quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

BIS156.04 Uma cascavel fez deles amigos

Sete cavaleiros acamparam na margem esquerda do Salt River. Estavam todos perfeitamente armados e os seus cavalos eram excelentes. Sentaram-se sobre pedras, à volta da fogueira, e começaram a jantar em silêncio.
Evan Felter e Dieter achavam-se juntos e os outros cinco eram os restantes pistoleiros contratados pelo capataz de Holker. Darryl Mansell era um perigoso assassino, baixo e robusto, com instintos de hiena e mentalidade de coiote.
Josh Carver não se parecia com o seu amigo no físico, mas era a sua viva cópia no que dizia respeito a moral. Era alto e magro, de aspeto doentio, e tinha uns olhos que saltavam rapidamente de objeto para objeto. Dizia-se que tinha assassinado quatro colonos para lhes roubar umas garrafas de uísque. Esta tinha sido uma das suas «façanhas», mas havia realizado muitas semelhantes. Uma das suas vitimas. antes de morrer, tinha-lhe decepado a orelha direita com uma punhalada e por esta razão usava sempre os cabelos muito compridos.
O terceiro membro do sinistro quinteto chamava-se Miles Harrow e era um gigante loiro que ultrapassava um metro e noventa de altura e pesava cento e cinco quilos. Parecia um homem tranquilo e andava sempre sorridente, mas com as suas grandes \manápulas já tinha assassinado muitos homens.,
Byrne Purvis era o mais calmo, sereno e frio do grupo. Também era o mais perigoso e o seu aspeto exterior havia enganado muita gente.
Qualquer dos quatro tinha perfeito direito à forca. Eram uns autênticos canalhas capazes de assassinar, roubar, violar e incendiar por simples capricho, e se alguém lhes pagava convertiam-se em verdadeiras feras.
O quinto homem chamava-se Ronnie Denker e ainda não tinha feito vinte anos. Tinha matado um homem em luta leal, mas o xerife perseguiu-o e, por sua desgraça, chegou a Dawson sem um centavo e quando Felter recrutava os seus homens. Dieter observou que Denker parecia assustado, como se o facto de se achar rodeado por aquele grupo de coiotes sedentos de sangue o aterrasse, mas sentindo que já era tarde para voltar atrás.
— Chegaremos a Desolação dentro de três dias — disse Felter, ao levantar-se.
— Espero que o nosso patrão tenha um telheiro decente para nós — grunhiu Mansell.
— Não te preocupes. Há por lá bons catres e no «rancho» temos o melhor cozinheiro da região — esclareceu Felter, estendendo as suas mantas.
— Há oiro por esses sítios? — perguntou Dieter, lançando um braçado de lenha na fogueira.
— Nem oiro, nem prata... apenas chumbo de calibre «45» e também de «44» — respondeu Felter, deitando-se na sua improvisada cama.
«Bem... — pensou Dieter, imitando Felter — ...ninguém encontrou a mina de meu pai.» Continuava a conservar a pele de coelho onde Karl Ritter tinha traçado o plano da localização do jazigo mineiro. Quando chegasse o momento registaria a mina na capital do território.
Dieter não tinha conseguido arrancar nenhuma palavra importante a Felter. Sabia unicamente que Ira Holker, tinha dificuldades com alguns mexicanos e que desejava eliminá-los. «Saberei qual a sua ideia quando chegarmos a Desolação» — pensou antes de adormecer.
Ronnie Denker foi o primeiro a levantar-se quando começou a amanhecer. Lançou uma toalha pelo ombro e dirigiu-se para a margem do Salt River, a fim de se lavar.
Dieter afastou as mantas e levantou-se também. Depois, foram-no fazendo os demais.
Felter encarregou-se de reanimar a débil fogueira e Darryl Mansell dedicou-se à tarefa de preparar o café.
Dieter também se encaminhou para a margem do rio, mas antes de a atingir, o penetrante zumbido de uma serpente cascavel pô-lo de sobreaviso. Sacou um dos seus revólveres e continuou a avançar. Descobriu Ronnie ajoelhado no solo e, a poucos centímetros dele, uma serpente cascavel preparando-se para atacar. Certamente, o rapaz tinha-a pisado e o réptil estava furioso. Ronnie estava desarmado e nos seus olhos havia aparecido o pânico. O menor movimento podia precipitar o ataque da serpente. Dieter disparou no preciso instante em que o réptil lançava a cabeça para a frente e o pesado projétil destroçou-lha por completo.
— Nunca abandones as tuas armas, Ronnie — disse simplesmente, enfiando a arma no coldre.
O rapaz demorou algum tempo a responder e quando o fez a sua voz não era muito firme.
— Obrigado, «Pecos», algum dia te devolverei o favor.
— Espero que sim — disse Dieter, mergulhando as mãos na corrente do rio.
Quando regressou junto da fogueira, Josh Carver fitou-o com assombro e exclamou:
— Excelente tiro, «Pecos»! –
-- É muito difícil acertar na cabeça de um réptil--comentou Mansell, retirando a enorme cafeteira do lume.
— Há coisas mais difíceis — disse Dieter.
Meia hora mais tarde, o grupo de cavaleiros continuou a sua marcha para o Sul. Dieter cavalgava em silêncio, sem tomar parte nas conversações dos seus companheiros de viagem.
Apesar dos anos decorridos, recordava perfeitamente aquelas terras e quando penetraram no amplo desfiladeiro onde seu pai tinha sido morto, comprimiu fortemente os lábios para não começar a maldizer o assassino. Sobre o solo, e quase cobertos pelo pó e pela areia, havia um grande número de ossos, uns humanos e outros pertencentes a animais. «Talvez algum pertença a meu pai» — pensou.
Não pôde conter um estremecimento quando passou ao lado da grande rocha onde Collins e Walter se haviam entrincheirado. Recordou a morte brutal de Jo Dobson e pensou que o principal culpado daquela matança se tinha transformado num homem rico.
— Por pouco tempo — murmurou.
Dois dias mais tarde, e quando faltava apenas uma hora para o meio-dia, chegaram ao «rancho» de Ira Holker.
Dieter pôde observar que a prata roubada havia dado um excelente resultado. Holker tinha grande número de cabeças de gado e todos os edifícios do «rancho» davam a ideia de serem novos.
Um vaqueiro apareceu ao lado de Felter antes que os cavaleiros desmontassem, e respondendo à pergunta muda do capataz disse:
— O patrão está na povoação. Disse que se chegasses fosses à sua procura, acompanhado dos homens que tivesses encontrado.
— Passa-se alguma coisa em Desolação? — inquiriu Felter.
— Um enterro — respondeu tranquilamente o vaqueiro, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
— Quem morreu? — continuou a perguntar o capataz.
—Warren Bremer... mas não morreu por sua vontade; foi morto por dois mexicanos.
— Com mil diabos! — exclamou Felter.
Fez um sinal aos pistoleiros, indicando que iam continuar até à povoação, e Mansell, que estava ansioso por se deitar numa boa cama, deixou escapar uma furiosa maldição.
— Quem era Warren Bremer? — perguntou Dieter, que não se lembrava daquele nome.
— O dono do bar «Fortuna» e um bom amigo do nosso patrão — informou Felter.
Percorreram os cinco quilómetros, que separavam o «rancho» da povoação, a galope.
Pelos vistos, Felter não desejava perder o enterro do defunto proprietário do «Fortuna».
Durante os quinze anos que haviam decorrido desde a sua salda de Desolação, a povoação tinha sofrido grandes transformações e Dieter observou-o rapidamente. Era maior e mais suja. Havia um Banco, uma companhia de diligências, novos estabelecimentos de bebidas tinham aberto as suas portas e, inclusivamente, tinha uma prisão construída com tijolos vermelhos que sei-mente o diabo podia saber donde tinham saído. O cemitério de Desolação também havia aumentado de superfície e a maior parte dos homens que estavam ali enterrados tinha morrido com as botas calçadas. As ruas da povoação continuavam cheias de peões mexicanos, vaqueiros ianques, pesquisadores de oiro, proscritos de pouca nomeada e de índios «navajos».
Apesar de pertencer a um território dos Estados Unidos, Desolação era uma povoação nitidamente mexicana e as construções de adobe eram em maior número que as de madeira.
Percorreram a rua principal de Desolação e desmontaram diante do «Fortuna». Depois de atarem os cavalos na barra, entraram no local, seguindo os passos do capataz. O estabelecimento estava transformado em câmara ardente e no centro do amplo salão havia um ataúde de madeira de cedro. As prateleiras, as mesas e o espelho haviam sido cobertos com panos negros.
A mão de Dieter procurou instintivamente a coronha de um dos seus revólveres quando descobriu Ira Holker, em pé, ao lado do ataúde por fechar. Reconheceu-o antes que Felter falasse com ele. Fazendo um esforço sobre-humano, conseguiu afastar a mão. Era preferível esperar porque talvez conseguisse salvar algumas vidas. Quando um tipo como Holker contratava meia dúzia de pistoleiros era porque magicava alguma canalhada. O decorrer dos anos não tinha mudado o assassino; apenas as suas feições se tinham tornado mais duras, mais cruéis e mais selvagens. Dieter calculou que também os instintos deviam ter sofrido a mesma transformação.
A volta de Holker encontravam-se alguns homens vestidos de luto. Pelos vistos, o defunto Warren Bremer tinha sido muito apreciado... pelos tipos da sua laia.
Felter saudou o seu patrão e ambos se afastaram para poderem falar sem testemunhas.
Dieter observou os olhares perscrutadores que Holker lançava aos pistoleiros contratados pelo capataz. Pensou que o assassino não apresentaria um rosto tão satisfeito se soubesse que um daqueles homens era o filho de Karl Ritter, assassinado pelas costas no desfiladeiro. «Sabê-lo-á no seu devido tempo» — murmurou, mentalmente, o jovem.
Felter chamou os seis homens e, quando estes se aproximaram, apresentou:
— O patrão, amigos.
Ninguém falou. Haviam sido contratados para matar e não para perderem o tempo a falar. Holker devia ser da mesma opinião porque sem se incomodar em saudar os seus homens disse:
— Esta terra faz parte do território dos Estados Unidos e os mexicanos não têm o direito de permanecer nela...
Dieter pensava exatamente o contrário. Em primeiro lugar, os mexicanos tinham sido incorporados na União pela força das armas e formavam parte dos Estados Unidos. Tinham os mesmos direitos que os homens nascidos em Nova Iorque, Baltimore ou em qualquer outra povoação ou cidade da nação. Eram cidadãos dos Estados Unidos; uns cidadãos descontentes, mas ninguém lhes havia perguntado se queriam fazer parte da União. Era lógico, pois, que não se sentissem muito satisfeitos. Além disso, os tipos como Ira Holker aproveitavam-se da ocasião e os mexicanos cada vez odiavam mais a justiça dos ianques.
— ...tão-pouco têm direito às melhores terras da região e a conservar as nascentes — continuou Holker.
— Hum! — grunhiu Mansell, que continuava a desejar uma boa cama.
— A vossa missão será expulsá-los das suas terras... a bem ou mal, embora eu prefira que se empregue a violência. Os mortos nunca reclamam nada — disse Holker.
— Por onde temos de começar? — inquiriu Dieter.
— Pelos assassinos de Warren Bremer — respondeu Holker, olhando fixamente para o jovem.
— Há algum xerife nesta povoação? — perguntou Miles Harrow, abrindo e fechando as suas enormes garras, como se desejasse apertar o gasganete do representante da Lei.
— Houve... mas morreu. Nós seremos a Lei em Desolação. O juiz Andy Waltis está do nosso lado... e se houver que nomear um novo xerife, será um dos meus homens o eleito — esclareceu Holker.
— Compreendido — disse Josh Carver.
— Quem matou Bremer? — perguntou Dieter.
— Os Lanuza — informou Holker.
— E quem diabo são os Lanuza? Somos pistoleiros, não adivinhos — disse Mansell, que não era muito delicado a falar.
— Uma família de mexicanos formada pelo pai, três filhos varões e uma mulher. Têm um pequeno «rancho» a leste da povoação — esclareceu o «rancheiro».
— Há que matá-los a todos? — perguntou Byrne Purvis, sem deixar de sorrir.
Dieter lançou um olhar rápido a Ronnie e observou que o seu rosto juvenil estava pálido. Não podia ocultar a sua repugnância ao ver que a vida de uma família era tratada com tanta indiferença como se se tratasse de um bezerro que tinha de ser sacrificado para um jantar. Também Dieter sentia náuseas e pensou se não seria melhor acabar imediatamente com Holker para que fosse enterrado no mesmo caixão que Bremer.
— Nunca mais quero ver um Lanuza nestas terras, mesmo que seja uma mulher — disse Holker, lançando clarões de ira pelos seus olhos frios. A família de mexicanos acabava de ser condenada à morte e os pistoleiros contratados seriam os verdugos. Dieter decidiu estragar os planos de Ira Holker.
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— Compreendido — disse Josh Carver, pela segunda vez.
— Amanhã poderão começar o vosso trabalho. Hoje, haverá um enterro, mas quero que amanhã hajam mais; cinco. No cemitério de Desolação há muito espaço livre — ordenou Holker, enquanto regressava para junto do ataúde.
Felter encarregou-se de explicar aos pistoleiros quem eram os homens que se encontravam à volta de Ira Holker. Assim, Dieter pôde saber que o assassino de seu pai se havia transformado no homem mais importante da povoação e que os seus desejos eram ordens.
A sua esquerda estava o obeso Andy Waltis, o juiz de Desolação, que obedecia cegamente às ordens de Holker. Waltis tinha o rosto congestionado pelo uso e abuso do álcool. Vestia uma sobrecasaca bem cortada e usava gravata de laço. Cheirava a álcool e a alho e tinha todo o aspeto de um sapo.
Ao lado do juiz encontrava-se Jess Craige, o banqueiro. Se Waltis parecia um sapo inchado, o dono do Banco era a imagem viva de uma aranha do deserto. De baixa estatura, cabeça enorme, braços mais compridos que o normal e com as mãos cobertas de pelos, tinha um aspeto repugnante. Contemplar Jess Craige era um convite para se vomitar.
Aos pés do ataúde estava Len Riester, proprietário do melhor armazém da povoação. Era um homem de aspeto doentio e a sua pele tinha uma cor amarelada.
Os outros homens que rodeavam o ataúde eram empregados do defunto Bremer; jogadores profissionais, criados de mesa e os encarregados do balcão. Gente perigosa, mas sem importância. Limitavam-se a receber ordens.
Os realmente perigosos eram o juiz, o banqueiro, o armazenista e o «rancheiro». Eram eles que impunham a sua Lei na povoação. Holker era o cérebro do grupo.
Dieter lançou um olhar ao cadáver e pensou que Bremer devia ter sido um digno companheiro de Ira Holker e dos seus obedientes cães rafeiros. O cadáver, vestido com as melhores roupas que havia tido quando ainda vivia, tinha sido colocado no interior de um brilhante caixão de madeira de cedro forrado com tecido vermelho, cor de sangue.
A sua morte tinha sido natural... o mais natural que podia ser uma morte em Desolação. O que causou o rápido falecimento de Bremer foram duas facas que se enfiaram no seu ventre. O cangalheiro considerava que esta era uma morte natural e quando alguém morria na cama, de uma enfermidade, opinava que tinha sido um lamentável acidente. Esta opinião tinha o seu fundamento, porque durante os anos que tinha no exercício da sua profissão de cangalheiro, tinha visto mais indivíduos crivados de balázios ou cozidos a punhaladas do que os que morriam placidamente nas suas camas.
— Chegou a hora — disse o cangalheiro, pegando na tampa do ataúde.
Depois de o fechar, quatro jogadores profissionais encarregaram-se de o tirar do estabelecimento e deixaram-no sobre uma carreta, igualmente coberta com panos negros; até os cavalos tinham sido enlutados.
— Temos de ir ao enterro? — perguntou Mansell.
— Sim, o patrão adora este tipo de cerimónias — explicou Felter.
Por duzentos e cinquenta dólares mensais, comida, alojamento e um prémio especial por cada morto, podiam sacrificar meia hora para acompanharem Warren Bremer à sua última morada.
Ira Holker parecia ter um certo prazer em acompanhar Bremer até ao cemitério. Talvez porque pensava que quantos mais morressem melhor. Os seus lucros seriam maiores porque não teria de repartir com ninguém. O seu plano era apoderar-se de todas as terras e nascentes que rodeavam a povoação.
Uma vez em seu poder, seria o homem mais importante do Sul do Novo México. Poderia impor os seus caprichos a todos os habitantes de Desolação e, se estes não lhe obedecessem, fá-los-ia entrar na razão cortando-lhes a água. Quando a sede os atormentasse apressar-se-iam a obedecer.
Jess Craige também tinha os seus planos, muito pare ciclos com os de Holker. Por este motivo, havia-se aliado ao «rancheiro», e enquanto caminhava atrás do caixão pensava o mesmo que Ira Holker. Pensava na forma de eliminar os demais quando as terras e as nascentes se achassem nas suas mãos. Ira Holker tinha a força, mas ele tinha o dinheiro.
Atrás do «rancheiro», caminhava o juiz, fazendo oscilar a sua enorme barriga e suando por todos os poros. Um pouco mais atrasados, seguiam os empregados de Bremer e a fechar o fúnebre cortejo caminhavam Felter e os seis pistoleiros contratados.
Mas o cadáver de Bremer tinha outros silenciosos acompanhantes; grande número de mexicanos que dormitavam ao sol, envolvidos nas suas mantas coloridas. Ao passar o enterro, levantavam as cabeças, lançavam olhares de ódio aos homens que caminhavam atrás da carreta e, em seguida, continuavam a sua sesta. Todos sabiam que Bremer tinha sido morto porque havia tentado abraçar Mercedes Lanuza, e o pai e os irmãos da rapariga tinham feito justiça, rápida e segura.
— Matei muitos homens e nunca fui ao enterro de nenhum deles. Aborrece-me ter de seguir atrás de um ataúde que leva o cadáver de um tipo que foi morto por outros — grunhiu Mansell.
— Duzentos e cinquenta dólares — recordou-lhe Byrne Purvis.
— Sempre é melhor uma pessoa seguir atrás de uma carreta funerária do que em cima dela — sentenciou Carver, com os olhos a rolarem-lhe dentro das órbitas.
Dieter não fez qualquer comentário. Enquanto atravessavam a povoação, lembrava-se das muitas vezes que tinha feito aquele caminho com o seu pai. O jovem Ritter esperava o momento oportuno para acabar com Ira Holker, mas primeiro queria estragar os seus planos e deixar a povoação livre de animais como Jess Craige, Len Riester e Andy Waltis.
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terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

BIS156.03 O despertar da vingança

Na Primavera do ano 1895, um cavaleiro deteve-se na margem do rio Pecos e lançou um olhar perscrutador para os cumes da Serra Amarela.
Estava a escurecer e ainda lhe faltavam vinte quilómetros para chegar à povoação de Dawson.
Desmontou e tirou os arreios ao seu cavalo. Aquele homem chamava-se Dieter Ritter e dirigia-se a Dawson para se reunir a Read Cline. Haviam decorrido quinze anos desde que o pistoleiro havia recolhido o rapaz na margem do Salt River.
Durante aqueles anos, Dieter tinha-se transformado num perfeito exemplar de homem. Read tinha-o ensinado a manejar as armas e o discípulo acabara por superar o mestre. Read tinha comprado um pequeno «rancho» entre as correntes do Pecos e do Canadian. Teve de matar outros homens, mas, por fim, conseguiu o que sempre havia ambicionado: transformar-se num simples «rancheiro».
Três dias antes, o velho pistoleiro tinha abandonado o «rancho» para se dirigir a Dawson, a fim de efetuar umas compras, e Dieter ia ter com ele. Read tinha sido um verdadeiro pai para o rapaz e ensinou-lhe tudo quanto sabia. A manejar as armas, a disparar com uma rapidez endiabrada e a tratar dos cavalos.
— Um cavalo pode significar a tua salvação — dizia--lhe constantemente.
Por este motivo, Dieter preocupou-se primeiramente com o seu animal. Ia acampar na margem do Pecos porque não queria forçar a sua montada. Enquanto o animal devorava a erva húmida, Dieter puxou pela bolsa do tabaco e enrolou um cigarro. Tinha comprado aquele cavalo em Santa Fé e considerava-o a melhor montada que havia tido. Fora-lhe vendido por um charro, tipo de aldeão mexicano, grosseiro e tosco, e por esse motivo chamava-lhe «Charro».
Era um animal veloz, de patas delgadas e peito poderoso. Deu-lhe de beber, mas observou detidamente a quantidade de água que bebia. Em seguida, amarrou-o ao tronco de uma árvore, deixando a corda bastante folgada. Uma vez acabados os seus cuidados com o cavalo, Dieter dedicou-se à tarefa de acender uma fogueira e preparar um jantar frugal.
— Amanhã já comerei melhor — disse em voz alta.
Aquele costume tinha-o adquirido com Read Cline, como a maioria de todos os seus hábitos. Dieter estendeu as suas mantas ao pé de uma árvore e não tardou a adormecer. Antes de fazê-lo, porém, pensou que já tinha feito vinte e sete anos e que se estava a aproximar o momento de regressar a Desolação para vingar a morte de seu pai. Não o tinha feito antes porque Read era demasiado velho para viver sozinho. Com o correr dos anos, a sua habilidade no manejo do revólver tinha ido desaparecendo.
Não podiam regressar ao território do Arizona porque a sua cabeça continuava a valer dois mil dólares e Read não desejava correr riscos inúteis.
Dieter nunca havia manifestado o desejo de regressar a Desolação porque via que o seu velho amigo era completamente feliz entre as reses do seu «rancho». O rapaz pensava que Ira Holker deveria ter à volta de quarenta e cinco anos e que continuaria a viver, a não ser que tivesse encontrado o que merecia: uma corda de cânhamo com um nó corredio numa das pontas.
Ao amanhecer, Dieter Ritter afastou as mantas e levantou-se. A sua primeira tarefa do dia foi soltar «Charro» e conduzi-lo em direção ao rio. Em seguida, enrolou um cigarro, acendeu-o e enquanto o fumava tirou o seu cinturão-cartucheira. Tinha dormido com ele colocado, visto que Read o havia aconselhado a nunca se separar das armas.
Depois, tirou a camisa e de um dos alforges extraiu um bocado de sabão e uma toalha. Com o corpo desnudado da cintura para cima, era impressionante. Tinha os ombros largos, um pescoço de toiro e os seus braços, peito e costas estavam cheios de músculos, flexíveis como molas de aço. Lavou-se com visível prazer e depois de se enxugar voltou a vestir a camisa e a afivelar o cinturão-cartucheira. Atou os coldres dos revólveres às coxas com finas correias de pele de anta e, por último, aparelhou «Charro».
— Vamos reunir-nos com o velho Read, amigo — disse alegremente, dando uma palmada no pescoço do animal.
Aqueceu um pouco de café e foi bebendo o líquido aromático em pequenos goles. Apagou a fogueira e montou. Atravessou o Pecos num vau e cavalgou para Dawson.
Ao entrar na povoação dirigiu-se para o armazém de um homem chamado Murray Carney e, depois de desmontar, amarrou o cavalo à barra situada em frente do estabelecimento.
— Olá, Murray — saudou ao entrar no armazém.
O armazenista era um homem de idade mediana, que sorria sempre, mesmo quando fazia um mau negócio. Mas, naquele dia, o negócio devia ter sido muito mau porque o sorriso havia desaparecido dos seus lábios.
— Olá, Dieter. Esperava-te — respondeu Murray, começando a limpar o comprido balcão.
— Onde está Read? — perguntou o jovem.
Murray continuou a limpar o balcão, apesar deste estar tão brilhante como uma moeda de oiro.
O armazenista não se atrevia a fitar Dieter e este compreendeu que algo de grave estava a acontecer... ou já tinha acontecido.
— Fala, Murray. Aconteceu alguma coisa a Read? - indagou, apreensivo.
Sem dar por isso, tinha falado com voz ameaçadora; Read era o único amigo que tinha e, se havia sofrido algum ataque, o autor da façanha não iria vangloriar-se disso por muito tempo.
— Sim, Dieter — respondeu Murray, abandonando o trapo.
— Onde está?
— Enterrámo-lo ontem. Quis mandar-te um aviso, mas não encontrei ninguém que se dirigisse para o vosso «rancho».
O rosto do jovem sofreu uma terrível mutação. Os seus olhos adquiriram a dureza do aço e as suas feições contraíram-se como se sobre elas tivesse derramado cera fundida.
— Que se passou? — inquiriu com voz rouca.
— Um homem chamado Luther Adams reconheceu-o e começou a rir-se dele. Read desafiou-o a sair para a rua...
— Continua — ordenou Ritter, ao ver que Murray se interrompia.
— Read era demasiado velho e as suas mãos já não eram tão rápidas como antigamente. Conseguiu sacar o revólver, mas Luther acabou com ele com um único balázio.
— Onde está o assassino?
— Anda pela povoação a gritar aos quatro ventos que acabou com o perigoso Read Cline.
— Como é ele?
— Alto, magro, de rosto vulgar, mas reconhecê-lo-ás porque usa um cinturão adornado com uma fivela muito brilhante.
— Obrigado, Murray — disse Dieter, dirigindo-se para a porta.
Quando abandonou o armazém, conduziu o seu cavalo para uma das cavalariças públicas e, em seguida, atravessou a poeirenta rua central e entrou num dos quatro bares que existiam na povoação.
— Olá, Dieter — saudou-o o empregado, que conhecia o jovem.
Tanto Read como ele faziam uma viagem mensal a Dawson para comprarem provisões, e duas vezes por ano conduziam algumas reses até à estação de caminho de ferro para serem embarcadas. Por estas razões, eram muito conhecidos na povoação, e embora os seus habitantes conhecessem a fama de Read Cline nunca tinham feito nenhum comentário porque sabiam que o velho pistoleiro preferia criar gado.
O estabelecimento estava cheio de vaqueiros, comerciantes, compradores de gado e jogadores profissionais.
Encontravam-se também alguns proscritos, fugidos do Texas, que procuravam uma saudável mudança de ares.
— Procuro um homem — disse Dieter em voz alta.
Ao soarem aquelas palavras, que em todo o Oeste dos Estados Unidos tinham um significado muito claro, cessaram todas as conversações. Quando um homem procurava outro, somente podia ser para o matar.
«Procuro um homem».
Esta frase indicava, sem margem para dúvidas, que era um desafio de morte.
— Procuro um assassino chamado Luther Adams —repetiu Dieter.
— Não está aqui, amigo — disse o homem que servia ao balcão, o mesmo que o saudara.
— Há aqui algum amigo dele? — inquiriu o jovem.
— Não, Luther não tem amigos — respondeu o outro.
— Se alguém o encontrar primeiro do que eu, quero que lhe diga que amanhã ao meio-dia o espero nesta mesma rua para que, com a sua vida, pague uma parte da de Read Cline — continuou Dieter.
— Um uísque? — perguntou o empregado.
— Não, beberei amanhã... depois de matar Luther —respondeu Dieter, abandonando o local.
Aquela cena repetiu-se nos restantes bares, e quando Dieter se foi estender na cama de um hotel, tinha a certeza de que o seu desafio já tinha chegado aos ouvidos de Luther Adams.
Sabia que não fugiria porque o repto tinha sido demasiado público e o assassino desejaria manter a sua fama de pistoleiro. Se fugisse, o sucedido em Dawson percorreria todas as povoações importantes e os mais insignificantes povoados.
A fama de pistoleiro transformar-se-ia em fama de cobarde e todos os homens se ririam de Luther Adams, o tipo que assassinara um velho e fugira de um jovem.
Mas havia algo mais. O velho Read tinha-lhe falado do impulso que impelia alguns homens a medirem a sua habilidade com outros e Dieter esperava que Luther fosse um deles.
Quando acordou, já o dia estava a clarear. Abrindo os alforges começou a tratar do seu aspeto físico. A navalha de barba não tremia nas suas mãos. Não seria a primeira vez que mataria um homem.
Tivera de defender, por várias vezes, o gado de armas na mão. Mas seria aquela a primeira vez que lutaria sozinho. Das vezes anteriores, tivera sempre Read Cline a seu lado.
Depois de se barbear, passou meia hora a limpar os dois revólveres e a escolher cuidadosamente os projéteis antes de os introduzir nos tambores.
Tinha tantos desejos de matar Luther Adams como de acabar com Ira Holker. Ambos eram dois cobardes assassinos e a Humanidade ganharia muito com a sua morte.
Naquela manhã, Dieter fazia todas as coisas com grande lentidão. Parecia não ter nenhuma pressa. Na realidade, não tinha nada que fazer até ao meio-dia em ponto.
— Matar Luther Adams — murmurou enquanto fechava os alforges.
Abandonou o hotel e dirigiu-se para um dos bares. O empregado serviu-lhe uma xícara de café e, sem o olhar, perguntou:
— Nervoso, Dieter?
— Não, o que estou é ansioso de acabar com Luther — retorquiu o jovem.
O outro inclinou-se sobre o balcão e, sem levantar a voz, disse:
— Transmitiram-lhe o seu aviso e ele disse que acabaria consigo da mesma forma que tinha terminado com Read.
— Obrigado, amigo. Queres servir-me mais café? —disse Dieter, começando a enrolar um cigarro.
Não saiu do bar enquanto não consumiu quatro chávenas de café e três cigarros. Em seguida, dirigiu-se para a cavalariça onde havia deixado ficar o seu cavalo.
Como se aquilo fosse o mais importante do mundo e não tivesse outros problemas, Dieter permaneceu na cavalariça a escovar a sua montada até dez minutos antes do meio-dia.
Afastou-se, então, do cavalo, enrolou e acendeu um cigarro, verificou se os revólveres saíam facilmente dos coldres e entregando uma moeda de dez dólares ao homem do estábulo, disse:
— Tome, amigo. Nunca se sabe o que pode acontecer e não quero sair deste mundo com uma dívida na consciência.
— Boa sorte, Dieter — desejou o homem.
— Obrigado — agradeceu, saindo em seguida do estábulo.
Eram doze menos cinco quando Dieter se dirigiu para o exterior; a rua central de Dawson estava completamente deserta. Portas e janelas encontravam-se fechadas
e até os cães haviam desaparecido.
O silêncio era absoluto e o sol caía com força. Não soprava a mais leve brisa. Dawson parecia uma cidade morta.
Faltava um minuto para a hora indicada por Dieter, quando este se colocou no centro da rua, tendo a precaução de ficar com o sol pelas costas.
Ao meio-dia em ponto Luther Adams surgiu no outro extremo da rua. O assassino de Read devia andar à roda dos trinta anos, era alto e a sua extrema magreza ainda ajudava a parecê-lo mais.
Estava completamente vestido de negro, dos pés à cabeça, sem uma única nota de cor no seu vestuário; apenas a fivela do seu cinturão-cartucheira brilhava quando os raios de sol a feriam.
Usava dois revólveres de calibre «45», de canos azulados e punhos negros. Dieter adivinhou que aquele tipo era um fanfarrão e que as suas roupas negras não tinham outra missão senão impressionar os seus inimigos.
Luther parou ao descobrir a silhueta de Dieter e durante uns segundos pareceu examiná-la com grande atenção.
Os dois homens encontravam-se separados por uma distância superior a cem metros, demasiada para que os disparos das suas armas fossem eficazes.
Dieter começou a andar para o seu inimigo, desejoso de encurtar a distância. Usava o chapéu muito lançado sobre a fronte para defender os olhos dos raios de sol que os objetos refletiam.
Caminhava lentamente, mas os seus passos eram firmes e precisos; as suas botas levantavam pequenas nuvens de pó e as esporas produziam um alegre tilintar. A cada passo que dava, as suas mãos roçavam pelas coronhas dos revólveres.
Avançava sem afastar os olhos da enlutada silhueta do seu inimigo. Luther pensou que haveria muitos curiosos por detrás das portas e das janelas que pensariam que ele era um cobarde se não fizesse nada para encurtar a distância.
Deu alguns passos, mas deteve-se quando se achava a cerca de trinta metros de Dieter. Um estremecimento de terror percorreu-lhe o corpo, ao verificar que o seu inimigo continuava a avançar sem demonstrar a menor pressa.
— Desejo ver-te morrer o mais perto possível — disse, secamente, Dieter.
— Read disse o mesmo — comentou Luther.
— Há uma grande diferença entre Read e eu. Ele tinha sessenta e cinco anos e eu apenas tenho vinte e sete. As minhas mãos estão firmes e o meu pulso não treme — respondeu Dieter, sem deixar de avançar.
Deteve-se quando apenas quinze metros o separavam do assassino do velho Read, e as suas esporas tilintaram alegremente.
— Vou matar-te, Luther Adams. És um bicho demasiado repugnante para que continues a viver.
— Muitos homens disseram o mesmo e agora estão enterrados.
Dieter não respondeu; o seu olhar não se afastava, dos olhos do seu inimigo. Os dois homens estavam frente a frente e cada um estudava o seu adversário.
Luther, com um rápido movimento, sacou um dos seus revólveres. No mesmo instante, um ralo de sol fez brilhar a fivela do seu cinturão e, antes que pudesse apertar o gatilho, Dieter fez fogo. O projétil foi introduzir-se uns milímetros acima da sua brilhante fivela e o sol já não arrancou mais reflexos ao metal porque este cobriu-se rapidamente de sangue.
Luther encolheu-se ao receber o balázio, mas continuou a levantar o revólver para matar o seu inimigo. Dieter moveu-se ligeiramente para a direita e, inclinando-se para a frente, golpeou o percutor com a palma da mão; os cinco projéteis que restavam no tambor saíram com grande rapidez.
Tão rápidos foram os disparos que os estampidos se confundiram num só. O corpo de Luther estremeceu a cada impacto e a força do chumbo empurrou-o para trás. A última bala fê-lo ir de costas ao chão e fechou os olhos porque o sol dava neles em cheio. Quando voltou a abri-los, descobriu umas botas negas cobertas de pó muito perto do seu rosto e uma voz que parecia vir de uma região muito distante disse-lhe:
— Assim morrem os cães como tu, sobre o pó e crivados de balas. Não lamento ter-te matado...
Se Dieter continuou a falar Luther nunca o chegou a saber porque a morte tomou conta dele e fê-lo empreender a curta viagem para o inferno. Uma viagem muito curta... mas da qual ninguém regressava. Dieter permaneceu ao lado de Luther até que cessaram as convulsões que agitavam o moribundo.
Em seguida, carregou de novo o seu revólver, deixando cair as cápsulas vazias sobre o cadáver. Ao afastar-se, encontrou um homem de baixa esta-
tura, vestido como um vaqueiro e de aspeto sinistro, que lhe impedia a passagem.
— L amigo de Luther? Ou melhor, «era» amigo do morto? — inquiriu Dieter, acariciando a coronha do revólver.
— Não, mas gostaria de falar consigo. Posso convidá-lo para beber?
— Há alguma razão especial? — perguntou Dieter.
— Procuro meia dúzia de homens que saibam manejar um revólver... e creio que nunca conheci um indivíduo que fosse tão rápido e seguro como você.
— Para que procura meia dúzia de pistoleiros? — perguntou Dieter, acendendo um cigarro.
— Há um trabalhinho para eles numa povoação chamada Desolação — explicou o desconhecido. O nome da povoação fez soar trombetas de guerra no interior da cabeça de Dieter Ritter. O Destino tinha--se atravessado uma vez mais no seu caminho.
— Gostaria de saber que espécie de trabalho e também o nome do homem que me pagará. Nunca deixo nada ao acaso — disse tranquilamente, como se aquele assunto não lhe importasse.
— Há que limpar aquela região de mexicanos... e o homem que lhe pagará chama-se Ira Holker; é um «rancheiro» muito importante — respondeu o desconhecido. Ira Holker! Dieter sentiu desejos de gritar de alegria. O assassino de seu pai e do velho Cole Treger continuava a viver e, por uma daquelas estranhas partidas do Destino, precisava de pistoleiros.
— Quem é você? — perguntou o jovem.
— Evan Felter, o capataz de Holker.
Pelos vistos, o assassino tinha-se estabelecido como «rancheiro» com a prata que havia roubado a Ritter e Treger, mas tinha problemas com os mexicanos e precisava de contratar pistoleiros.
— Bem, amigo Felter, aceito o seu convite e no bar falaremos do preço — disse Dieter.
— Ainda não sei o seu nome — salientou Felter.
O jovem pensou que se lhe dizia o nome era possível que Ira Holker se lembrasse do apelido Ritter. Em Dawson, apenas Murray sabia o seu verdadeiro nome; o resto dos habitantes tratava-o sempre por Dieter e pensavam que era filho de Read Cline.
— Chamo-me Dieter, mas toda a gente me conhece por «Pecos» — informou o jovem.
Falaria com Murray para que não dissesse a verdade. O armazenista tinha sido um bom amigo de Read e também gostava do jovem.
— Já tenho contratados cinco homens, «Pecos». Você foi o último — disse Felter.
— Ainda não estamos de acordo sobre o preço que esse tal Holker tem de me pagar — lembrou Dieter, quando entravam no bar.
— Não será difícil — grunhiu Felter.
Os habitantes de Dawson começaram a sair das suas casas para contemplarem o cadáver de Luther Adams, o homem que tinha dito que não existia ninguém capaz de o vencer. ...
E o seu corpo estava atravessado por seis projéteis. Dieter deixou-se convencer facilmente pelo capataz de Ira Holker. O que Felter não sabia era que Dieter estava disposto a dar dinheiro do seu próprio bolso para ir a Desolação.
Dieter não se preocupou com o «rancho» de Read Cline. Nele, tinha ficado António Gonzalez, um velho mexicano, acompanhado dos seus três filhos; eles cuidariam das reses com tanto interesse como ele mesmo.
Naquele momento, Dieter tinha um trabalho muito mais importante que cuidar do gado; tinha de vingar a morte de seu pai e do homem que ele chamava «tio Cole».

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

BIS156.02 Salvo pelo pistoleiro

O rapaz deteve-se diante do assassino e de novo o seu estômago se contraiu, mas conseguiu dominar as náuseas e, passando por cima do cadáver do «apache», parou junto ao corpo retesado de Dobson.
— Arranca-me isto... suplico-te... — arquejou o assassino, enquanto uma espuma sanguinolenta lhe surgia nos lábios.
Restavam-lhe muito poucos instantes de vida e ele sabia-o, mas não queria morrer como uma barata trespassada por aquele longo alfinete «apache».
— És um assassino — disse Dieter.
— Rogo-te... rapaz... foi ideia... de Ira Holker... Ajuda-me...
Os seus olhos perderam o brilho e as suas feições relaxaram-se. Agonizava, mas continuava a segurar entre as mãos a lança que lhe lacerava o peito.
Dieter avançou um passo e com a mão direita quis desprender a arma, mas o «apache» tinha-a enterrado brutalmente e a ponta tinha ficado encaixada numa pequena fenda da rocha.
O rapaz não tinha muita força e, não podendo dispor das duas mãos, não logrou arrancar a lança.
— Uma... vez... vi...
Dieter nunca soube o que Jo Dobson tinha visto. As suas últimas palavras foram afogadas por uma golfada de sangue. O seu corpo contraiu-se e a cabeça descaiu--lhe sobre um ombro; estava morto.
Dieter, com os dentes cerrados, continuou a mover a lança até que a conseguiu desprender, e o corpo do assassino despenhou-se pesadamente. O rapaz arrancou a lança do cadáver e lançou-a o mais longe possível. Em seguida, olhou à sua volta com os olhos avermelhados.
O espetáculo que se oferecia ante eles não era muito agradável.
Seis «apaches» caídos nas mais grotescas posições. Karl Ritter e Cole Treger com os rostos fundidos na camada de pó e areia que cobria o solo do desfiladeiro. Collins e Walter mortos ao pé da grande rocha e, um pouco mais afastado, o cadáver de Joe Siedel.
Por fim, o corpo de Dobson, tombado sobre o cadáver do «apache» que o havia trespassado com a sua lança. Completavam a cena os corpos dos cavalos e da mula.
— É horroroso! — exclamou Dieter, deixando-se cair ao lado do cadáver de seu pai.
Um estranho torpor estava a apoderar-se dele e os corpos dos mortos começavam a mover-se, como se neles ainda existisse vida. Tinha febre e o ferimento do ombro doía-lhe terrivelmente.
Compreendeu que se ficasse ali morreria irremissivelmente.
Com a mão direita, recolheu o relógio de seu pai, a carteira, o cachimbo e a pele de coelho onde o velho Karl tinha desenhado a localização do jazigo mineiro. Em seguida, lançou fora o seu inútil revólver e apanhou o de calibre «45» que Karl não havia chegado a tirar do coldre. O rapaz colocou-o entre a camisa e o cinto das calças.
Levantou-se e foi então que descobriu um dos cavalos dos assassinos. O animal devia estar acostumado aos disparos porque não se tinha praticamente afastado do local. Havia outros cavalos mais distantes, mas Dieter não tinha forças para andar. A febre tinha-se apoderado dele e tremia como uma folha sacudida por um furioso vendaval.
— Um dia regressarei a Desolação para matar Ira Holker, pai — murmurou o rapaz.
Em poucos minutos, Dieter tinha sofrido uma grande transformação. Tinha deixado de ser um rapaz para se tornar um homem. Andando com grande dificuldade, dirigiu-se para o cavalo.
Conseguiu montar, depois de várias tentativas, e segurando-se ao arção com a mão direita golpeou os flancos do animal com os tacões das botas. Afastou-se em direção ao Norte, procurando a corrente do Salt River.
Cavalgava muito inclinado para a frente e cada passada do cavalo causava-lhe dores terríveis. Saiu do desfiladeiro deixando os cadáveres atrás de si, e quando se tinha afastado pouco mais de meio quilómetro os abutres abateram-se sobre os corpos sem vida.
Mas Dieter não os viu. A febre tinha-o deixado à beira da inconsciência e oscilava perigosamente sobre a sela de montar. O instinto do animal levou-o até à água. Faltavam apenas umas vinte jardas para atingir a margem do rio quando Dieter escorregou da sela e rolou pelo solo.
O cavalo afastou-se lentamente na direção da corrente.
O rapaz ficou inconsciente. Nunca conseguiu saber o tempo que permaneceu naquele estado. Quando recobrou o conhecimento era completamente de noite.
A escuridão era completa e no céu não brilhava uma única estrela. Uma suave brisa soprava vinda do Norte e Dieter encheu os pulmões com o ar fresco da noite. Tentou erguer-se. Teve a impressão de que cem garras de puma lhe rasgavam o ombro esquerdo e que uma mão invisível vertia chumbo fundido para dentro da sua ferida.
O seu corpo era uma brasa ardente e os calafrios percorriam-lhe o corpo em todas as direções, fazendo-lhe bater os dentes. Tinha os lábios secos e gretados. A língua parecia ter adquirido o dobro da sua espessura normal e quando um gemido se escapou da sua garganta não reconheceu a sua própria voz. A sede tinha-se transformado num tormento.
Começou a arrastar-se como um verme, fundindo as unhas na terra e deixando bocados de carne e de pele entre as pedras; mas não sentiu qualquer dor por esse facto.
Um instinto desconhecido empurrou-o para a água, e quando chegou à margem do Salt River mergulhou o rosto na corrente e bebeu com avidez, até que os ouvidos começaram a zumbir-lhe.
Ouviu o ruído que o cavalo produzia ao mover-se na sombra e pensou que nunca mais voltaria a montá-lo. Sentia-se desfalecer e os seus olhos não conseguiam divisar nada para além dos dois metros de distância. Ficou estendido ao lado da água, procurando a sua frescura.
Tinha arrepios de frio e, no entanto, a cabeça e o ombro esquerdo ardiam-lhe como se alguém tivesse acendido uma fogueira em cima deles. Perto do amanhecer, ouviu o aulido de um coiote e o piar de uma coruja. Em seguida, mergulhou novamente num longo torpor, muito parecido com a morte.
Foi assim que Read Cline o encontrou duas horas mais tarde, quando se dispunha a atravessar o Salt River para pôr a maior quantidade possível de terra e água entre ele e os três homens que o perseguiam para acabar com ele a tiro e poderem receber os dois mil dólares que ofereciam pela sua cabeça.
Read Cline era um homem alto, seco, de feições angulosas e nariz de ave de rapina. Tinha completado cinquenta anos uns meses antes, mas mantinha-se tão forte como um roble.
Usava calças pretas, •uma labita bastante coçada, da mesma cor, e um chapéu de copa alta com as abas para baixo, segundo o hábito dos quacres. Mas ele não o era. Os quacres não andavam armados e Read, sob a coçada labita, usava um cinturão-cartucheira duplo com os coldres muito baixos e presos às coxas com finas correias de pele. Dois pesados revólveres de calibre «45», de brilhantes coronhas gastas pelo uso, acomodavam-se neles.
No comprido coldre da sela usava uma reluzente «Winchester» modelo «73». Não, Read Cline não era um quacre. Além do mais, em todo o território do Arizona, ofereciam dois mil dólares pela sua cabeça, mesmo que a entregassem separada do tronco.
Read era um pistoleiro e, naquele momento, fugia do território porque estava cansado de matar. Desejava encontrar um lugar seguro onde fosse completamente desconhecido. Uma semana antes, tinha entrado num povoado chamado Red Rock e acabara por ter de matar um homem , mais um a acrescentar à sua longa lista.
Três amigos do morto seguiram a sua pista para tentarem conseguir o que aquele não havia conseguido: receber os dois mil dólares que ofereciam pela cabeça de Read. Este não desejava matar, e como já ia nos cinquenta anos não sentia desejos de glória. Era de opinião que já tinha a suficiente. E era precisamente a sua fama que impelia os outros homens a matá-lo, ou antes, a querer matá-lo.
Read decidiu que fugir não era nenhuma cobardia e que, ao fazê-lo, salvara a vida dos três malditos loucos que se haviam empenhado em receber a recompensa. Mas, ao descobrir o corpo de Dieter, os planos de Read sofreram uma profunda alteração.
Desmontou ao lado do rapaz e voltou-se de boca para cima. Franziu o sobrolho ao descobrir a ferida e, seguindo os costumes de todos os cavaleiros solitários, começou a falar em voz alta, dirigindo-se ao seu cavalo.
— Creio, «Black», que esse rapazinho precisa da nossa ajuda. Houve alguém que lhe fez um buraco na pele e se o não socorrermos morrerá.
O cavalo de Read não pareceu muito interessado naquele assunto porque começou a mordiscar a erva fresca que crescia na margem do Salt River.
— Receio mudá-lo de sítio, pois pode morrer durante a operação — continuou Read, em voz alta.
Levantou-se, e dos seus alforges tirou uma pequena farmácia.
Usava-a sempre, pois durante toda a sua vida houvera ocasiões em que ele tinha sido médico de si próprio. Acendeu uma pequena fogueira, embora soubesse perfeitamente que o fumo atrairia os seus três perseguidores como o mel atrai as moscas.
— Lamento, amigos, mas o rapaz precisa de ajuda. Não posso deixá-lo morrer como um cão abandonado —disse Read, com pena na voz.
Com as suas hábeis mãos, começou a limpar a ferida com água fervida. Fê-lo com grande cuidado para evitar que no seu interior ficasse algum fragmento da camisa de Dieter.
Quando terminou, ligou-a cuidadosamente, e, em seguida, chegou um frasco de uísque aos lábios gretados do rapaz.
— Acho que ainda és demasiado jovem para beber um licor tão forte, mas vai ajudar-te a recobrar o conhecimento — disse, quando Dieter começou a tossir.
Levantou-se e amarrou os dois cavalos, o seu e o do rapaz, ao tronco de um dos salgueiros que se elevavam na margem, e, em seguida, pensando que os seus três inimigos já teriam descoberto o fumo, fez um pouco de café, dizendo:
— Mesmo que apague a fogueira, os três estúpidos que me seguem já devem ter descoberto o meu rasto e obrigar-me-ão a lutar. Ora se tenho de lutar e morrer, é melhor fazê-lo com as tripas quentes.
Read Cline não era um pistoleiro por conta de outrem. Na realidade, nunca tinha querido ser um homem conhecido pela sua fama no manejo das armas, mas o Destino tinha-lhe pregado uma triste partida.
Tudo havia começado quando tinha dezoito anos e matara um conhecido bandido que assaltou o «rancho» de seu pai. Foi um disparo que mudou toda a sua vida.
Matou o bandido por pura casualidade, mas os outros não o entenderam assim; e todos os homens desejosos de ganharem fama dirigiram-se ao «rancho» dos Cline para matar Read. Este teve de defender a sua vida a tiro... e assim começou a sua fama de pistoleiro.
Teve de abandonar o «rancho», esperando que ao mudar de residência o deixassem tranquilo. Mas enganou-se.
A sua fama acompanhou-o por todo o lado, e quando se viu obrigado a matar um xerife que se havia empenhado em demonstrar-lhe que era mais rápido, a sua cabeça foi posta a prémio e converteu-se num fora-da-lei. Read Cline, cuja única ambição tinha sido ser «rancheiro», como seu pai, viu-se obrigado a fugir constantemente e a ser um proscrito por cuja captura, morto ou vivo, se ofereciam dois mil dólares.
Quando Dieter recobrou o conhecimento, descobriu o nariz do pistoleiro muito perto do seu rosto, mas não sentiu qualquer receio porque Read sorria-lhe amavelmente.
— Como te encontras, rapaz? — perguntou o pistoleiro.
— Tenho frio — respondeu Dieter.
— Ainda tens febre — salientou Read, que havia tapado o rapaz com a sua única manta.
— Quem é você? — indagou Dieter.
— Um homem que foge, mas sou teu amigo. Como te chamas?
—Dieter Ritter, senhor.
— O que te aconteceu, Dieter? — perguntou Read, apanhando o frasco de uísque para que o rapaz bebesse outro trago. Dieter contou-lhe tudo o que se passara, sem lhe ocultar nada. Falou-lhe, inclusivamente, no jazigo de prata e mostrou-lhe o plano que seu pai havia desenhado.
— Se regressares agora a Desolação, Ira Holker acabará contigo. Transformaste-te numa testemunha muito perigosa para ele — comentou Read.
— Irei a Phoenix e registarei a mina — disse Dieter.
— Não to aconselho, rapaz. Ao fazê-lo, descobririas a sua localização e uma nuvem de aventureiros, assassinos e canalhas como Holker, caíram sobre a mina... e tu és demasiado jovem para a defender a tiro.
— Que devo fazer, senhor? — perguntou Dieter.
— Esperar. E difícil que descubram a mina de teu pai, e quando fores mais velho já a poderás defender — aconselhou Read, lançando um olhar para o Sul.
Uma pequena nuvem de pó, que se erguia a menos de três quilómetros, indicou-lhe a localização dos seus inimigos. Antes de uma hora tê-los-ia em cima. E ~ente os poderia afastar a tiro. Sabia que perderia miseravelmente o seu tempo se tentasse falar com eles, a pedir-lhes que o deixassem em paz.
— Dois mil dólares e a fama de terem matado Read Cline é algo que não deixarão fugir — murmurou.
— Dizia alguma coisa, senhor? — perguntou Dieter, que havia fechado os olhos.
— Que descanses. Antes que anoiteça far-te-ei um novo tratamento ao teu ferimento — respondeu Read, afastando-se do corpo do rapaz. 
Empunhou a «Winchester» e verificou as munições existentes na câmara. Estava disposto a matar os três homens que o acossavam. Pensou que eles já tinham vivido bastante e que Dieter era ainda uma criança.
— Se eles me matarem, não se preocuparão com o rapaz. Devem estar ansiosos por regressar ao povoado, para mostrarem o meu cadáver e receberem a recompensa. E se levarem Dieter, ele morrerá pelo caminho — murmurou, enquanto se afastava.
O seu sentido de dever impedia-o de abandonar o rapaz. Ainda seriam precisas umas duas semanas até Dieter se achar em condições de cavalgar.
— Creio que apenas eu posso cuidar dele... e já sofreu demasiado durante as últimas horas — disse, ao estender-se por detrás de um grande pedregulho que lhe serviria de parapeito.
Os seus inimigos de momento não tardariam a aparecer e Read preparava-se para lutar. Agora, não ia limitar-se a defender a sua vida, mas também a de Dieter Ritter.
O primeiro cavaleiro surgiu na curva do amplo desfiladeiro que terminava na margem do Salt River. Deteve--se para examinar o terreno que se estendia diante dele. Ao descobrir a fogueira e o corpo de Dieter envolvido na manta, lançou um grito de aviso e os outros cavaleiros apareceram com grande rapidez.
— Parece-me que o facto de acabar com três tipos, que desejam matar-me apenas para receber uns dólares, não será nenhum delito grave. Enojam-me porque são piores que as feras. Estas matam apenas quando têm fome, mas eles querem acabar comigo por dinheiro —
disse Read, como se desejasse justificar-se perante si mesmo.
Manteve-se imóvel, até que o primeiro cavaleiro se encontrou a menos de trinta metros do seu esconderijo. Pôde ver os três rostos contraídos pela cobiça e pelo desejo de matar.
Apesar daqueles três homens terem disparado anteriormente contra ele em duas ocasiões, não quis acabar com eles sem lhes mandar uns tiros de aviso. Fez fogo três vezes consecutivas, com grande rapidez, e o chumbo fundiu-se entre as patas dos cavalos, fazendo que um deles se encabritasse.
— É melhor regressarem ao povoado! — gritou Read.
— Maldito pistoleiro! — exclamou um dos seus inimigos.
Sacou o revólver e disparou contra a pedra que protegia Read. Os projéteis uivaram sinistramente ao ricochetearem e perderem-se no céu sem nuvens. Read, deliberadamente, escolheu o terceiro cavaleiro, o que estava mais afastado.
Aquilo tinha a sua explicação. Se aquele homem conseguisse fugir iria ao povoado e regressaria com outros homens ansiosos de receberem a recompensa. E aquilo não interessava a Read, visto que teria de passar duas semanas ao lado de Dieter, cuidando dele e caçando para lhe proporcionar alimentos. Levantou a carabina com lentidão e apertou o gatilho logo que a silhueta do seu perseguidor ficou no enfiamento da ranhura da alça com o ponto de mira.
O cavaleiro abriu os braços, como se quisesse abraçar a brisa do Norte, e tombou por terra, lançando um grito de morte.
Read baixou um pouco o cano da «Winchester» e, antes que o segundo cavaleiro pudesse fazer fogo com o seu revólver, apertou o gatilho e meteu-lhe um balázio no centro do peito.
O terceiro inimigo saltou do cavalo, no mesmo instante em que o segundo cavaleiro caía entre as patas da sua montada, e correu desesperadamente à procura de um abrigo.
Read disparou e o homem deu um terrível salto. Ainda estava no ar quando um segundo balázio lhe destroçou a cabeça. Read não desejava que os seus inimigos sofressem.
Não sentiu nenhum júbilo nem tão-pouco compaixão quando abandonou o seu parapeito, empunhando a carabina fumegante. Para ele, os três homens que acabavam de morrer eram piores que répteis.
Tinha-os matado por necessidade, para evitar que eles o matassem a ele e, depois, ao levarem Dieter com eles, o matassem também. Isto, na hipótese de chegarem a preocupar-se com o rapaz.
Não o lamentava porque naquela região selvagem, ninguém podia continuar a viver se se deixasse arrastar pelos sentimentos. Já corria um sério perigo ao ficar ao lado de Dieter.
— Mas, neste caso, não posso esquecer-me dos meus sentimentos. O rapaz ainda não começou a viver — disse, a meia voz, enquanto ia em busca dos cavalos.
Lembrava-se que Dieter se queixara que tinha frio e pensou que nas montadas dos seus inimigos encontraria mais mantas e, certamente, algumas provisões.
Não se enganou. Quando regressou ao lado de Dieter, este olhou-o com os olhos avermelhados e perguntou-lhe:
— Era Ira Holker, senhor?
— Não, mas pareciam-se imenso.
— Estão mortos, não é verdade?
— Sim — limitou-se Read a responder, tapando o rapaz com outra manta.
— Não quero que ninguém mate Ira Holker. Hei-de ser eu a matá-lo — assegurou Dieter.
— Sabes manejar uma arma? — indagou Read.
— Não, mas você ensinar-me-á — respondeu Dieter, como se não tivesse qualquer dúvida acerca disso.
O rapaz fechou os olhos e mergulhou num sono profundo.
Duas semanas mais tarde, o pistoleiro e Dieter Ritter atravessaram a corrente do Salt River e cavalgaram na direção do Este.
Dirigiam-se para o Novo México, onde Read poderia viver tranquilo porque ali desconheciam a sua fama... ou pelo menos, era isto o que ele pensava.
Dieter cavalgava à sua esquerda. Tinha perdido o seu pai, mas havia encontrado um excelente amigo. Já não se encontrava sozinho na vida.
 

domingo, 25 de fevereiro de 2018

BIS156.01 Demasiado jovem para odiar

O som produzido pelas ferraduras, ao golpearem as pedras avermelhadas do deserto que se estendia ao norte do rio Gila, alarmou um lagarto quo apanhava sol sobre uma rocha. O animal pareceu indignar-se ao ver que uns intrusos rompiam a sua calma. Olhou-os fixamente através dos seus olhos frios e, apos sacudir a cauda, desapareceu por uma profunda fenda.
Karl Ritter, um velho alemão que se havia mudado para o Arizona durante a sua juventude, levantou o braço direito em sinal de alto. Karl era um homem de cinquenta e seis anos, de estatura mediana, largo de ombros e de rosto corado.
Passou o dorso da mão pela fronte perlada de suor e olhou para o seu amigo e sócio Cole Treger. Este ainda não havia atingido a casa dos cinquenta, mas parecia ter alguns setenta, com o seu rosto sulcado por uma infinidade de rugas.
O terceiro e ultimo membro do pequeno grupo era um rapaz de doze anos, de rosto sardento e cabelos castanhos. Era o filho de Karl; Dieter Ritter. Os dois homens e o rapaz atravessavam o deserto de Sul para Norte, procurando a corrente do Salt River para seguirem depois o seu curso até Phoenix.
Uma semana antes, haviam saldo de um povoado situado a Oeste da «Meseta do Intrometido», levando à arreata duas mulas carregadas de prata. Dirigiam-se para a capital do território do Arizona para registarem a mina que tinham descoberto. O povoado chamava-se Desolação e o nome havia sido escolhido com pouco acerto.
— Tenho a impressão de que alguém nos vem a seguir desde que saímos de Desolação — disse Karl Ritter, apoiando uma mão sobre o ombro de seu filho.
— Ira Holker tinha muito interesse em saber a rota que íamos seguir — comentou Cole, começando a procurar nos bolsos um resto de tabaco. — E em descobrir a localização do nosso jazigo acrescentou Karl, carregando o seu velho cachimbo.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

BIS156. Assassinos contratados

(Coleção Bisonte, nº 156)


O miúdo tinha apenas doze anos quando, numa deslocação à cidade para registo de uma mina de prata, o pai foi assassinado por um proprietário invejoso acompanhado de vários arruaceiros.
Quando se lembraram de fazer o mesmo ao miúdo para não serem acusados, foram atacados por um grupo de apaches e, na refrega, os contendores dizimaram-se uns aos outros o que resultou na fuga do cabecilha do assassinato e no ferimento da criança. Esta acabou por ser encontrada por um pistoleiro errante que o curou e preparou para a vida.
A ideia de vingança nunca desapareceu da sua cabeça e um pretexto aconteceu quando alguém que viu a sua rapidez com as armas o contratou para um trabalhinho na sua terra natal: Desolação. Na origem de tal contrato estava o cabecilha do assassinato. Assim, um dia, integrado no grupo de seis assassinos contratados regressou à sua terra... não para realizar o que o patrão queria, mas... para consumar a sua vingança...
Henry Keystone... 108 registos em Portugal dos quais uma massiva maioria através da APR. A trama é interessante, embora pareça que o autor tenha facilitado muito o caminho à personagem central até este conquistar a bela e ardente Mercedes Lanuza.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

PAS855. Marcado por uma serpente ondulante

As palavras de Craig ressoaram fortemente entre o grupo de homens que presenciara o assassínio do xerife.
O condutor da diligência, que ainda empunhava o seu comprido chicote, afastou-se rapidamente dele e encostou-se à caixa do velho e escangalhado veículo.
— Quem és tu? — perguntou Buck, olhando friamente o homem que se atrevia a enfrentá-lo.
Os seus olhos cruéis iluminaram-se ao ver que o seu possível inimigo estava desarmado e que, portanto, não podia ser muito perigoso.
— Um homem que não gosta de fanfarrões nem de assassinos.
— É muito fácil dizer isso quando se está desarmado. Se alguém te emprestar um revólver não me importo de te ouvir — respondeu Buck, dando um passo para diante, disposto a afastar-se.
Mas a mão de Craig fechou-se à volta do seu braço e obrigou-o a parar.
— Não trago armas porque se as trouxesse teria de matar muitos tipos da tua espécie.
Buck meteu os polegares no cinturão, soltou uma grande gargalhada e olhou ironicamente para Craig.
— Já sou crescidinho para ter medo. Decerto és o perigoso Craig Larsen — observou assim que pôde conter o riso.
Todos os presentes olharam para Craig, pois eles sabiam perfeitamente que Buck acertara e esperavam a reação do homem que, apesar de estar desarmado, não temia o assassino.
— Sou Craig Larsen.
O sorriso irónico desapareceu, do rosto de Buck ao ouvir aquela afirmação e os polegares saíram do cinturão e foram apoiar-se nas coronhas dos «Colts».
Sabia que o homem que se encontrava diante de si não gracejara, mas os seus olhos interrogaram os outros que permaneciam junto da diligência.
- E Craig Larsen — disse o cocheiro.
— Ouvi falar muito de ti na cadeia de Denver — disse Buck, com ar amistoso.
— Em troca eu nunca ouvi pronunciar o teu nome, Buck. Apenas hoje... e ainda bem, pois é sempre desagradável conhecer um cobarde assassino.
Buck encaixou o insulto, enquanto o seu cérebro procurava pensar. Tinha de matar Craig, embora este não trouxesse armas. O nome de Buck Morrow correria por todo o estado e tornar-se-ia famoso como o homem que acabara com o invencível Larsen. E ninguém se deteria a pensar que Craig estava desarmado.
As palmas das suas mãos fecharam-se sobre as coronhas dos dois «Colts» e os seus olhos semicerraram-se até ficarem convertidos em estreitas fendas onde brilhava a maldade.
Craig adivinhou a intenção do seu inimigo. Olhando diretamente aqueles alhos, saberia quando Buck sacaria. Era um velho truque que todos os pistoleiros conheciam.
No momento em que do cérebro de Buck brotou a ordem de mover as mãos, Craig deu um salto de lado e com um brusco puxão arrancou o chicote da mão do cocheiro.
A comprida tira de couro entrançado ficou estendida no pó da rua principal como uma grande cobra que descansasse ao sol. Craig empunhava firmemente o cabo curto e quando os pesados «Colts» 45 apareceram nas mãos de Buck o chicote silvou no ar.
A comprida serpente de couro estalou e a ponta chumbada atingiu Buck entre os olhos, cegando-o momentaneamente, e tornou inofensivos os dois projéteis que saíram das suas armas.
Craig volteou o chicote por cima da cabeça e a tira de couro enrolou-se no pulso direito do assassino e arrancou-lhe o «Colt» da mão.
Quando Buck procurou reagir era tarde. O chicote, manejado pelo braço potente de Craig, arrancara-lhe o outro revólver.
— Vou dar cabo de ti, Buck — disse Craig, serenamente. — Chicotear-te-ei até enlouqueceres de dor ou de medo.
Buck quis agarrar o couro entrançado, mas Craig foi muito mais rápido e a ponta chumbada traçou um profundo e sangrento sulco na face do ex-presidiário de Denver.
Outra chicotada rasgou-lhe a camisa e a carne do peito. Outra arrancou-lhe um bocado da orelha e Buck começou a gritar.
Craig continuou a golpear até que a camisa do assassino do xerife ficou convertida numa massa de roupa rasgada e sangrenta.
— Vai matá-lo! — murmurou o cocheiro, que conhecia perfeitamente os efeitos do chicote.
— Não merece outra coisa — respondeu-lhe o homem que estava a seu lado. — Encontrou a forma do seu sapato.
Buck saltava de um lado para o outro, procurando fugir daquela serpente de couro que se lhe enrolava no corpo e lhe arrancava tiras de pele.
Gritava, suplicava e gemia, mas o chicote continuava a abrir-lhe sulcos no corpo. Tinha os olhos inchados, as faces e a testa cheias de sangrentos traços e já não era o arrogante pistoleiro que assassinara um xerife a sangue-frio.
Ao ver que não conseguia fugir ao duro castigo, encolheu-se para oferecer menos alvo, enquanto com os braços procurava defender o rosto.
Craig deixou o seu inimigo respirar uns momentos. Não queria matá-lo, mas sim dar-lhe uma sova da qual lhe ficassem sinais durante toda a vida... e já o conseguira.
— Não é muito fácil acabar comigo, Buck. Deviam ter-te informado disso.
Buck gemia como um garoto assustado. Todas as suas roupas se encontravam rasgadas e as feridas abertas pelo chicote cobriam até as suas mãos assassinas.
Ao ver que Craig deixara de açoitá-lo, fez uma última tentativa para fugir e, esquecendo-se da sua fama, deitou a correr.
A ondulante serpente de couro silvou novamente e Buck sentiu que qualquer coisa se lhe enrolava na garganta, produzindo-lhe uma forte queimadura.
Abriu a boca para procurar o ar e um violento puxão fê-lo cair de joelhos no pó.
Craig moveu o pulso e o chicote desenroscou-se da garganta de Buck.
Este apresentava um aspeto lamentável. Ajoelhado ao meio da rua, junto do cadáver de Bremer, com as mãos a cobrirem-lhe o rosto, parecia um enorme sapo humano.
— Toma — disse Craig, entregando o chicote ao cocheiro — e providencia para que as tuas mulas não se envenenem com o sangue deste cobarde.
Ao passar pelo derrotado Buck, empurrou-o com o pé e fê-lo cair de bruços no solo. Depois afastou-se em direção ao «saloon».
— Esta correia corta como uma navalha de barba —disse o cocheiro, olhando o chicote —. e Buck, se sair com vida, vai estar de cama um mês.
— Não teremos tanta sorte — comentou um mineiro.
O corpo de Alfred Bremer foi recolhido por alguns homens e o do seu assassino ficou no pó da rua.
Buck não perdera os sentidos, embora todo o corpo lhe ardesse. Assim que verificou que todos os homens se tinham afastado, pôs-se penosamente em pé e, cambaleando como um bêbado, começou a andar.
Por duas vezes tropeçou e caiu, mas finalmente conseguiu chegar à parede e encostar-se a ela. Por fim, deixando atrás de si um rasto de sangue, dirigiu-se para uma cabana situada fora da povoação, junto da qual tombou.
Um homem saiu da miserável cabana e arrastou-o para dentro, fechando a porta para evitar olhares curiosos.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

PAS854. Um xerife marcado para morrer

O xerife Alfred Bremer prendeu a brilhante estrela no colete de pele. Era um acto que praticava todas as manhãs e que se repetia havia quinze anos, mas o xerife de Sparkville não ignorava que aquele era o último dia em que o realizava.
Meia hora depois chegaria a diligência procedente de Denver e tudo estaria terminado.
Abriu uma gaveta da secretária e tirou um «Smith & Wesson» de calibre 45.
Sem pressas, como se estivesse a realizar um acto de grande importância, verificou o seu perfeito funcionamento.
Por seis vezes consecutivas deixou cair o percutor sobre o cilindro vazio. Só então extraiu seis projéteis do seu cinturão-cartucheira e começou a carregar a arma.
Meteu-a no coldre e assegurou-se de que saia sem dificuldade. Olhou à sua volta e saiu para a rua.
Fechou a porta à chave e atravessou a rua com passo lento, mas firme e seguro.
A povoação de Sparkville encontrava-se situada junto do rio Arkansas, na margem esquerda e no meio das Montanhas Rochosas.
Os invernos eram muito duros em Sparkville e não existia nem gado nem agricultura. Todas as fontes de receita dos seus habitantes provinham da mineração e das peles.
Uma mina de ouro, uma refinaria de produtos auríferos e outras três minas improdutivas constituíam toda a riqueza mineira da povoação.
Quatrocentos homens trabalhavam na única mina produtiva. Viviam na povoação com as suas famílias e somente desejavam economizar uns dólares para fugirem de Sparkville.
O xerife Bremer entrou num dos dois «saloons» que existiam na terra, aproximou-se do balcão e encostou-se a ele.
— Olá! — disse ao rapaz que limpava os copos.
— Bons dias, xerife. Uísque? — perguntou o jovem.
— Não. Toma a chave do escritório. Se me acontecer alguma coisa, entrega-a ao juiz. Outro ocupará o meu lugar.
— Que lhe pode acontecer? — perguntou o rapaz, olhando fixamente para o xerife.
Este era um homem de mais de cinquenta anos e tanto o seu cabelo como o seu bigode tinham uma cor grisalha. Nos olhos lia-se-lhe enorme cansaço.
— Uma coisa apenas, Roy: matarem-me -- respondeu o xerife com um triste sorriso.
O rapaz pegou na chave que lhe entregava o xerife e uma estranha sensação de angústia se apoderou de si quando o representante da Lei deixou o «saloon».
Alfred Bremer viu as horas no seu velho relógio de bolso e murmurou:
— Ainda falta um quarto de hora...
Levantou a vista para o céu e sorriu ao ver que este se apresentava limpo e que o sol começava a aquecer. Estavam nos princípios da Primavera e a vida começava nas montanhas.
O xerife desceu a rua principal e dirigiu-se diretamente para os escritórios da «Wells Fargo».
Antes de chegar cruzou-se com um numeroso grupo de mineiros e alguns deles cumprimentaram-no amigavelmente.
Bremer correspondeu ao cumprimento e continuou o seu caminho para a paragem das diligências.
Ao chegar encostou-se a um poste e com mão firme começou a enrolar um cigarro.
— Bons dias, xerife. Espera algum amigo?
Bremer fitou o homem que lhe fizera a pergunta. Era Alvin Ruel, o dono do único armazém de Sparkville.
— Olá, Alvin. Sim, estou à espera de um amigo... de um velho amigo.
— Já vendi quase toda a existência e quero fazer uma nova encomenda para Pueblo.
Todas as provisões consumidas na povoação eram compradas na localidade de Pueblo e transportadas em pesados carroções.
Bremer recordava-se de que durante alguns invernos a comida escasseara e todos os habitantes de Sparkville tinham passado fome. Os caminhos, no Inverno, ficavam sempre bloqueados pela neve.
— Mas agora estamos na Primavera — murmurou.
— Disse alguma coisa, xerife? — perguntou Alvin.
— Não, apenas que está um lindo dia.
— Tem razão. Com certeza tem havido poucos como este durante os seus 'quinze anos de xerife, não é verdade?
— Poucos... e como este nenhum.
— Conheço o seu amigo, xerife? — perguntou Alvin, que como bom comerciante que era não podia estar muito tempo calado.
Alfred Bremer desejava estar só e recordar algumas coisas do seu passado. Por isso, respondeu:
— Sim, conhece-o. É Buck Morrow.
A cara de Alvin passou por uma brusca transformação. As suas feições pareceram ficar geladas e o sorriso que se lhe esboçara nos lábios converteu-se numa careta.
— Mas esse homem jurou que assim que saísse da cadeia o mataria! — conseguiu dizer por fim.
— Precisamente por isso estou aqui à espera. Há dez anos que o prendi por ter assaltado o Banco de Sparkville e agora regressa para me matar... e não posso permitir que ande à minha procura todo o dia ou que me espere a uma esquina e dispare contra mim. Não concorda, Alvin?
— Sim... claro... enfim, como a diligência ainda demorará vou dar uma vista de olhos ao armazém. Até logo, xerife.
Bremer viu Alvin afastar-se rapidamente e não pôde evitar um sorriso.
O nome de Buck Morrow bastava para afastar os curiosos. Buck era um perigoso pistoleiro e somente regressava a Sparkville para matar o homem que o prendera.
Bremer perdera muitas faculdades durante os dez anos que Buck permanecera encarcerado. Até mesmo a vista já não era tão boa, e quanto à sua rapidez com os revólveres não tinha ilusões.
Buck era um pistoleiro profissional e mais ainda: um assassino frio e sem sentimentos. Sentiria verdadeiro prazer em disparar contra o xerife.
«Quando um homem se toma velho tudo são dificuldades», disse Bremer de si para si.
Quinze anos atrás, quando Sparkville não passava de um pequeno grupo de casas erguidas caprichosamente, chegara ali ele. Bom atirador, dispunha de merecida fama como representante da Lei... mas os anos tinham passado e cada um deles pesava-lhe agora sobre os ombros.
O xerife deitou fora o cigarro meio consumido e durante uns instantes esteve a observar o fumo que se erguia para o céu.
Depois desviou a vista e fixou-a no poeirento caminho que conduzia a Denver, e a nuvem de pó que descobriu deu-lhe a conhecer que a diligência estava a chegar.
Alguns homens foram aparecendo, mas nenhum se aproximou de Bremer. Todos sabiam que esperava Buck e não queriam estar perto quando as balas varressem a rua.
A diligência, puxada por seis mulas, entrou na povoação no meio de um barulho ensurdecedor. Gritos do cocheiro, matraquear de rodas e estrépito de cascos.
Rangendo com fragor, deteve-se diante dos escritórios da «Wells Fargo».
No mesmo instante em que parava, Alfred Bremer descobriu Craig Larsen.
Este encontrava-se encostado ao outro poste e tinha as mãos metidas nas algibeiras das calças. Vestia completamente de cinzento, exceto o chapéu, que era preto... e não trazia armas.
Não podia usá-las. Era um perigoso pistoleiro que fora perseguido pelos xerifes de diversos condados. Quando o Colorado passara a fazer parte da União, em 1876, o governador do novo estado indultara-o, mas com a condição de não usar armas... e Craig Larsen cumpria a palavra dada. Fora indultado havia quatro meses e ninguém o vira empunhar um «Colt».
«Deve ter vindo ver matarem-me», pensou Bremer, e durante uns segundos ficou a pensar nas pesadas ironias do destino.
Ali estava Craig Larsen, um dos melhores pistoleiros do Oeste, sem armas... e ali estava ele, armado, mas sem rapidez para sacar.
«Poderíamos trocar...», continuou a pensar, e a ideia deu-lhe vontade de rir.
O primeiro a descer da diligência foi o cocheiro, que imediatamente abriu a porta para que os passageiros descessem.
Apeou-se uma mulher de certa idade, depois um empregado da «Wells Fargo», um técnico da Companhia Mineira e o último foi Buck Morrow.
Era um homem de trinta e quatro anos, de compleição robusta e rosto frio e repulsivo. Possuía feições corretas, mas prejudicadas pelos olhos, cruéis, de assassino sem entranhas.
Um profundo silêncio reinou diante dos escritórios da Companhia «Wells Fargo»... o silêncio que se guarda num enterro.
O primeiro a quebrá-lo foi o próprio Buck. Aproximou-se do xerife, que ainda continuava encostado ao poste, parou diante dele e disse:
— Olá, Bremer. Estivemos muito tempo sem nos vermos.
Tinha voz rouca e sem tonalidades agradáveis. As suas mãos encontravam-se muito perto dos coldres dos dois «Colts». Todo o seu aspeto era ameaçador, mas Bremer pareceu ignorá-lo quando respondeu:
— Sim, mas não o suficiente.
— Que queres dar a entender com essas palavras?
— Muito simples, Buck: que precisarias de estar outros dez anos na cadeia para aprenderes a ser uma pessoa decente.
O pistoleiro sorriu sinistramente ao replicar:
— Mas ficaste com os desejos, Bremer. Estou aqui e não me irei embora enquanto não realizar um pequeno trabalho.
— Não posso correr contigo da povoação, pelo menos por ora. Mas assim que cometeres um delito dentro da minha jurisdição, fica certo de que o farei.
— Não o farás, Bremer. És muito velho e falta-te a coragem.
— Não experimentes, Buck. Nós, os velhos, temos um grande defeito. Como já não esperamos muito da vida, estamos prontos a jogá-la numa só cartada.
— Bater no xerife é crime? — perguntou ironicamente Buck.
— Ë.
— Nesse caso, já podes prender-me — replicou o pistoleiro, batendo no rosto de Bremer com o punho fechado.
A pancada foi suficiente para que o xerife caísse de bruços no solo.
Pôs-se em pé devagar, ao mesmo tempo que dizia:
— Buck, estás preso até que o juiz Zachary te julgue.
O pistoleiro começou a rir estrepitosamente e as suas mãos sacaram os dois «Colts», que disparou acto contínuo contra o xerife.
Este recebeu o primeiro projétil no ombro esquerdo, o segundo no peito e o terceiro no ventre.
De novo foi ao solo e o seu corpo estremeceu devido às balas que continuavam a atingi-lo.
Quando Buck se cansou de disparar virou-se para os presentes, empunhando os «Colts» fumegantes e com o desejo de continuar a matar refletido claramente nos olhos frios:
— Alguém tem alguma coisa a dizer?
Ninguém respondeu e a maioria dos homens pousaram os olhos na ponta das botas. Buck era perigoso... e um assassino.
Somente o desarmado Craig Larsen se moveu. Devagar, afastou-se do poste a que estava encostado e inclinou-se sobre o corpo do xerife Bremer.
Este ficara estendido de cabeça para cima e as suas roupas estavam completamente empapadas do sangue que lhe brotava das feridas.
Procurou sorrir ao ver Larsen a seu lado, e embora um véu começasse a toldar-lhe os olhos, reconheceu o único homem que se atrevera a aproximar-se do corpo de um moribundo.
— Olá... Craig... Eu sabia... que ia— acontecer... isto.
— Posso fazer alguma coisa por si, xerife? — perguntou Craig, levantando a cabeça de Bremer.
— Não... nada... Os velhos... não deviam lutar... com os novos.
Craig Larsen sentiu que a cabeça do xerife Bremer se tornava rígida e viu-a pender para um lado. O xerife Alfred Bremer estava morto.
Com todo o cuidado, encostou a cabeça grisalha no pó que cobria a rua e, pondo-se em pé, colocou-se diante de Buck, que já metera os revólveres nos coldres, depois de os carregar.
— Eu tenho qualquer coisa a dizer.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

BIS155. Homens marcados

(Coleção Bisonte, nº 155)

Poderá um homem indultado, proibido de usar armas, vir a ser convidado para xerife numa cidade do Oeste? Isso aconteceu em Sparkville, cidade onde o juiz Zachary, homem de coragem, que se deslocava em cadeira de rodas, fazia todos os esforços para fazer respeitar a lei. Foi essa a solução que encontrou depois de o xerife Bremer e sucessivamente os seus ajudantes Jimmy e Willy terem sido assassinados.
Este livro de Henry Keystone tem uma certa graça no início como o demonstram as passagens que vamos deixar, perdendo-se depois numa espécie de história sem rumo.

 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

PAS853. Um ajudante de xerife qoe gostava de cavalgar

Kild Janos, o ajudante do xerife, era um mocetão ágil e forte. O seu passatempo predileto consistia em andar a cavalo e o pessoal dos «ranchos» ou os cavaleiros que demandavam a cidade encontravam-no a cavalgar sozinho pela pradaria plana, que os raios do sol queimavam ao atingir a força máxima do seu esplendor.
Aquele que vive no Oeste está sujeito às suas leis naturais, que ninguém criou, ou melhor, foram o fruto de uma existência árdua e rude. Assim, se um «rancheiro» pensa admitir um vaqueiro hábil a montar para conduzir o gado, ao perguntar-lhe: «Você sabe montar»? — o outro não vai responder afirmativamente e tecer elogios à sua perícia. Limitar-se-á a dizer, modestamente: «Não custa nada experimentar. Pode ser que eu dê um jeito» — ou então: «Talvez. Se me der licença vou experimentar» -- e o «rancheiro» sabe automaticamente que tem um bom cavaleiro, porque este não se vangloria da sua habilidade hípica. Se, ao invés, o candidato a empregado respondesse: «Se monto?! Sou o melhor cavaleiro desta região!» — então o padrão voltar-se-á para o seu pessoal, dizendo: — «Hem, rapaziada, até que enfim encontrámos um que sabe montar! Tragam o cavalo» — e o cavalo que eles iam buscar era, certamente, um alazão bravio ou ainda não domesticado, sendo certo e sabido que o vaqueiro não se aguentaria muito tempo na sela, acabando por morder o pó, provocando o gáudio dos circunstantes. Em Enid era assim! Cada região tem as suas leis e costumes diferentes, que se modificam de uma terra para outra. E por isso que, sempre que um forasteiro chega a um povoado à procura de trabalho, informa-se imediatamente dos seus usos.
Kild Janos era capaz de montar qualquer cavalo, com ou sem sela. Inúmeras vezes ia até aos «ranchos», quando sabia que lá queriam domesticar um potro selvagem, saindo sempre vencedor. Por este facto era bem conhecido pelo pessoal das fazendas. Mal apanhava um espaço de tempo livre, montava no «Judy» — nome que dava ao cavalo — e saía da cidade. Costumava ir ao Monte Escarpado, elevação rochosa de onde se divisava uma bela paisagem. Enquanto «Judy» ficava livremente a mordiscar as ervas, nada tenras, que cresciam por entre as fragas, Kild escalava a rocha até atingir a crista, onde ficava sentado, a contemplar o espetáculo impressionante e angustioso, que a Natureza oferecia aos seus olhos. A terra era estéril e pedregosa, sem vegetação de qualquer espécie, parecendo ter sido calcinada por um fenomenal incêndio, até próximo da cerca, lá muito ao fundo, que demarcava o «rancho» de Burt Sullivan.
Paradoxalmente, as terras de Sullivan eram produtivas e fartas. Este milagre, quase lhe podemos chamar assim, era devido à circunstância feliz de naquela propriedade existir uma nascente de água que brotando da rocha lá ia, pela terra fora, engrossando sempre, passando para outras fazendas, marginada por ulmeiros e algodoeiros que, vistos daquele ponto altaneiro, definiam as voltas graciosas do ribeiro.
Boggy — nome de batismo do ribeiro — possuía o dom de fertilizar as terras por onde passava. Por sua causa, logo depois da «Corrida» e da atribuição dos lotes aos futuros proprietários, surgiu um conflito que não degenerou em guerra aberta entre os fazendeiros, porque um tal Green se meteu de medianeiro para resolver o problema.
Tudo começou por Burt Sullivan querer impedir que a nascente de água que brotava nos seus domínios passasse para as terras dos outros. Green, de quem ainda alguns se lembravam, não conseguiu às primeiras convencer o casmurro Burt que se o ribeiro nascia na sua propriedade também podia ter nascido noutra qualquer e ele então ficaria na situação dos outros «rancheiros».
Sullivan só amansou quando Green o ameaçou que ia pedir a intervenção do Governo para resolver o litígio e ele podia ser expropriado da propriedade. Desde essa altura, ninguém voltou a incomodar-se com o Boggy e este continuava a correr livremente pelo seu leito já talhado no solo. Green era barbeiro, mas, meses mais tarde, constando-se a descoberta de ouro mais ao Sul, para ali foi, como espécie de garimpeiro, nunca mais regressando a Enid. Para lá do ribeiro, a campina verdejante estendia-se até se confundir com o horizonte.
Quando não ia para o Monte Escarpado, Kild atravessava a propriedade de Sullivan, para se deitar sobre a relva macia, debaixo de uma árvore. Descalçava as botas e ria sozinho, visto as ervas fazerem-lhe cócegas. Outras vezes, ia visitar o velho Howell.
Howell era uma espécie de ermitão, que vivia completamente só, numa barraca em ruínas na pradaria, descendo muito raramente à cidade. Passavam-se muitos meses sem que ninguém o visse. Os «rancheiros» estimavam-no e mandavam-lhe presentes — géneros alimentícios — pelos seus empregados. Desta maneira o velho vivia, sem dinheiro, mas com a mesa farta.
Antes, muito antes, de Enid nascer, quando aquela terra era denominada no mapa por Território Cherokee, zona dos índios «cherokee», Howell fora destacado para ali, trabalhava nos Correios, para guardar uma muda. Ele próprio dirigira a construção daquele barracão e, quando os três operários se foram embora, ficou s6 com a companhia dos quatro cavalos. Todas as semanas vinha um estafeta, transportando a mala do correio, que se demorava cinco minutos com Howell, bebendo um trago, partindo logo depois noutro cavalo em cavalgada endiabrada pela planície fora. Howell tinha nessa altura trinta e cinco anos. O cavalo cansado e suado era tratado e ficava três semanas a descansar, enquanto não chegava novamente a sua vez para mais uma corrida esfalfante, até à muda mais próxima, que distava umas boas dezenas de quilómetros. Howell soubera granjear a amizade dos índios, únicos seres viventes em muitas léguas em redor.
O grande «Chefe Cherokee» visitava-o amiudadas vezes e levava--lhe presentes. Chamava-lhe «o rosto-pálido amigo». Uma vez levara-lhe uma mulher, tornando-a sua serva. A índia era ainda nova e bonita. Howell, a muito custo, visto que para ela era uma honra habitar servilmente com o «rosto-pálido» amigo do Grande Chefe, conseguiu fazer-lhe entender que lhe restituía a liberdade e que, por isso, eras urna mulher livre, podendo ir paz aonde muito bem lhe apetecesse. Ela, porém, não o abandonou, continuando pela vida fora a ser sua mulher até que a doença, numa noite triste, a vitimou. Howell havia encontrado nela a compreensão, humildade e lealdade que muitas mulheres brancas não sabem dar.
Assim que o Território Cherokee foi comprado pelo Governo americano e os índios retrocederam para outras paragens, sendo substituídos pelos brancos que, como feras esfaimadas, vieram por ali abaixo na mira de ocuparem os melhores talhões, Howell não ficou radiante, como se possa supor.
Depois de muitos anos a falar a língua índia, quase não se lembrava já da sua fala de origem, e não era só isso, os seus hábitos, os seus costumes incompatibilizavam-no com os da sua raça. Howell não era já aquele moço decidido e vigoroso, de compleição atlética, de trinta e cinco anos. Tinha engordado, a pele encarquilhara e cansava-se rapidamente.
Começou a constar-se que os Correios iam acabar com os estafetas e as mudas nas terras onde houvesse serviço de transportes, sendo este pessoal desocupado empregado nos escritórios centrais. Howell descreu deste boato. Mas, uma manhã, pelo meio-dia, estava ele ocupado em distribuir a ração habitual pelos solípedes, quando o chamaram de «mister» Howell! Dois cavaleiros já de meia idade identificaram-se como pertencendo aos Correios. Howell acompanhou-os numa rápida visita de inspeção ao barracão e, no fim, «os dois senhores» disseram que estavam incumbidos de transmitir uma noticia ao pessoal. O velho ficou em suspenso. As mudas iam ser extinguidas e o pessoal aproveitado nos escritórios ramificados por todas as cidades. Brevemente viria alguém buscá-lo e aos cavalos.
— E o barracão? — perguntara o velho.
Os dois homens encolheram os ombros depreciativamente.
— Ficará para aí. Nem vale o trabalho de ser destruído. Não tarda que caia de podre!
Foram-se embora. Howell debatia-se num dilema. Ou abraçava um futuro incerto, nada promissor na sua idade, indo para a cidade trabalhar nos escritórios, ou ficava ali para sempre, à espera da sua hora, naquele barracão onde tinha vivido desde os trinta e cinco anos. Optou pela segunda hipótese e quando veio outro homem buscar os solípedes, disse-lhe que se despedia e ficaria ali.
As economias amealhadas durante o longo tempo do seu serviço deram-lhe para se governar por um ano. Mas quando acabaram, compreendeu que lhe restava morrer de fome. Isto teria acontecido se os «rancheiros» da região, ajuizando das suas dificuldades, não lhe tivessem valido.
E assim vivia o velho, naquela existência sem brilho, apegado àquele barracão de madeira apodrecida e aos trastes velhos do interior, que muitas recordações lhe guardavam.
Quando Kild o ia visitar, vinha recebê-lo à porta com as suas compridas barbas brancas, os olhos encovados, agarrado a um cajado, vestido de trapos, ou roupas desmedidamente grandes que o pessoal dos «ranchos» lhe dava. Sentavam-se os dois no chão à entrada a conversar, embora o Howell fosse de pouca e soturnas palavras. Mas um cigarrito dado por Kild humanizava-o um pouco.
O ajudante do xerife gostava de o ouvir. O velho era sincero e contava-lhe pormenores da sua vida e, às vezes, escapava-se-lhe dos lábios um triste comentário à sua presente situação, ou à ocupação pelos brancos daquele território índio, o que ele não aprovara. Os índios eram seus amigos e não concebia que os tivessem escorraçado dali. Quando se retirava, Kild Janos deixava-lhe sempre uns cigarritos e uma onça de tabaco para cachimbo comprado propositadamente na cidade.
Presentemente, porém, Kild não se dirigia para o Monte Escarpado, nem se deitava sobre a relva viçosa e muito menos ia visitar o velho Howell. Quando saia da cidade, levava um rumo definido. Esse secreto destino das suas saídas tinha um nome de gente. Ana Mattox Bronco!
A filha mais velha do xerife era já, com as suas dezasseis primaveras, uma bela mulher. Possuía os mesmos olhos do pai, o mesmo nariz e a mesma cor do cabelo. Eximia amazona gostava, também, de passear a cavalo. Montava quase sempre o «Tristão», bonito potro malhado.
Kild vira-a pela primeira vez, num pôr do sol. Cavalgava velozmente pela pradaria, incitando com gritos a montada, e o vento modelava-lhe o busto na camisete e fazia-lhe esvoaçar os cabelos. Kild Janos ficou parado, estupefacto, soprando o pó que os cascos do cavalo dela levantavam. Depois, cedendo a um impulso instintivo, esporeou o «Judy», correndo atrás da amazona. Se «Judy» era Veloz, «Tristão» não cedia terreno; se Janos era o melhor cavaleiro da região, Ana não tinha confronto entre as mulheres que montavam.
Deste duelo impressionante — subiam montes, desciam desfiladeiros, pulavam cercas, serpenteavam junto ao Boggy — resultou a derrota daquele que partira atrasado: Kild!
Pressentindo ser seguida, Ana olhara para trás avistando aquele cavaleiro curvado sobre a montada, interrogara-se sobre este procedimento e, compreendendo o desafio, sorriu vitoriosa. Será que entre um ser humano e um cavalo pode haver transmissão do pensamento por telepatia? O certo é que «Tristão» compreendeu também o repto e aumentou de velocidade. Devia estar na base deste entendimento o apertão das pernas de Ana. Depois de uma meia hora de corrida, sem que a distância que separava os dois diminuísse ou aumentasse, a amazona parou, não tardando que Kild se lhe juntasse.
— Tem uma boa montada, menina. Eu e «Judy» coramos de inveja! Sou Kild... Kild Janos, o ajudante do xerife.
— Meu pai...
— Meu pai...
— Meu pai... é o xerife!
Estas tinham sido as suas primeiras palavras... e é de adivinhar a atrapalhação de Kild. Desde esse pôr do sol, encontravam-se regularmente, sem que o pai, chefe de Janos, desconfiasse sequer daquele conhecimento. Cedo Ana e Kild compreenderam que se amavam. E então, o jovem começou a tomar conhecimento do que se passava em casa da noiva, pelas suas próprias palavras.
Ana Mattox era esperta e percebera, apesar do mutismo do pai, que as coisas no «rancho» não corriam bem. Artur, o capataz, desinteressava-se. Duas vezes fora apanhado a dormir e outras tantas a jogar às cartas com o pessoal. E as colheitas perdiam-se, o gado morria e a madeira das construções — casa, celeiro, estábulo, oficina — apodrecia.
Os únicos capazes de endireitar aquilo eram o próprio dono, Jefferson, mas esse via o seu tempo tomado pelos afazeres da profissão, ou Kild Janos, o seu jovem ajudante, homem novo, mas conhecedor de todos os trabalhos concernentes a um «rancho», possuindo ainda o vigor e energia dos vinte anos. Ana sabia que assim era e por isso pedia-lhe que falasse ao pai, visto que ele mais cedo teria de ser sabedor.
Kild, porém, temendo uma desilusão, adiava consecutivamente esse momento e interrogava-se: «Qual será o conceito que o velho tem por mim»?
Naquele dia, depois de se avistar uma vez mais com Ana prometera-lhe, jurando que falaria com o pai. Regressou ao povoado com esta determinação teimosa: «Algum dia terá de ser!» — confortava-se.
Desmontou à porta da Delegacia e foi encontrar o xerife dormitando, sentado na cadeira da secretária, com as mãos cruzadas sobre a barriga. Chamou-o:
—Xerife!
Bronco não se moveu e respondeu-lhe:
— Não estou a dormir, rapaz! Penso.
Kild olhou sério para o chefe e percebeu que, parecendo dormir, este observava a porta da entrada, com os olhos semicerrados.
— Onde foste?
— Vinha falar-lhe à cerca disso, chefe!
Jefferson sobressaltou-se. Teria Kild arranjado melhor emprego e desistira de ser seu auxiliar? O rapazote não valia grande coisa, essa era uma verdade, só pensava em passear e folgar. Quanto ao serviço, bem, que diabo, com isso não se preocupava ele, mas habituara-se a tê-lo com a força dos seus vinte anos. Bronco remexeu-se na cadeira e endireitou-se:
— Sabes que esse Brown já apresentou ao Mc'Cleen os papéis para se sagrar herdeiro do falecido? Amanhã far-se-á o inventário da herança... Mas, o que é que me querias dizer?
Apesar de firmemente resolvido a levar avante o seu propósito, Janos, não deixou de sentir um momento de hesitação. Mas não desistiu:
— As coisas lá pelo «Sol-Ar» não vão nada boas pois não, chefe? O pessoal dorme, ou joga às cartas e, entretanto, o serviço fica parado, não se faz, as casas apodrecem...
Bronco estava perplexo.
— Mas... Qual é a tua ideia! Queres comprar-me o «rancho»?
Janos riu alto.
— Não, chefe. A minha ideia é... ir trabalhar no seu «rancho»! —E continuou com mais calor: — O gado não está de todo perdido, as terras são produtivas, o madeirame das construções pode ser reparado. Você tem, ao sul, magníficas árvores de mogno, madeira excelente, e resistente, que pode ser utilizada nas reconstruções sem gasto de mão-de-obra.
— Que percebes tu disso, Kild?!
— Das árvores de mogno? A árvore é cortada a três metros do chão, quando a Lua está no minguante, porque sendo cortada antes da lua-cheia, o mogno tem menos seiva e é mais resistente...
Na verdade, Bronco não incidira a sua pergunta sobre o corte das árvores, mas sobre todos os trabalho agrícolas de um «rancho». Todavia, o moço, dando outro sentido à pergunta, dera-lhe uma resposta que o creditava conhecedor dos serviços. O xerife puxou do cachimbo, começando a atulhá-lo de tabaco.
— Tens razão ao afirmar que as coisas não vão boas lá por minha casa. Sabendo-me ausente, o pessoal desleixa-se e a propriedade, não dando lucro, dá ainda prejuízo.
—Despede-se esse tal Artur e põem-se os outros a trabalhar — exclamou o ajudante.
—És homens para isso?
Xerife e o ajudante apertaram as mãos, como se selassem um pacto. Bronco estava contente. Janos desandou para a porta e foi nessa altura que surgiu uma pergunta no cérebro de Jefferson:
— Espera — Kild parou e voltou-se. — Quem te disse tudo isso do meu «rancho»?
— Ah! Foi a Ana! — e saiu.
O xerife ficou especado e ainda murmurou:
— Ana?!
Só então percebeu tudo. Na realidade, as coisas eram bem simples.
— Ana e Kild! Tinha confiança no rapazote. Quem diria, hem! O diabo tece-as!
Pois se Janos queria roubar-lhe a Ana, tinha de demonstrar qualidades de trabalho... e «Sol-Ar» seria também seu! Sorriu. O cachimbo já estava cheio de tabaco e Bronco chegou-lhe o fogo. Aspirando longas fumaças, continuava a sorrir.