quatro encontravam-se sentados no luxuoso escritório, embebidos numa conversa agradável e interessante.
Mas nenhum deles esquecia nem por um momento Elmer Tracy, apesar de não falarem nele.
Por volta da meia-noite Ethel pôs-se em pé e voltou-se para Ella.
— Desculpa, querida — disse —, mas se queres ir ver o teu noivo amanhã, deves deitar-te agora.
Ella sorriu levemente, levantou-se do lugar que ocupava, estendeu a mão a St. Loman e afastou-se atrás de Ethel, enquanto Lassiter ficava a pensar de si para si o que aconteceria no rancho a partir daquele momento e acabava por se levantar e pôr em pé.
— Se não precisa de mim, senhor St. Loman...—começou.
— Não, Lass — replicou o rancheiro interrompendo-o. -- Pode ir deitar-se, se quiser.

domingo, 14 de agosto de 2016

PAS655. O homem do revólver encontra a mulher formosa

Algumas pancadas fortes dadas na porta acordaram-no com um pouco de sobressalto. Lassiter abriu os olhos. O sol inundava o quarto e então saltou da cama como impulsionado por uma mola, para fazer no mesmo instante uma careta de dor.
A verdade é que lhe doía todo o corpo como resultado da luta do dia anterior.
Deu um grito como resposta às pancadas que se continuavam a fazer ouvir e olhou-se no espelho. O seu rosto era qualquer coisa parecida com o mapa do Texas e, sorrindo com ironia, perguntou, de si para si, o que diria Ethel quando o visse.
O velho St. Loman?
O turbilhão de perguntas que se iam formular na sua mente foi interrompido por uma nova pancada na madeira da porta, mas desta vez um pouco mais discreta.
Lassiter fez um gesto de impaciência e abriu para ficar sem respiração perante a figura de Ethel que, junto do umbral, o observava com olhos inquiridores.
Uma Ethel que trazia sobre o seu maravilhoso corpo de sereia uma blusa decotada, sem mangas e as calças de vaqueiro usuais, um pequeno chicote na mão e nada mais.
Uma Ethel que murmurou aproximando-se dele até quase o roçar:
— Sabe que horas são, preguiçoso? Não? Pois passa das onze da manhã.
A resposta de Lass resumiu-se a uma pergunta:
— E Tex?
Ethel sorriu uma vez mais.
— Foi para a represa, Lass.
-- Por que não me chamaram antes?
Ela apontou-lhe para o rosto com um gesto acusador.
— Já viu a sua cara? — perguntou —. Pois por isso mesmo. Além disso, você ainda não está em condições de fazer, por exemplo, o que fez ontem em Rato. V: uma loucura, Lass.
— Então devo permanecer aqui, no interior do «Silver» até que alguém diga por mim o que devo ou não fazer? Não é assim, Ethel?
— Claro que sim! Portanto, por agora, o seu cão de guarda vou ser eu. Lave um pouco o rosto enquanto espero. Depois tratar-lhe-ei do rosto e, ato contínuo, sairemos a dar um passeio.
— Quem disse isso, Ehtel?
— Oh! Ë... uma receita facultativa. Pelo menos julgo que se diz assim. Vamos, Lass, estou à espera e nenhum homem educado faz esperar uma dama.
Lassiter esteve prestes a mandá-la para o diabo ou para qualquer outra parte pior, mas por isso, exatamente por uma questão de educação, não o fez. Limitou-se, pois, a dar meia volta e a desaparecer pela porta que dava acesso ao lugar onde tinha instalada a tina de água para asseio pessoal.
Meia hora mais tarde estava novamente diante dela.
-- Vamos, Lass, sente-se aqui e deixe-me tratá-lo.
Lassiter não respondeu e fez o que ela ordenava.
Sentiu no rosto as mãos de veludo de Ethel e fechou os olhos quando uni violento desejo de a beijar, de a estreitar nos seus braços, o invadiu.
Mas, que direitos tinha para o fazer? Respondeu a si próprio que nenhuns e a partir de então os seus pensamentos começaram a percorrer caminhos nada agradáveis para si mesmo.
Até que Ethel o interrompeu com um comentário:
— Sim, creio que vou ser uma boa guarda para si. Vamo-nos embora, Lass?
Lass anuiu em silêncio e, alguns minutos mais tarde, ambos chegavam às cavalariças.
Lass selou o seu cavalo e a égua dela, ajudou-a a montar, fez o mesmo e, finalmente, puseram-se a caminho na direção das pastagens.
Cavalgando.
Ele pensando em tempos passados. Ela pensando no presente e no futuro e fazendo a si própria uma infinidade de perguntas sobre o sinistro e frio cavaleiro que levava ao lado, completamente silencioso.
Assim, quilómetro após quilómetro, umas vezes em silêncio outras em conversa animada, Ethel mostrou-lhe boa parte do rancho, a maioria das obras de engenharia que McNamara havia efetuado, uma boa parte da represa, sem que encontrassem o engenheiro e depois, a um sinal dela, seguiu-a.
Lassiter cavalgou atrás dela durante mais de cinco quilómetros, a todo o galope, até avistarem um espesso grupo de árvores.
Então Ehtel reduziu um pouco a marcha da sua égua e esperou que Lassiter, que ia atrás, se aproximasse dela.
— Almoçaremos aqui, Lass — disse, indicando as árvores e, logo que ele começou a cavalgar a seu lado, estribo com estribo, acrescentou: — Calculei que demoraríamos bastante tempo e trouxe qualquer coisa para comer.
Lassiter replicou com um sorriso e, quinze minutos depois, desmontou sob as árvores, junto da margem de um regato de águas límpidas e cantantes.
Ajudou-a a desmontar.
Durante alguns segundos teve-a entre os braços, os lábios muito vermelhos perto dos seus, sentindo-a tremer, sentindo o calor morno do seu corpo formoso junto do seu, mas não a beijou.
Limitou-se a colocá-la suavemente sobre a erva e em seguida afastou-se na direção da margem do regato.
Sentou-se à beira da água. Mal o havia feito ouviu a voz dela:
— Cansado, Lass? Voltou o rosto para a olhar. Diabo, como era formosa!
— Não, Ethel — replicou. — Não estou cansado. Apenas esfomeado.
Ela riu alegremente, feliz, segundo parecia, embora Lassiter não a tivesse compreendido muito bem naquela altura, mas sim muito mais tarde.
— Sirvo-o imediatamente, Lass. Depois me dirá que tal sou como cozinheira.
— Foi você quem cozinhou?
Com as mãos afundadas na bolsa da sela de montar, Ethel replicou sem perder o seu sorriso feiticeiro:
— Claro, Lass! Sou a única cozinheira que há no «Silver».
Trazendo dois embrulhos nas mãos, Ethel foi sentar-se a seu lado. Depois, alguns minutos mais tarde, começaram a devorar o que ela trouxera preparado do rancho.
Absurdamente feliz, sem saber ainda a que atribuir aquelas sensações, Ethel falou pelos cotovelos até o almoço terminar. Recolheu então todos os utensílios que trouxera e foi lavá-los na água do regato enquanto Lassiter, com o fino cigarro, que havia enrolado e acendido, entre os dedos, se estendia no chão, de boca para cima, fixando os olhos na folhagem verde das árvores.
Ethel foi sentar-se junto dele poucos minutos depois de terminar o seu trabalho.
Inclinou-se sobre a figura estendida de Lassiter, mostrando-lhe o princípio do colo exuberante e perguntou:
— Que fará quando isto terminar, Lass? Refiro à altura em que Tracy deixar de constituir um perigo para todos.
Lassiter desviou os olhos da rapariga e replicou com eles fitos na distância.
— Sou ave de arribação, Ethel. Portanto, ir-me-ei embora — disse, voltando a olhá-la silenciosamente durante alguns segundos e acrescentando então: — Mas antes, Ethel, farei uma coisa, mesmo que me... custe, um desgosto.
Ela inclinou-se mais sobre ele, como fascinada...
— Que coisa é, Lass?
Lassiter semicerrou os olhos e, durante uns instantes, a sua respiração tornou-se muito mais violenta que o normal.
Quando os abriu, Ethel continuava a olhá-la fixamente, com as pupilas brilhantes e cheias de qualquer coisa difícil de definir, mas extremamente suave.
— De que se trata, Lass? — insistiu.
— Beijá-la, Ethel.
Ela inclinou-se ainda mais.
— Desde quando o deseja, Lass? — perguntou suavemente. — Diga-me. Preciso de o saber.
Lassiter desviou os olhos durante alguns segundos e depois voltou a olhar para ela.
— Desde que me deixou só no meu quarto do rancho, a primeira vez que a vi — replicou com voz rouca. — Desejo-o desde essa altura.
Ethel sorriu.
— Sim, creio que sim, Lass — replicou. — Creio que então o adivinhei.
Inclinou-se ainda mais e os seus lábios vermelhos e sensuais roçaram os de Lassiter. Depois, e de uma forma repentina, este encontrou-se a beijá-la, a abraçá-la, a acariciá-la e a sentir nos seus lábios o fogo dos dela e como devolvia todas e cada uma das suas caricias.
Depois ambos permaneceram unidos num abraço que durou muito, muito tempo.
Mas foi muito mais tarde, quando do regresso, apenas faltavam uns oito quilómetros para chegarem ao «Silver», por entre uma paisagem cheias de árvores, Artemisa, rochas e grandes depressões de terreno, quando Lassiter perguntou, quebrando desse modo o silêncio que reinava entre eles desde há muito tempo:
— Por que fizeste isso, Ethel?
Ela mantinha os olhos fixos na distância quando respondeu:
— Não perguntes, porque não sei, Lass. Pode ser que fosse porque também eu o desejava há muito tempo. E pode ser que... — hesitou durante alguns instantes e finalmente acrescentou: — Pode ser... Pode ser que deseje que, quando te fores embora do «Silver», leves uma boa recordação do rancho.
Lassiter ficou em silêncio durante alguns segundos e em seguida murmurou mais para si próprio que para ela:
— Uma boa recordação... Sim, indubitavelmente, a melhor... Qualquer coisa que nunca teria esperado. Sim, Ethel... eu...
Não pôde terminar a frase, se é que o desejava verdadeiramente. O estampido do tiro de uma espingarda «Winchester» impediu-o. Quase no mesmo instante, o cavalo que montava caía de lado, com a cabeça atravessada de lado a lado enquanto, imediatamente, uma descarga cerrada quebrava em mil pedaços o silêncio que até então havia reinado nos arredores.
Mas quando a égua que Ethel montava caiu crivada de balas, esta já não se encontrava sobre a sela, mas sim por terra, junto de Lassiter, que também se havia libertado do cavalo muito antes que este o prendesse sob o seu corpo.
Depois, alguns segundos mais tarde, um silêncio pesadamente mortal caiu em torno deles, como um funesto presságio do que ia acontecer em seguida.

sábado, 13 de agosto de 2016

ARZ118. Duas mulheres e um revólver

(Coleção Arizona, nº 118)
 
Lassiter é contratado por um engenheiro, Tex Mc Nammara, para se dirigir à povoação Rato no Novo México a partir de Starkeville, no Colorado, usando o seu cavalo e envergando as suas roupas. Perto do seu destino é alvejado e passa vários dias em estado desesperado sob os cuidados da bela Ethel a qual se apaixona por ele, vindo então Tex a compreender o destino que o esperava caso fosse ele a fazer a travessia. É um pouco estranho este ponto de partida de Joe Mogar, estranheza adensada pela maneira como tratou o relacionamento de Lassiter com a noiva de Tex.
Cabe, no entanto, dizer que esta perseguição a alguém cujo vulto se confundia com Tex se devia ao fato de este estar a construir uma represa nas terras de Ethel a qual era invejada pelo malvado Tracy bem como as suas terras.
Lassiter acaba por ser envolvido neste conflito e não deixa de ser magistral o modo como o autor trata o dilema de Tex em momento em que o seu contratado fugia de Tracy. Temendo que o cowboy tivesse um relacionamento com a sua noiva, Emma, Tex hesitou em o defender. Mas afinal Emma era irmã de Lassiter e tudo ficou em paz.
Fica assim justificado o título da novela que retrata luta de duas mulheres (Ethel e Emma) apoiadas no revólver de Lassiter contra o famigerado Tracy, uma luta em que Tex participou de uma forma tímida.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

ARZ117. Luta de ganadeiros

(Coleção Arizona, nº 117)


Clay Burton viu-se numa situação miserável quando foi expulso do exército acusado de desonestidade financeira por um capitão que não perdoou o seu eventual relacionamento com a esposa.
 
Clay era um lutador excecional e não tardou a ser contatado por uma jovem, filha de um ganadeiro riquíssimo, o mais poderoso do estado, para fazer parte da sua equipa e defender o rancho de índios, assaltantes e até de outros ganadeiros.
 
Começa assim uma nova vida do ex-militar que haveria de encontrar naquela mulher um estímulo para se dedicar a uma atividade completamente diferente.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

ARZ115. O misterioso «John Brown»

(Coleção Arizona, nº 115)
 
John Brown era o nome com que se identificava um indivíduo em nome de quem eram depositadas quantias elevadas provenientes do cumprimento de contratos para abater personagens incómodas.
O xerife de Dodge City viu-se assim na necessidade de descobrir o verdadeiro autor deste massacre e também o indivíduo que tinha interesse no mesmo o que se relacionava obviamente com o desejo de aumentar o património de alguém que estava no mesmo meio.
Como curiosidade, note-se que Dickinson utiliza o mesmo espaço e a mesma personagem central da obra que falámos anteriormente da sua autoria e bem assim o médico amigo do álcool que conhecemos por «Doc» Bellamy. Apesar de tudo, o livro não me pareceu tão interessante como o anterior.
Ainda a título de curiosidade, note-se a semelhança entre as personagens destas obras e as da série de banda desenhada entre nós designada por Matt Dillon (Gunsmoke) e desenhada por Harry Bishop: o xerife, o ajudante, o médico e a garota do saloon.

ARZ114. O fantoche

(Coleção Arizona, nº 114). Capa e texto indisponíveis

terça-feira, 9 de agosto de 2016

PAS654. O pistoleiro perde a lucidez

— Bebe, «Frisco»! Anda, rapaz! Bebe mais! — ria Walter Rocky, oferecendo outra garrafa desarrolhada ao pistoleiro.
Belle implorou.
— Deixem-no! Não vêem que já não sabe o que faz nem o que lhe fazem?
— Isso está bem, pequena—comentou Rocky. — precisamente o que nós queremos... Que não saiba o que faz, nem o que se lhe faz, nem o que se passa.
O outro pistoleiro, Madoc, coçou atrás da orelha.
-- Ouve, Rocky, e se nós também bebêssemos um trago? Eu não creio que o rapaz possa preocupar-nos. Está completamente embriagado.
— Não é má ideia — admitiu Walter Rocky. — Bebé, traz uma dessas garrafas.
Como flutuando nas brumas de um pesadelo, «Frisco» agitava-se no leito. O seu corpo estremecia. Em algum ponto do cérebro, conservava a lucidez, mas os nervos não respondiam às ordens da sua vontade embotada.
Através do seu infernal mal-estar, apesar de a bebedeira e de a apatia do seu espírito, com toda a clareza, começou a compreender o «porquê» daqueles homens estarem ali; «porque» não lhe tiravam a vista de cima; «porque» lhe haviam feito beber garrafa atrás de garrafa, sob a ameaça das armas, até cair vencido pelo álcool.
Estavam ali para o vigiar, para impedir que se pusesse em contacto com o xerife. O riso bailou-lhe nos lábios, mas não foi mais do que um abafado gorgolejo, um estertor da garganta... Dave Van Doren havia suspeitado parte da verdade.
Todos sabiam que ninguém era mais rápido do que «Frisco». -Os seus polegares, acionando o percutor dos «Colts», cuspiam chumbo e fogo como relâmpagos.
Salvar uma vez o xerife e permitir-lhe que continuasse com vida novamente... era demasiado para Van Doren. E Walter Rocky estava ali, com Madoc, para lhe impedir uma nova debilidade.
«Debilidade»?
«Frisco» sentiu fogo no peito. Sim... fora isso o que tivera. Porque, em anteriores ocasiões, havia matado sem hesitar, obedecendo aos Van Doren e cobrando o dinheiro prometido.
«Debilidade ?»
Que lhe havia dito Cumberlan? Dissera-lhe que ao fim de cinquenta anos ninguém se lembraria de homens como eles... mas que se deveria, precisamente a eles, o avanço da civilização e da... da Lei. Um objetivo!
Um objetivo na vida! Era isso o que Cumberlan havia alcançado! Em contrapartida... ele...
Sentiu o céu-da-boca seco e passou a língua pelos lábios.
— Queres mais uísque, «Frisco»? -- perguntou Madoc, ironicamente.
Aquelas palavras chegaram-lhe de muito longe.
A lucidez do seu cérebro era cada vez mais intensa.
Mentalmente, viu Chuck. Sim; viu-o sair do escritório e caminhar confiadamente pelo meio da rua. Era manhã cedo e toda a gente dormia ainda em Dodge. Descansando. Todos... exceto uns quantos madrugadores, sentados aqui e ali, ao longo da rua, olhando fixamente para o xerife à espera do sinal... do momento oportuno...
O apito de uma locomotiva fenderia o ar matinal.
O comboio preparar-se-ia para entrar na estação de Dodge...
«As estrelas no céu...»
De todos os lados brotariam os disparos. E Chuck, surpreendido, sem poder defender-se, cairia contra o pó e contra as pedras...
Depois, os seus matadores correriam à estação... para arrebatarem a vida a Jeff Bompard.
E aquele plano havia sido maquinado por ele!
Quis levantar-se, mas nenhum músculo, nenhum nervo obedeceu à desesperada decisão da sua vontade. Uma nuvem apagou todas as imagens do seu pensamento e, lentamente, como se mergulhasse num poço, foi perdendo a consciência, a lucidez, os sentidos.