terça-feira, 31 de janeiro de 2017

PAS717. Massacre ao fim da tarde em dia de festa

Todos os anos se realizava em Carson City uma festa que não podia comparar-se a qualquer outra; era diferente, e extraordinária. Uma infinidade de forasteiros vinha de todas as cidades em redor. Durava/ três dias, a festa. Três dias de uma espécie de loucura coletiva e ao mesmo tempo ingénua, três dias de divertimentos.
Eram os rapazes que a gozavam mais intensamente. Eram eles os que esperavam a festa com maior impaciência. E, quando ela terminava, apoderava-se deles a nostalgia, durante algum tempo — e depois recomeçavam a sonhar com o ano próximo, para reviverem uma vez mais as proezas dos cavaleiros e a destreza ímpar dos que faziam alarde de espantosa pontaria, acertando em moedas atiradas ao ar.
Carson City vivia novamente a realidade dos seus dias grandes, e uma multidão pletórica de alegria buliçosa enchia as suas ruas. As mulheres exibiam as suas melhores galas; os vaqueiros, orgulhosos de si mesmos, andavam atrás delas; os «saloons» estavam cheios. E os garotos, comendo guloseimas, divertiam-se sem peias, esquecidos da escola ou da severidade, paterna.
De súbito, dominando o rumor das conversas e dos risos, ouviu-se o furioso tropel de uma galopada. Mais de uma dezena de cavaleiros passou, a toda a brida. Ao princípio toda a gente julgou que' se tratava de vaqueiros que vinham divertir-se.
Foi ao fim da tarde.
Não eram vaqueiros. Tinham um aspeto sombrio, desesperado, sinistro.
Alguém reparou nesse aspeto — e nasceu uma terrível suspeita, bruscamente.
Os cavaleiros desmontaram e espalharam-se rapidamente. Dois deles tinham corrido para a porta do Banco, onde colocaram qualquer coisa. O homem que desconfiava, ao ver o brilho de um fósforo não hesitou mais, e disparou um tiro para o ar; mas o tiro foi abafado por uma tremenda explosão.
As portas do Banco voaram em estilhas, e no mesmo instante os bandidos entraram. Os homens da povoação, apanhados de surpresa, tardaram em reagir; julgaram que se tratava de fogos de artifício, em relação com a festa. E, quando se espalhou o alarme, já os pistoleiros, bem colocados, espalhavam a morte à sua volta, enquanto alguns deles preparavam a fuga, carregados com a presa conquistada.
As espingardas e os «Colts» entoavam a sua canção sinistra. Caía a noite, e os jatos de lume das armas brilhavam lugubremente. O ambiente, saturado de pólvora, tornou-se angustiante. A Morte dominava a festa.
Os bandidos fugiram, uma vez conseguidos os seus fins criminosos, e nas ruas, onde pouco antes reinava a alegria, os corpos ensanguentados eram agora a nota trágica, que cobria de luto a cidade.
A um dos lados da rua, um garoto chorava, abraçado ao cadáver do seu irmão mais pequeno. As lágrimas corriam sobre a sua facezita transtornada, lívida. O tiroteio apanhara-os em cheio, e o mais novo dos dois pequenos tinha caído logo aos primeiros tiros, ao passo que o irmão, tendo-se lançado rapidamente para o chão, salvara a vida. A dor enlouquecia-o, mas um impulso viril crescia de súbito naquele corpo de criança. De lábios apertados, contraídos, jurou a si mesmo que quando fosse homem serviria a Lei, com todas as forças do seu coração, e que em cada bandido que abatesse vingaria o irmãozito morto.
Decorreram os anos...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

BIS127. Chumbo quente

(Coleção Bisonte, nº 127)
 
 A narrativa deste livro inicia-se em Carson City e prossegue alguns anos depois em Lighty sem se perceber muito bem a conexão entre prólogo e texto principal. Fica a sensação que o menino que escapou ao massacre é o xerife de Lighty, mas, em parte alguma, o autor o refere.
Aliás toda a sensação da obra é que as coisas acontecem sem se saber porquê. Os bandidos são bandidos porque são bandidos. O xerife, é…
Há, apesar de tudo, algumas passagens interessantes pela capacidade de narrativa de Fletcher. Vamos deixar essas passagens sem, avisamos desde já o leitor, sentirmos um fio condutor no que se apresenta.
O livro tem mais uma excelente capa de Longeron, não se sabe se inspirado nesta novela se noutra de Fletcher…



domingo, 29 de janeiro de 2017

BIS125. O rancho diabo

(Coleção Bisonte, nº 125)
 
 Este livro, com outro título, tem o mesmo texto que já encontrámos em «Isto não é contigo!». Mais uma vez chamamos a atenção para esta prática da APR de publicar o mesmo livro com nomes diferentes. Neste caso, chegou a mudar o nome do autor, aqui, A. G Murphy, na obra da Arizona, Uriah Moltan.
Aqui chegados só nos resta reproduzir o que dissemos em relação à outra obra com este pequeno elemento de precisão: o livro da Bisonte terá sido publicado uns quatro anos antes do da Arizona…
«Charles Derek é um vagabundo expulso dos rurais por se embebedar com frequência. O seu eterno deambular levou-o até Pecos onde veio a conhecer que um seu antigo companheiro ali tinha sido assassinado o mesmo acontecendo a um conjunto de madeireiros que se preparavam para desbastar um bosque.
«O próprio facto de ter sido sujeito a um processo de violência por um conjunto de indivíduos menos escrupulosos a soldo de Howard Charisse fez com que procurasse reabilitar-se e interessar-se pelo que se passava na cidade.
«Howard movia-se pelo desejo de explorar em proveito próprio uma mina de prata utilizando trabalho escravo protegido por pistoleiros e a sua ganância era tanta que não hesitava em recorrer ao crime. Mas Howard também vivia apaixonado pela sua linda prima, Tula e a sua reação quando alguém se aproximava dela não era a melhor.
«Tula era posta à margem das catividades do primo. «Isto não é contigo!» diz o título da novela, mas um dia veio a conhecer Derek e uma nova realidade lhe foi traçada relativamente à família.
«Esta novela de Uriah Moltan, autor que não conhecia, é muito interessante e bem narrada, embora um pouco precipitada na fase inicial. Da mesma deixamos algumas passagens.»
 

BIS124. Os endemoniados

 
(Coleção Bisonte, nº 124)
 
Alguns dias depois de ter sido admitido no rancho de David Corby, o jovem Jack Hewitt foi surpreendido pela indesejável visita de três facínoras que importunaram a bela Katy e o humilharam. Aproveitando um momento em que não o estavam a observar, atacou-os com café a ferver e uma arma e o resultado foi devastador: cegou um deles, maltratou outro e feriu um terceiro. Começou aí uma história de ódio dos três meliantes perante o rapaz os quais julgaram vingança.
Quem pareceu não ter ficado muito satisfeito com a atuação de Jack foi o dono do rancho que lho manifestou e acabou por sugerir-lhe que se afastasse. Jack afastou-se em silêncio, mas todos estranharam a sua atitude inclusivamente a bela Katy que se despediu dele da mais terna das formas.
Jack nunca revelou o que o tinha afastado do rancho, mas o desenvolvimento posterior da novela veio a revelar-nos a estranha relação de Corby com os meliantes e a trazer um desenvolvimento mais consentâneo com os interesses do rapaz.
Eis um livro muito engraçado de Med Ryman que vamos publicar por inteiro no «Novelas».
 

BIS123. A assassina de Bodie

(Coleção Bisonte, nº 123)
 
A ação desta novela passa-se no condado de Bodie, Califórnia. Mara Macrae era uma opulenta proprietária cujo rancho tinha mais de oito milhas de comprimento por seis de largura. O capricho dos agrimensores que traçaram o desenho dos ranchos em momento de concessão fez com que um pequeno enclave situado numa extremidade pertencesse a um dos seus vizinhos, Paige.
Esse pequeno pedaço de terreno parecia não ter qualquer valor, mas, um dia, o capataz de Mara descobriu no mesmo uma borbulhagem escura cuja natureza imediatamente definiu: Petróleo! Havia petróleo no pequeno enclave junto ao rancho de Mara.
Procurando tirar partido da situação (o capataz tinha uma paixão louca ela patroa), informou-a, mas a formosa e rica rancheira não quis sócios. Abateu o capataz e procurou negociar a bem a compra do enclave. Perante a recusa dos legítimos proprietários, lançou-se numa cruzada criminosa e louca que acabou por se virar contra ela.
Eis um livro interessante, bem contado, que nos consegue transmitir as emoções dos protagonistas, de capa excelente não assinada, escrito por O.C.Tavin, a integrar-se num bom momento da coleção Bisonte.

BIS122. Mike, o troçado


(Coleção Bisonte, nº 122) 
Mike Morgan era sem dúvida o melhor cavaleiro, o mais eficiente e cordato dos peões que jamais trabalharam no rancho do «Circulo Cross» propriedade do velho Joyce, pai da bela Cristy. Mas parecia faltar a Mike a principal qualidade que, no oeste, se exige a um homem: a valentia pessoal. Isso levava a que muitos o não respeitassem e até tentassem troçar dele.
A verdade é que, nas palavras do próprio Mike, até um cobarde deixa de o ser e o passar de uma quadrilha conhecida do terrível Crew por aquelas terras fez com que a verdadeira história de Mike viesse a ser conhecida.
Este é mais um livro de Jess Mc Carr, um livro interessante, mas sem o brilho dos anteriores. Mais uma vez o velho bandido que se quer regenerar está junto de uma “família de acolhimento” e impressiona a beldade da mesma. A capa, não assinada, é magnífica, mostrando um pormenor da luta de Mike contra os malfeitores, procurando proteger a vida da bela Cristy…

sábado, 28 de janeiro de 2017

BIS121. Febre da prata

 
Este livro segue uma fórmula um tanto parecida com «Seis quadrilheiros» do mesmo autor e que comentámos recentemente: uma rapariga, por sinal muito bonita, que acompanhava o irmão na exploração de um filão de ouro ficou sozinha neste mundo porco, pejado de mineiros sujos e pouco honestos quando o irmão foi assassinado com o óbvio intuito de alguém se apoderar da sua produtiva mina.
O vaqueiro Carey Rains, também ele convertido à pesquisa de metais preciosos, auxiliou a jovem, associou-se com ela e ajudou-a manter a exploração. Os ataques e as mortes foram-se sucedendo até que os jovens puderam ser felizes para sempre.
A capa do livro não tem o atrativo de «Seis quadrilheiros» e a descrição do autor também não é geradora de passagens. Por isso, terminamos aqui a referência

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

PAS716. «Pequena Estrela» corre perigo

Em face da insistência dos dois irmãos, Glen decidiu adiar a sua partida por mais dois dias, até estar completamente restabelecido.
O rapaz acedeu para não parecer ingrato, mas estava desejoso de sair dali, porque notara que «Pequena Estrela» se estava a apaixonar por ele, e se o que ele descobrira também fora notado por «Antílope Veloz», não queria nem pensar no que podia acontecer.
O melhor era ir-se embora, e quanto anos. De resto, a beleza, a bondade e os cuidados da jovem e formosa índia não tinham deixado insensível o coração do vaqueiro, e isso podia complicar as coisas de tal maneira que todos tivessem de lamentar que os abutres não o houvessem comido.
Quatro dias depois, Glen despediu-se de «Pena Azul», «Pequena Estrela» e «Antílope Veloz», e tomou o rumo do leste.
Esperou a noite para partir, porque lhe pareceu mais seguro, e o chefe dos «yumas» concordou com ele. Se alguém espiava pelos arredores do acampamento, ser-lhe-ia difícil distinguir quem saía.
Como Glenn não tinha pressa de chegar a nenhum lado, deixou o cavalo caminhar à vontade.
Percorrera três ou quatro milhas, quando um ruído estranho lhe chamou a atenção. Meteu o cavalo entre umas árvores, tirou o «Colt» e esperou com os nervos tensos.
O ruído aproximava-se cada vez mais, até que se tornou tão claro que o jovem não teve dificuldade em descobrir do que se tratava.
Montados nos seus cavalos desferrados, três índios pareciam levar a direção do acampamento dos «yumas». Glen julgou reconhecer num dos peles-vermelhas algo peculiar e seu conhecido, embora de momento não se recordasse exatamente do que se tratava. Depois lembrou-se que aquele índio era um dos «apaches» que tinham ido pedir a «Pena Azul», em nome do feroz Jerónimo, que se juntasse a eles para guerrear contra os brancos, coisa a que o chefe dos «yumas» se negara, com a aprovação de quase todo o seu povo.
Procurando não ser descoberto, seguiu-os, até que os viu chegar à aldeia «yuma». Glen estranhou que não entrassem nela a descoberto, e sim às ocultas, depois de terem escondido os cavalos.
Aquilo não era normal. Os «apaches» vinham dispôs-tos a alguma traição, que procuraria impedir a todo o custo.
Viu-os arrastarem-se cautelosamente, e Glen esteve prestes a disparar, mas depois pensou que seria melhor não o fazer... de momento. Para poder culpar aqueles homens de alguma coisa, tinha de esperar até os surpreender com as mãos na massa.
Arrastou-se com as mesmas cautelas que eles e escondeu-se num lugar de onde podia ver tudo o que ia suceder. Os índios dirigiam-se para a tenda que ele ocupara durante a sua permanência ali. Que procurariam nela?
A pele levantou-se por uma das pontas e um índio desapareceu dentro da tenda. Glen destravou o «Colt» e esperou com impaciência. Poucos minutos depois o índio voltou a sair, trazendo com ele outra pessoa, que, evidentemente, o acompanhava contra vontade.
Teriam sido capazes aqueles «apaches» de raptar «Pena Azul»? Que pretenderiam com isso? Obrigar a tribo «yuma» a pôr-se ao lado deles contra os brancos, ou simplesmente vingarem-se do jovem guerreiro, por lhes ter negado a sua colaboração?
Quem quer que era o prisioneiro, resistia, forcejando com violência, embora em vão. Glen deixou o seu esconderijo e foi-se aproximando com toda a precaução do local onde os «apaches» tinha deixado os cavalos. Devia ajudar quem fosse.
Quando a distância lhe permitiu ver com clareza o que se passava e quem era a pessoa que pretendiam levar, ficou momentaneamente petrificado.
Os «apaches» tinham raptado «Pequena Estrela». Porquê?
Quando os teve perto, Glen apareceu no meio deles empunhando as suas armas.
— Ninguém se mexa — disse sem saber se o entenderiam ou não, embora convencido de que os seus «Colts» eram mais eloquentes do que as suas palavras.
A surpresa apanhou desprevenidos os índios, e isso permitiu a Glen colocar-se ao lado de «Pequena Estrela». Tirou-lhe a mordaça que a impedia de falar e perguntou-lhe:
—Por que te raptaram estes homens? Que pretendiam com isso?
 -- Não sei, mas imagino.
—Porquê?
--- Eu seria um bom refém para obrigarem meu irmão a lutar junto deles.
-- Estes não são os que no outro dia vieram parlamentar com o teu irmão? Os «apaches» de Jerónimo?
-- Um deles é. Os outros nunca os vi.
— Como se atreveram a entrar no teu «tipi», expondo-se a que o teu irmão os descobrisse, ou algum dos outros guerreiros?
— «Pena Azul» e os seus homens não estão no acampamento. Saíram pouco depois de tu partires. Glen pareceu pensar e depois disse:
— Foi simples coincidência ou estes homens vieram porque sabiam que te encontrariam sós?
— Não sei. Eu creio... Cuidado, Glen!
«Pequena Estrela» empurrou o jovem, para evitar que a faca que um dos índios atirara ao descuidado vaqueiro lhes acertasse.
Glen não perdeu tempo a pensar. Disparou contra o seu agressor e matou-o imediatamente. Mas os outros dois não ficaram inativos. Tiraram as facas e dispuseram-se a lutar contra o rosto pálido, que aparecera sem que eles esperassem.
Glen disparou duas vezes mais e depois aproximou-se de «Pequena Estrela» e obrigou-a a refugiar-se atrás de umas rochas.
Quando o jovem quis emendar o erro cometido, já era tarde. Um dos «apaches», precisamente o que Glen conhecia, embora estivesse ferido, conseguiu montar a cavalo e desaparecer na escuridão da noite. Ao princípio, pensou em segui-lo, mas depois desistiu. Os índios do acampamento tinham despertado ao ouvir os tiros e talvez eles fossem mais eficientes na perseguição do fugitivo.
— Creio que te devo a vida, Glen — disse a rapariga. — Esses homens ter-me-iam matado, porque o meu irmão jamais acederia aos seus desejos.
— Nesse caso, sinto-me muito satisfeito, «Pequena Estrela». Recompensei de algum modo o muito que fizeste por mim.
— Agora estamos pagos, Glen. Talvez por não te sentires já em dívida para comigo te seja mais fácil esquecer-me.
— Isso nunca sucederá, «Pequena Estrela». Eu sempre estarei em dívida para contigo. Ainda que te salvasse mil vezes a vida, jamais pagaria o que fizeste por mim.
«Pequena Estrela» pensou que Glen não devia sair nunca do seu lado, mas não disse nada.
Os primeiros homens começaram a chegar e muitas cabeças de mulher espreitaram pelos «tipis». Glen contou-lhes o que acontecera e minutos depois uma dúzia de guerreiros seguiam as pegadas que o «apache» ferido deixara na fuga.
— Bom — disse Glen —, tenho de partir outra vez. Espero que esta lição consiga que esses «apaches» não sejam tão temerários e nunca mais os visitem com as intenções desta noite.
— O meu irmão sentirá não te poder agradecer. Por que não ficas até ao seu regresso?
Os olhos do rapaz cravaram-se nas pupilas da índia e viu nelas qualquer coisa que o fez estremecer. Se ficasse ali naquela noite, tendo «Pequena Estrela» a seu lado, sós os dois...
— Devo ir-me embora disse com esforço. — Já não sucederá nada e não devo retardar a minha partida por mais tempo. Que sejas muito feliz, «Pequena Estrela».
Glen deu meia volta e dirigiu-se para o cavalo. A índia não lhe respondeu. Um nó na garganta impedia-a disso.
Quando Glen já tinha um pé no estribo, disposto a montar, qualquer coisa lhe tocou nas costas, com suavidade. Virou-se devagar e deparou com ela, sedenta, sugestiva, insinuante.
O rapaz apelou para todas as suas forças, certo de que, se não transpusesse aquele momento nunca mais seria senhor de si mesmo. Era muito o que arriscava naquele instante: a sua felicidade e a da «Pequena Estrela»; a de «Antílope Veloz» e talvez a de toda a tribo dos «yumas».
As pupilas femininas ofereciam o que os lábios vermelhos ambicionavam. O peito da rapariga subia e descia, arquejante, incapaz de conter os sentimentos que albergava.
— Por que não ficas, ainda que só seja esta noite?
A pergunta feriu os ouvidos de Glen. Causou-lhe uma dor profunda, atingiu-o com a violência de um vulcão.
— Porque tu serás mais feliz se eu me for embora... mesmo que eu não o seja.
Glen fora sincero nas suas palavras. Deixara falar o seu cavalheirismo, a sua gratidão, a sua nobreza. Não quis ser tão mesquinho como tantos que conhecera e desprezara.
Antes de a voz feminina fazer vibrar as fibras mais sensíveis do seu ser, obrigando-o a esquecer-se de que era um homem para o converter numa besta, montou a cavalo de um salto felino, cravou as esporas nos flancos do animal e saiu dali disparado como uma bala, sem deixar que o tempo permitisse a nenhum dos dois proceder de modo diferente.
Quando «Pequena Estrela» deu por isso, Glen corria entre as sombras da noite, não sabia se à procura de alguma coisa ou fugindo do mesmo que parecia procurar.
Quando «Pequena Estrela» deu por isso, Glen corria entre as sombras da noite, não sabia se à procura de alguma coisa ou fugindo do mesmo que parecia procurar.
Duas lágrimas ardentes rolaram pelas faces da índia, mas, apesar disso, os seus olhos não pareceram tristes. «Pequena Estrela» soubera compreender e agradecia do fundo do coração a valentia e a nobreza do homem que acabava de a salvar.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

PAS715. Salvo pelos índios

Quando o grupo de índios «yumas» se dispôs a regressar ao seu acampamento, depois de percorrer grande parte das margens do Gila, um deles aproximou do que parecia ser o chefe e disse-lhe na sua língua:
— Passa-se qualquer coisa ali em cima, «Pena Azul» — e apontou na direção contrária à do curso de água.
— Por que dizes isso?
— Vi muitos pássaros carnívoros.
— Por estes lados há muitos.
-- Mas não voam sempre à volta do mesmo sítio.
— Leva-me lá.
O guerreiro índio virou o cavalo e partiu a galope, seguido de «Pena Azul». Oito ou dez minutos depois, os dois peles-vermelhas observavam, do alto de urna colina rochosa, os grandes círculos que os abutres descreviam à volta de qualquer coisa que eles não podiam ver.
— Deve ser algum cão das pradarias o que chama a atenção desses pássaros. Nenhum homem se atreveria a meter-se no deserto, e ainda menos pelo rio.
— Quer que averigue?
— Não, irei eu — disse o chefe «yuma». — Tu fica aqui, para o caso de precisar de ti.
«Pena Azul» fustigou o cavalo e conduziu-o com grande destreza por entre as rochas e matagais até onde o deserto se estendia, amarelo e soalheiro, numa solidão trágica.
Ao longe, qualquer coisa parecia mexer-se. Com a mão em pala sobre os olhos, «Pena Azul» viu que não era nenhum cão das pradarias nem outra espécie semelhante de fera. Era muito maior, do tamanho de um cavalo.
O índio não pensou duas vezes. Destravou a carabina que empunhava e galopou para onde os abutres tinham concentrado a sua atenção.
O voo das aves de rapina era cada vez mais baixo e os círculos mais pequenos, sinal evidente de que se preparavam para o ataque.
«Pena Azul» queria chegar antes dos bicharocos atacarem. Sabia que em qualquer parte onde se encontre um cavalo existe um homem, e com mais forte razão num lugar como aquele, onde, sem a ajuda de tão nobre animal, é impossível chegar.
As aves carnívoras, como se pressentissem que a chegada daquele intruso lhes ia estragar o festim que já tinham como certo, grasnaram com mais intensidade, e algumas, mais ousadas do que as outras, fecharam as asas e lançaram-se como setas num veloz voo picado.
Sem deter o cavalo, certo do que aquilo podia significar se os bicos rijos e curvos dos pássaros entrassem em contacto com as suas vítimas, «Pena Azul» disparou quatro vezes a carabina, com precisão tão matemática, com pontaria tão perfeita, que abateu quatro passarocos.
Os outros, compreendendo que de momento nada podiam fazer, ganharam altura, embora sem deixarem de descrever grandes círculos.
O índio chegou ao local onde um cavalo relinchava assustado e um homem jazia no solo.
Aproximou-se do segundo e verificou que estava ferido. Rasgou-lhe as calças e viu do que se tratava: uma ferida não muito profunda, mas que ainda manava sangue, sobre outro seco e coagulado. Além disso, aquele homem tinha muita febre.
«Pena Azul» quis apanhar o cavalo do desconhecido, mas não o conseguiu. A sede e o calor pareciam tê-lo enlouquecido, e o animal corria de um lado para o outro, embora com evidentes sinais de cansaço.
O «yuma» levantou a cabeça e viu galopar para ele o guerreiro que o avisara. Quando o teve a seu lado, disse-lhe:
— Temos de levar este homem para o nosso acampamento.
— Já viste que é um branco?
— Isso não importa, «Antílope Veloz».
— Eles são maus para os índios.
— Nem todos.
— E quem te diz que este não o seja?
— Quem te diz a ti que o é?
— Um branco pode ocasionar aborrecimentos no acampamento.
— Porquê, meu amigo?
— Se Jerónimo souber, atacar-nos-á.
Não creio que o faça. Além disso, Jerónimo não precisa de saber.
-- Esse endiabrado «apache» sabe tudo.
— Se não dissermos a ninguém, não saberá.
— Vê-lo-ão chegar ao acampamento, «Pena Azul».
— Tapá-lo-emos com qualquer coisa.
— Quando chegarmos à nossa aldeia descobri-lo-ão.
— Alojá-lo-ei na minha tenda. Minha irmã e eu trataremos dele.
— Não o devíamos levar, «Pena Azul».
— Também não o podemos deixar aqui. Os abutres acabariam com ele.
— Isso não é da nossa conta.
— Esqueces que os rostos pálidos nos ajudaram muitas vezes?
— Não me esqueço de nada, mas também sei que por culpa deles têm morrido muitos dos nossos.
— Agora não devemos discutir isso. É melhor levá-lo.
— Não poderás ocultar o teu propósito, «Pena Azul». Os teus guerreiros aproximam-se e terás de lhes dizer o que vais fazer.
O chefe «yuma» virou-se e viu chegar, em verdadeiro tropel, todos os homens da sua tribo que o acompanhavam naquela expedição.
Enquanto não chegaram não disse nada. Nem olhou sequer para Glen. Quando todos o rodearam, disse:
— Este homem morrerá se não o socorrermos. 2 um branco, sem dúvida, mas vocês sabem que os brancos se portaram, algumas vezes, bem connosco.
Ninguém respondeu às palavras do chefe.
— Eu estou disposto a socorrê-lo, mas «Antílope Veloz» diz que não o devemos fazer, com medo de que Jerónimo saiba e exerça represálias contra nós. Que dizem vocês?
Um dos guerreiros, um dos mais velhos, adiantou o seu cavalo e disse:
— O que «Pena Azul» fizer e disser será acatado pelos seus guerreiros. Os «yumas» nunca temeram os «apaches», e por medo não devemos deixar de fazer o que julgamos bom.
Pena Azul passeou a vista por todos os presentes e esperou que algum dissesse qualquer coisa. Vendo que se calavam, aproximou-se do seu cavalo, tirou o cantil e acercou-se de Glen.
Pôs-lhe o recipiente nos lábios e verteu água neles. Glen não tinha consciência de nada.
— É melhor levá-lo para o acampamento. Aqui pouco podemos fazer por ele.
Glen foi deitado num cavalo e o próprio «Pena Azul» seguiu atrás dele, como se lhe dessa escolta.
Alguns índios conseguiram apanhar o cavalo de Glen, e o animal, depois de beber água, ficou mais calmo.
Ao entardecer, a caravana chegou à vista da aldeia índia. Muitas mulheres e crianças saíam a recebê-los, e ao verem que transportavam um ferido, a curiosidade apoderou-se de todos.
«Pena Azul» continuou sem se deter até ao se «tipi», onde ele próprio, sem permitir que ninguém o ajuda$:se, introduziu o 'rosto-pálido.
Estava a deitá-lo num monte de peles de búfalo, quando uma jovem índia, bonita como um amanhecer de Primavera, apareceu.
— Quem é esse homem? Que lhe aconteceu?
— Encontrámo-lo nos confins do deserto. Deve tê-lo atravessado e perdeu as forças nas areias. Além disso, parece que alguém disparou contra ele e o feriu.
— É grave? — perguntou a rapariga.
— Não sei. Parece que perdeu muito sangue e o sol sugou-lhe do corpo toda a água que continha. És capaz de o tratar?
A índia fixou a vista no rosto de Glen Garret. Viu-o pálido, doente, com um terrível aspeto de cansaço.
— Farei tudo o que puder. Primeiro tentarei refrescar-lhe a cabeça.
-- Ajudar-te-ei.
-- Pois sim. Preciso de água fria do arroio.
Enquanto a jovem arranjava uns bocados de pano, colocava um tacho de lata ao lado da cama de Glen e destapava uns frascos que decerto continham unguentos, «Pena Azul» pegou numa vasilha de barro e saiu da tenda para ir buscar a água solicitada.
Quando regressou, a irmã acendera o lume e pusera nele outro recipiente com água, para que fervesse.
— Descobre-lhe a ferida — disse ela. — Tira-lhe esse bocado de calça; será melhor.
— Se preferes, posso tirar-lhas por completo.
— Não. Terias de o mover muito e isso seria pior para ele.
Sem responder, o índio rasgou o tecido e descobriu o quadril de Glen. Aquilo tinha mau aspeto.
— Enquanto lhe trato da ferida — disse a rapariga --, põe-lhe tu compressas de água fria na testa. Isso aliviá-lo-á muito.
Cada um por seu lado, os dois irmãos prestaram a Glen Garret os primeiros socorros, fazendo cada um o que sabia e podia, talvez com mais boa vontade do que acerto.
Mas mesmo assim, ao cabo de meia hora o rapaz tn.119, a ferida limpa, estava bem ligado, o calor da sua 'cabeça diminuíra e, embora em Pouca quantidade, tinham conseguido que algumas gotas de água lhe refrescassem a garganta.
— Bom, agora só nos resta esperar. Que Manitu faça o que falta — disse a jovem índia.
— És demasiado boa, «Pequena Estrela». Se este homem se salvar, a ti deverá a vida.
— E a ti, que o trouxeste, «Pena Azul».
— Esta noite ficarei eu a olhar por ele.
— Não. Como é a primeira noite, ficarei eu.
— Queres que alguma das mulheres te acompanhe?
— Não é preciso. Este infeliz dar-me-á pouco trabalho. Acho que levará uns dias a recuperar os sentidos, se os recuperar.
— Por que dizes isso?
— O que fizemos por ele foi pouco, querido irmão. Um homem que atravessa o deserto, demais a mais ferido, tem de ser muito forte para sobreviver a tal façanha.
— Este homem parece forte, «Pequena Estrela».
— Outros mais fortes do que ele matou o deserto.
— Esperemos então que ele consiga sobreviver.
— E que não nos atraia a cólera de Manitu. A nossa intenção é boa.
«Pena Azul» olhou a «Pequena Estrela» e não disse nada. Pensou que ela também receava que aquele branco no acampamento lhes pudesse trazer complicações, exatamente como «Antílope Veloz» previra.
Mas, enfim, estava ali e já não se podia voltar atrás. De resto, nunca um chefe «yuma» se arrependera de nada e muito menos de salvar um ser humano. Fora assim que o pai de «Pena Azul» ensinara o filho a comportar-se.
— Está a abrir os olhos -- disse «Pequena Estrela», sem poder esconder a sua alegria.
Creio que já podemos cantar vitória -- respondeu o irmão.
— A sua vitalidade salvou-o.
— E os teus cuidados.
— Mas se não fosse forte... E se tu o não tivesses ajudado...
— Também tu fizeste muito por ele.
— Talvez. Mas o importante é ter-se salvo.
Os dois irmãos ficaram silenciosos, a olhar sorridentes e com curiosidade para Glen.
Este também os olhava, com a maior estranheza refletida no rosto moreno. Virou a cabeça para um lado para. o outro e, sem que o espanto o abandonasse, perguntou:
— Onde estou? Que me aconteceu?
Antes de lhe responder, a «Pequena Estrela» olhou para o irmão e depois sorriu ao ferido.
— Não te preocupes — disse-lhe. — Estás entre amigos.
--- Entre amigos? É curioso!
Os dois irmãos entreolharam-se sem compreender e «Pena Azul» disse, com evidente mal-estar:
— Curioso porquê? Não és capaz de considerar como amigos aqueles que te salvaram?
Glen sorriu, um pouco confundido e respondeu:
— Creio que não me expliquei bem. Disse que é curioso porque me lembro perfeitamente que, se cheguei a esta situação, foi precisamente por me culparem de ser índio.
—É mau ser índio? — perguntou «Pequena Estrela».
— Se com isso se consegue estar a teu lado, deve ser o mais maravilhoso do mundo.
A índia sentiu que estas palavras lhe perfuravam a
pele, continuavam a penetrar-lhe na carne e chegavam--lhe violentamente ao coração. Nunca lhe tinham dito nada tão bonito.
— Entre os homens brancos — prosseguiu Glen — não entre todos, felizmente, ser índio não é bom, e vocês devem sabê-lo. Mas se ser índio não é bom, ser «apache» é urna coisa que não tem perdão. A mim confundiram--me com um «apache» e quiseram matar-me. Claro que eu não deixei e tive de me livrar de três inimigos, mas um deles conseguiu disparar e se não tivesse sentido tanto medo, creio que não estaria agora a contar-lhes isto.
— E como foste capaz de te meter no deserto?
— Era a minha única salvação.
— Podias ter morrido.
-- Se não o fizesse, também. Vinte homens atrás de um ferido é muita gente, e ter-me-iam apanhado, por fim, e enforcado. Esperei que o deserto lhes metesse respeito e assim. aconteceu.
— Mas se nós não tivéssemos aparecido...
— Eu teria morrido e agora não me seria dado o prazer de chamar irmãos aos dois.
«Pena Azul» gostava da maneira de falar daquele branco. Acima de tudo, era agradecido, e um homem que o é não pode deixar de. ser nobre, valente e leal.
--- «Pena Azul», chefe dos «yumas», sentir-se-á muito feliz por ter um irmão branco. E «Pequena Estrela» também.
— E eu sou o mais feliz dos três. Agora contraí tal dívida, para com os índios, que daqui em diante me sentirei um pouco índio também e comportar-me-ei como se o fosse.
— As tuas palavras agradam-me muito.
— E a vossa generosidade conquisto-me para sempre. Ainda que toda a gente combatesse os índios, eu defendê-los-ia e lutaria sempre a seu lado.
— Obrigado, irmão — disse «Pena Azul».
Durante toda a conversa, «Pequena Estrela» estivera suspensa das palavras de Glen, e embora o jovem, ao falar, se dirigisse aos dois, a índia não deixara de notar certa intensidade nas suas pupilas negras, quando se cravaram nela.
— Não deves falar tanto — disse-lhe ela. --- Teremos tempo disso quando estiveres completamente bom. Tiveste febre durante estes dias e...
— Estes dias? — admirou-se o jovem. -- Desde quando estou aqui?
— Já passaram cinco poentes — respondeu ela.
— Cinco dias? É possível que durante cinco dias não tenha sequer, sabido que existia?
— Tantos como tu dizes — sorriu «Pena Azul». — Mas já passou tudo e o que lá vai não tem nenhuma importância. Esperamos que breve estejas bom de todo, para saíres da tenda e reunires-te connosco. Celebraremos o teu restabelecimento.
— Obrigado, «Pena Azul». Acho que estão a fazer por mim mais do que mereço. Chamo-me Glen Garret e sou do Norte, do Oregão.
O índio levantou-se e disse, quando chegou à porta:
— «Pena Azul» deseja ao seu irmão Glen que descanse e saiu.
«Pequena Estrela» sentiu-se, de súbito, como se não soubesse que fazer.
- - Eu também me vou embora disse, sem olhar para Glen. -- Deves descansar.
-- Um momento, «Pequena Estrela» — chamou o rapaz, soerguendo-se no leito. — Quem olhou por mim durante todo este tempo? Quem me tratou?
A jovem sentiu que o rubor lhe subia às faces e respondeu com voz fraca:
— Eu, ajudada por meu irmão.
— De noite, também?
— Tinhas febre e precisavas dos nossos cuidados.
— Dei-te muito trabalho?
— O que fiz, fi-lo com prazer.
— Queres aproximar-te, «Pequena Estrela». Peço-to.
A jovem acercou-se da cama e parou diante de Glen.
— Aproxima-te, por favor, e dá-me a tua mão.
Sem que a índia compreendesse o que o doente pretendia, ajoelhou-se junto dele e estendeu-lhe a mão direita.
Glen tomou-a entre as suas e esteve a observá-la durante muito tempo. Depois, disse:
— Quero gravar na memória a recordação desta mão à qual, sem dúvida, devo a vida, «Pequena Estrela». Ela soube fazer por mim o que, decerto, mais ninguém saberia.
Sem que a índia o esperasse, Glen levou a mão feminina aos lábios e beijou-a com unção. A índia retirou-a com violência e pôs-se em pé.
— Não te zangues, «Pequena Estrela». Esse beijo na tua mão leva todo o agradecimento e admiração que tu mereces, do homem que nunca se esquecerá de ti.
Com os olhos brilhantes como o fogo, «Pequena Estrela» saiu da tenda a correr.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

PAS714. O perseguido cai esgotado no deserto

Quando Glen se viu nos arredores da povoação, montou a cavalo e, sem esperar mais, obrigou-o a empreender um galope desenfreado.
Sabia que não tardariam a descobrir o logro e que então o perseguiriam com dupla razão e com mais empenho.
Tinha de se afastar quanto lhe fosse possível, para que não o pudessem capturar.
Durante parte da noite, galopou sem cessar, apenas concedendo ao cavalo os descansos indispensáveis para que o animal não se esgotasse. Quando estivesse longe dos seus inimigos, poderia deter-se e descansar.
A ferida doía-lhe cada vez mais e o sangue cobria-lhe toda a perna das calças.
Não tinha nada com o que se ligar e conter a hemorragia, a qual, embora não fosse muito considerável, era suficiente para temer o pior, se durante toda a noite não a pudesse conter.
Colocou um lenço na ferida e apertou-o com a mão. Aquilo era um remédio momentâneo, mas que carecia da eficácia suficiente e necessária.
Já de madrugada, tirou o lenço todo encharcado de sangue e pôs o que trazia atado ao pescoço.
Ao romper do dia, Glen viu que se encontrava perto do deserto. Devia ser o Gila, assim chamado porque em qualquer lado dele era atravessado pelo rio do mesmo nome.
Glen pensou durante uns minutos e por fim considerou que se continuasse por sítios onde, o pudessem perseguir, mais tarde ou mais cedo cairia nas mãos de quem o perseguisse, mas que, se fosse tão ousado que se arriscasse a escolher o deserto como caminho de fuga, coisas podiam mudar muito.
Os que viessem atrás dele, era lógico supor que também não trariam água, embora se pudessem abastecer dela; mas exporem-se aos perigos de um deserto para capturarem um homem que a nenhum deles fizera mal, era um pormenor que modificava muito o caso.
Num assomo de audácia, Glen julgou ter mais probabilidades de salvação penetrando nas areias amareladas, e não hesitou.
Quando o sol estava bastante alto, divisou a linha negra que avançava em direção a ele, e várias vezes disse para consigo que, afinal, a sua temeridade não lhe ia servir de nada.
O cansaço, a fadiga, a sede e a fome martirizavam--no, mas tudo isso se apagava diante da angústia que a dor da ferida lhe produzia.
E aqueles teimosos perseguidores sem se darem por vencidos. Enquanto os tivesse atrás de si, não se poderia permitir o luxo de descansar.
Era muita a dianteira que lhes levava; mas se pretendesse chegar ao extremo de se apear para tomar um descanso merecido, isso seria mais que suficiente para que caísse nas mãos dos que o perseguiam.
Com a dor martirizante da ferida, com a sede que o cansaço que o ia dominando por completo, Glen Garret seguiu pelo deserto adiante, sem saber já o que queria nem onde se encontrava.
Os seus esforços para se manter em cima do animal eram enormes. Uma voz dentro dele parecia gritar-lhe: «Avante! Avante!» E ele continuava a obedecer àquela ordem, embora na realidade não soubesse o que fazia.
Depois de um espaço de tempo interminável, de tantas horas como uma eternidade, Glen compreendeu que a noite o envolvia, mas não o que o rodeava.
Num esforço supremo, agarrou-se ao pescoço do cavalo. Este estava tão esgotado como ele. Glen foi escorregando pouco a pouco, até cair e ficar de cara virada para o céu límpido e azul, que se estendia até ao infinito. Com as costas coladas à areia ardente, o jovem julgou encontrar-se sobre o fogo do próprio inferno.
Se os homens que perseguiram Glen não foram capazes de o capturar, os abutres que voavam em largos círculos sobre o homem e o cavalo tiveram mais sorte do que eles.
O festim que se lhes oferecia era magnífico e os grasnidos das aves de rapina enchiam o espaço, anunciando o que para eles ia significar o banquete que tinham à vista.
Enquanto Glen permanecia no solo, inerte corno os mortos, e o seu cavalo relinchava e escarvava o chão, como se pressentisse o fim trágico que o esperava, com aqueles bichos repugnantes sobre ele.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

ARZ130. O perseguido


(Coleção Arizona, nº130)
 
Glen Garret fugia dos homens brancos e acabou por ser salvo da morte por índios que nem o conheciam. Deparou então com a belíssima «Pequena Estrela» em relação à qual ficou com uma dívida de gratidão.
Regressado ao mundo civilizado, onde veio a ser declarada a sua inocência, veio a ter conhecimento de ataques dos índios chefiados pelo terrível Gerónimo e acabou por reencontrar a sua amiga num forte na companhia de «Antílope Veloz», um «yuma» que aparentava um comportamento estranho. Afinal este índio era um colaborador do chefe índio rebelde e tinha a missão de obter favores de alguns soldados a troco de ouro…
Este é um daqueles livros que daria um excelente filme do Oeste apesar de alguma fragilidade do argumento. A linguagem de Dinahe é, de início, um pouco atabalhoada, mas depois torna-se escorreita e a leitura agradável.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

ARZ129. O "amigo" traidor

 
(Coleção Arizona, nº129)
 
Sem se perceber bem porquê, Hardy Marsh é procurado na cidade de Chacal City quando se preparava para cear com a bela Sarah Loman, a pedido de um amigo a quem o rancheiro Sam Delicado queria enforcar como ladrão de gado por o ter apanhado depois de ele ter abatido uma vitela para comer.
Hardy era um homem duro e conseguiu salvar o amigo que não o quis acompanhar e partiu com três mexicanos de má catadura. Hardy acabou por ser contratado por Sam e veio mesmo a convencer-se que o seu amigo era um bandido acabando por lhe dar combate apoiando o rancheiro.
Nesta história, contada na primeira pessoa, Hardy acaba por voltar aos braços de Sarah, recusando os encantos da filha do rancheiro.

domingo, 22 de janeiro de 2017

ARZ128. Choque de ambições


(Coleção Arizona, nº128)

 Os irmãos Karen e Stan Webster chegaram a Lansing com o objetivo de tomarem posse da herança deixada por um tio recentemente falecido, mas, mal deram os primeiros passos nessa cidade, puderam concluir que a sua estadia não seria fácil, dado que a rapariga foi humilhada e o irmão sovado por um par de brutos. Valeu-lhes um terceiro indivíduo, um verdadeiro homem do Oeste, rápido com as armas e exímio lutador que pôs os dois homens em fuga depois de lhes dar uma lição. Lex Burton era um homem que procurava não matar aqueles com quem se defrontava, mas inutilizava-lhes as mãos e tinha por isso a alcunha de «Hands».
Vieram então saber que havia uma terceira pessoa a competir com eles para a partilha da herança o qual ainda por cima os informou que esta não era a mais desejada: o rancho assentava sobre pedra, a casa estava destruída e a principal riqueza visível era uma nascente de água (a qual era utilizada por rancheiros das redondezas para as suas terras).
Karen não se importou muito com o assunto e em breve exigia aos rancheiros mil dólares por mês pela água que lhes fornecia. Depois, com o conhecimento progressivo da propriedade, vieram a saber que havia gado dos vizinhos nas suas terras a aproveitar os seus pastos.
Desenhou-se assim monumental conflito de interesses que acabou por ser resolvido a tiro, embora Karen tivesse uma fase em que parece ter traído os seus sócios para se juntar a um dos inimigos.
Enfim, uma novela um pouco chata, com algumas passagens engraçadas e que não merece referência de maior…

sábado, 21 de janeiro de 2017

PAS713. Patriotismo de salteador

Dois dias depois do frustrado atentado contra Morélia, a fazenda dos Benitez era arrasada pelos saqueadores. Os cadáveres dos seus habitantes foram enviados para Santo António, e a sua chegada provocou a indignação geral. Formaram-se imediatamente grupos de voluntários que se lançaram numa batida pela comarca. Mas os assaltantes não deixavam vestígios da sua passagem, e não havia, pelo contrário, gente suficiente para proteger todas as fazendas e ranchos.
Sara Carlisle estava na rua quando chegaram as novas vítimas. Pôs-se muito pálida, tentando retroceder. Ao fazê-lo, deu de caras com alguém que estava atrás dela. Era Edison Ware, o lojista.
— Menina Carlisle, preciso de lhe falar.
— E eu não tenho o menor interesse em fazê-lo, senhor Ware. Faça o favor de se afastar.
— Dissimule e não se volte — disse ele, sujeitando-a por um braço. Quero dizer-lhe que você tinha razão. É preciso acabar com Terry Charles.
— O senhor avisou-o contra mim e recomendou-lhe que matasse Morélia.
— Sim, julguei que fosse esse o meu dever. Não se vá embora. Continue a olhar para a rua. Não convém que nos vejam a falar. Ouça: acabo de receber resposta de Houston à mensagem que você lhe enviou.
— Meus Deus! Diga-me que respondeu ele.
— Que detenhamos Charles, e que ele dissolva o seu grupo. Já lhe mandei recado. Esta noite virá visitar-me, pelo que esta foi a sua última carnificina.
— Obrigada, senhor Ware. Muito obrigada. Olhe para essa pobre gente e observe qual é a reação de todos. Não estão nada aterrorizados. São demasiado orgulhosos para isso. Começo agora a conhecê-los...
— Talvez por intermédio de Manuel Morélia, não? Alguém o avisou de que iriam atacá-lo. Cuidado, menina Carlisle. Embora sem estar ao lado de Charles, você tem de considerar-se sua inimiga.
— Eu sei. Engana-se a respeito de Morélia. Não me interessa esse fantoche, que se julga irresistível.
— Ainda bem. Não saia de Santo António. Houston enviará novas instruções para si.
Edison Ware retrocedeu, misturando-se entre a multidão. Atravessou a rua e dirigiu-se à sua loja de tecidos. Durante toda a tarde esteve muito ocupado e quase esqueceu o resto. Quando o armazém fechou, mandou embora os empregados e subiu à sua residência, onde vivia sozinho.
— Terry Charles não deixará de vir. Satisfaz-me acabar com esse bandido disfarçado de patriota.
Tinha deixado aberta a porta de casa. Mas, de qualquer modo, surpreendeu-o a aparição de Terry Charles junto da poltrona em que se sentava.
— Terry! Entrou sem fazer o menor ruído. Quase me assustou!
Terry riu-se, sentando-se noutra poltrona.
— Silencioso como os animais noturnos. Qualidade Indispensável para ser um bom saqueador. Que lhe pareceu o trabalho de ontem à noite? Sei que os trouxeram para aqui. Chegaram apenas a tempo de recolher os cadáveres. Mas os resultados não foram tão bons como da vez anterior.
— Você causa-me asco — disse Ware.
— Sim? Não será por não ter participação nos despojos, senhor Ware?
— É asco instintivo. Não poderia evitá-lo, mesmo que quisesse, e não quero. Lamento-o ou, melhor dizendo, alegro-me muito. O seu negócio acabou. Ordens de Sam. Houston. Você evitou que Sara Carlisle fugisse, mas, pelos vistos, não evitou que a sua carta chegasse a Houston. Ordens de cessar com os assaltos. Houston reconhece que o enganaram ao julgar a gente de Santo António. Não pretendia aniquilá-los, mas sim assustá-los. Agora sabe que isso não é possível e suspende os ataques. Terá de dispersar a sua gente.
Terry Charles tinha-se posto em pé. Os seus lábios estavam roxos e o seu rosto muito pálido.
— Isso não pode ser verdadeiro! Quero ver essa ordem!
Ware sorrindo, estendeu-lha. Charles leu-a rapidamente, tremendo-lhe as mãos.
-- Como vê, é verdade. Mande embora os seus bandidos, pois não haverá mais assassínios.
-- Nem mais dinheiro — murmurou Charles.
— Isso é o que você mais lastima. Você pensava unicamente no que iria obter com esses sangrentos assaltos, não é isso?
Terry Charles voltou a sentar-se. Tinha ainda a carta na mão e parecia já tranquilo.
— Não é assim tão simples, senhor Ware. Prometemos a esses homens substanciais compensações, e para isso temo-los entretido muito tempo.
— Isso foi ideia sua. Você pretendeu que não se lhes pagasse, a não ser com o que encontrassem nas fazendas, a fim de serem mais «eficazes». Mas era em si mesmo que você pensava. Você era quem sonhava com a riqueza dos mexicanos! Mas acabou-se. E Houston saberá o género de patriota que você é.
— Lamento muito, Ware. Você é um pobre lunático. Eu nunca fui um patriota, como diz. Acho graça até aos indivíduos como você. Chamam ser patriotas a conseguir que os governe um seu amigo, a fim de obterem melhorias e benefícios que não têm agora. Pois é o mesmo que eu penso. Em mim e nos benefícios que possa obter. E o dinheiro dos fazendeiros tornar-me-á rico, pois ficarei com quase todo! De modo que continuaremos a cair sobre as fazendas como um castigo do inferno, enchendo sacos de ouro e joias.
— Houston não o consente!
— Refere-se a esta carta? — Terry Charles rasgou-a lentamente em pequenos pedaços, ante o olhar espantado de Ware. — Já não existe. Não chegou a Santo António. Talvez fossem agentes do governador que a interceptas-sem. De qualquer modo, a verdade é que não chegou.
Deixou cair os papéis no solo. Ware seguiu-os com o olhar.
— Mas eu sei que chegou! Vou...
Inclinou-se para recolher os fragmentos do documento. Charles inclinou-se também, aproximando-se dele.
— Tem razão. Você sabe-o, com efeito. E essa é a sua desgraça.
Edison Ware ergueu a cabeça, olhando espantado para Charles. Quando viu a faca que este empunhava, procurou gritar e afastar-se. A mão de Terry Charles subiu velozmente, e a faca, com um ruído seco, mergulhou no peito do comerciante.
«Sim, é uma boa ideia não deixar estes papelinhos aqui. Alguém poderia reconstituir a carta.»
Apanhou-os sem olhar para Edison Ware, que, caído aos pés da sua poltrona, estremecia cada vez mais suavemente. Quando Terry Charles acabou de recolher os pequenos fragmentos, já Edison, Ware deixara de mover-se' e o seu sangue se estendia pelo tapete.
 

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

PAS712. Oração sobre a capacidade de resitência do povo mexicano

Em dois carros foram conduzidos a Santo António os cadáveres da gente da fazenda Ramos. Sara Carlisle estava no quarto do seu hotel quando ouviu. os gritos na rua. Abriu a janela da varanda precisamente quando os carros passavam em frente do hotel, detendo-se ali.
— Meus Deus, mataram mulheres e crianças — murmurou horrorizada.
Cobriu a boca com a mão, retrocedendo. Os carros continuavam parados.
— Por que não continuarão o caminho? — inquiriu a meia voz.
— Fi-los deter para que você pudesse vê-los — ouviu dizer atrás.
Voltou-se. Um homem vestido de preto, de cabelos encanecidos e olhos muito escuros, estava junto da porta. Vestia com elegância e a sua voz era suave e educada.
— Quem é o senhor?
O homem atravessou o quarto e assomou à varanda, fazendo um sinal. No mesmo instante os carros fúnebres continuaram o seu caminho. O homem voltou-se então para Sara Carlisle.
— Sou o ajudante do senhor governador. Perdoe-me que tivesse entrado sem me fazer anunciar. Supus que não lhe agradasse contemplar por muito tempo o espetáculo dessa pobre gente assassinada pelos seus amigos.
— Vá-se embora daqui! Não sei a que amigos se refere.
— Oh, sabe-o muito bem! Refiro-me ao senhor Terry Charles e à sua missão de provocar o pânico. Bem como à sua, menina Carlisle. Estamos convencidos de que não se deve ter advertido do seu alcance. Talvez que nem mesmo o senhor Houston. Vocês não conhecem o nosso povo. É possível que tenham imaginado que, perdidas algumas famílias, pediríamos o auxílio do senhor Houston, já que as nossas tropas estão longe de mais. Mas não será assim. Mesmo que matassem todos os habitantes da comarca menos um, esse sobrevivente não pediria auxílio aos ianques. Quero que você o saiba: não podemos destruir esses assassinos a soldo, não temos forças suficientes para tanto, mas não se produzirá o pânico que pretendem. Terão de carregar as vossas consciências com centenas de mortos, e não com duas dezenas. Compreende?
— Vá-se embora! Está a insultar-me! Ainda não o verificou?
— Vou deixá-la, menina. Mas não estou a insultá-la. Pelo contrário. Acreditamos que você não se tenha advertido ainda da realidade. Acreditamos que sentirá viva repugnância por este processo de fazer a guerra. Bons dias, menina Carlisle.
Sara correu de novo à varanda. Os carros já iam longe. Uma silenciosa multidão rodeava-os. Em frente do hotel estava Jorge Saltillo, apoiado a uma coluna, e que a olhava. Sara fechou a janela a toda a pressa.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

ARZ127. Os conspiradores do Texas


(Coleção Arizona, nº127)

 Sam Houston foi uma figura chave na história do Texas, tendo uma grande participação na independência desse estado do México. Após a independência, passou a ocupar diversos cargos no Texas, incluindo os cargos de Presidente da República do Texas, Senador e, também, Governador desse estado depois de sua união aos Estados Unidos, tendo a cidade americana de Houston recebido esse nome em sua homenagem.
A ação deste livro insere-se nesse processo complexo e sanguinário que foi a independência do Texas. Houston terá contratado uma jovem e bela mulher para se insinuar entre alguns comerciantes brancos residentes em Santo António no sentido de os aliciar para a causa. Em simultâneo, um conjunto de salteadores desencadearia um conjunto de ataques cujo objetivo era semear o pânico e pedir a própria intervenção das tropas de Houston dada a distância e impossibilidade de recurso às tropas mexicanas.
Acontece que a ação desses homens foi tão violenta que a mulher, Sara Carlisle, acabou por abandonar a causa o mesmo acontecendo a um dos homens de referência na cidade. Os homens eram, tal como denuncia o título da novela na origem «Los saqueadores», comportando-se mais de acordo com essa designação do que como «Conspiradores do Texas».
Esta novela de Cesar Torre é bastante interessante, tem a graça de fazer surgir um mascarado mexicano por quem a jovem se apaixona e que a segue e protege por todo o lado, mas no final perde-se em cavalgadas e tiroteio que a tornam um pouco menos conseguida.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

PAS711. Beijo de «Furacão»

Quem passasse pela rua principal de Mannpyn, poderia testemunhar que o candeeiro se manteve aceso no gabinete do xerife pela noite fora e se espreitasse pela janela veria Winston Orwell a falar voltado para Elizabeth O'Casey's, que ocupava uma das cadeiras, de costas para o assassino do pai, sentado a um canto do compartimento, visivelmente sem interesse cm tomar parte no diálogo.
Ninguém, no entanto, tinha conhecimento do assunto tratado naquela conferência à porta fechada.
Não se via vivalma na rua deserta, quando o xerife saiu do seu gabinete, precedido pela filha de O'Casey's e pelo forasteiro.
Elizabeth aparentava uma maior calma. Desprendeu as rédeas da sua montada e ajudada por Winston subiu para o cavalo.
Na sua retaguarda, o forasteiro fazia o mesmo na sua montada e, facto curioso, empunhava a arma com que ela desejara matá-lo.
Assim que Elizabeth se apercebeu que ele se dispunha a acompanhá-la, advertiu-o:
— Não preciso de companhia. Sei bem o caminho!
— Nunca gostei que minha irmã andasse sozinha de noite — retorquiu o cow-boy. — Não vou permitir que vá só e, quer queira, quer não, ver-se-á livre da minha detestável companhia apenas à entrada da sua propriedade.
Elizabeth olhou-o e compreendeu que a sua decisão era irremovível.
O xerife levantou a mão a despedir-se deles quando se afastaram, mas nem um nem outro corresponderam. As sombras da noite assenhorearam-se dos dois vultos e Winston Orwell retirou-se.
O «Furacão» seguia alguns metros atrás da jovem e não reparou nos dois vultos que, encobertos pela sombra dos edifícios à saída do povoado, pareciam espiá-1 os.
A distância entre Mannpyn e o rancho O'Casey's foi vencida em breve tempo, sem que qualquer dos dois proferisse uma palavra.
Elizabeth deixou a montada seguir no mesmo andamento, depois de atravessar o pórtico que assinalava o começo das suas terras, sem sequer se voltar para ver a reação do pistoleiro.
Bem contra a sua vontade, a voz deste obrigou-a a parar:
— Espere!
Pelo ruído dos cascos do cavalo, adivinhou que o cow-boy se aproximava dela.
— Esqueceu-se disto!
— Não aproveite agora esta oportunidade para me matar. Tirei-lhe todos os cartuchos...
A proximidade da jovem que, à luz difusa da noite parecia ainda mais bela, era perturbadora.
Num gesto instintivo, o «Furacão» agarrou-a pelos ombros e, puxando-a a si, colou os seus lábios nos dela.
Elizabeth libertou-se rapidamente e esporeando a montada afastou-se a galope veloz.
O cow-boy ficou só com a noite envolvente. Obrigou o solípede a descrever meia volta e retornou para MannPYn.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

PAS710. A mulher que procurava vingança

A aparição súbita do forasteiro, que eliminara Gerard O'Casey's no saloon de John Knight, esfriou, momentaneamente, o ambiente geral.
Aquele homem que dissera chamar-se «Furacão» sentiu-se alvo de todos os olhares, quando caminhou para o balcão.
— Uísque.
Knight não escondeu a sua má vontade em servir um cliente daquele género. Se outro rancor não tivesse, bastava-lhe o facto de ter matado Gerard O'Casey's. Não era porque chorasse por ele, mas O'Casey's era um dos seus melhores fregueses...
Bateu com o copo sobre o balcão na frente do cow-boy e encheu-o de líquido.
O «Furacão» levou-o aos lábios e sorveu o conteúdo de uma só golada.
Na fileira de homens que se juntavam na frente do balcão, avistou o xerife Winston Orwell, de costas para as prateleiras de garrafas, a olhar, distraidamente, para o resto do estabelecimento.
Chamou John Knight e, quando este se dispôs a vir atendê-lo, depois de servir dois ou três clientes, disse-lhe:
— Ponha aí dois copos e diga ao xerife que o convido para uma rodada.
Lia-se a admiração no olhar de Knight, ao ouvir estas palavras. Acabou por assentir com um grunhido que nada significava e afastou-se.
Sem olhar diretamente para o local, o forasteiro viu o xerife desencostar-se do balcão e caminhar na sua direção. Quando este se colocou a seu lado, exclamou:
— Espero que não fique ofendido por lhe ter oferecido um copo de uísque, xerife.
— Pode ser uma habilidade da sua parte para confundir a opinião pública a seu respeito — retorquiu-lhe o agente da Lei. — Você está catalogado como um pistoleiro e a sua presença neste povoado representa, aos olhos de muitos, a morte.
— Não seja desconfiado, xerife. Não tenho jeito para a política e não sou culpado pelo mau conceito que fazem da minha pessoa, só por ter matado O'Casey's.
— Apesar do motivo que o levou a vingar-se dele, Gerard O'Casey's era muito considerado nesta terra. Durante cerca de vinte anos procedeu sempre como um homem de bem. O forasteiro soltou uma risada.
— Conseguiu enganá-los a todos! Há mandatos de captura, amarelecidos pelo tempo, a seu respeito, no fundo das gavetas da maior parte das delegacias policiais do nosso país. Quando o conheci, não se chamava Gerard O'Casey's. Mudou de nome para melhor esconder o seu passado...
— Se é verdade o que me diz, não precisava de ter pegado cm armas contra ele. Bastava denunciá-lo às autoridades.
— Não sou um delator, xerife e esse patife tinha umas contas a ajustar comigo! Durante estes vinte anos, escondeu de todos a sua verdadeira personalidade, alicerçou a sua existência com os produtos de vários roubos, praticados em conjunto com outros homens, os quais eliminou para se assenhorear da totalidade do bolo. Restei eu, porque me encontrava internado num estabelecimento prisional. Acredito que ele estivesse convencido de que o ex-camarada nunca mais o importunaria, apodrecido naquelas celas sufocantes e de mau cheiro, acabando por ser enterrado por piedade. As vezes penso que foi a ideia desta vingança, que não me abandonou um só instante, que me deu ânimo para suportar todas as agruras daquela existência. Quando esse homem me viu na sua frente, o passado caiu sobre ele...
— É isso que vai dizer no tribunal?
O forasteiro abanou energicamente a cabeça.
— Não. Leve estas minhas palavras na conta de um desabafo pessoal. Aos olhos de todos e até da Justiça, Gerard O'Casey's morreu por se ter intrometido com um forasteiro, recém-chegado a Mannpyn, que foi mais veloz no manejo das armas.
O «Furacão» empurrou um dos dois copos na direção de Winston e, pegando no outro, disse:
— À nossa!
Orwell parecia distraído a fazer desenhos com o fundo do copo humedecido, sobre a madeira enegrecida do balcão. Em determinada altura, levantou o olhar para o forasteiro e afirmou:
— Se você morrer, se algum dos seus inimigos tiver a sorte de o liquidar, não terei a mínima pena do sucedido. Fez uma pausa para sorver o conteúdo do copo. — Tenho conhecido várias espécies de miseráveis e você agrupa-se numa delas!
Dir-se-ia que a gargalhada do «Furacão» se ouviu de um extremo ao outro daquela sala.
— Não diga isso, xerife. Repare que o simples facto de me terem solto da prisão significa que me consideram um indivíduo recuperável para a sociedade.
— E é a matar, com os olhos postos numa vingança, que faz a sua recuperação?
Teriam continuado neste duelo de palavras, se uma voz, com timbre feminino, não soasse agrestemente nas suas costas:
— Volta-te com as patas no ar! Ao mais pequeno gesto de rebelião mando-te desta para melhor!
O «Furacão» ficou imobilizado pela surpresa. Ouviu à sua volta as vozes decrescerem de barulho. Sentiu que as suas armas estavam demasiado longe das suas mãos para que as pudesse utilizar com êxito.
Com uma lentidão exagerada, voltou-se.
Noutras circunstâncias, teria achado o caso divertido e apesar da carabina que ela empunhava na sua direção, estava disposto a afirmar que era uma bela mulher.
Usava umas calças pretas enfiadas dentro de umas botas de montar e uma camiseta da mesma cor moldava--lhe o busto.
Leu-lhe nos olhos a determinação inabalável de o matar c ficou embaraçado.
Era uma situação deveras melindrosa e crítica, para um homem de armas como ele, pistoleiro nato, para quem os revólveres não guardavam segredos e os perigos não contavam, o facto de se encontrar na mira de uma carabina empunhada por uma mulher e consciente de sue, se o dedo dela premisse o gatilho, o seu corpo ficaria inesteticamente esburacado.
Como era possível que uma jovem tão bela o olhasse com tamanho rancor e ódio, como se a sua morte fosse o maior bem lançado sobre a terra?
A seu lado, ouviu o xerife sussurrar:
— É a filha de Gerard O'Casey's! — E em voz alta, falou à jovem: — O que pretendes fazer, Elizabeth?
— Vingar a morte de meu pai! — foi a resposta que obteve, num tom que não dava lugar para dúvidas. —Matar esse cobarde que o assassinou!
— Achas que dessa maneira vais remediar alguma coisa? Assisti à morte de teu pai e posso jurar-te que ele foi o primeiro a agarrar nos Colts.
Enquanto falava, o xerife denunciou o movimento de caminhar para a filha do rancheiro, mas esta imobilizou-o com um movimento rápido da carabina, apontando-lhe o cano diretamente ao estômago.
— Não se mova! Matarei o primeiro que tentar impedir a minha vingança. Admiram-me as suas palavras, mister Winston! Será que está do lado de um vadio, de um pistoleiro sem escrúpulos, que aportou a Mannpyn para matar?!
— Há muitas coisas que desconheces, Elizabeth. Se quiseres acompanhar-nos ao meu gabinete, saberás do que se trata.
— Não quero saber das suas palavras, xerife. Jurei sobre a campa de meu pai que ia vingá-lo e cumprirei o prometido.
Elizabeth O'Casey's avançou um passo na direção do forasteiro e este presenciou o movimento da sua mão direita.
Até àquele momento deixara-se ficar calado e quieto, com o cotovelo de um dos braços apoiado sobre o balcão, como se desconhecesse que toda a cena girava à volta de uma pessoa — ele!
A assistência e o próprio dono do saloon, John Knight, gozavam o ocorrido com a maior curiosidade.
O «Furacão» deu em si a pensar que não demoraria muito que o cano daquela arma vomitasse o seu conteúdo mortal e não se admirou por esse pensamento não o perturbar. A sua vida constante de lutas e os anos passados na cadeia tinham feito dele um homem insensível.
Ouviu a seu lado o xerife tornar a falar:
— Não cometas uma tolice, Elizabeth! O que pretendes fazer é um crime! Serás enforcada na praça pública!
— Deixá-lo. Meu pai ficará vingado...
— Não permitirei esse ato louco. Tens de me ouvir para poderes julgar.
O ambiente crescia em nervosismo e a voz de Winston Orwell aumentava em volume.
— Saia da frente, xerife. Tenho o direito de me vingar.
— Não! Terás de atirar primeiro em mim — e o agente da Lei colocou-se, obstinadamente, na frente do forasteiro.
Todos apostariam que desta vez a jovem desistiria do seu intento. Mas tal não aconteceu. Elizabeth levantou a carabina, murmurando com os dentes cerrados:
— Como queira, xerife.
Winston sentiu-se empurrado para o lado pela mão do forasteiro.
— Não prive a moça da sua vingança, xerife. Não mereço o seu sacrifício... — e a voz do «Furacão» era calma e descontraída. A filha de O'Casey's baixou a arma e olhou-o desconfiada.
O forasteiro estendeu o braço e esticou o dedo na sua direção:
— Você está no seu direito, Elizabeth. Se eu estivesse no seu caso também não descansaria enquanto não eliminasse o assassino de meu pai. Aproveite agora!
Um sussurro de pasmo elevou-se dos circunstantes quando o «Furacão», desdenhosamente, se voltou para o balcão, virando as costas à jovem. Tirou uma moeda do bolso e atirou-a na direção de Knight.
— Uísque!
Era uma cartada decisiva a que estava a jogar. O dono do saloon reparou que os seus músculos estavam tensos, à espera, certamente, do chumbo escaldante que lhe rasgaria o corpo.
Bebeu o uísque com o maior sangue-frio e foi nessa altura que tornou a ouvir a voz de Elizabeth:
— Volta-te de frente, cobarde. Quero matar-te com os meus olhos postos nos teus, para gozar com a tua agonia.
O forasteiro sabia que a comédia terminara. Se se voltasse, ela fuzilá-lo-ia, impiedosamente, sem pronunciar mais qualquer palavra.
Era o momento de jogar o seu último triunfo. Se este não resultasse, seria o fim.
Simulando falar para uma outra pessoa que não existia, disse:
— Não quero que apontes essas armas à jovem, Steel. Ela tem todo o direito de acabar comigo.
A artimanha era tão velha como o próprio Oeste. Mas Elizabeth era mulher e caiu no logro.
Voltou-se, instintivamente, à procura do outro adversário e nesse momento ficou sem a arma.
O «Furacão» dera um salto ágil e com um gesto brusco tirara-lhe a carabina da mão.
Vendo-se impotente para cumprir o propósito que a levara àquela sala, duas lágrimas amargas rolaram pelas faces de Elizabeth O'Casey's.
— Parece que é seu dever prender esta jovem por tentativa de assassínio, xerife. Vamos para o seu gabinete — sorriu o pistoleiro, agora na posse da carabina. — Sim, vamos. Precisamos de conversar.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

PAS709. Um «Furacão» chega ao local da ação

Mannpyn era, na época em que decorre este episódio, um povoado progressivo, com as suas casas de tijolo, algumas com um encantador jardim florido a colorir a singeleza da fachada.
Winston Orwell, homem possante e musculoso, que respondia pela manutenção da Lei naquela terra e era dos poucos que ostentavam, suspensos em coldres de couro lavrado, dois enormes 45, encostou-se à porta do seu gabinete e, enquanto fazia, pacientemente, um cigarro ficou a olhar o movimento que se verificava na rua principal.
O rosto redondo do velho armeiro Alfred Wolf, emoldurado por uma farta barbicha branca, abriu-se num sorriso e acenou-lhe, amigavelmente, com a mão. Sentado nos degraus de madeira à porta do seu estabelecimento, Alfred limpava o cano de uma carabina com uma vareta comprida. Wolf amava as armas, tanto quanto os poetas amam as aves.
Mais abaixo, duas portas abertas davam entrada para o armazém de víveres de Guy Standish, onde se vendia de tudo, desde o bom fato para o rancheiro abastado, já feito, até aos arreios para as montadas. Não havia homem mais alegre no povoado que se igualasse a Standish. Nunca aquele rosto se ensombrava por uma tristeza, ou a língua se calava sem um dito chistoso para largar no momento oportuno. Da mesma idade que Wolf, Guy pertencia ao número já restrito dos pioneiros de Mannpyn que, graças ao suor e abnegação destes, se projetava, radiosamente, no futuro.
Seguia-se o hotel de Helena Debenham. Os cento e dois quilos de Helena não impediam que ela fosse a mulher diligente e canseirosa que administrava o seu hotel, providenciando para que nada faltasse aos hóspedes que, temporariamente, se acolhiam no seu teto. O falecimento de Debenham tinha fortalecido o ânimo forte daquela senhora, que fora obrigada a lutar, pessoalmente, pela sua subsistência na vida.
Do outro lado da rua, o saloon de John Knight era ponto obrigatório de reunião para os homens do povoado. Especialmente, aos sábados, o estabelecimento era acanhado para comportar a multidão de vaqueiros, cow-boys e rancheiros, que faziam uma algazarra insuportável. O fim de semana não passava sem que o xerife não fosse chamado a intervir por causa de uma briga e um grupo acabava por ser metido do outro lado das grades, a curtir a bebedeira daquela noite. No dia seguinte, já arrependidos e conscientes, seguiam para os seus trabalhos.
Mais próximo do escritório do agente da Lei, ficava uma filial do Banco. Construído de tijolo e com as jane-las protegidas por gradeamentos de ferro, o edifício garantia a segurança dos valores lá depositados. Christopher Kersh, o gerente, que viera propositadamente da cidade para ocupar aquele cargo e que vivia numa luxuosa residência nos limites do povoado, era, sem dúvida, o homem mais bem vestido do lugar. Sem ser de todo antipático, não se misturava, todavia, com o vulgo.
Winston via-o passar, diariamente, sentado na sua pequena carruagem, tirada por um cavalicoque, que ele próprio conduzia.
O xerife interrompeu as suas congeminações para reparar no forasteiro que acabava de entrar no lugarejo. Montava um cavalo malhado e usava armas. Vestia roupa vulgar de cow-boy, calças escuras e surradas, camisa axadrezada e tapava a cabeça com um chapéu de abas--de-corvo que lhe encobria quase por completo as feições. Apesar de este pormenor, Winston Orwell verificou que ainda era novo, trinta e alguns anos, calculou.
Do outro lado da rua, o armeiro Alfred Wolf parara igualmente o serviço que executava e levantara os olhos para seguir o estranho, até que este desmontou à porta do hotel de Helena Debenham.

domingo, 15 de janeiro de 2017

ARZ126. Um homem chamado "Furacão"


(Coleção Arizona, nº126)


Não se sabe bem porquê, um homem chamado “Furacão” chegou a uma povoação chamada Mannpyn e abateu em duelo um rancheiro, mal este o viu e reconheceu. Ele procurava esse e mais dois homens os quais viviam disfarçados como pessoas honestas depois de, na versão do matador, terem cometido bastos assaltos em que ele também tinha participado e pelos quais tinha cumprido pena de prisão.
John Washington não esclarece os motivos deste ajuste de contas mas tudo leva a crer ter existido uma traição daqueles homens relativamente ao ex-presidiário o qual acaba por se relacionar com a filha do primeiro daqueles homens. Afinal, a rapariga é vítima de roubos por parte de alguns dos seus empregados e vai contar com a sua ajuda para acabar com esses malfeitores.
A novela é agradável de ler mau grado alguma inconsistência no argumento. Onde se nota alguma falha é na caraterização espacial. Washington, um pseudónimo para Joaquim Ferreira Martins, descreve bem, logo de início, o local da ação, mas não a situa geograficamente… sabe-se lá onde é Mannpyn. Por outro lado, os nomes atribuídos aos diversos participantes, por vezes são esquisitíssimos, como é o caso do vaqueiro McCby (alguém consegue pronunciar isto?) e do próprio O’Crosby’s.

sábado, 14 de janeiro de 2017

ARZ125. O filho do salteador


(Coleção Arizona, nº125)

 Tex Membor colaborava com o pai e um conjunto de homens nos assaltos que eles realizavam. Um dia surpreendeu os seus companheiros com uma estranha revelação: ele queria ser um «rural», queria seguir a vida de polícia. Tal caiu como uma bomba no seio da quadrilha que se desfez.
E Tex partiu.
Na sua caminhada para se integrar nos «rurais», Tex relacionou-se com uma família que detinha um rancho onde alguns factos estranhos se passavam. O nosso pretendente a «rural» começou por salvar a vida da jovem Alice de um bando de facínoras e, na sequência da oferta de hospitalidade por parte do pai desta, veio a descobrir que pessoas que viviam no rancho tinham um comportamento pouco saudável.
Conseguiria Tex vir a integrar-se nos «rurais»? Ou o apelo da bela filha do rancheiro seria mais forte? Eis mais um livro de Uriah Malthon que temos a sensação de já ter lido noutra coleção. Vamos a ver se descobrimos qual…
 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

PAS708. O vagabundo amrgurado encontra a bela do cavalo branco

Espicaçou o cavalo e perdeu-se a caminho do lago. Não sabia verdadeiramente a razão pela qual se dirigia para aquele lugar e não para outro qualquer. Não tinha a intenção de tomar banho, como dissera à senhora Allison, nem tão-pouco a sua caminhada poderia classificar--se de simples passeio. De qualquer modo, dirigiu-se para ali e estendeu-se de costas no solo, com os braços cruzados atrás da nuca, à sombra de alguns arbustos, enquanto o animal pastava na margem do lago.
Assim se passou um bom bocado, durante o qual Charles permaneceu pensativo, visivelmente inquieto. Qual seria a causa do seu estado de ânimo? Nem ele mesmo o sabia, embora algo lhe segredasse que podia muito bem respeitar a Tula Charisse e à notícia que seu primo lhe dera quanto aos seus propósitos de se casar com ela.
Como podia ter sucedido aquilo se a própria rapariga lhe garantira não serem as suas relações com o primo as mais cordiais? Howard Charisse afirmara haver-lhe feito uma promessa a troco do seu consentimento, mas Charles Derek não teria confiado em nenhuma espécie de promessas feitas por tal indivíduo. Desde o primeiro instante em que o conhecera, tinha-o na conta de um astuto e imundo réptil, e a anunciada transformação não lhe merecia a menor confiança.
Estava realmente amargurado.
O sol, na distância, lambia já com os seus derradeiros raios os picos das montanhas. Charles Derek olhou nessa direção e não pôde conter um suspiro.
A tarde estava muito bela. A atmosfera, limpa e transparente, cheirava a artemísias e alecrim. As águas do lago haviam-se tingido de um vermelho sanguíneo e nelas refletiam-se as árvores e os arbustos da margem.
Derek nunca imaginara que ela aparecesse num momento daqueles tão propício ao sonho. Fê-lo sobre o seu nervoso cavalo branco e de maneira que ele julgou estar sonhando. Não obstante, não era um fantasma, mas sim uma deliciosa realidade.
Ergueu-se de um salto e aguardou anelante que Tula se aproximasse. No momento de a ver compreendera que o que o seu subconsciente aguardava não era outra coisa que a rapariga.
Ela saudou-o com um movimento do seu chicote e saltou do cavalo. Estava muito corada, belíssima e o seu cabelo ruivo despedia reflexos cobreados ao ser beijado pelos últimos raios do astro-rei.
— Devia-lhe uma explicação e venho dar-lha. Um sexto sentido advertiu-me da possibilidade de o encontrar aqui.
— Talvez fosse esse mesmo sexto sentido que me obrigou a deslocar-me aqui sem qualquer razão aparente retorquiu ele docemente, embriagado com a presença da mulher e o embruxador da tarde agonizante. —Mas não tem de me dar explicação alguma. Você é senhora de agir como melhor lhe parecer.
— É que eu desejava confiar-me a, alguém. Vou-me casar com Howard, sim. Não obstante, não o amo. Pelo menos com esse amor que, em meu entender, se deve ter pelo homem com quem temos de partilhar a nossa vida para sempre.
— Como se justifica, portanto, que o tenha aceitado para marido, Tula?
— Você falou-me de coisas que me encheram de pavor. Depois soube que o culpavam a si da morte de Blucson, bem como a esses pobres madeireiros. Meu primo assegurou que era vítima dos seus próprios amigos, os quais o arrastavam às vezes para coisas que não queria. Desejei pô-lo à prova e prometi-lhe que se ele olvidasse a morte de Blucson, o deixasse a si e aos madeireiros em paz e despedisse a quadrilha de indesejáveis que tinha ao seu serviço, seria sua mulher.
— Não cumprirá a sua palavra, Tula. Vai ter ocasião de o verificar. Portanto, não se case com ele. Um dia poderia despertar para a realidade e chegar à conclusão de que se casara com um monstro. E eu lamentaria que, para me salvar a mim e a mais alguns homens, a quem mal conhece, se tivesse sacrificado. Espere algum tempo... Eu, Tula... eu também lhe quero, nobre e sinceramente. Sentiria muito ser causa da sua infelicidade.
Tula e Charles, inconscientemente, tinham-se aproximado um do outro de tal maneira que a respiração de um bafejava o rosto do outro.
— Vejo que continua a duvidar de Howard... No entanto, até este momento, não tenho nada a reprovar-lhe. Despediu o pessoal e não intentou coisa alguma contra si e esses trabalhadores.
— Ainda não é tarde. Para onde foram Fnrlow e os outros? Charisse falou-lhe do enigma da montanha? Ontem mesmo, durante a noite, ao deixá-la a si, surpreendi seis cavaleiros do seu rancho. Segui-os, mas, de súbito, desapareceram. Não me tinha ainda refeito do meu assombro quando me surpreendeu a aparição de seis homens a cavalo, «que não eram os mesmos» — sublinhou.
Enquanto falavam, a noite caíra por completo. Charles Derek prosseguiu, apontando motivos para que Tula não confiasse demasiadamente no homem com quem aceitara casar-se.
Por fim, esta prometeu-lhe que retardaria o mais possível data desse casamento, e tão distraídos estavam que não se advertiram da presença de Charisse.
Howard, ciumento e desconfiado, havia seguido sua prima a uma prudente distância e arrastara-se depois até se situar a dois passos dos jovens. Ali, com os maxilares contraídos, escutara todas e cada uma das palavras que Tula e Charles haviam pronunciado nos últimos minutos.
 Decorrido um bom bocado, Tula e o ex-«rural» despediram-se com um afetuoso aperto de mão. Ela retomou o caminho do rancho, presa de uma doce angústia e ele perdeu-se, não menos angustiado, na direção de Pecos.
Howard Charisse permaneceu ainda durante algum tempo junto dos arbustos que o tinham ocultado e foi depois em busca do seu cavalo, que deixara escondido entre um grupo de árvores não muito distante. Montou a cavalo e lançou-se a galope rumo ao bosque.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

PAS707. Isto não é comigo!

A gente voltava já do enterro. Salvo os quatro madeireiros sobreviventes, que se haviam demorado um pouco mais junto da cova comum dos seus companheiros, todos pareciam ter pressa em regressar à povoação, onde os sinos da igreja chamavam os fiéis.
Charles passou pela frente daqueles homens e mulheres e conseguiu descobrir ainda a jovem, detida na lomba onde estava encravado o cemitério. As cruzes, sob o sol ainda na sua, curva ascendente, recortavam-se como braços que implorassem clemência.
Esporeou o cavalo naquela direção, mas antes que pudesse ali chegar aconteceu algo de imprevisto que o encheu de confusão. Os quatro serradores haviam-se lançado contra ela.
A rapariga deixou escapar um grito e, apesar da resistência que oferecia, foi arrancada da sela e arrojada por terra, onde os seus atacantes procuraram dominá-la. Mas já Charles Derek se precipitava sobre o grupo.
— Que fazem vocês? — perguntou descavalgando e tratando de libertar a jovem. -- Será que enlouqueceram?
— Isto não é contigo, Derek! — recomendou Bart Shunny, cujo rosto se mostrava apoplético. .
Red Mulford atirou-se sobre Charles e este viu-se obrigado a descarregar os seus punhos no homem que procurava agredi-lo. Alcançou-o em cheio, mas nem por isso se livrou ele próprio de ser maltratado.
O madeireiro era forte como um búfalo e conseguiu derrubá-lo, ante as gargalhadas dos outros.
Charles, quase perdidos os sentidos, levantou-se e investiu contra Lanky Williams. Este, ante a tremenda cabeçada no estômago, retrocedeu com as mãos sobre a parte atingida e a boca aberta na ânsia de reabastecer os pulmões de ar.
Não obstante, a luta depressa acabou. Enquanto Bart Shunny continuava a sujeitar a jovem, Red Mulford e Jimmy Houston caíram sobre Derek. E enquanto um deles o agarrava pelas costas, o outro golpeava-o impiedosamente no rosto até o privar do conhecimento.
-- Selvagens! Selvagens! — gritou a rapariga incrustando o tacão de uma das suas botas na tíbia de Bart Shunny. — Meu primo não tardará em saber disto e podem estar certos de que o pagareis bem caro.
— Seu primo, hem? — replicou Bart, ameaçadoramente. — A esse é que desejaríamos ter agora nas mãos. De qualquer modo, temo-la a si, e isso pode ser uma boa maneira de obrigar essa raposa a sair da sua madriguelra.
A rapariga cessou de forcejar. Os seus rasgados olhos azuis quedaram-se fixos, desmesuradamente abertos, no homem que chamara raposa a seu primo.
Depois, declarou:
— Eu não tenho nada a ver com os assuntos de meu primo. Enganam-se se me julgam cúmplice nessa atrocidade, meu Deus!
Derek removeu-se no solo e escutou a réplica de Bart Shunny às palavras da jovem:
— Deixe Deus tranquilo. Jamais os assassinos e os que com eles convivem invocaram alguém que não fosse o demónio. Você e o seu amigo virão agora à povoação connosco. Entregá-los-emos ao xerife e ele saberá o que tem a fazer.
Tula Charisse olhou aterrada para Derek, que seguia no solo sem tentar levantar-se e ergueu a cabeça.
— Juro-lhes que estão em erro! Nem esse jovem nem eu sabemos nada desses assassínios. No que me diz respeito, só hoje, ao chegar à povoação, e por mera coincidência, soube do que se passara.
Os quatro trabalhadores, pendentes do que a rapariga dizia, esqueceram-se por completo de Charles Derek. Este, entretanto, foi-se recuperando lentamente. De súbito, ergueu-se e, de um salto, apontou os seus revólveres aos desprevenidos madeireiros.
— Para trás! bradou. — Não tentem nenhuma tolice, pois podem sair-se mal. Vamos, soltem essa menina e que se vá em paz. Já a ouviram dizer que está inocente!
Bart Shunny libertou a jovem. Esta, surpreendida ante o novo aspeto tomado pelos acontecimentos, ficou um momento Indecisa, olhando para uns e para outros.
— Vá-se embora, menina Charisse — aconselhou Charles. — Sim, vou... — hesitava Tula. Acho que será o Melhor. Muito obrigado, senhor...
— Já lho tinha dito antes. Chamo-me Charles Derek. A partir de hoje, você tem um amigo em Pecos.
A jovem respondeu:
Obrigada. Não me esquecerei. Tal como estão a pôr-se as coisas, é muito possível que precise da sua amizade.
—Pois não hesite em recorrer a ela. Terei muito prazer em ser-lhe útil.
Tula Charisse montou a cavalo e partiu a galope na direção do rancho de seu primo. Um enorme peso caíra sobre o seu coração. A certeza de que seu primo e quem o servia eram uns criminosos estendeu sobre o seu rosto um véu de intensa tristeza.
— Perdoem-me se intervim em favor dessa rapariga. Conheço desde ontem à noite a versão que circula acerca da morte dos vossos companheiros, mas não podia consentir que vocês cometessem um equívoco de que mais tarde teriam de arrepender-se. Terão de acreditar na minha palavra, visto que sou um homem de honra: essa pequena não sabia nada com respeito a esses assassínios até eu lho dizer há pouco, em frente da igreja, quando o funeral saía. amiga do pastor e este portar-se-ia de maneira diferente se ela fosse o que vocês pretendem.
— Você está a falar demasiado para nos convencer da inocência dessa jovem — cortou Bart. — Ela já aqui não está, pelo que só nos interessa saber quem responde por si?
— Eu mesmo — redarguiu vivamente Charles Derek. Vocês julgaram-me empregado dos Charisse, não é assim? Pois enganam-se. Trabalho na povoação, na oficina da senhora Allison, hospedo-me em casa de Maureen Cooley, com cuja amizade me honro, e sou também amigo do xerife. Intervim nisto por um dever de humanidade, embora também eu tenha as minhas contas pendentes com os homens desse rancho, especialmente com Terry Bucson o Mirky Farlow.
Fez uma pequena pausa e sorriu:
— E, agora que já lhes expliquei tudo, querem seguir à minha frente e olvidar o ocorrido? Aqui têm a minha mão.
—Na nossa situação — decidiu Shunny, de súbito—, será preferível contá-lo entre os amigos que entre os inimigos. Quem dizem vocês?
— De acordo — opinou Mulford, falando por todos.
Charles Derek, que já tinha remetido os revólveres aos coldres, apertou uma por uma as mãos dos madeireiros e regressaram todos juntos a Pecos.