terça-feira, 25 de julho de 2017

BIS140. Três valentes

 
(Coleção Bisonte, nº 140)
Mais uma vez, A. G. Murphy mostra que é necessária a colaboração entre várias pessoas para atingir um determinado objectivo, neste caso para conseguir limpar uma terra de todos os indesejáveis que estragavam o ambiente da mesma.
Era um local de criação de gado e pesquisa de ouro. Uma das principais figuras, que dominava vários ranchos, era um tenebroso bandido que se dedicava ao roubo de gado e a abater os mineiros que encontravam novos filões.
O xerife estava feito com ele e podia prosseguir os seus fins impunemente. Mas o ajudante do xerife, revoltado com o desaparecimento de um familiar que tinha descoberto ouro, resolveu tomar parte activa numa operação de limpeza e organizou-se com mais dois companheiros para pôr fim a esta situação desagradável.
No final, teve o merecido prémia na formosa jovem que tantas vezes tinha recusado as suas propostas de casamento por julgar que ele não teria coragem para a defender mais aos filhos.
 

segunda-feira, 24 de julho de 2017

PAS784. Um tio que gostava de beijar uma menina

Jantaram sozinhos, na ampla sala que a senhora Cross mandara alindar, e de que tao pouco tempo gozara.
Cross mal comeu. Nao podia afastar os olhos da sobrinha, a qual, de pálpebras modestamente descidas — para que ele nao pudesse notar a repugnância que lhe inspirava — comeu corn apetite normal.
Quando acabaram a refeição, a jovem disse bruscamente que começara a doer-lhe a cabeça e que ia retirar-se para o seu quarto. Cross aproveitou a ocasião para a beijar na testa. Mas logo, quando ela se voltava para se afastar, o homem pareceu endoidecer.
— Outro beijo... — disse ele, com a respiração entrecortada.
Ela olhou-o, sobressaltada, e estendeu-lhe a testa. Mas Cross nao queria beija-la na testa. Os seus lábios delgados buscaram os dela. A jovem recuou, de um salto.
— Mas, tio... — exclamou.
A voz dela tinha um tom levemente irónico, apesar de sentir uma agoniante sensação de repugnância.
— É que... — balbuciou Cross — eu...
— Boa noite, tio Herbert... — respondeu ela, suavemente. — Dorme bem.
Era o ultimo golpe de acicate, e alcançou-o em pleno flanco. Aquela suavidade, aquele não ofender-se... mais do que era preciso para uma jovem honesta... Herbert Cross extasiou-se intimamente. Podia ter a fortuna e, ao mesmo tempo, ter aquela maravilha que caminhava harmoniosamente para a escada.
— Espera... — disse, em voz rouca.
A jovem voltou-se.
— Como, tio Herbert?
— É que... tenho de falar-te.
— Amanhã, tio Herbert. Amanhã, sim?
— Não... Preferia... preferia que fosse agora... Se não te incomoda que suba contigo...
— Não, não, tio Herbert. Isso nao pode ser. Para mais dói-me a cabeça. Amanhã, tio. Vamos, dá-me outro beijo na testa.
0 coração de Cross batia-lhe furiosamente no peito. Mas dominou-se. Compreendeu que nada conseguiria se ela nao quisesse, e ela parecia nao querer. Assim, beijou-a brandamente, na testa. Diante de Herbert Cross alongava-se um futuro cor-de-rosa, só perturbado por uma ou outra pequena nuvem.
Recolheu ao seu quarto.
Mas tinha-se esquecido de uma coisa. A janela da casa de jantar dava para o portal. Regra geral, um dos seus homens guardava dia e noite a porta, armado ate aos dentes, e os criados índios vigiavam como cães de fila. Mas como Billy era da casa, o braço direito do patrão... o guarda nao fez qualquer reparo na sua presença.
Billy pôde escutar à vontade, embora o que escutou não lhe desse qualquer prazer, antes pelo contrário. E pôde ouvir o beijo.
Billy sentia-se sufocar de raiva. A sua mente primitiva tinha feito cálculos, provocados por Cross, entre os quais entrava o seu casamento com Vanessa. Vagamente, pressentia que dessa forma se aproximava dos milhões de Cross, mas a atitude do patrão, agora, nao permitia qualquer dúvida: Cross estava a traí-lo. Pretendia ficar corn «tudo», simplesmente.
Billy decidiu agir. Ali, era preciso contar com ele. Cross precisava dele para os seus trabalhos sujos, e alem disso Billy sabia demasiado. Não podiam atirá-lo para um canto, como um trapo velho.
Dispôs-se a amadurecer um plano, tao vasto e inteligente quanto pudesse. Para isso, entrou na cozinha, foi buscar uma garrafa de uísque e seguiu para o seu quarto que ficava junto das barracas dos peones. Em breve despejou meia garrafa, e as suas ideias — ele assim o julgava — tornaram-se mais lúcidas.
Nao viu, naturalmente, a sombra que seguia ao abrigo das paredes, dando a volta ao pátio central. Nem viu também quando essa sombra, ligeiramente mais escura do que as que a rodeavam, se agarrou a trepadeira e começou a subir.
Mas o guarda da porta viu alguma coisa. Ao principio julgou que seria um gato, mas logo se convenceu do seu erro.
0 guarda ficou numa situação relativamente difícil. Tinha visto Billy espreitar pela janela da casa de jantar do pátio. Tinha-o visto passear pelo pátio, resmungando confusamente. Tinha visto também os olhares que o homenzarrão lançava a rapariga, e somou dois e dois, achando que eram quatro.
— Será melhor ter a certeza... — disse em voz baixa. Dirigiu-se para o barracão onde dormiam os homens. No cubículo que servia de quarto a Billy, não havia luz. Bateu devagar a porta, e ninguém respondeu.
«— Era ele...» — pensou, corn um sorriso malicioso. Calculou que Billy, demasiado impaciente na sua paixão, não tinha achado melhor solução do que escalar a parede e saltar pela janela da sua dama. Era lá com eles. A pequena nao devia desgostar daquilo, porque não se tinha ouvido qualquer ruído que significasse protesto.
E voltou para o seu posto, pensando que as mulheres eram uns bichos estranhos. Um tipo como aquele Billy...
Lew Carey alcançou a janela, empurrou-a ligeiramente e viu que estava aberta. Dentro do quarto, ouviu um ligeiro soluço.
— Estas aí?... — perguntou. — Vanessa!
A jovem apareceu diante dele.
— Lew!... — exclamou. E abraçou-se a ele, corn tanta força que quase o fez cair. — Lew!... — soluçou. — Por que to demoraste tanto?
— Que aconteceu?
— Meu tio... — a jovem perdeu o domínio dos nervos, e um riso incontrolável sacudiu-a. — Meu tio quis... Oh, Lew! É tão ridículo, e tão repugnante...!
Lew apertou-lhe as mãos até lhe fazer doer.
— Estás a levar as coisas longe de mais... — disse ele.
— É preciso.... Enquanto pensar que pode ter-me, a mim e as terras, não tentará outra coisa qualquer... nao compreendes? Tu mesmo o disseste... Mas há mais. Oh! Querido, por que terá de acontecer-me isto, a mim? Billy tem ciúmes.
Continuava a rir, num ataque de nervos, e Lew bateu-lhe na cara, com pouca força, para a serenar.
— Vão começar a morder-se uns aos outros, não?...— perguntou ele. — Isso estaria muito bem, mas já nao dispomos de mais tempo. Esta manhã um dos fazendeiros do sul, Dyer, creio eu que se chama, recebeu uma carta do advogado de teu tio, pedindo-lhe que lhe venda as suas terras. Nao quero que haja mais sangue, querida.
— Que podemos fazer?
Lew chegou-se à janela e olhou para o pátio. Estava mergulhado em densas sombras.
— Penso apresentar um ultimato. Ou abandonam a região, ou...
— Mas eles têm a força da Lei.
— Nao a terão... «depois»... — disse Lew. E a jovem estremeceu.
Nesse momenta Lew viu que uma sombra avançava pelo pátio.
— Vem alguém... disse ele, em voz baixa.
Outra sombra veio da direita, e encontraram-se as duas ao centro do terreno livre. Depois, ambas se dirigiram rapidamente para a casa.
— Nao me agrada nada isto... — disse Lew. — Querida, tenho de deixar-te. Amanhã mesmo irei procurar o xerife, para propor-lhe, as boas, que detenha as manobras de teu tio. Como sei que vai negar-se, terei de fazer alguma pressão.
As duas sombras aproximavam-se, agora em corrida. — Quando entrarem, sairei.
— Onde tens o cavalo?... — respondeu ela, apertando-se contra ele. Lew sentiu o calor do corpo da jovem, através do roupão que ela vestia.
— Fora do rancho, naturalmente. Agora.
As duas sombras tinham chegado junto da casa, mas só uma delas havia entrado. A outra colocou-se exatamente sob a janela de Vanessa.
— Maldição... — disse Lew, entre dentes.
Ouviram som de pancadas, dentro da casa.
— Tenho pena, mas nao há outro remedio... — disse Lew, cavalgando o parapeito.
— Não... — disse a jovem. — Espera.
Debruou-se da janela e perguntou em voz alta o que se passava.
O guarda levantou a cabeça.
— Há que... entrou um homem na casa... — disse. — Tem a certeza? Por onde?
O guarda engoliu em seco.
— Por... pela sua janela.
— Como se atreve, bastardo?... — bradou ela, furiosa. — Isso vai custar-lhe taro! Tenta dizer que eu...!
— Afasta-te... — sussurrou Lew, segurando a jovem por um braço.
Ouviram-se passos pesados, no vestíbulo. Lew dirigiu¬-se para a porta, abriu-a e perdeu-se na escuridão, depois de fazer um rápido sinal a Vanessa.
Menos de cinco segundos depois apareciam Cross, Billy e os dois criados índios.
— Que aconteceu?... — perguntou a jovem, indignada.
— Este homem diz que viu entrar alguém no teu quarto, pela janela... — disse Cross, num tom gélido. — Se mentiu...
— Eu não vi... — disse Billy, cujos olhos estavam injetados de sangue, em consequência do alcool. — Foi um dos rapazes que disse ter visto.
— No meu quarto?... — perguntou ela. — Quem?
Cross tinha acendido o candeeiro. No quarto não havia ninguéns mais, além deles mesmos. Voltou-se para Billy: — Tu e esse porco... — começou a dizer.
— Todos para fora do meu quarto!... — ordenou a jovem.
Iam a sair quando um dos índios se curvou para o chão. Depois olhou para o parapeito da janela. Levantou o candeeiro e olhou mais atentamente ainda.
— Hugh! — disse ele.
— 0 que há?... — perguntou Cross.
— Um homem entrou pela janela... — foi a resposta. — Há sinais de barro.
Um circulo de caras, ameaçador, voltou-se para Vanessa. 

domingo, 23 de julho de 2017

PAS783. Encontro de pistoleiro com uma gata selvagem

Lew viu Vanessa que, a cavalo, tinha estado a observá-lo.
— Vão recomeçar os insultos?... — perguntou Lew.
— Queria falar consigo... — disse ela, quase sem mover os lábios. — Mas não agora, nem aqui. Esta noite, às onze horas, do outro lado do cercado, junto aos álamos da sepultura de minha tia.
Depois esporeou o cavalo, que se dirigiu, a trote curto, para a entrada do rancho. Durante esses instantes Billy tinha ficado quieto, olhando-os rancorosamente, com a calva reluzente sob os raios do sol.
Às onze horas, Lew saiu sem ruído do cubículo onde dormia. Para alcançar o exterior, precisava atravessar uma esquina do dormitório comum, mas afortunadamente os peones, cansados por um dia de intenso trabalho, dormiam como pedras.
Era lua nova, e a pradaria mergulhara numa escuridão total. Os coiotes uivavam, a distância, e de vez em quando ouvia-se o mugido profundo de um touro.
Lew caminhou rapidamente até alcançar a cerca. Encostado a esta havia um túmulo, o da mulher de Cross, enquadrado por quatro álamos.
Ninguém estava ali. Lew fez um cigarro, às cegas, perguntando a si mesmo se não se trataria de uma artimanha da rapariga para atraí-lo a um sítio quase desconhecido para ele, a sós e às escuras. Não acendeu o cigarro. Não queria servir de alvo a um possível atirador escondido.
E então chegou até ele o perfume característico de Vanessa. Voltou-se e viu uma sombra a seu lado.
— Olá... — disse Lew, em voz baixa.
Ela não respondeu, durante um momento. A mão de Lew acariciava a coronha de um dos seus revólveres. Mas era Vanessa, não podia haver qualquer dúvida.
— Com quem está você?... -- perguntou a rapariga. — Com meu tio ou contra ele?
— Quantos anos tem você?... disse Lew, sem responder à pergunta.
— Como?... — exclamou Vanessa, desconcertada.
— Pergunto-lhe quantos anos tem.
— Que pode isso importar-lhe?
— Muito, para responder à pergunta que me fez. Deve ser muito nova. Uma mulher ter-me-ia perguntado se eu estava com ela ou contra ela.
— Tenho dezanove anos... — respondeu Vanessa, irritada.
— Não sou uma criança.
— O que eu supunha.
— Arrisco-me muito, vindo aqui... — disse ela, dando um passo em frente. Apesar de estarem muito próximos, a escuridão era tão intensa que ele mal lhe podia ver os olhos.
— Calculo isso. Por que o fez?
— Porque não tenho ninguém em quem confiar... —respondeu ela. — Ninguém.
Havia uma tal expressão de desamparo, nas palavras e no tom da voz, que Lew adiantou a mão até lhe tocar no braço. O suave contacto da pele fê-lo estremecer.
— Não a entendo... — disse. — Por que não experimenta explicar-se? Em vez de me injuriar, por que não me disse o que queria de mim?
Houve um silêncio.
— Se meu tio souber disto, provavelmente castiga-me, como já fez de outras vezes. Fecha-me. Oh! Sim, é o que ele faz. Já chegou mesmo a não me dar a comer senão pão mexicano, durante vários dias. Mas, na realidade, nada disso tem importância. Quando eu tiver vinte anos não poderá reter-me aqui mais tempo. Ele sabe isso. E você também o sabe, pode ir contar-lho agora mesmo, se quiser... Que só espero uma oportunidade para envenená-lo, para lhe pôr veneno na comida. Mas ele não se fia em ninguém, a não ser em Billy e nos seus índios.
— Você é uma gata selvagem... — disse Lew. — Mas é corajosa.
— Você... — disse ela, tocando-lhe nas costas da mão — ...não fala como um camponês.
— Venho de um lugar onde há muitas escolas... —respondeu Lew, secamente.
— Desculpe. Então poderá compreender o que eu sinto... Eu não odeio estas terras. Gostaria de viver aqui, mas odeio os homens que aqui vivem, e que sujam estas terras. Odeio meu tio, que me tirou de um colégio em Abilene, e me trouxe para aqui, e me contou as suas maquinações para se apoderar de todas as propriedades, como se fossem coisas muito engraçadas. Quase todas as terras me pertencem, porque eram de minha tia e de minha mãe, mas ele administra-as até que eu seja maior. Bem enganou o meu pai.
Calou-se. Havia amargura na voz dela. Lew apertou-lhe levemente o braço. O cheiro das ervas do campo e o perfume dos cabelos dela estavam a perturbar-lhe os sentidos. Sentia o sangue correr-lhe pesadamente pelas veias.
— Quando completa vinte anos?... — perguntou.
— No dia um de Junho do ano próximo.
Ela parecia, agora, falar com inteira confiança.
— Mas, de todos os modos, ele terá de prestar-lhe contas. Se vender as terras à companhia...
— Oh! Não compreende? Se eu chegar à maioridade na posse dos meus bens, em terras, ele nada poderá guardar. Mas se as vender antes... o dinheiro pode levar-se para qualquer parte, numa simples mala. E além disso há também toda essa pobre gente a quem ele quer comprar as suas propriedades a troco de uma côdea de pão, Como? Não lhe parece ainda que ele seja bastante patife?
Lew ficou calado, por instantes.
— Agora já me contou tudo. Julga que ele sabe das suas suspeitas?
— Ele? Julga-me idiota, ou pouco menos. Pensa que o meu único motivo de desgosto é ter sido tirada do colégio.
— E... — Lew acariciou-lhe distraidamente o braço —...que aconteceria se eu fosse, esta mesma noite, contar-lhe o que acaba de me dizer?
Sentiu uma rápida aceleração da respiração da jovem.
— Pode fazê-lo, realmente. Uma pobre mulher não tem maneira de impedi-lo, mas penso que a sua consciência, se é que um pistoleiro pode ter consciência, lho censuraria toda a vida. E ainda posso dizer-lhe outra coisa. Sabe o que pensa fazer meu tio, no caso de eu chegar à maioridade sem ele ter conseguido comprar todas as terras e vendê-las à companhia? Sabe?
— Imagino... — disse Lew, falando num tom involuntariamente mais baixo. — Desembaraçar-se de si, não?
Ela ficou calada, durante alguns segundos.
— Não é isso?... — perguntou ele, vendo que o silêncio se prolongava.
— Sim, mas não da maneira que julga. Não me mataria para herdar, não. Casar-me-ia com Billy, o homem a quem ele manobra como uma boneca. Há muito tempo que oiço ofegar Billy, quando passo por ele e me olha. E tenho a impressão de estar junto de uma grande aranha, com pelos.
Lew tinha na mão o cigarro apagado. Atirou-o ao chão.
— E não receia que, uma vez na posse da fortuna, Billy se revolte?... — perguntou.
— Oh, não! Bill é incapaz de entender negócios, ou manejar dinheiro. E sabe isso. Não. Billy contentar-se-ia com uma parte nos lucros... e comigo.
Houve um novo silêncio.
— E agora... — disse ela, tão perto dele que Lew a ouvia respirar — ...vá e explique a meu tio que eu sei o que ele pensa. Mas não se esqueça de lhe dizer que, antes que aconteça uma coisa dessas... me matarei!
— Vá para casa, pequena... — disse Lew.
— É tudo o que tem para me dizer?... — perguntou ela.
— Por agora, é.
— Já calculava. Ela deu meia volta. Lew segurou-a por um braço. — Largue-me, patife! Não se atreva a tocar-me! — Espere um momento.
Ela fez um gesto para soltar-se, e a seda da blusa rasgou-se, no ombro.
— Desculpe... — disse Lew, afastando-se para indicar que não queria tocar-lhe. — Desculpe, mas queria perguntar-lhe uma coisa. Por que não foge?
— Julga que não o tentei? Três vezes! E das três vezes esses nojentos criados índios, de meu tio, me seguiram o rastro, com cães, e me encontraram. Sem dinheiro para ir até longe, como poderei fugir daqui? Deixam-me passear a cavalo, porque sabem que tenho de voltar. E além do mais estas terras são minhas, e quero lutar por elas. Devo lutar!
— Está bem... — disse Lew. — Agora deve ir dormir. E... não precisa afastar-se dessa maneira. Já lhe pedi desculpa. Eu não sou uma grande aranha com pelos, como Billy.
— Não. É pior ainda, porque não parece um malvado, mas é. Por isso é pior.
Lew calou-se por instantes, mas a respiração dela dizia-lhe que Vanessa ainda não tinha partido. E disse:
— Uma vez, quando a companhia dos caminhos de ferro fazia a instalação dos seus carris, a muitas milhas daqui, há alguns anos, houve um homem que se negou a vender as suas terras aos mandatários dessa companhia. Uma noite, vários mascarados entraram na propriedade, deixaram os donos inconscientes e lançaram fogo a tudo. Tal crueldade pareceu-lhes necessária para convencer os outros vizinhos de que deviam vendar depressa e barato.
«— O filho dos donos dessa propriedade estava num colégio, em Houston, no Texas. Quando soube a noticia, deixou os estudos e voltou para casa. Nada disse, visto que as autoridades tinham considerado o incendio como «acidental», sem culpas para ninguém — a nao ser, talvez, para os pr6prios donos, que nao tinham tido cuidado corn um candeeiro de petróleo.
«— Não, não disse nada, mas foi ter com «Mono» Fawcett, o celebre pistoleiro, que vivia retirado. Disse-lhe que não tinha dinheiro, mas que trabalharia para ele, como um escravo, se ele o ensinasse a manejar as pistolas, «bem». «Mono» Fawcett tinha um filho no mesmo colégio que o rapaz abandonara, e alem disso, nessa altura, tinha-se convertido numa espécie de pregador contra a maldade. Ensinou o rapaz, grátis. Entre outras coisas ensinou-o a colocar duas balas numa carta de jogar, «de costas», o que valeu ao rapaz a alcunha corn que depois se tornou conhecido.
«— E «Dois-num» procurou, um após outro, os homens suspeitos de terem cometido o crime. E cara a cara, em duelo legal, matou-os. Outros homens, que tentaram detê-lo ou vingar os mortos, morreram também. Dai vem a sua fama.
«— Mas um dia desejou tranquilidade e, cumprida a sua tarefa, pensou em vir mais para o Oeste, em procura de um trabalho são, ao ar livre, que lhe permitisse pensar a respeito do bem e do mal.
«— É só isto, pequena.
Vanessa nada disse. Durante um minuto ficaram ambos em profundo silencio. Depois a mão dela procurou a dele.
— Desculpe... desculpe tudo o que lhe disse.
 — Você nao sabia. E nova, e o mal causa-lhe repugnância. Eu sou uma das formas do mal.
— Você sofreu...
Ela estava tao perto, que ele nao o pôde evitar. Atraiu-a para si, e Vanessa nao opôs qualquer resistência. Sob as mãos de Lew havia a pele suave do ombro, onde se rasgara a blusa. Lew sentia-a palpitar.
Teve a impressão de que lhe tinham colocado um capacete de aço nas fontes. E ela não resistia. Pelo contrário, a respiração dela tinha-se acelerado.
— Vai-te... vai dormir... — disse ele, em voz rouca. Vai-te, ou nao respondo...
— Vou-me embora, sim... — disse ela, sem fazer o menor movimento para se afastar. Lew empurrou-a.
— Vai-te embora! Nao podes ficar aqui...
Beijou-a, e ela passou-lhe os bravos em volta do pescoço. Por um momento, o tempo imobilizou-se. Depois ela soltou-se e começou a andar, muito depressa. Lew seguiu-a.

sábado, 22 de julho de 2017

PAS782. Apresentação de pistoleiro

O rancho dos Lester era pequeno. Ficava situado entre o rio e a linha de colinas. A terra não era demasiadamente boa, e Lew perguntou a si mesmo para que quereria Cross aquilo, tendo tantas terras de pastagem.
Um cão enorme recebeu-o, ladrando e mostrando os dentes, junto da cerca. Quando Lew desmontou, o cão cheirou-o com insistência e depois pôs-se a agitar a cauda, amistosamente.
Um homem de idade apareceu à porta, ao ouvir ladrar o cão. Vestia uma camisa aos quadrados, e um colete. Sobre o nariz tinha uns óculos com aros de metal.
— Você é Lester?... — perguntou Carey.
— Sou... — respondeu o velho. — Não quer entrar?
Lew entrou. Como a casa era pequena, a saleta comum era também a sala de jantar. Estava tudo muito limpo, com todos os móveis nos seus lugares. Nas paredes viam-se troféus de caça, entre os quais os galhos de um grande veado.
Uma mulher idosa, de touca engomada, levantou-se de um cadeirão, ao vê-los entrar.
— Apresento-lhe a senhora Lester... — disse o velho.
— O meu nome é Carey... — disse Lew. — Gostaria de falar consigo.
Nesse momento ouviram-se vozes e risos, à porta. Dois homens e uma rapariga entraram. Os homens eram altos, fortes, com caras inteligentes. A rapariga era Vanessa Cross.
— Que faz você aqui?... — perguntou ela, tão surpreendida que se esqueceu da sua habitual expressão de desprezo.
— Conhecem-se?... — perguntou o velho Lester. «Mister» Carey, apresento-lhe meus filhos, Saul e Jonathan. Este é «mister» Carey, e veio para falar comigo.
— Ponham-no na rua... — disse Vanessa, venenosamente. -- Sabe quem é ele, «mister» Lester? É um dos patifes a quem meu tio paga, para as suas imundas proezas. Expulsem-no!
— Vamos, vamos... — protestou o velho Lester.
— Carey, foi o que disse?... — perguntou Saul. —Você é Carey «Dois-num»?
Lew confirmou, com um aceno de cabeça. Depois disse:
— Não acreditem na propaganda de «miss» Cross. Ignoro por que motivo, mas mal me viu começou a desejar-me a morte, que ardesse num incêndio, que rebentasse, e outras coisas igualmente desagradáveis. Não sei porquê, repito. Mas isso é outro assunto. Venho por ordem de «mister» Cross, para lhes perguntar qual o preço por que venderiam o vosso rancho.
As caras dos Lester endureceram. Os dois rapazes começaram a falar ao mesmo tempo.
— Pode ir para o diab...!
— Maldito seja, não conseguirá sair-se com...!
O velho Lester levantou a mão, reclamando silêncio.
— Basta!... — disse. — «Mister» Carey, sabe o que significa a proposta que acaba de nos fazer?
— Suponho que signifique um bom negócio. «Mister» Cross talvez lhes pague bem a propriedade.
— Você é um cínico!... — exclamou a rapariga, enfurecida.
— Aviso-a de que já começa a cansar-me... — disse Lew, sem deixar de sorrir. '
Mas havia um brilho duro nos seus olhos.
— Não me importa... — retorquiu ela.
O velho Lester falou:
— «Mister» Carey, não sei qual é a sua posição neste assunto, mas recuso-me a acreditar que conheça as intenções de Cross.
— Acredite ou não, a verdade é que as desconheço.
— Pois então desculpe-me que lhe tenha chamado cínico... — disse Vanessa, sarcástica. — Não passa de um idiota. Mas não lhe dê ouvidos, «mister» Lester. Ele sabe perfeitamente o que quer o patife do meu tio.
— Se volta a insultar-me... — começou Lew.
Lester interrompeu-o:
— «Mister» Carey, quer ignore quer não, vou-lho dizer, para que depois não possa alegar que o não sabe. Cross quer todas as nossas terras do vale, porque o caminho de ferro vai passar por aqui. A companhia do caminho de ferro pagar-lhe-á, a ele, pelo preço que ele pedir, visto que não tem outra solução senão a de seguir por estes terrenos, e "o Governo não pode expropriá-los. Compreende? Os caminhos de ferro ver-se-ão na necessidade de pagar os terrenos aos preços que lhe sejam exigidos por homens como Cross. Ele, portanto, pretende comprá-los aos colonos. E sabe o que acontece aos que não que rem vender a Cross?
— Disse-lhe já que ignoro tudo isso.
— Não faça caso desse patife, «mister» Lester. Fizeram uma farsa, no escritório do xerife, mas ninguém acredita nela. Ele veio aqui porque Cross o chamou.
Lew fitou-a, e alguma coisa que ela leu naqueles olhos fez calar Vanessa.
— Pois, simplesmente... o nosso rancho arderá, uma noite, os meus filhos e eu seremos mortos por algum foragido bêbedo, que depois «não será encontrado», como diz o xerife... Ou uma manada de porcos selvagens passará pelos nossos campos de semeadura, e destruirá o nosso trabalho. E assim sucessivamente. Compreende agora?
— Já aconteceu, antes, alguma coisa dessas?
— Se já aconteceu? Que Deus lhe valha, homem! Escute... Os Antrin negaram-se a vender porque tinham uma boa terra de pastagens e muitas centenas de cabeças de gado. Também a eles conviria que o caminho de ferro passasse por aqui, mas continuando na posse das suas terras. Pois bem, um pistoleiro matou um dos filhos. O feno que tinham guardado ardeu completamente. Quando acusaram Cross, o xerife prendeu o chefe da família, «por difamação», e quando os dois outros filhos quiseram tirá-lo da cadeia, «o populacho enfurecido assaltou a prisão e o velho morreu na luta». O «populacho enfurecido», inútil é dizê-lo, eram os sicários de Cross.
— Nós não sairemos daqui... -- disse Saul Lester.
Falava num tom grave, e com profunda convicção.
— Lutaremos até ao fim... — acrescentou o irmão. -- Somos seis, contando com os nossos peones.
— Far-se-á o que eu mandar... — disse o pai. — Não os quero ver mortos, a nenhum de vocês. Eu sou velho e não importa o que possa acontecer-me, mas não quero que qualquer bandido os mate pelas costas, e que ainda por cima o crime fique impune. Prefiro vender este rancho onde vocês nasceram.
Os olhos do filho mais velho brilharam.
— Pai... Tu e a mãe vão para qualquer lado, enquanto isto se arranja. Jonathan e eu mostraremos a esses coiotes o que podem os homens, quando têm armas e a razão pelo seu lado.
— Prefiro vender... — repetiu o velho, obstinadamente.
— Bem, agora que deixou o seu recado, pode ir-se embora... — disse Vanessa, voltando-se para Lewis. —Agora já sabemos quem você é, e o que quer. Dentro de uns dias Cross lhe dará ordem para matar alguém nesta casa. Vá, portanto, vendo as possíveis vítimas. Mas tome cuidado, Carey. Tome cuidado.
Havia lágrimas nos belos olhos azuis. Lewis olhava-a, meditabundo. Depois voltou-se para Lester:
— Cross disse-me para lhes dar dois dias para pensar.
— Sobram esses dois dias... — disse Saul Lester. — Não queremos vender, e pode dizer-lhe isto mesmo. Fora daqui, Carey!
— Calma, filhos… — disse o pai.
— Não acabei ainda... — disse Lewis. — Que sabem vocês a respeito de Lew «Dois-num»?
— Como?
— Que sabem a meu respeito?
— Que é... bem, que...
— Está a ver? É assim, toda a gente parte do princípio que o facto de me chamarem Lew «Dois-num», me converte num bandido. E, no entanto... — sorriu — ...a minha história é bastante conhecida. Ou pelo menos eu assim o julgava. Talvez seja apenas vaidade minha, no entanto, e eu não seja de facto tão famoso como me quiseram fazer acreditar.
— Que quer dizer com isso?... — perguntou Lester.
— Por que motivo estavam assim tão seguros de que eu me prestaria a esse jogo?
— Bem... pois este... — Lester tirou os óculos e esfregou-os com um lenço. Depois perguntou: — E não é verdade?
— Vocês ouviram falar de mim. Respondam, vocês mesmos, a essa pergunta.
Lewis saiu e montou a cavalo. Ouviu que alguém o chamava. Voltou-se. Vanessa tinha saído atrás dele.
— Saiba que o considero capaz de tudo... — disse ela — Saiba que o considero um bastardo. E agora mais ainda.
Lew mostrou os dentes, num sorriso.
— De que se ri?
Lew desmontou, de um salto. Num movimento ágil agarrou-a pelos ombros e, segurando-a com força, beijou-a na boca. Foi um beijo perdido, um simples contacto físico, forçado. Ela soltou um gemido abafado e tentou libertar--se, mas os braços que a seguravam pareciam de ferro.
— Cada vez que me insulte receberá o mesmo... —disse ele, largando-a.
Ela levantou a mão e bateu-lhe na cara, com fúria.
Lew empurrou-a. Nesse momento apareceram os Lester.
Lew montou a cavalo.
— Hei-de matá-lo por isto!... — bradou ela, com as faces em brasa.
— Que aconteceu?... — perguntou Saul. — Que fez esse...?
— Sugiro-lhe que nem sequer leve as mãos aos coldres, rapaz... — disse Lew, gravemente. — Qualquer de vocês, que o tente, sabe que não tem a menor probabilidade diante de Lew «Dois-num».
— Se tocou em «miss» Cross, mato-o!... — disse Jonathan, dando um passo em frente. Vanessa empalideceu e pôs-lhe a mão no braço, detendo-o.
— Quieto!... — ordenou. — Nem sequer me tocou... Quieto, Jonathan!
— Essa pequena acaba de salvar-lhe a vida, ou um braço... — disse Lew. Tocou com as esporas nos flancos do animal e partiu, a trote.
A jovem limpou repetidas vezes a boca, com o lenço, e depois entrou em casa dos Lester.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

PAS781. Um homem que sabe manejar as armas

A casa era grande e estava construída sobre uma elevação de terreno densamente arborizado. O caminho levava diretamente até à porta, onde esperavam dois criados índios.
— Bonita casa... — disse Lew.
Cross não respondeu. Entrou, e Lew seguiu-o. A jovem ficou à porta, olhando umas flores que cresciam junto do muro.
Lew foi conduzido a um amplo escritório, mobilado com pesados móveis de carvalho. Cross sentou-se na cadeira que estava atrás da secretária, e acendeu um cigarro,
— Sente-se... — disse. Suponho que deve estar a perguntar a si mesmo que género de trabalho lhe vou oferecer, não é certo?
— Pode exprimir-se assim.
— Pois bem. Eu sou rápido e direto nas minhas coisas. Não preciso de si para cuidar do gado nem para vigiar os trabalhadores. Para isso qualquer tipo serve. Necessito-o por causa da especial habilidade com que maneja as armas.
Lew sorriu, mas continuou calado.
— Eu lhe darei ordens, nesse sentido ou noutro, e você executá-las-á. A maneira de as executar é de sua conta. Eu limito-me a dar ordens.
— E as ordens naturalmente, serão para disparar, não é assim?
Cross fez um gesto com a mão, como a afastar o assunto.
— Pode ser que sim, e pode ser que seja só para assustar alguém, sem necessidade de disparar.
— E a quem terei de assustar, ou matar?
— Dir-lhe-ei isso no momento oportuno.
— Gostaria que me dissesse mais alguma coisa. Sobre as razões que o levam a precisar de um homem especial para esse trabalho, por exemplo.
Cross olhou-o friamente.
— Isso é comigo. No entanto dir-lhe-ei que desejo comprar todas as terras do vale, e que alguns proprietários são contrários à ideia de vender.
— E para que quer comprar as terras?
— Isso não o interessa. E basta! Encontrará alojamento nas dependências dos outros rapazes.
Lew ia replicar, mas resolveu calar-se. Olhava fixamente as biqueiras das botas, cobertas de pó.
— Não está de acordo, talvez?... — perguntou Cross, bruscamente. — Aviso-o de que não pode escolher. Ou o que lhe proponho, ou a cadeia. E eu me encarregaria de que a sua condenação fosse objeto de sucessivas prorrogações. Deve ter notado, visto que não o julgo tolo, que a Lei sou eu, nesta terra.
— Sim... — disse Lew, sorrindo — ...você manda.
— Ora assim entendemo-nos. Não duvido de que acabaremos por nos entender ainda melhor. Vá às dependências do pessoal e diga a Jones, o capataz, que lhe dê um bom alojamento, com um quarto separado dos outros. Os rapazes ouviram falar muito a seu respeito, de maneira que não creio que tenham alguma coisa a dizer se eu lhe conceder qualquer privilégio especial.
Lewis levantou-se e saiu do escritório. O vestíbulo estava mergulhado em penumbra, e por isso só viu a rapariga quando estava quase a chocar com ela. Sobressaltou--se ao ouvir-lhe a voz.
— Patife!... — disse ela, com uma expressão de ódio.
— Que tem?... — perguntou Lew, espantado.
— Mais um tipo para as patifarias dele. Se pudesse lançar fogo a isto, não hesitaria em fazê-lo. Com todos vocês cá dentro!
— Acho que você está doida... — declarou Lew, friamente. — Ou sou eu que estou transtornado, por causa da pancada na cabeça. Que lhe aconteceu, a si?
Ela voltara-lhe as costas e encaminhava-se para uma das portas. Em dois pulos, Carey alcançou-a e segurou-a por um braço.
— Largue-me, porco ou arrepende-se!... — disse ela, furiosa.
Lewis sentiu-se envolvido pelo suave perfume que vinha dos cabelos dela.
— Quero que me diga por que me insultou.
— Por não poder matá-lo... — respondeu ela, violentamente…
Libertou-se, com um puxão, e desapareceu. Lew encolheu os ombros e dirigiu-se às dependências do rancho, para falar com o capataz Jones.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

BIS139. O sorriso do diabo

 
(Coleção Bisonte, nº 139)

Um homem chega à cidade e mostra, desde logo, que é hábil com as armas e duro com os punhos. Tanto bastou para ser contratado por um rancheiro, interessado em usar as suas capacidades para se apoderar das terras dos vizinhos para, posteriormente, negociar indemnizações com os caminhos de ferro. Mas o contratado não era bem o que parecia. Se, por fora, em tudo se assemelhava a um pistoleiro, interiormente, era um ser pleno de honestidade que odiava este tipo de mafiosices. Acresce que o rancheiro era tio de uma jovem muito formosa que desde logo chamou a sua atenção e que também não apreciava as ações do tio, o qual chegava a assediá-la para ações menos dignas. E já calculam como tudo se resolveu...
Esta é uma obra de Frank MC Fair um pouco mais interessante do que a anterior aqui apresentada.
A capa, não assinada, mostra um dos momentos da chegada do famoso "pistoleiro" ao hotel, onde teve de usar a argumentação das armas... embora não se tivesse saído muito bem da situação.
 

quarta-feira, 19 de julho de 2017

BIS138. Condutor de caravanas

 
(Coleção Bisonte, nº 138)
 

Ergueu novamente a mão e baixou-a energicamente, ao mesmo tempo que gritava:
- Em mar... cha!
Foi como se, de repente, tivesse sido aberto à sua frente um caminho escuro e desconhecido, nunca percorrido até então. Como se, pela primeira vez na sua vida, empreendesse a grande aventura de atravessar o território "apache" à frente de uma caravana.
Os carros puseram-se em movimento, lentamente. Os soldados e as mulheres qque estavam à porta do forte agitaram as mãos em sinal de despedida. Os eixos das rodas chiaram e os cascos dos cavalos começaram a levantar o pó da planície.
Larry Dawson cavalgou longo tempo sem olhar para trás. O terreno era suavemente ondulado. O disco do Sol, amplo e avermelhado, já havia coroado o horizonte. Os soldados da escolta falavam animadamente e ainda despreocupados

Estas foram palavras de mais um livro de A. G. Murphy onde nos descreveu essa formidável aventura de atravessar território índio para chegar à terra da esperança, neste caso, guiados por alguém com pouca confiança em si próprio, odiado pelo chefe dos soldados... Como iria terminar tudo aquilo?

segunda-feira, 17 de julho de 2017

BIS136. Seis balas chegaram

 
(Coleção Bisonte, nº 136)
 

O xerife de Amarillo perdeu a vida após um ataque traiçoeiro de Jack, «o canhoto» no momento em que lhe apertava a mão depois deste ter dado a ideia que desistia dum duelo e que aceitava ser expulso da cidade. A escassos segundos da morte, murmurou para o seu filho Bill que entretanto correra para junto dele: «Isto foi encomendado por alguém». E o filho, procurando vingar o pai que adorava, partiu à descoberta. De acordo com Turner, «seis balas chegaram».

domingo, 16 de julho de 2017

BIS135.10 A Justiça é o triunfo da Vida

O tribunal instalara-se num espaçoso compartimento do armazém de Malden, o advogado de defesa. Era um homem de estatura mediana, rosto redondo e corado, bigodinho preto e olhos pequenos, azuis, brilhantes de bom humor.
Arranjou-se um estrado para o júri, e Morice Bornac instalou-se atrás de uma grande mesa, com o martelo, um tinteiro e os seus livros de leis.
Ben Kunetzky tinha um aspeto patético, mais pálido do que na obscuridade da cela, com os olhos afundados nas órbitas, fugidios. Torcia as mãos e olhava, ansioso, o juiz.
Entre o público encontravam-se a irmã do acusado e os seus amigos. Aquela, em contraste com Ben, mostrava--se arrogante, cheia de vitalidade e formosura, como se desafiasse toda a gente.
Pouco antes de começar o julgamento falou com Bornac. Estava corada e percebia-se quanto lhe custava reconhecer o seu erro.
— Parece que, afinal, o senhor tinha razão. Não creio que o sucedido ontem à noite no «Chaparral» fosse parte de uma farsa. Por isso lhe peço perdão do que fiz... bem, quando o senhor vinha para cá...
O juiz contemplou-a com um indefinível sentimento de angústia. Estava certo de que aquela mulher seria a sua companheira ideal, de que eram dois seres feitos para se entenderem.
De súbito, sentiu a necessidade imperiosa de confessar-lhe o que se passava consigo, pois já não existia o obstáculo que até então o impedira de fazê-lo e o colocara numa encruzilhada trágica.
— Não se apresse a arrepender-se — murmurou. —Talvez tenha motivos para odiar-me.
— Porquê? Se não apoia Salinger, isso significa que tenciona proceder com honradez. Demonstrou-o ontem, também, quando me salvou de Tony e...
Ficou mais corada ainda e desviou a cabeça, pois queimava-a o olhar intenso e apaixonado do homem que tinha na frente.
— Era a isso que me referia — ouviu-o dizer. — Não foi o meu amor à justiça que ontem me levou a sua casa, mas o amor que lhe tenho a si. Estou apaixonado por si, apaixonado de uma maneira absorvente e feroz.
Sue ficou como que paralisada, sem saber que atitude tomar. Esperara ouvir aquilo, más não me modo tão brusco.
— Porém... — gaguejou, confusa.
— Não. «A Justiça não é, não pode ser nunca, aquilo que nos convém, a resposta ao que desejamos. A Justiça, a maior parte das vezes, faz de nós suas vítimas». E eu, ontem, não fui para si o anjo justiceiro, mas 'o homem apaixonado e ciumento.
— Não o compreendo.
Levantara a cabeça e fitava-o com os olhos cinzentos resplandecentes. Bornac não soube resistir, agarrou-a pelos ombros e puxou-a para si.
— Ao diabo tu! — exclamou. — Se um homem e uma mulher não podem amar-se, ainda que seja pelo preço das suas vidas, não vale a pena estar na terra.
Beijou-a. E foi beijado, pois a rapariga não lhe fugiu, cedeu ao seu abraço e fê-lo sentir toda a glória da vitória do homem sobre a mulher.
Ao separarem-se, Bornac disse, com voz triste:
— Aconteça o que acontecer, creia em mim, Sue.
Deixou-a intrigada e absorta e foi ocupar o seu lugar.
Salinger também se encontrava presente, assim como o homem que lhe impusera, no último instante, um julgamento imparcial: o pistoleiro «Seis Dedos». Não faltavam igualmente o xerife e os seus ajudantes.
Ao olhá-los a todos, de boa vontade Bornac teria desatado a rir, pois não era Ben Kunetzky que ia ser julgado, mas ele. Os seus juízes eram todos aqueles homens que lhe fariam pagar o seu comportamento, acabado o espetáculo. Quando pronunciasse as palavras que absolveriam ou condenariam o réu, seria a sua própria sentença que ditaria.
O delegado, que era o merceeiro gordo que fora visitá-lo em Winslow, começou a sua atuação com um ataque tão duro que, ao contrário do que desejava o ambiente se tornou mais favorável ao rapaz. Descreveu a sua infância, os seus roubos de fruta e todas as travessuras próprias dos garotos, e logo a seguir falou do dinheiro que roubara a seu pai e da vida aventurosa que levara nos Estados da costa, desde São Diego ao Cabo Flattery.
— ... tinha o crime no sangue — perorava com tanto ardor, que a camisa se lhe empapava de suor. — Ben Kunetzky é um preguiçoso, um vagabundo sem profissão nem préstimo para a comunidade. Nunca gastou um dólar na... Bem, quero dizer, nunca se comportou como um cidadão decente.
Claro que, para o merceeiro, cidadão decente era aquele que comprava na sua tenda.
Em seguida passou aos factos que iam debater-se em julgado. Descreveu o «espantoso» quadro oferecido pela cabana de Potter quando encontraram o cadáver do velho, e perdeu-se em considerações acerca da sorte que podia ter sido a da «terna criaturinha» que vivia naquele lugar escondido, Rosy, a desaparecida.
Quando terminou, a impressão geral era a de que Ben podia considerar-se livre. Nada provava que cometera o assassínio, e o desaparecimento de Rosa era, precisamente, o melhor argumento em seu favor.
— Como é possível que — clamou Malden, o defensor —, se estava ébrio — só assim poderia justificar-se o seu ato —, tivesse conseguido realizar a proeza incrível de fazer desaparecer uma pessoa? Mas ainda há mais...
Malden apontou para o juiz, que estremeceu. Que iria dizer?
— Na visita que o senhor juiz ontem fez à cabana de Potter, notou-se um facto extraordinário, que ao princípio não se teve em conta. Com exceção do morto, evidentemente, o interior da cabana estava em perfeita obra. Será isso coerente com um ébrio, com um homem enlouquecido pela paixão amorosa?
Bornac ficou perplexo e olhou para o júri. Sem dúvida tratava-se de uma prova de peso. Certamente fora o maldito anão quem facultara a informação ao advogado defensor, depois de ver a impressão que o caso causara ao juiz.
Salinger deixara pender a cabeça para o peito e Bornac compadeceu-se dele. Sabia o que sente um homem quando vê ruir aquilo por que lutou, quando no fim da vida se vê a braços com o opróbrio e a inutilidade da sua obra.
Sue e os amigos, pelo contrário, não cabiam em si de contentes. Bornac experimentou uma sensação de pânico e aniquilamento. Ia deitar tudo a perder, arruinar-se para sempre. E quando a felicidade estava tão perto, quando lhe ia ser fácil refazer a sua vida e esquecer o passado. Poderia até escapar ao perigo da vingança que o aguardava na pessoa do hercúleo pistoleiro.
Mas era inútil tentar fugir ao inevitável, encontrava-se só naquele transe e tinha de enfrentá-lo. Só como apenas o pode estar o homem que se coloca acima dos demais e julga as suas paixões e os seus erros.
O júri esperava, com impaciência, que o mandasse retirar-se para deliberar. Eram amigos de Salinger, mas o seu veredito seria «inocente». Bastava ver-lhes o rosto resoluto.
Bornac inclinou-se para a frente e falou, com voz fria e dura:
— Este Tribunal, fazendo uso das atribuições que lhe conferem as leis do Estado, deseja tornar conhecidos certos factos que não foram tomados em consideração pelas partes declarantes, talvez por não possuírem os elementos necessários.
O ambiente pareceu arrefecer subitamente e as feições da assistência endureceram. O xerife engoliu em seco, Sue pareceu petrificada e Salinger levantou vivamente a cabeça.
— Em primeiro lugar — prosseguiu o juiz —, apontou-se como motivo do crime a paixão amorosa, o que é absurdo, seja Ben Kenetzky culpado ou inocente, pois não se encontraram os mais leves vestígios de luta, como aconteceria se alguém houvesse intentado ultrajar a filha de Potter. O assassínio de Poter foi premeditado friamente. Quanto à rapariga, o seu desaparecimento explica-se facilmente: ninguém a sequestrou ou lhe fez mal, partiu por sua própria vontade e de acordo com o assassino.
Levantou-se um murmúrio, fraco ao princípio, mas que, a pouco e pouco, se transformou em algazarra.
— Dá-se conta, senhor juiz, de que...? — articulou, trémulo, o delegado Sanders.
— É um mentiroso, juiz! — gritou Sue, que se pusera em pé. — Um sujo mentiroso!
Bornac esperou um momento que a calma se restabelecesse, mas foi «Seis Dedos» quem impôs a ordem:
— Silêncio! — gritou com a sua voz aguda, metálica.
— Potter foi assassinado para ser roubado -- acrescentou o juiz, imperturbável. — Encontrava-se só na cabana, pois Rosy partira antecipadamente, para não estar presente quando o crime ocorresse. Foi ela quem facilitou ao assassino todos os pormenores acerca do esconderijo onde o velho guardava a sua fortuna, uma fortuna em pepitas de ouro acumulada nos seus tempos de mineiro. Compreendo os sentimentos que durante muito tempo agitaram a jovem, confinada num sítio selvagem e sabendo que o pai era rico e poderia proporcionar-lhe outro modo de vida. Foi isso que a levou a aceitar o plano do companheiro, naturalmente alguém em quem depositava grande confiança.
Bornac dirigiu-se ao xerife e ordenou-lhe, com voz forte:
— Xerife Danielson, mande trazer Rosa Potter a este tribunal!
Nova algazarra, mas de natureza diferente. Sue deixou--se cair lentamente na cadeira e os seus amigos imitaram--na. O testemunho mais convincente era, porém, o rosto branco, descomposto, de Ben Kunetzky, que voltou rapidamente a cabeça para assistir à chegada da pessoa anunciada.
Rosy era uma jovem morena, de feições finas, cujos olhos denunciavam uma natureza apaixonada 'e violenta: eram negros, grandes, rasgados e sombreados por enormes pestanas.
Dirigiu-se com passo firme para a teia das testemunhas, ladeada por «Knap» Jim e Slocum, e fitou Ben.
— Lamento, Ben — disse-lhe. — Estenderam-me uma asquerosa ratoeira e eu caí nela.
— Não o lamente, Rosa — cortou o juiz, que assumira o papel principal. — Agradeça antes que, na minha visita à cabana do bosque, me houvesse apercebido de certo pormenor que provava encontrar-se viva. Não resistiu à tentação de voltar para levar os seus frascos de perfume, e não viu, ou não considerou importante, que deixava pegadas no quarto. Para atraí-la bastou fingir que havia fogo em sua casa.
E continuou, num tom mais forte, mais cortante:
— Mas não passa de uma pateta, acreditou de boa fé na promessa do assassino. Ele estava convencido de que nenhum tribunal o condenaria com as provas que existiam e sem encontrar-se o seu cadáver; estudara bem a sua cartada.
Fitou Ben, que parecia prestes a desmaiar, e perguntou-lhe:
— Foi esta a sua brilhante ideia, não é verdade, Ben Kunetzky? Sabido como é que nunca se recorda de nada depois de uma bebedeira, não negaria a sua culpabilidade, limitar-se-ia a escudar-se atrás da afirmação de que ignorava o que se passara. Eram muitas as contradições existentes e tinha esperança de que a opinião dos seus concidadãos se voltasse contra Tony Salinger, mulherengo, fanfarrão c malcriado devido à brandura de um pai que lhe desculpava todas as malfeitorias. Claro que se expunha a ser linchado, mas nesse caso lá estaria sua irmã Sue, o xerife e muitos outros para o defenderem.
As suas palavras, como machadadas firmes, derrubavam infalivelmente a farsa inventada por Ben.
— Rosy contou-lhe o segredo da fortuna do velho mineiro, e você viu aí uma oportunidade para escapar à sua vida de falhado. Convenceu a rapariga de que o melhor seria tirar o tesouro ao velho e fugirem juntos, para qualquer sítio longínquo, mas não lhe disse que para isso o mataria. Claro que, depois, procurou-a e contou-lhe o que acontecera, como se fosse um acidente.
— E foi! E foi! Foi um acidente! — gritou Ben, levantando-se.
— Mente! Sempre pensou acabar com ele... e depois com Rosy. Se a deixou viva, ao princípio, foi porque isso convinha à sua defesa, pois uma vez solto procurá-la-ia e assassiná-la-ia de facto, enterrando-a em qualquer ponto da montanha onde ninguém a encontraria nunca. Ninguém saberia nunca, também, que tinha uma fortuna nas mãos. Não é verdade? Ela devia manter-se oculta até você se lhe juntar, sem saber que esperava um assassino.
Ben caiu para o chão. Soltou uma espécie de uivo, agitou-se como se mãos potentes lhe apertassem o pescoço, enquanto da boca lhe escorria uma espuma esverdeada e os olhos se lhe reviravam.
Bornac soltou um suspiro de alívio. Fora melhor assim, o rapaz era epilético e talvez o mandassem para um manicómio.
Tudo terminara. Os esbirros levaram o preso, que continuava a espernear e a contorcer-se, e a assistência foi saindo. Salinger ficou uns segundos parado, a fitá-lo, e depois saiu também.
Na sala ficaram apenas «Seis Dedos» e ele próprio. O pistoleiro fitava-o com fixidez.
Bornac levantou-se, saiu de detrás da mesa e deu alguns passos na direção do gigante.
— Pronto, «Seis Dedos», é justo que pague agora as minhas dívidas. Não tenciono fugir ao encontro.
— Eu sei, juiz. Mas diabos me levem se tenho a mínima intenção de o defrontar! É preciso muito mais coragem para fazer o que o senhor fez do que para defrontar outro homem com um revólver na mão.
Sorriu e continuou:
— Vi o que lhe custou cada palavra que pronunciou, era como se se abrisse a si próprio e dilacerasse as entranhas, para delas extrair um tumor. Garanto-lhe que eu não seria capaz de fazê-lo. Adeus, juiz, felicidades.
Deu meia volta e afastou-se. Bornac ficou só e encolheu os ombros, num movimento instintivo de defesa, percorrido por um frio estranho.
Pegou nos livros, como um autómato, a pensar que noutras partes do mundo homens como ele deviam experimentar aquela desagradável sensação de serem os únicos sobreviventes de uma grande catástrofe.
Sim, porque era uma grande catástrofe arrancar um ser humano da sociedade, por muito criminoso que ele fosse, e anulá-lo, fazê-lo desaparecer de entre os demais.
Sempre que se via obrigado a proceder de modo semelhante, o juiz sentia um choque, uma comoção, e identificava-se com o condenado, sentia-se desamparado ante o poder absoluto da Justiça.
«Porque a Justiça é uma grande consciência coletiva, a suprema consciência que rege o Universo.»
 Saiu para a rua, com passo largo e seguro, e a luz violenta do sol ofuscou-o, por instantes.
Iria buscar o cavalo e depois sairia da cidade, do próprio Oeste. Deixaria de ser juiz, de realizar aquele esforço sobre-humano de estar acima dos seus semelhantes, à custa de desumanizar-se...
De súbito, viu-a. Caminhava de cabeça pendida, caídos os braços ao longo do corpo, enquanto Rosy, a seu lado, tentava consolá-la.
Bornac sentiu que qualquer coisa se quebrava dentro de si. E, afinal, por que não? Por que evitar a verdade das coisas? Nem deixaria de ser juiz, nem sairia do Oeste, nem sequer abandonaria aquela cidade.
Lutaria para que Sue o compreendesse, embora isso não fosse questão de um dia ou de um mês. Talvez passassem anos, mas no fim alcançaria a vitória, conseguiria que Sue Kunetzky esquecesse o que se passara.
«Porque a Justiça é também da vida o triunfo».

sábado, 15 de julho de 2017

BIS135.9 A Justiça perfeita é a morte

O juiz esteve a conversar com o xerife durante muito tempo, e o representante da Lei na cidade de Marte não se cansou de acenar com cabeça, em sinal de assentimento.
No fim da entrevista a sua expressão traduzia grande preocupação.
— Amanhã se decidirá — concluiu Bornac —, mas não deixe de fazer o que lhe disse.
— Fique descansado.
— Procurarei o delegado e o defensor e pôr-me-ei de acordo com eles.
Saiu. Entardecia e um ventinho agradável afagou-lhe o rosto. No seu caminhar lento e seguro, o juiz dirigiu-se para casa. Não sabia porquê, mas parecia-lhe notar uma tensão estranha no ambiente, talvez por se encontrarem na rua poucas pessoas e de essas andarem com passos rápidos, como se também aguardassem algum acontecimento importante.
Parou diante do restaurante mexicano e observou os arredores. Tinha a certeza de que Salinger não se daria por vencido apenas por estar fora de combate o seu principal pistoleiro. Receava, até, ter de haver-se com «Seis Dedos».
Estranhou, portanto, não receber as «boas-vindas» de ninguém, para as quais se preparara.
Ao entrar no salão do «Chaparral» compreendeu que a tensão, ali, atingira o auge. Todos os olhos se fixaram nele, negros e brilhantes, com uma espécie de religioso temor.
Não tardou a compreender porquê. A um canto, sentado junto de uma mesita, encontrava-se um homem que logo reconheceu: o mesmo indivíduo magro e' desgracioso que cruzara consigo no hotel de Winslow e defronte da casa de Salinger.
Mal o viu, o homem levantou-se e ficou um pouco de lado, com a mão direita perto da anca e um sorriso velhaco no rosto de cavalo.
— Viva, juiz — saudou. — O senhor não me conhece, mas há algum tempo já que somos amigos.
Bornac refletia. Talvez fosse, outro pistoleiro contratado por Salinger, como parecia confirmar o pormenor da sua presença perto da casa do rancheiro... Mas, sendo assim, por que estivera também em Winslow?
Como se lhe adivinhasse os pensamentos, o desconhecido desatou a rir, com um riso agudo e sem alegria.
-- Sim, juiz, Salinger tem-me ao seu serviço... desde hoje. A verdade, porém, é que o senhor e eu somos sócios há já algum tempo, e eu vim precisamente. recordar-lhe que essa sociedade não deve acabar.
De súbito, Bornac soube quem era aquele homem, e um fogo estranho queimou-lhe as entranhas.
Como que a confirmar as suas suspeitas, May, a antiga bailarina agora sua esposa, desceu a escada com o olhar febril cravado nele. Era aquele, sem dúvida, o indivíduo que os explorava, o causador de Bornac se haver convertido num miserável vendedor de sentenças, o homem que tinha em seu poder o filho de May e seu.
— Já disse a May que essa sociedade deixara de existir -- declarou o juiz, serenamente. — E não ressuscitará,
— Não? Julga que não cumprirei... o que o senhor sabe?
Bornac sorriu. Sentia-se forte, poderoso, desde que tomara a decisão de cumprir o seu dever. Por outro lado, o fantasma que tanto tempo o atormentara deixara de o ser. ,
— Você não fará coisa nenhuma — afirmou, sem hesitar. — Primeiro, porque não tem coragem, e segundo, porque terá de enfrentar-se comigo diretamente, sem se escudar nas saias de uma mulher.
O chantagista não modificou nem a expressão nem a posição.
May desceu o resto da escada e foi ao seu encontro. –
— Não, por favor! Não consintas, Mo, que faça mal ao nosso filho! Não tens o direito de o consentir!
A singularidade da situação alertou o juiz, cujo cérebro funcionava ativamente.
— Fica onde estás! — ordenou, com voz severa.
Mas, sem fazer caso, May tapou com o corpo o esganiçado chantagista.
— Mo, por que não queres ajudar-me?
De súbito, sem saber como, pareceu-lhe que as suas feições se modificavam, que as orelhas lhe cresciam e tomavam a forma de poços escuros. Era uma nova May que se lhe revelava, desconhecida, uma nova May em cujas feições trémulas se viam as marcas, não do sofrimento, mas da devassidão, do vício. Até a sua voz soava diferente:
— Julgas que não sei o que fizeste esta tarde? — gritou fora de si. — Deste uma sova a um homem por causa de uma mulher qualquer, que anda por ai à frente de uma quadrilha de bandidos, e vais absolver o irmão só porque ela te subiu à cabeça... A mim deixavas-me, mas não terás sorte nenhuma, não levarás a tua avante!
Deu um salto para o lado e o juiz compreendeu a razão do seu comportamento. O seu cúmplice, pois agora já não duvidava de que o era, apontava-lhe o revólver, com um sorriso ainda mais perverso.
— Como vê, juiz, não vale a pena armar-se agora em santo. Ou atua de acordo com o combinado, ou o faremos em polpa.
 — Não te livrarás de mim com essa facilidade! — continuava a berrar a mulher. — Tira-lhe os revólveres, Dunley, é perigoso como uma cobra. E depois... o que merece! Perder a cabeça por um desavergonhada e querer tratar-me, a mim, como um trapo velho! Quebra-lhe os ossos, Dunley, desfaz-lhe a odiosa cara!
Dunley avançou alguns passos na direção de Bornac.
— Ela está um pouco excitada, juiz, mas eu não sou assim tão mau... Vamos, solte o cinto. Aconselho-o a não tentar qualquer tolice, a partir deste momento, pois estarei sempre ao seu lado, mesmo quando dormir.
Bornac compreendeu que a sua situação era perigosa Não duvidava de que Dunley fosse capaz de converter-se em seu cão de guarda, até ao julgamento. Claro que não poderia impedi-lo de ditar a sentença que lhe parecesse justa, mas mal o fizesse mandá-lo-ia para o outro mundo.
Confiariam na sua missão depois de desarmá-lo e de lhe darem, talvez, uma sova. Salinger era homem astuto e não hesitara em associar-se com aquela criatura repugnante.
Com gestos lentos, desapertou o cinto. A assistência procurou imediatamente pontos estratégicos de onde pudesse assistir ao que ia passar-se sem arriscar a preciosa pele.
— Não conseguirá nada — declarou o juiz, sempre sereno. — O melhor será acabar comigo de uma vez, pois se não o fizer não descansarei enquanto não o apanhar. Mandá-lo-ei perseguir em todos os Estados, por sequestrador e chantagista. Não é esperto, amigo, devia ter avaliado melhor a espécie de adversário que escolheu.
— Maldito rábula! — berrou o outro, de feições contraídas. — A dar-se ares de homem forte, hem?
Em duas passadas colocou-se diante de Bornac, levantou o braço comprido e esmurrou-o no queixo. O juiz recuou, a cambalear, e Dunley seguiu-o e levantou de novo o punho.
Mas uma voz aguda e incisiva conteve-o:
— Larga o revólver, Dunley!
O juiz, que recuperara o equilíbrio, observou a nova personagem do drama: «Seis Dedos» erguia-se como um gigante e cobria quase todo o vão da porta.
Não empunhava armas, mas todos sabiam que não era preciso — inclusivamente o chantagista, que girou nos calcanhares com o repelente sorriso a arrepanhar-lhe os lábios, falso como Judas.
— Por que te metes nisto, «Seis Dedos»? — indagou. — Sabes que Salinger...
— Para o diabo com o Salinger! — replicou, irritado, o outro. — Serviste-te de um truque nojento para apanhares esse homem, e não o tolerarei. Se queres acertar contas com ele, hás-de fazê-lo segundo o código do Oeste.
O chantagista encolheu os ombros e replicou:
— Mas eu... cumpria ordens de Salinger.
— Já te disse que quero que o Salinger vá para o diabo. Apanhe os seus revólveres, juiz.
Bornac quase não acreditava na sua sorte — uma sorte, aliás, muito discutível, pois percebia que Ç<Seis Dedos» lhe facilitava a defesa para ter a oportunidade de defrontá-lo ele. .
Isso, porém, não lhe metia medo. Apressou-se, pois, a cingir o cinturão.
— Obrigado, «Seis Dedos». Agora, Dunley, tens apenas .um minuto para decidir: ou te entregas voluntariamente à prisão, como sequestrador e chantagista, ou disparas contra mim.
Deu uns passos para o fundo da sala, e o outro torceu o pescoço e fitou May, que recuara para a escada, a tremer.
— Se optares pela segunda alternativa, Dunley — disse o gigantesco pistoleiro mete o revólver no coldre e afasta-te até ao balcão. Terão de cumprir-se as regras do jogo.
Se o bandido tinha outras ideias, aquela advertência tirou-lhas. Suava. Por fim, sem apanhar a arma que deixara cair por ordem de «Seis Dedos», gritou:
— Ao diabo com tudo isto, juiz! Não sou sequestrador. E quanto a ir-lhe às massas, isso era ideia dela.
— Que queres dizer?
Bornac começava a compreender, mas nem se atrevia a pensar que durante tanto tempo fora vítima de tal conjura.
— O seu filho... Bem, é mentira que o tenha, morreu pouco depois de nascer. Porém, quando do incêndio de Flagstaff...
May soltou um grito estridente e precipitou-se para Dunley:
— Mentira! Mentira!
Agarrou-o pelo pescoço e arranhou-lhe a cara com as unhas. O bandido bateu-lhe com punhos na cabeça, mas ela não o largou. Assistiu-se, então, a uma estranha dança: a bailarina agarrada a ele com todas as forças, a proferir palavrões, e Dunley a praguejar e a tentar soltar-se.
Por fim o pistoleiro tomou uma medida radical: tirou o revólver esquerdo e, sem que Bornac ou «Seis Dedos» tivessem tempo de intervir, disparou várias vezes contra a mulher.
Esta, no entanto, manteve-se ainda alguns segundos com as mãos presas à cara do cúmplice, e depois, com um estremecimento incrível, deixou cair a cabeça para trás e deslizou suavemente para o chão.
Bornac correu para o seu lado, ajoelhou-se, amparou--lhe a cabeça, mas logo a largou, com cuidado. Nada podia fazer, May Zender deixara de existir.
Com ela morrera um triste passado, uma época negra da vida do juiz. Tentou desculpá-la, compreender as atrozes circunstâncias em que se vira. Quando a encontrara em Flagstaff, acusada de um crime, talvez não fosse verdade que Dunley a ameaçasse de matar-lhe o filho; mas era certo que se servia dela para os seus negócios, que exercera sobre a sua vontade e um poder demoníaco.
May não mentira ao pedir-lhe que não a deixasse. Obrigada a enganá-lo, devia pensar que a sua salvação estava com o seu antigo amor, com o homem que a desposara e lutara por ela.
Mas Bornac, após o segundo encontro, não lhe demonstrara mais do que piedade.
Levantou-se e voltou-se lentamente para o bandido. Este continuava a tremer e a arquejar, com o sangue a escorrer da cara arranhada.
— Maldito assassino! — gritou o juiz, com voz rouca. — Vamos, empunha a arma!
Dunley fitou-o com desespero. Não tinha fuga possível e o medo arranhava-lhe a garganta, como um gato assanhado.
— Foi ela! Foi ela! — gemeu. — Juro que foi tudo urdido por essa maldita. Pensou que, se lhe fizesse crer que o seu filho vivia e estava sob a minha ameaça, o senhor a livraria de apuros. Como percebeu que era fácil explorá-lo...
— Pega na arma, cão tinhoso!
Talvez fosse verdade o que dizia, mas isso não importava ao juiz. Estava convencido de que, se May chegara a tais extremos, fora por se haver corrompido na companhia daquele canalha.
Encurralado, sem vislumbrar salvação possível, Dunley tirou o revólver que metera no coldre direito. Era rápido e ágil no domínio das armas.
Mas sofreu a tortura de o juiz o deixar tirar o «Colt» e de quase o apontar. Em seguida viu incendiar-se o olhar de ferro do antagonista e viu ainda, por três vezes, o fulgor vermelho das detonações. Só então mergulhou no nada.
Consumada a sumaríssima justiça, o juiz sentiu como que um desfalecimento. Guardou lentamente a arma e voltou-se para «Seis Dedos». Era a sua vez.
— Suponho que Salinger não quererá, agora, que eu seja o juiz, não é verdade? — perguntou. — Estou à sua disposição, «Seis Dedos».
O outro não se moveu. Vigiava Bornac e quantos se encontravam na sala, sem se atreverem a mexer-se, com os olhos dilatados.
— A minha conta pode esperar, juiz — declarou. Julgará Ben Kunetzky e garanto-lhe que não se lhe levantarão obstáculos. Mas quando acabar de ditar a sentença, juro-lhe que não haverá força humana capaz de impedir-me de matá-lo. Ponha-se, pois, de bem com a consciência e proceda como melhor lhe parecer.
Quando saiu do vão da porta todos respiraram, mais aliviados. O juiz foi sentar-se a uma mesa, invadido por uma calma gelada. Estava certo de que «Seis Dedos» não falava por falar, de que aquele seria, sem dúvida, o seu último julgamento.
Esperava-o um juiz superior, que o julgaria por seu turno. Eram poucas as probabilidades que tinha de es-capar com vida. Claro que lhe restava o recurso de abandonar, de fugir, mas isso era urna coisa que não fazia sentido, assemelhava-se a subir ao alto de urna montanha e pretender que era imortal.
«A justiça perfeita é a morte, e o melhor juiz é aquele que não a teme e a serve até ao fim.»

sexta-feira, 14 de julho de 2017

BIS135.8 A Justiça é a mais formosa das amantes

Tony abraçara Sue pela cintura e procurava-lhe afanosamente os lábios para beijar-lhos. Ela propinou-lhe um encontrão e afastou-o.
— Maldito sejas, Tony Salinger! — gritou com ira, os olhos cinzentos flamejantes. — Como te atreves? Tu, asqueroso assassino?
O jovem corara, facto a que não era alheio, tirando a paixão amorosa, o uísque que ingerira, e atirou-se a rapariga.
— Vou domar-te, ferazinha! — silvou. — Quem pensas que és? O teu pai foi um borracho e o teu irmão um assassino de velhos. Por que te dás tantos ares?
Sue retrocedia, mas ficou aprisionada num canto. Tony soltou uma gargalhada.
— Já viste? Sempre se chega a um ponto em que já não é possível retroceder.
— Matar-te-ei, Tony; farei com que te arranquem a pele a chicotada.
— Vamos, vamos. Eu só quero que repares no que sinto por ti, Sue. E serás uma idiota se não aproveitares a oportunidade. Ouve...
Tocava-lhe. Ela podia ver o diabo da luxúria retorcendo-se no fundo dos negros olhos do rapaz. O seu bafo era ardente, como o de um animal com cio.
— Posso fazer um pacto contigo, Sue. Quando forem pendurar o teu irmãozinho, impedirei isso com os meus homens e fá-lo-ei sair da região. Hem? Ninguém te dará mais pela pele dele. Mas tu...
Apertou-a nos braços. Sue levantou uma perna e incrustou o joelho entre as virilhas de Tony, que deixou fugir um berro e se inclinou para trás, momento que a jovem aproveitou para escapulir-se.
Lívido, fora de si, o dom-joão foi-se recompondo. Gotas de suor escorriam-lhe pela testa.
— Vou-te... Juro que te vou...
Correu atras dela e apertou-a contra a mesa. Sue esbofeteou-o e deu-lho pontapés nas pernas, mas Ton não afrouxou a sua pressão. Por fim a rapariga mordeu-lhe com ferocidade uma das mãos.
Salinger Júnior soltou novo grito. A sua cólera subiu ao rubro branco. E bateu com sanha na sua vitima, se se importar já que fosse mulher e estivesse indefesa.
Foi esse o momento escolhido pelo juiz para fazer a sua entrada.
O apaixonado moço não se apercebera do anormal silêncio que reinava la fora, quando seria natural que aparecessem os seus homens ao ouvir a luta que sustentava.
Roy arrastara consigo vários amigos e conduziu-os, juntamente com o juiz, de modo a cercarem a quebrada e a tomarem de surpresa a cabana.
E ali estavam. Bornac, uma vez dominados os bandidos de Salinger, após meterem-lhes os canos das carabinas nas costelas e porem em liberdade os companheiros de Roy, precipitou-se para dentro de casa.
O quadro que se ofereceu a seus olhos revoltou-o a ponto de converte-lo numa fera.
Fosse outra a jovem maltratada e sentiria o mesmo, porque o espetáculo mais repugnante aos olhos de um verdadeiro homem é ofender as mulheres.
Caiu sobre Tony e agarrou-o por um ombro, obrigando-o a voltar-se. Durante instantes, o jovem, não o reconheceu. Depois tornou-se intensamente branco.
— Porco! — cuspiu o juiz.
E assestou-lhe um violento murro no meio da cara, como se quisesse esborrachar-lha, converter-lha em polpa.
Mas Tony desviou a cabeça rapidamente e o golpe alcançou-o apenas de raspão, embora o fizesse girar como um pião e voar ate um canto do aposento.
O seu corpo chocou com o armário e as tigelas que este continha dançaram e algumas partiram-se. Mas conseguiu segurar-se a tuna das esquinas e sacudiu a cabeça para recompor-se.
Quando já começava a ver claro, o seu inimigo deu um salto e aproximou-se.
— Vou partir-te um a um todos os ossos!
A mulher retirara-se para, um canto e contemplava a cena com um misto de espanto e de ansiedade. Viu o juiz embeber os punhos uma e outra vez no corpo de Tony e sacudi-lo como uma pela.
Largou-o e parou de bater. Parecia espiar as suas reações, esperar que se refizesse para fazer-lhe sentir de novo o castigo. Tony baqueava e os braços pendiam--lhe, flácidos, inertes.
Mas, de repente, precipitou-se contra o outro homem e desfechou-lhe uma cabeada no peito, obrigando-o a retroceder. Depois pulou com agilidade por cima de uma cadeira derrubada em direção a porta.
O juiz atirou-se-lhe as pernas e deitou-o ao chão. A cabeça de Tony embateu na porta com fragor. Mas tinha o crânio duro.
Mal tocou o solo, saltou sobre o adversário e deitou--lhe as mãos ao pescoço. Mas foi projetado pelo poderoso   arqueamento do espinhaço que cavalgava e deu duas voltas sobre as suas contas, no afã de fugir.
Pôs-se de joelhos e olhou com louco terror as pontas das botas de Bornac que se lhe pusera diante e o esperava.
Carregou polo meio, com desespero, disposto a destruir a implacável figura. Mas encontrou-se com uma joelhada que lhe esborrachou o nariz, do qual o sangue começou a jorrar.
Aquilo acabou definitivamente com a sua razão. Como as belezas oficiais, o peralvilho tremia pela conservação do seu físico. A descoberta de que pretendiam desfigura-lo punha-o fora de si.
Com um grito penetrante, infra-humano, pôs-se em pé e atirou-se para a frente, descarregando murros no ar, sem ver, cego de dor e de raiva.
— Por favor... — gemeu Sue.
Mas Bornac encontrava-se também dominado por uma febre que o tornava implacável, brutal.
Com um soco direto deteve-lhe o avanço e deixou ir o seu outro braço em curva, num gancho esmagador, que acertou cm cheio no queixo de Tony.
Este ergueu-se a um palmo do solo. Antes que o tocasse de novo, recebeu um terceiro murro em que Bornac enviou todo o seu peso e que lhe meteu dentro o epigastro, dobrando-o e quase lhe arrancando as tripas pela boca.
Se não aconteceu isso, pelo menos Tony começou a vomitar como uma mulher gravida, encolhido, esticando--se a cada arranco e comprimindo-se seguidamente.
Oferecia o espetáculo mais desagradável que se possa imaginar, com a tez amarelenta e os olhos fora das Orbitas, o cabelo revolto e sujo de porcaria.
O juiz agarrou-o então pelo pescoço e esfregou-lhe o rosto nas suas pr6prias fezes.
— Deixe-o, deixe-o agora! — gritou Sue, que se aproximou para agarrar Bornac.
Pouco a pouco este foi-se recompondo da sua vertigem e virou-se para olhar a rapariga. Notou então que o fitavam com espanto Roy e os seus companheiros, que havia um bocado se encontravam dentro da sala.
— Levem-no daqui — ordenou com voz sibilante que a si mesmo surpreendeu. — Ponham-no a caminho e que vá para a cidade a pé. Talvez lhe faca bem que o vejam nesse estado.
Entre Zac e um peludo, de potentes ombros e braços compridos, carregaram o arruinado Tony Salinger e tiraram-no de casa.
Sue disse:
— Foi muito oportuna a sua chegada, juiz. Mas talvez não fosse necessário tanto alarde. No fim de contas, também sei defender-me.
Havia tal incongruência na sua afirmação que Bornac esteve tentado a imitar o derrotado Tony e a propinar uns acoites a cabeçuda criatura. No entanto dominou-se e um sorriso distendeu-lhe os lábios finos.
— Bem vi.
Ela observava-o de modo especial, que teve o condão de pô-lo um pouco nervoso. Parecia ter descoberto o sentimento que lhe inspirava.
Por um momento, pela imaginação do juiz atravessou a ideia de que, se Ben fosse absolvido, talvez ela desistisse do seu ódio. Mas quase imediatamente o invadiram em aluvião as suas recordações.
Nao tinha sequer o direito de pensar naquilo. A simpatia que a formosa mulher despertara no seu corarão estava tao fora de propósito como o incómodo que pudesse causar-lhe um sapato apertado durante a apreciarão de uma causa.
«A Justiça e a mais formosa das amantes, mas não admite rivais. Quem se consagra a ela, tem de morrer abraçado a sua perfeição, como uma espada de luz que atrai e fere ao mesmo tempo».
Roy murmurava qualquer coisa ao ouvido da rapariga e ambos tinham os olhos cravados nele. Sue foi ao seu encontro.
— Roy disse-me que o senhor atacou e venceu «Seis Dedos». Porque? Que espécie de farsa traz entre mãos? Todos sabemos que Salinger o mandou vir e que esta decidido a tudo desde que o seu precioso rebento não sofra dissabores.
O juiz abriu a boca para explicar o que sucedera e em que ela fora parte importante, mas fechou-a sem articular palavra. Acaso tinha aquilo sentido em semelhantes circunstancias?
— E se experimentasse acreditar em mini? — foi o que disse.
— Como? Pensa que não estamos informados das suas tram6ias, da serie de criminosos que livrou da forca ou dos infelizes que mandou para ela, a troco de dinheiro? Salinger pagou-lhe, juiz, não nos resta duvida. E Salinger quer que o senhor lhe garanta que meu irmão será enforcado.
— Tem razão... até certo ponto. Mas imagine que eu... não concordei com o prego, ou que resolvi portar--me bem...
Sue sacudiu os dourados cabelos num gesto de impaciente irresolução.
— Bem. Pois sinto ter de dizer-lhe, juiz, que não podemos competir em preço com Salinger... se é isso que procura.
Bornac sentiu apoderar-se de si um desespero sem limites. Notava que eram inúteis os seus argumentos. Mais do que eles contava o seu historial e o facto de ter sido mandar chamar por Salinger.
Encolheu os ombros, resignado a não discutir.
— Está bem. Mas lembre-se de que, seja como seja, hei-de julgar seu irmão. E o melhor é que me preste toda a sua ajuda.
— Em quê?
— Essa historia do desaparecimento de Rosy, a filha de Potter, parece-me cada vez mais estranha. Quero visitar o local, ou seja, a cabana onde se praticou o crime, e também o ponto onde viram o seu irmão pela primeira vez.
Sue, que se notava visivelmente não entender a atitude do juiz, deitou uma olhadela a Roy e, em seguida, ergueu-se desafiante.
— Se pensa que...
Mas Bornac interrompeu-a bruscamente: — Deixe-se de parvoíces! — berrou. — Terá de confiar em mim, por mais que lhe pese. E a sua única probabilidade. Essa ou o linchamento.
— Mas eu não quero que...
Bornac aproximou-se dela e inclinou-se para dizer--lhe:
— Ainda não compreendeu? Ben, seu irmão, já está condenado. Qualquer juiz o absolveria, de acordo, talvez por falta de provas. Mas Salinger é quem dita a sentença e, de uma forma ou de outra, será pendurado de uma corda. Para que Salinger tenha as mãos atadas, é necessário que se demonstre com toda a espécie de provas a inocência de Ben e, evidentemente, a culpabilidade de Tony. Compreende agora?
Ela não respondeu. Por força a sua intuição feninhinha lhe descobriria a poderosa atracão que exercia sobre o juiz, mas não conseguia perceber com clareza as suas intenções, visto ele nada lhe pedir.
Roy interveio naquele momento.
— Juiz, estou pronto a acompanha-lo a cabana de Potter. não fica muito longe daqui.
Em silencio, a jovem viu-os sair. La fora encontravam-se ainda os homens de Salinger que tinham ido a quebrada na companhia de Tony. Entre eles, viam-se os dois gorilas da noite anterior.
— Que fazemos deles, Roy? — perguntou o jovem do cabelo cortado as tesouradas.
Roy olhou para Bornac e este respondeu:
— Atem-nos em cadeia e dois de vocês conduzam--nos a pé até a cidade. O passeio acalma-los-á durante uma temporada.
— Ouviram, rapazes? — indagou o anão com petulância. — Em marcha!
Por seu turno, uma vez que o juiz e ele já se encontravam a cavalo — um dos quais emprestado para o efeito por um dos companheiros apontou para o fundo da quebrada, e os dois animais trotaram durante meia hora.
Atalharam por um desfiladeiro coberto de altos pinheiros e de abetos, em cujo centro se divisava o serpentear de um arroio.
Subiram por uma das encostas, desceram um grupo de rochas, com moitas de mimosas entre elas, e empreenderam a descida da encosta de outro desfiladeiro ainda maior do que o primeiro.
— Aquela é a cabana de Potter — apontou Roy para um lugar coberto de arvores. — Era um tipo esquisito o velho. Contava-se que foi mineiro em Nevada.
— E vivia aqui sozinho com a filha?
— Sim. Na realidade, Rosy, como acontece com Sue, podia fazer as mesmas coisas que qualquer homem, ou ainda melhor. Sabia manejar todo o género de armas, montar a cavalo e seguir uma pista. Em pequenos, elas duas e Ben eram inseparáveis, e conheciam estas paragens como as palmas das suas mãos.
Aproximaram-se do sitio indicado pelo baixote. Assemelhava-se a uma plataforma rochosa, muito ampla, ao fundo da qual se erguia a cabana, feita de troncos por aparelhar.
Sem dúvida, tratava-se de um lugar agreste, de selvagem beleza. O juiz e Roy atravessaram o pequeno terreiro que se estendia diante da tosca vivenda e penetraram nesta.
— Potter estava estendido aqui dentro, com a cabeça desfeita.
Os olhos do juiz percorreram todos os cantos do aposento. Os objetos e os móveis que continha encontravam--se em ordem.
— Isto achava-se assim ou arranjaram-no depois? —interessou-se.
— Não. Ninguém lhe tocou.
— E o quarto de Rosa?
Passaram a ele. Era uma divisão mais reduzida, onde se combinavam certos elementos modernos com os da mais pura vida selvagem. Peles de animais, castores e lontras, cobriam o leito e as paredes; como cabides, viam-se penduradas cabeças de veados, iguais às existentes na sala principal. E tudo como se acabasse de ser arrumado, embora houvesse pó sobre as coisas, o que provava a ausência dos moradores.
— A ideia acerca de como se praticou o crime —comentou Roy, que assumira o papel de informador —, é que Ben entrou bêbado na cabana e se meteu pela certa com Rosy, que encontrou sozinha. Então, a rapariga fugiu de casa. Foi nesse momento que chegou o velho e que Ben o golpeou, matando-o. Depois, saiu à procura dela e suspeita-se que deve tê-la encontrado e assassinado também. Por isso tinha o seu lenço. Deixou o corpo em qualquer parte do monte e os abutres e os corvos devoraram-no.
— Sim, talvez. Mas é surpreendente que um bêbado não tenha atirado ao chão nem um tacho. Quanto a Rosa...
O juiz cravou os olhos num ponto do quarto, no toucador. Havia um pormenor ali que lhe parecia incongruente, embora não soubesse qual. De repente caiu em si.
Aquele móvel, o tabuleiro superior especialmente, tinha pó como os demais, mas nalguns pontos notavam-se espaços limpos, redondos.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

BIS135.7 A Justiça é dura e não pode abrandar com prantos

O moço do «Chaparral» foi ao seu encontro com maior pesar do que no dia anterior.
— Espera-o uma senhora no seu quarto, juiz — informou.
Bornac vibrou como se fosse submetido a uma descarga. Esperava ver-se por algum tempo livre daquele pesadelo.
No entanto, era preciso enfrentar também isso, pois estava convencido de que a mulher não podia ser outra senão May Zender; que soubera do seu paradeiro e voltava a carga.
Com efeito, era ela.
Vestia como sempre, de escuro, e as suas olheiras tinham aumentado. O seu aspeto patético perturbou o juiz.
— Não me censures por ter vindo — declarou. -- Tinha de vir.
— Disse-te que...
— Bem sei, bem sei. Mas não quer deixar-nos. Está aqui, Mo.
— Aqui? Na cidade?
— Sim. Quer estar certo de que não falaras, de que cumprirás o teu compromisso como ate agora. não sei quem o informou de que isto pode ser um assunto de muito dinheiro.
— Sim…
Bornac mergulhou em profundo mutismo. Sabia que ela espiava os seus gestos e converteu o rosto numa mascara de impassibilidade.
Tinham-no bem preso. Durante alguns minutos, o juiz experimentou a tortura mais espantosa. Compreendia que a sua atitude acarretaria a desgraça mais irreparável para algumas pessoas, inclusivamente para si.
— May, lamento. Desta vez chegámos ao fim.
Bornac contemplou-a em silencio durante segundos e confrangeu-se ao verificar a mudança que se operara nela. Quando a conhecera, era uma mulher formosa, atraente, cheia de vitalidade. Mas a vida tratara-a com muita dureza e por fim amarrara-a a um monstruoso cepo que lhe mordia a came e a desagregava pouco a pouco.
— Neste caso não atuarei como sempre, May — declarou o seu pesar. — Não posso. Não haverá dinheiro. Nem sequer posso garantir-te que consiga salvar a minha pele.
May retrocedeu ate chocar com o lavatório. Tinha os olhos muito abertos e os lábios trémulos.
— Mas, Mo, isso é... Tu sabes o que isso significa!
— Sim, mas não me importo. Procurarei esse homem, May. Falarei com ele e dar-lhe-ei a entender que não pode esperar mais nada, E quase certo que então...
A bailarina correu para o seu lado, com o rosto branco e convulso.
— Nao, não facas isso! Não tens o direito de fazê-lo!
— Porquê? Já o devia ter feito há muito tempo, May. Sempre me impediste. Esta situação é intolerável.
Estava furioso e afastou os braços que a mulher lhe tinha deitado ao pescoço.
— Não compreendes? Somos vitimas de uma fraude
May continuava desvairada e tremia dos pés à cabeça.
— Uma fraude?
Bornac parou diante dela.
— Assim mesmo. Ameaça-nos com uma coisa que não se atreveria a realizar, porque não haveria recanto da terra onde pudesse esconder-se para escapar as consequências do seu ato.
— E meu filho, Mo! E teu também.
Sempre aquele grito que o paralisava, que o levara a prostituir a sua função e a converter-se na personagem mais miserável do Oeste; num juiz subornável.
Conhecera May ao concluir os seus estudos e casara com ela. Mas durou pouco tempo a sua felicidade. A bailarina não estava habituada a uma vida tranquila e um belo dia levantou voo e partiu.
Procurou-a inutilmente, ate que a encontrou anos depois em Flagstaff. Soube que era pai de um menino; mas também soube outras coisas. Aquele fruto da sua came estava em poder do companheiro de May, um tipo repugnante que a obrigava dessa forma a servi-lo nas suas malfeitorias.
 O juiz pôde verificar a veracidade de quanto ela lhe disse, pois falou mesmo com os proprietários da granja onde tivera lugar o nascimento. E começou a sangria. O encontro com a mulher foi um golpe doloroso, mas não o maior. Esse vibraram-lho a seguir, ao considerarem-no a presa ideal para o chantagista
Deu-se o incendio. E a sua primeira concessão vergonhosa a injustiça. Hesitou muito, mas acabou por ceder, para não correr o risco de lhe matarem o filho. A seguir, começou a descer a encosta: cada julgamento uma venda. E a presença da mulher que o seguia para toda a parte, com as suas lagrimas, as suas suplicas.
— Repito que lamento, May. Mas não posso faze nada. Fui cobarde naquela ocasião, não medi bem alcance do que ia realizar, mas não estou disposto prosseguir.
— Matá-lo-á, bem sabes que o matará. O juiz contraiu os maxilares com força e cerrou os punhos.
— Talvez tenhas razão. Mas quem nos garante que algum dia o deixara livre? Juro-te, porem, que pensara muito antes de cometer semelhante crime. Falarei com ele, May. Esta decidido.
Não tinha outro remédio senão o de ser cruel. Bern percebia que o caso era diferente para os dois. Ela não atendia as suas razões, não lhe importavam, apenas queria, considerar o facto de que o filho ia sofrer.
«Mas a Justiça é dura e não pode abrandar-se com prantos».
Viu-a sair, rígida, pálida, com as feições alteradas. Então, Bornac procedeu a um rápido exame dos seus revolveres. Pressentia que teria de utiliza-los dentro em pouco.
Encheu as algibeiras de balas e desceu ao salão, onde comeu um ligeiro almoço.
Terminava-o quando ouviu vozes a porta do estabelecimento. A menção do seu nome pô-lo alerta. Seguido pelo desolado olhar do mogo e pelos comentários de vários comensais, atravessou a sala e transpôs a porta.
Confirmou a sua impressão auditiva. O individuo que gritava era o seu velho conhecido Roy, o pequeno amigo de Sue. Atras dele encontrava-se um homem com o dobro do seu tamanho em comprimento e largura.
— É assim que vocês sabem proceder, malditos cães piolhosos! — vociferava o anão. Estou certo de que foi o juiz quem os mandou deter Sue.
— Cala a boca, Roy — ameaçou-o o seu antagonista, com voz aguda, quase infantil. — E põe-te ao fresco se não queres que...
Mas Roy retesava com temeridade a sua fraca figura. Pulou como se lhe tivessem rebentado aos pés uns petardos e puxou dos revolveres. Mas não pôde tirá-los de todo; o seu corpulento inimigo apontava-lhe já o enorme «Colt» negro que sacara do seu flanco direito.
— Afasta-te, Roy — insistiu. E dá graças por eu não gostar de devorar homenzinhos de manhã cedo.
Roy não parecia resolvido a largar as armas. O juiz deu duas passadas e aproximou-se do alto.
— Que hist6ria é essa de terem prendido Sue? — perguntou.
Roy descontraiu-se e renunciou a servir-se dos revólveres. O seu rosto de macaco arrepanhou-se até agrupar as sardas numa só. O pistoleiro também meteu a arma no coldre e voltou-se para olhar o juiz.
— Não se meta nisto, Bornac.
— Quem é você para decidir essa questão?
— Não finja, juiz! — berrou Roy, que, apesar de tudo, não se dispunha a renunciar a sua belicosidade. — Você está alugado pelo porco do Salinger e sabe muito bem o que fizeram. E quanto a esse monte de esterco que tem ao lado, o seu nome é Durry Bolh, mas conhecem-no mais por «Seis Dedos». Não reparou na sua mão direita?
Com que então «Seis Dedos»! Desde os tempos de Billy o «Miúdo» que não se falava de um «gun-man» que tivesse a seu crédito tantos encontros resolvidos sempre a seu favor.
O juiz observou o singular defeito que lhe valera o apodo.
— Vejo que Salinger adquire para o seu serviço o melhor que existe — comentou. — Mas quem lhe disse que não sou parte na questão?
Durry efetuou um movimento de rotação e plantou--se diante dele, com as pernas ligeiramente entreabertas.
— O senhor é o juiz. Nada mais. E atuará no tribunal.
— Engana-se. Parece-me que o mais digno representante da Justiça popular não tem muito interesse em esclarecer os factos. Eu assumo essa responsabilidade. Ouvi falar, «Seis Dedos», que você não se presta a turvos manejos. Por que procede assim nesta ocasião?
O calmo rosto do «gun-man» não mudou de expressão. Era uma cara lisa, sem barba, onde a única cor provinha dos olhos negros, redondos, de pássaro...
— Eu não entro no assunto. Mas essa garota dos Kunetzky já tentou uma vez impedir que o senhor viesse aqui e que o julgamento se realizasse. Salinger não quer que isso tome a suceder.
— E mandou os seus homens prende-la, hem? Roy interveio de novo. Entretanto, tinham-se aproximado algumas pessoas e do restaurante saíram outras.
No grupo, Bornac distinguiu vários indivíduos que lhe pareceram assalariados de Salinger.
— Esta manhã apresentou-se na quebrada esse porco do Tony Salinger com meia dezena dos seus! E toda a gente sabe de que é capaz esse marrão quando tem uma mulher ao seu alcance.
— Falas demasiado, Roy! E eu não gostaria de obrigar-te a calar.
Apoderara-se do juiz enorme excitação ao ouvir as palavras do pequenote. Sue Kunetzky à mercê de Tony Salinger! Pelo menos, podia estar certo de que a incomodaria, se não tentasse algo pior.
— Isso é verdade, «Seis Dedos»? Tony Salinger está com Sue Kunetzky? E você consentiu semelhante coisa?
O pistoleiro fez um gesto de desgosto. Notava-se que não estava contente com o seu papel, mas que desejava ser fiel ao homem que o contratara.
— Por que pensa que tem de ser necessariamente mau? Se Tony Salinger...
— Isso não serve. Qualquer homem pode castigar uma ofensa, mas é mais importante impedi-la.
Deu um passo para afastar-se. «Seis Dedos» gritou:
— Não se mexa, juiz! Tenho ordem de obriga-lo a esperar que se realize o julgamento.
Aquela era a resposta de Salinger ao seu repto. Bornac fez um gesto que parecia de renúncia.
— Nesse caso...
Mas de súbito girou como um planeta louco e descarregou um furioso murro no queixo do «gun-man». Sentiu tremer o solo. O monólito humano que se lhe opunha separou-se da terra e foi cair algumas jardas mais além, levantando uma nuvem de pó.
Por efeito da pancada, o chapéu e os revólveres caíram-lhe, mas apesar disso logo ergueu a cabeça e dispôs-se a repelir a agressão. Contudo, Bornac não lhe permitiu que fizesse brilhar as suas habilidades.
Assestou-lhe um pontapé com a bota direita e estendeu-o definitivamente no solo.
— Vamos! — ordenou, dirigindo-se a Roy, que presenciara tudo de boca aberta. — Tem o seu cavalo aqui perto?
O pequeno saiu da sua imobilidade e correu por entre, a assistência.
— Siga-me, juiz.
Bornac foi atrás dele. Naquele momento reparou em May que o fitava com curiosidade, confundida entre a, multidão.
Isso esfriou-lhe o entusiasmo, recordando-lhe o problema que tinha de resolver. não podia exteriorizar os:' sentimentos que o tinham feito arder ao imaginar Sue em poder do galanteador rebento dos Salinger.
Porque se procedesse assim, não seria justo. E ele propusera-se sê-lo ate ao limite das suas forças.
— Aqui está «Raw», juiz. não faça caso do nome; pode com os dois.
— Terá de prova-lo.
Saltou para a sela com agilidade e Roy sentou-se na garupa. O cavalo, bicho nervoso como um aspirante à mão de uma princesa, fez uma cabriola e arremeteu contra os que enchiam a calçada.
— Que me esfolem se o entendo, juiz — declarou. Roy. — Sabe que «Seis Dedos» atira uma moeda ao ar, atravessa-a com um tiro e ainda lhe sobra tempo para repor a bala e meter a arma no coldre?
— E você também não sabia isso?
— Bom, sim...
Calou-se porque vertiginosamente produziram-se vários acontecimentos. A uma indicação sua, tinham tomado o caminho do norte. Os homens e as mulheres dispersaram.
Mas houve quem não se conformasse. Um vaqueiro do rancho «Campana» colocou-se no meio da rua e puxou da arma com velocidade extraordinária.
— Quieto, juiz! — preveniu. — Pare!
Bornac esticou as rédeas e o cavalo empinou-se. Ao mesmo tempo, uma cuspidela vermelha partiu do flanco do juiz. O vaqueiro levou a mão ao ombro direito, girou como um pião, acabou por chocar contra um poste e ficou sentado em terra.
— Demónios! Parece que nunca mais se vê livre de sarilhos, juiz.
Bornac não respondeu. Esporeou a montada e esta empreendeu um brioso galope.
Mas ainda não estava livre; ainda lhe seria necessário lutar muito. Todavia, o juiz estava decidido a dar batalha pela Justiça. O seu principal inimigo, sem dúvida, era ele mesmo. Porque ainda que o cérebro quisesse impor-se-lhe, não era a razão que o guiava para a cabana dos Kunetzky, mas outro sentimento que já era inútil negar que se apoderara de si. Estava apaixonado pela loura Sue; tao apaixonado como um doente pode estar pela vida.