sábado, 31 de dezembro de 2016

ARZ122. Quem é o criminoso?

 
(Coleção Arizona, nº122)
 
Um ex-agente da Pinkerton, estabelecido em Los Angeles e dedicando-se à investigação em moldes independentes, numa fase de grande decadência, é abordado por uma jovem muito formosa com o objetivo de vir a defender os seus interesses materializados na herança relacionada com o recebimento de um prémio de seguro de vida.
Os argumentos da jovem convencem-no com facilidade e, como um dos passos essenciais para a jovem se candidatar ao premio, era o estar casada não hesita em dar esse importantíssimo passo e fingir perante a família desta uma paixão enorme.
A evolução da novela mostra-nos que a própria família da jovem participara na morte do segurado e os passos essenciais da novela traduzem-se na descoberta do culpado e no desenvolvimento do amor entre os recém-casados.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

PAS697. No baile, sem a navalha

Ana e Red não sabiam se passara um minuto ou um ano, tamanha era a intensidade do seu olhar e o pulsar dos seus corações.
— Quer dançar?
Ana não respondeu. Continuava a olhar Red. Afastou os braços com graça. Red enlaçou-a. Momentos depois dançavam em silêncio.
Quando terminou a música, levaram uns segundos a reparar nisso. Não tinham trocado uma só palavra. Então, começaram á rir alegremente.
— Bonito baile... — disse ela, e os seus dentes brilharam ao reflexo da luz, assim como os seus olhos verdes.
— Sério? Agora, se quiser, posso convidá-la a tomar um refresco.
Ana esquecera-se por completo de Jeff e de Nancy; mas, em face da gentileza de Red, recordou-se deles. Ficou calada e olhou em redor. Jeff não estava. Viria, porventura? Quanto a Nancy, encontrava-se no melhor dos mundos, junto do seu major, colada a ele como uma lapa, e dirigiam-se para uma mesa na qual abundavam as garrafas de champanhe. — Sim, obrigada...
Aproximaram-se do balcão.
Red tomou um uísque com soda; Ana um refresco de menta.
— Tenho a impressão de que a conheço há muito tempo e, no entanto, ainda não sei como se chama.
— Ana...
— Ana... É um bonito nome que condiz muito bem com a sua beleza suave... Eu chamo-me Red.
— Red... Três letras, como o meu.
— Agrada-me a coincidência. Sabe que traz um vestido muito bonito?
— Deveras? — Corou de prazer.
— É da mesma cor dos seus olhos.
Ela baixou as pálpebras.
— As suas palavras são muito lisonjeiras para mim, mas...'
— Não acredita nelas?
— São um cumprimento.
Red franziu o sobrolho e sorriu, ao mesmo tempo.
— Não sabe que é a rapariga mais bonita que está no baile?
— Você veio disposto a exagerar...
— Só a vi quando entrou. Esqueci-me de tudo, Ana... E você bem o sabe.
Sim, sabia. A ela acontecera-lhe o mesmo... mas não podia falar com tanta franqueza como ele.
— A sua companhia agrada-me; de contrário não a aceitaria — disse.
Começou a tocar a música.
— Voltamos a dançar?
— Sim.
E de novo se entregaram ao prazer de girarem juntos, suavemente enlaçados.
Falaram de coisas sem importância, impessoais, mas entre ambos foi-se estabelecendo urna amorosa afinidade. Red sentia-se eufórico, disposto a não deixar Ana durante toda a noite, até tocar o último compasso. Ana sentia uma doce comoção, e a sua fantasia cavalgava sem freio. Decerto, a sensação que experimentava era esse amor de que tanto falava toda a gente, e deixava-se levar por Red, encostada ao seu peito.
Quando voltaram ao balcão, ouviram-se vozes fortes lá fora.
Ana julgou reconhecer a voz de Jeff Gayar.
Os seus ouvidos não a enganavam. Jeff Gayar acabava de chegar, acompanhado de Ash, Joyce e Len.
O xerife pedira-lhes as armas. Os quatro homens tinham bebido uma respeitável quantidade de uísque e o pedido do representante da lei assentou-lhes como se lhes cravassem uma espora.
— As armas? Entregar as armas? Quer que nos assem, xerife?
— Deixa-te de tolices, Jeff Gayar apaziguou o xerife e obedece. E o mesmo digo a estes... Se não entregam os revólveres não entram.
Noutra ocasião, Jeff Gayar teria começado a distribuir socos, mas pensando em Ana dominou-se.
— Não será uma armadilha, xerife? Não somos muito bem vistos aqui, para que digamos...
— Lá dentro não está ninguém armado.
— Que lhes parece, rapazes? — perguntou Jeff Gayar aos seus.
As faces de Ash, Joyce e Len não tinham nada de amáveis.
— Como quiseres, chefe.
De súbito, Jeff Gayar sentiu a tentação de mandar tudo para o diabo, mas urna vez mais a recordação de Ana dominou a sua vontade. Ela encontrava-se, com certeza, lá dentro, à sua espera.
Estava decidido a entregar o seu armamento, dando assim o exemplo aos seus homens, quando apareceram Van Summers, Rogers e Bowl.
O xerife apertou os lábios. Os dois bandos rivais eram capazes de se começarem a desafiar passado um minuto! Viu os olhares que cruzavam entre si; pareciam navalhadas.
O aspeto de Van Summers era extremamente provocante.
— Acha que poderemos dançar à vontade, xerife? — perguntou com segunda intenção.
O representante da lei replicou:
— Para entrar no baile é preciso deixar as armas cá fora. Era isto que estava a dizer a Jeff Gayar...
— Mete o nariz em tudo, xerife.
— O baile é para se divertirem, e não para lutarem. Um pouco de paz não lhes fará mal.
Os dois ajudantes do xerife tinham-se aproximado, com as mãos nas coronhas dos revólveres.
— Talvez seja divertido isso de não usar armas —declarou Van, passando da sua atitude de desafio à de bom humor. Vamos, rapazes, quero dançar!
Pouco depois, Van, Rogers e Bowl entregavam os seus revólveres ao xerife e aos ajudantes.
Com gestos lentos, Jeff Gayar, Ash, Joyce e Len fizeram o mesmo. O único olho deste último brilhava malignamente.
À entrada, Jeff Gayar e Van Summers encontraram-se.
— Não vem longe o dia em que te torcerei o pescoço.
— Não me faças rir, Jeff Gayar. Deixarei o teu corpo como um passador. Para começar, digo-te que não vás mais cobrar proteções.
Jeff Gayar era impulsivo e naquele momento a cólera acometeu-o. Ter-se-ia atirado ao zombeteiro e ameaçador Van Summers se não ouvisse uma voz atrás de si.
Tratava-se do xerife.
— Esqueci-me de que trazes sempre contigo uma navalha afiada, Jeff Gayar, entrega-ma.
Jeff Gayar fez uma careta e obedeceu.
— Tome. Talvez seja melhor, pois creio que a cravaria em alguém até ao cabo.
O xerife revistou Van Summers e verificou que não trazia nenhuma arma cortante.
— Eu não preciso de navalha para me defender de certas feras, xerife.
— O que devem fazer é portarem-se com juízo. Não abusem da minha paciência.
Jeff Gayar ia a dizer qualquer coisa, mas, de repente, abriu muito os olhos, que se cravaram no balcão, onde um jovem par sorria e se olhava nos olhos, como se só eles existissem no mundo.
O jovem par era formado por Ana e Red.
Naquele momento, Jeff Gayar sentiu a falta da navalha...
 

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

PAS696. Sozinha no baile

O local onde se realizava o baile fora um velho celeiro que os sulistas incendiaram antes da ocupação. Os ianques tinham-no reparado e convertido numa pista ampla.
Do teto pendiam festões multicores, o chão estava encerado e num estrado quatro músicos afinavam os instrumentos. Velhos reposteiros cor de vinho cobriam as paredes meio restauradas.
Quando entrou, Red Maine deitou uma vista de olhos geral. Havia um bar ao fundo. Dirigiu-se para o balcão e pediu uísque e um copo de água. Todas as mulheres que se encontravam na sala repararam nele, porque a sua presença varonil as impressionava. Não recordavam o que era nem o que fora.
Os homens, sim. Admiravam-se do seu atual emprego no Banco e não esqueciam a sua prodigiosa pontaria quando lutara com o «gun-man» Stevens, de sinistra fama, que abatera por décimos de segundo com uma bala entre os olhos. Que pretenderia o enigmático rapaz?
Claro que ninguém seria capaz de lho perguntar, embora presentemente se mostrasse muito pacífico.
Red não se preocupava com as opiniões dos que o conheciam, que eram muitos. Bebendo o uísque, golo a golo, observava as jovens que formavam um ramalhete multicor na sala.
Estava visto e assim opinava Red — que não havia raparigas feias no Novo México. Eram belas dos pés à cabeça. E algum mérito tinham nisso os espanhóis.
Sentia-se satisfeito por se encontrar no baile, embora à chegada estivesse preocupado. Não ignorava, como ninguém em Lincoln City, a luta travada entre Bryan e Braxer. Nem o seu mortal desenlace.
Era o princípio de um drama que se iria agigantando.
Red afastara-se do mundo de violência que fora o seu desde a adolescência e estava decidido a viver uma vida nova.
Um golo e voltou à agradável contemplação das raparigas.
Olhos, figura, lábios, lindos pés... Elas, na sua maioria, vestiam antiquados vestidos de antes da guerra, mas estavam igualmente belas. Não sabia qual escolher. O melhor seria dançar com várias. Por outro lado, não queria mostrar predileção por nenhuma. As raparigas eram muito espertas quando se tratava de caçar marido e ele não estava disposto, de momento, a representar tal papel.
Ia entrando mais gente. Ainda havia muitas cadeiras vazias, mas em geral reinava a animação. Toda a gente desejava divertir-se e esquecer os sofrimentos da guerra.
De súbito, apareceu o xerife, de rosto corado e gestos nervosos. Subiu ao estrado, no qual os músicos pareciam dispostos a tocar, e dirigiu-se a todos os presentes:
— Senhoras e senhores: não pude vir mais cedo, como era meu desejo. Uma onda de violência parece ter invadido a cidade e preciso de me manter vigilante — falava com ênfase, desejoso de realçar quão importantes eram os seus serviços. Tenho de tomar uma providência que abrange todos (refiro-me aos homens) e que espero seja bem acolhida.
Fez uma longa pausa, de grande efeito.
Os homens esperaram em silêncio.
— Uma providência de salvação pública — prosseguiu o xerife. — Como realizamos uma festa na qual todos têm lugar, não gostaria de a ver perturbada por qualquer discussão que degenerasse em zaragata. Assim, pois, vou recolher as armas de todos os presentes e já tenho dois ajudantes lá fora, que se encarregarão dos que forem entrando...
Houve um murmúrio de vozes masculinas, mas todos, na sua maioria militares, entregaram sabres e revólveres.
Quando o xerife chegou junto de Red, este sorriu.
— É um homem prudente, xerife.
— Talvez os dois revólveres que trazes me pudessem dar sérias dores de cabeça.
— Bem sabe que adotei uma vida pacífica. Tem as suas vantagens.
— Estou tão intrigado com a tua vida pacífica como estava há algum tempo com a outra...
— No seu lugar, estaria tranquilo; mas se o diverte mais preocupar-se... — Entretanto, entregava-lhe os dois lustrosos Colts. — Embora suponha que todas estas providências não foram tomadas por minha causa.
— Disso podes estar certo; não é por ti, em especial. Mas cheira-me que não faltará por cá o teu antigo camarada, Van Summers, com os outros colegas. E Jeff Gayar, também acompanhado, como é de supor. Não quero que se arme uma batalha campal.
— Tem a certeza de que, se eles vierem, lhe entregarão as armas?
— Tomei as minhas precauções.
— Bem, desejo-lhe sorte; eu tenciono dedicar-me ao baile. Quando recuperarei as minhas armas?
— Quando terminar a festa. À saída do salão.
Red fez um gesto de concordância.
— De acordo, xerife. Mas recomendo-lhe que se Jeff Gayar vier lhe tire também a navalha.
— Não me esquecerei.
Os ajudantes do xerife, dois entroncados veteranos, caprichavam em deixar os que pretendiam entrar sem artilharia e colaboravam com aquele quando lhes sobrava tempo.
Red, com um sorriso de indiferença nos lábios enérgicos, descansado quanto à possibilidade de uma luta fratricida, pediu novo uísque.
Os músicos esperavam a ordem do xerife.
As raparigas começavam a ficar nervosas e os saltos finos dos seus sapatos batiam no soalho.
Red bebia o uísque sem se apressar. Só era inquieto o seu olhar, que procurava abarcar o mais recôndito recanto do recinto.
Agora, além de observar as raparigas, procurava descobrir algum tipo suspeito. Porque se ocorresse alguma altercação, talvez alguém o provocasse. De resto, poderia tolerar, por exemplo, que alguém atacasse Van à traição?... Tinha de confessar que não.
De súbito, semicerrou os olhos. E pareceu-lhe que nunca tivera memória, porque não se recordava do que pensava havia um segundo. Atravessavam a sala duas mulheres, uma delas muito nova. Red achou-a a encarnação da beleza ideal: airosa, maravilhosa... E o vestido verde que trazia realçava o seu harmonioso corpo juvenil.
Red deixara o balcão e caminhava devagar para ela, como que fascinado. Notava que estava a proceder como um sonâmbulo e procurou recuperar o domínio de si mesmo.
As duas mulheres eram Nancy e Ana.
O xerife atravessou a pista naquele momento. Aproximou-se dos músicos e falou-lhe. Pouco depois ouvia-se a pequena orquestra. Uma valsa de Strauss em ritmo vaqueiro.
Red, suspenso de Ana, nem sequer notara a cor dos cabelos de Nancy. Esta, quanto a provocante, levava a palma à companheira; portanto, se Red só tinha olhos para Ana, a maioria dos homens deixara-se conquistar pelo generoso decote de Nancy e pelas suas formas pronunciadas, cobertas por um vestido negro e brilhante.
Um jovem, com o posto de major, alcançado por méritos de guerra, hábil também nas batalhas amorosas, precipitou-se para a provocante Nancy, primeiro do que qualquer outro.
— Concede-me esta dança, menina?
Nancy tinha uma infinidade de sorrisos ensaiada, mas ao jovem militar, esbelto e bem-parecido, dedicou-lhe o melhor.
— Encantada... — e, de repente, recordou-se de Ana. — Senta-te, querida; volto já...
Ana sorriu para dissimular o seu acanhamento. Julgou que todos os presentes a observavam. Ia a dizer qualquer coisa, mas já Nancy e o jovem major, enlaçados, davam voltas e mais voltas.
A pista começava a encher-se de pares jovens.
Ana ia-se retirando para as cadeiras; hesitava, pois temia sentar-se nalguma ocupada...
Tola ilusão a sua vir ao baile. Se Jeff a acompanhasse, seria diferente. Agora... Decerto, Nancy não deixaria o galhardo oficial durante toda a noite.
Esteve tentada a regressar a casa. De todos os modos, teria de o fazer mais tarde... poderia chorar, só; o pai encontrava-se, com certeza, a beber uísque em qualquer estabelecimento de bebidas da cidade. Quanto a Jeff, andava transtornado desde que tinham matado Braxer. Não começava bem a noite. Nem a música conseguia arrancá-la do abatimento que acabava de se apoderar de si. De súbito, um par que girava loucamente empurrou-a e fê-la cambalear. Ele murmurou uma desculpa que se perdeu no torvelinho da dança. Foi refugiar-se num canto, confundida...
E então viu Red.
Os seus olhos verdes brilharam; Ana sentiu algo inexplicável, uma nova força que lhe vivificava o corpo e a alma. Foi para ele sem saber o. que fazia...
Red dirigia-se para ela e não recuaria mesmo que se cavasse um abismo entre os dois.
Encontraram-se frente a frente e olharam-se nos olhos.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

PAS695. De salteador a honesto empregado bancário

Red Maine tomara uma decisão e não tencionava quebrá-la, convencido de que a nada conduziria a forma de viver dos seus antigos companheiros de correrias.
Conhecia Van e considerava-o um valente, embora não o admirasse que temesse Jeff Gayar e a sua corte de desesperados.
Era fatal que acabaria por se verificar um recontro cujas proporções não podia prever. Red estava disposto a manter-se à margem, embora, naturalmente, as suas simpatias se inclinassem para Van.
De todos os modos, depois de trabalhar uma temporada no banco e de juntar algum dinheiro, projetava regressar ao Norte.
Mas ainda teria de viver alguns meses em Lincoln City, antes de realizar os seus planos. Entretanto, como era novo e estava cheio de vida, gostava de esquecer, de vez em quando, a vida monótona que se impusera voluntariamente.
Tencionava ir ao baile do Exército e divertir-se. Havia pequenas muito bonitas na cidade e ele estava já mais do que farto da dureza dos combates e da tensão angustiosa da espera.
O dia cm que devia realizar-se o baile amanheceu chuvoso. Durante todo o dia caiu uma chuva miudinha, que assentou o pó das ruas e reverdeceu os campos secos.
Havia paz, mas, de súbito, esta quebrou-se em pedaços, como um vidro atingido por uma pedrada.
Encontravam-se num saloon, Bryan, o ruivo do bando de Van Summers, e Braxer, este pertencente ao grupo de Jeff Gayar. Primeiro beberam em silêncio e só dirigiram um ao outro olhares de soslaio. Mas a rivalidade, o seu espírito zaragateiro e a bebida fizeram o resto.
O resto foi uma luta de morte. Tudo começou com palavras soltas, cada vez mais fortes, e terminou na rua, a tiro limpo.
Caíram os dois. Ambos eram formidáveis «gun-men». Os revólveres saíram dos coldres de Bryan e de Braxer a uma velocidade incapaz de ser captada pela vista humana. Sucederam-se os disparos, em uníssono, e também ao mesmo tempo morreram Bryan e Braxer, atingidos na cabeça e no peito, respetivamente. Um murmúrio de emoção ergueu-se das gargantas dos espectadores, e pouco tempo depois Van Summers e Jeff Gayar recebiam a notícia, que os fez praguejar e proferir gritos coléricos de vingança.
O xerife não assistiu à luta, mas o resultado desta depressa chegou aos seus ouvidos. Como ambos estavam mortos, não teve de proceder, de momento, a nenhum interrogatório. Preveniu o cangalheiro e decidiu que naquela noite, no baile, ninguém usaria armas, pelo que muito antes de ele começar já estava na sala destinada à função. Precisava de guardar as aparências, pois ser autoridade naqueles tempos difíceis não era mau negócio...

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

PAS694. A noiva do «desesperado»

Embora Jeff Gayar tivesse feito havia pouco tempo vinte e cinco anos, parecia muito mais velho. Tinha o cabelo preto e o rosto bronzeado. Andava sempre penteado e vestido com esmero.
Era alto, forte e agressivo quando atuava com o seu bando, no qual se salientavam Braxer, Ash, Joycer e Len, sulistas como ele, combatentes vencidos que tinham passado a engrossar as fileiras dos inadaptados.
Odiavam de morte os ianques. Estes haviam querido, muitas vezes, chamá-los à razão, mas Gayar e os seus tinham respondido sempre com a mais feroz violência, chegando a matar alguns dos seus adversários.
Já não eram soldados; na realidade, tinham-se convertido em delinquentes vulgares: furtos, ameaças e toda a variedade de crimes. Se continuassem por aquele caminho, não tardariam a converter-se em frios assassinos. O sangue não os assustava, porque tinham visto muito sangue na guerra.
Haviam perdido os ideais da primeira juventude; em vez de procurarem um lugar no novo sistema, criado pela vitória das armas ianques sobre os confederados, e de trabalharem para um melhor entendimento, tinham escolhido o caminho perigoso da violência.
Jeff Gayar, que tanto falara de honra, noutros tempos, não tinha agora escrúpulos.
Havia algum tempo que vivia aquela vida estranha, que se apoderava à sua passagem de tudo quanto queria, sem medo da morte. O seu ódio pelos ianques não diminuía, antes pelo contrário; mas a maior parte do veneno que trazia na alma reservava-o para Van Summers, o seu mais direto rival.
Van Summers e a sua maldita quadrilha! Malditos fossem! Eles eram uns ianques cobardes... tinham ganhado a guerra e dedicavam-se à pilhagem... Jeff Gayar pensava no que teria sido se ganhasse o Sul. Capitão, influente, teria podido refazer a arruinada plantação de seus pais, mortos de fome, em consequência da miséria e da destruição gerais.
«Ao diabo com tudo!» Jeff Gayar aborrecia-se consigo mesmo quando começava a pensar no passado. Algumas vezes embriagava-se. Outras, procurava a companhia de mulheres frívolas, que acediam aos seus desejos, pois conheciam bem a sua reputação. Às vezes, os olhos escuros e profundos de Jeff Gayar olhavam de um modo que metia medo, até aos homens.
Ninguém podia imaginar que os olhos de Jeff Gayar pudessem olhar com ternura.
Só havia uma pessoa em Lincoln City que o podia afirmar.
Era Ana Feeling.
Jeff Gayar ficara deslumbrado da primeira vez que vira Ana, cuja beleza resplandecia, apesar da sua descolorida indumentária, recordação triste de outra época que fora esplendorosa.
Diante dela, era outro homem, diferente em tudo; talvez se comportasse como o adolescente que fora. Pôde ver a miséria que a rodeava e conheceu seu pai, o amargurado velho prematuro. A este deu-lhe dinheiro e ele aceitou; era um bêbedo e continuaria a sê-lo.
Tal como dizia Nancy, não era espírito de caridade o que guiava Jeff Gayar, mas sim o desejo de se poder aproximar de Ana e fazê-la sua. Havia algum tempo que pensava que com dinheiro tudo se pode obter.
Ana acolhera-o com simplicidade. Era uma rapariga que inspirava amor. E também desejo; porque o seu busto era ereto e de suaves contornos, a sua cintura estreita e flexível, as suas ancas e pernas bem desenhadas, como as desejaria para a sua arte o mais exigente pintor ou escultor.
Os olhos de Ana, os verdes olhos de Ana...
Eram armas mais perigosas para Jeff Gayar do que os revólveres de todos os seus inimigos.
O olhar de Ana era angelical. O Bem refletia-se nele. Parecia impossível que uma jovem, mergulhada num ambiente em decomposição moral, pudesse continuar com uma alma tão pura.
E toda a audácia e fogosidade de Jeff Gayar caíra por terra. Não se atrevera nem sequer a insinuar-se. E acabara por lhe falar de casamento.
Ana não acreditava nos mexericos que lhe contava Nancy, embora, inteligente como era, soubesse que a vida de Jeff era irregular. Sentia compaixão por ele e por todos... Que vida mais absurda! Quatro anos os homens do mesmo país a matarem-se uns aos outros e agora chamavam paz àquilo!... Sabia que o pai aceitava dinheiro de Jeff... A princípio tivera medo; depois, quando vira a atitude do rapaz, deixara de o temer, porque a sua fina sensibilidade lhe dera a entender que jamais se atreveria a desrespeitá-la.
E dissera-lhe que casaria com ela... Ana não estava apaixonada por Jeff. Ouvira falar muitas vezes de amor, mas nunca o soubera definir. Ela sentia vontade de amar todos os seres humanos, mas o amor entre um homem e uma mulher era diferente... embora talvez não fosse com exatidão o que dizia Nancy...
Ana sentia inquietações, algumas vezes sonhava acordada, mas jamais experimentara as emoções de algumas heroínas românticas que conhecera através de alguns romances lidos para matar o tempo.
Ana via muito negro o horizonte da sua vida. Não se podia enganar a si mesma. Estava rodeada de patifes. O pai convertera-se num irresponsável. E gostaria tanto de poder regenerar Jeff, de fazê-lo regressar ao caminho reto! Esforçar-se-ia por o amar e o seu amor seria como que uma esponja que levasse todo o coração dele... Jeff comportava-se como um cavalheiro e isso era de agradecer; de resto, agora não tinha de suportar as impertinências dos outros, porque todos temiam Jeff...
Este veio vê-la, como todas as noites.
— Ana...
Ele esperava-o.
— Pareces preocupado...
— Não... Estou contente por te tornar a ver.
— Dizem que andas aos tiros por aí...
O rosto de Jeff Gayar mudou de expressão.
— Já esteve a falar contigo essa maldita Nancy!
— Deixa-a, Jeff; já a conheces. Não julgues que é má rapariga. Sabes que me vai emprestar um bonito vestido verde para ir ao baile de sábado? Além disso, vai provar-mo e ajustá-lo à minha medida...
— Tu ao baile? Ouve, Ana, perguntei-te se querias casar comigo e isso nunca o propus a nenhuma mulher.
Ana riu como só ela ria. Era como se uma música deliciosa brotasse da sua fina garganta.
— Ao baile, sim, mas contigo!
— Comigo...
— Claro que sim... pediste-me que fosse tua mulher; eu não te disse que sim nem te disse que não... Mas quando uma rapariga não recusa imediatamente... Creio que me podes acompanhar, e se fores bom dançarino, talvez me decida essa noite...
— Eu ao baile do Exército ianque? Corja de patifes!...
— Gostas de amargurar a tua vida?
— Só vivo quando estou a teu lado... Mas ao ouvir mencionar esses...
— Não continues e entra na razão. Se vais ter de os suportar durante toda a tua vida, não é melhor que comeces a habituar-te? Assim não conseguirás nada...
— Nem tu irás ao baile.
— Hoje pareces-me um homem diferente. Vejo-te colérico, desassossegado. Sempre te recebi como uma verdadeira amiga a um bom amigo. E reconheço que sempre te portaste como tal. Ao princípio, tinha medo de ti.
— Deveras?
— Sabia que davas dinheiro ao meu pai; sei que vivemos graças a ti.
— Nunca to deitei em cara.
— Bem sei...
— E tu queres levar-me a esse baile... Porque és tu...
— Exatamente. E se queres casar comigo terás de fazer muitas outras coisas; uma delas, mudar de vida.
— Sabes uma coisa, Ana?
— Se ma disseres...
— Não vim para discutir contigo. Talvez vá a esse baile...
— Claro que sim! Se vai toda a gente... Mas esquece--te dos teus revólveres.
— Com exceção de ti, gostaria de me esquecer, de muitas coisas.
— Quero consegui-lo, Jeff. O ódio é um veneno que destrói. O revólver é uma arma que só deve ser empunhada para salvarmos a própria vida. E embora nos tenha tocado viver nesta época turbulenta, alguma coisa devemos fazer para vencer. Talvez o trabalho seja o melhor remédio.
— Tu queres endireitar a árvore torcida, pequena... Não é tarefa fácil. Sim, sim... levar-te-ei a esse baile, Ana... porque sem ti não sou nada.
Ana pensou que com o tempo amaria aquele homem por quem tanta piedade sentia. Beijou-o no rosto, quase sem lhe tocar.
Ele fechou os olhos como se, tendo morrido, se encontrasse no Paraíso.
Contudo, no fundo da sua alma persistia a aversão aos ianques e em especial a Van Summers.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

ARZ121. Bandos Rivais


(Coleção Arizona, n º 121)


No final da Guerra da Secessão vários bandos operavam em Lincoln City, Novo México. Uns tinham servido no exército dos confederados e, derrotados, sentiam um ódio enorme perante os ianques. Outros sentiam-se naturais vencedores e donos do espaço que antes não era o seu. Um ponto comum a estes bandos era o fato de fazerem a vida negra aos comerciantes a quem exigiam o pagamento da sua proteção e criando uma rivalidade sem limites entre si.
É neste contexto que surge a história de amor entre uma rapariga que vivia na zona mais pobre de Lincoln City, cujo pai era sustentado pelo chefe de um desses bandos que a queria para noiva e um antigo salteador, entretanto regenerado, que trabalhava no banco local. O ciúme levou aquele ao assalto ao banco e a engendrar provas para incriminar o fiel empregado.
Eis uma história bem escrita por Sam Fletcher, com passagens muito interessantes, e com a dose de violência caraterística deste autor.

domingo, 25 de dezembro de 2016

PAS693. Fuzilamento só com ordem escrita

Contexto da passagem:  As tropas nortistas do major Harper estavam estacionadas no rancho de Clampton um simpatizante da causa do Sul. Numa noite, quando Harper com muitos soldados saiu do rancho para se dirigir a outro forte, as tropas restantes foram atacadas pela guerrilha sendo dizimadas. Os inúmeros feridos, apoiantes de um e outro lado, foram deixados ao cuidado da jovem Terry. Esta passagem capta o regresso de Harper e o seu contacto com os factos recentes.
 
 
Um tropel de cavalos entrou no pátio e um pelotão de homens entrou ruidosamente em casa. A frente, o major, o capitão Price, o tenente Fergusson e dois soldados que ficaram de guarda à porta. Terry desceu as escadas, sem pressa e falou em tom sereno.
—Há mais de vinte feridos a descansar nesta casa, senhores. Por favor, não façam barulho.
A cara do major ficou congestionada.
—Quem é você para me dar ordens? Onde está o seu pai?
— No quarto dele. Acertaram-lhe com um tiro quando saia atrás dos seus oficiais, para averiguar o que se passava.
—Pena que o não tenham morto! Mas descanse, que eu encarrego-me disso. Venha aqui!
Serena e altiva, Terry obedeceu.
—Com que então, levaram a sua avante, você e o seu pai? — exclamou o major.
—Não sei a que se refere, major Harper.
— Sabe-o muito bem! Você andou a «fazer-se» aos meus oficiais, com os seus modos de gata com cio e...
Veloz como um felino, Terry esbofeteou-o.
Foi tão inesperada a sua reação, que o major não a conseguir evitar. E ficou uns instantes desconcertado, enquanto os seus subalternos trocavam olhares entre si.
Dando um passo atrás, com as faces afogueadas e os olhos cintilantes, Terry falou:
— Estive vinte e quatro horas a tratar de feridos, sem olhar à cor dos seus uniformes. Fui tratada cavalheirescamente por oficiais de ambos os lados. E foi preciso vir um estúpido cobarde, para ser insultada em minha própria casa, quando o meu pai está agonizante e não tenho um homem para m'e defender. Nem os índios selvagens procederiam assim!
Aquela bofetada e aqueles insultos fizeram explodir o major.
—Demónio! Sargento, conduza essa mulher ao acampamento.
O soldado visado, obedeceu contrafeito.
— Sim, senhor... tenha a bondade de me seguir, miss Hampton.
— Que cerimónias são essas, sargento? Trata-se duma inimiga!
— Com a sua licença, os meus modos, nada têm que ver com a minha disciplina e comportamento militar. Não há nada que proíba um soldado de ser cortês para com os seus inimigos, especialmente as mulheres.
Harper limitou-se a resmungar:
—Leve-a daqui!
E depois voltando-se para os seus oficiais:
— Não me agradam as suas expressões, senhores. Estarão por acaso solidários, como o sargento Miller? Respondam!
— Preferia não o fazer, senhor — disse Price.
—E eu também — acrescentou o outro tenente. Fergusson não disse nada.
Harper parecia que rebentava.
— Muito bem — disse —. Muito interessante...
Depois voltou-lhe as costas e dirigiu-se para o salão.
Harper passeou por entre os feridos, na sua maioria inconsciente ou queixando-se. De repente parou junto dum deles.
—Este também é um dos meus soldados?
Era um dos vaqueiros do rancho. Foi ele mesmo quem respondeu:
—Não tenho nada a ver consigo... pertenço ao Primeiro Regimento de cavalaria do Colorado.
—Primeiro...! Maldito bandido! Fergusson!
— Senhor?
— Tirem daqui todos os rebeldes e façam-nos alinhar no pátio.
Os oficiais voltaram a trocar olhares entre si. Fergusson perguntou:
—Mas são feridos, major...
— Com um demónio! Isso é uma insubordinação, tenente Fergusson! Cumpra as minhas ordens!
O vaqueiro ferido interveio, com a voz rouca:
—Faça-o, tenente! Meus camaradas e eu, mal nos podemos sustentar em pé, mas não nos assusta morrer...
Fergusson respirou forte.
— Muito bem, senhor
— Um momento, tenente. Traga também o dono desta casa. Se não sente rebates de consciência...
Desta vez, Fergusson não se conteve.
— A minha consciência está tranquila. Combati por duas vezes o inimigo e saí com honra, dos dois combates.
—O que é que quer dizer com isso?
— Nada, senhor: respondi às suas palavras.
— Cumpra as minhas ordens e fica sob prisão!
— Muito bem, senhor.
Harper berrou, fora de si:
— Tenho que mostrar quem manda aqui!
E afastou-se.
Terry estava muito preocupada com a sorte de seu pai. Harper estava sedento de vingança. Era capaz de cometer as piores baixezas, no cego impulso da sua ira...
Entretanto, o sargento contava aos oficiais a maneira como tinham sido tratados, não só por Terry Hampton como pelos próprios rebeldes.
Terry ficou numa barraca de campanha, sob custódia. Uma hora mais tarde, Harper regressou ao acampamento.
— Onde está essa mulher? — perguntou.
Um cabo ordenou a Terry que o seguisse. A luz duma fogueira, viu o major sentado diante da sua tenda, rodeado pelos seus oficiais. Apercebeu-se da tensão reinante e preparou-se para o pior. Depois levantou altivamente a cabeça.
Harper fitou-a, com ódio.
— Vou mandá-la fuzilar!
— Como queira, major.
— Major do Exército dos Estados Unidos —rugiu Harper —. Vou mandá-la fuzilar por cumplicidade com o inimigo, espionagem e traição...
— Mentira!
— Como ousa...?
— Não traí ninguém, porque fui sempre sulista e nunca o neguei. E a minha colaboração com as tropas confederadas que atacaram e venceram os seus homens foi simplesmente, passar trinta e seis horas, sem dormir nem descansar, atendendo os feridos de ambos os lados. São os únicos crimes que me pode imputar, à parte a bofetada com que castiguei os seus insultos.
Harper levantou-se, mas conteve-se.
—Se julga que nos engana com a sua pretensa caridade, para com os nossos feridos...
— Não o pretendo. Sei muito bem o que posso esperar de si.
—Você fez com que os oficiais descurassem o seu serviço, a pretexto de os convidar para jantar.
— Outra mentira. Não era a primeira vez que os seu oficiais jantavam aqui.
— Insisto em que vocês conheciam os planos do chefe da guerrilha. A propósito, quem é ele?
— Ignoro-o.
— Está a mentir!
— Não tirava a mascarilha enquanto esteve aqui. Não sei quem seja.
— Pense bem. Está nas suas mãos a vida dos bandidos que encontrei em sua casa.
—É digna de você, essa ação. Os guerrilheiros recolheram e trataram os seus homens feridos.
—Basta! Limite-se a responder às minhas perguntas. Esses homens vão ser fuzilados. E o seu pai também.
—Não!
—Julgava que ia acreditar nessa patranha, de ter sido ferido pelos guerrilheiros? Apesar disso, estou disposto a dar-lhe uma oportunidade de salvar a vida dele e a sua. Diga-me quem manda a guerrilha e para onde se dirigiram?
Terry esboçou um sorriso desdenhoso.
— Mesmo que o soubesse, não compraria a minha vida e a do meu pai, por tão baixo preço.
— Muito bem. Você assim o quis. Capitão Halloran!
— Senhor...?
— Forme um pelotão de execução. Fuzile esses bandidos e esta mulher.
— Bem; senhor. Terá que me dar essa ordem por escrito.
— Como disse, capitão?
— Necessito essa ordem por escrito, senhor.
— E pode saber-se por quê, capitão?
— Sim, senhor. Sou um oficial do Exército e não um assassino.
— Está a chamar-me assassino?
—Uma coisa é fuzilar um rebelde e outra muito diferente, é matar uma mulher e homens feridos deixados à nossa mercê por uma força que se comportou corretamente connosco.
— Quer dizer que se nega a cumprir as minhas ordens, capitão?
— Absolutamente, se não mas der por escrito.
— Considera-se preso! capitão!
—A suas ordens, major.
O capitão Price fez um gesto negativo com a cabeça, ao ver incidir sobre si, o olhar do seu chefe.
—Lamento, major, mas sou da mesma opinião que o capitão Halloran.
— Ah sim? Mais alguém?
— Creio que todos, senhor — respondeu Johnson.
— Trata-se então duma insubordinação geral dos meus oficiais...
—Não, major. Achamos apenas que esse projetado fuzilamento seria uma mancha indelével para o nosso regimento.
Harper não sabia como sair daquele aperto.
Então aconteceu uma coisa totalmente inesperada, sobretudo para Terry Hampton. Um sargento e dois soldados aproximavam-se. Traziam entre eles um homem, vestido à maneira dos «cowboys».
— Capturámos este tipo, que diz querer falar com o senhor, major Harper.
Terry voltou-se. E ficou espantada ao ver Wade Holt.

sábado, 24 de dezembro de 2016

PAS692. O sono da morte

Da varanda do seu quarto, olhou para o rio. Os soldados nortistas, sem saber o que os esperava, preparavam-se para dormir tranquilamente...
Quantos deles veriam o novo amanhecer? E quantos dos guerrilheiros, que naquele momento se aproximavam? E quando atacassem? Atacariam saindo das sombras da noite, como diabos vomitados pela escuridão, semeando a morte e o pânico, entre as tropas federais.
Morreria o capitão Groves, tão agradável e que gostava tanto dela? O tenente Fergusson, ainda com o estigma da tomada do Forte Pitt, numa noite em que dormia tranquilamente? O tenente Kimball, tão jovem ainda? Ou acaso cairiam Forrester, o bom capataz de seu pai ou... o próprio chefe misterioso da quadrilha. Afastou-se da janela, tremendo.
— Continua a pensar assim e verás o que te acontece, idiota — murmurou. — Fazes-te notada, assim.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

CLF041.1 Revisita a «O guerrilheiro»

Uma visita ao OLX permitiu este contacto tardio com este livro da Coleção Califórnia, «O guerrilheiro», o qual mereceu uma apresentação escrita de modo um tanto estranho à Editorial Ibis:

«COLECÇÃO CALIFÓRNIA—insere um volume que pode ser considerado como especial, pois de um assunto que interessa sobremaneira aos leitores habituais deste género de leitura: a velha questão entre o Norte e o Sul — a velha questão de guerra entre os dois pontos do mesmo país. Desta vez, surgem os guerrilheiros como fulcro de ação, e para além da intensidade dramática nascida da luta entre irmãos — surge um caso de amor, que não tarda a constituir motivo aliciante de interesse dentro da ação. Um livro feito por Cliff Bradley com a acuidade de quem está documentado sobre a história da América do Norte, e possui o sentido psicológico das personagens que põe em movimentação. Um livro que honra a tradição da COLECÇÃO CALIFÓRNIA!»


Resta acrescentar a estas estranhas linhas que a tradução apresenta inúmeras gralhas fazendo com que por vezes a frase soe bastante mal. E mais uma vez as alusões aos negros por parte do senhor Bradley nos parecem um tanto racistas.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

PAS691. A batalha de Forte Sumter

O primeiro tiro foi saudado com uma salva de aplausos pelas mulheres que, com as suas melhores galas, passeavam a escassa distância das batarias confederadas, admirando a elegância gentil dos oficiais de Jefferson Davis. Ignoravam que, se naquele momento a luta era uma brincadeira, mais tarde veriam os belos uniformes rotos pela metralha e sujos de sangue. Eram quatro e meia da madrugada de 12 de Abril de 1860.
Durante trinta e seis horas o bombardeamento não foi interrompido. Por fim o coronel Anderson, comandante do Forte Sumter, içou a bandeira branca e um pouco mais tarde, em formação correta, conservando os seus estandartes e armas, aos acordos do Yankee Doedle, oficiais e soldados embarcaram em direção a Nova Iorque.
O júbilo foi extraordinário em Carolina do Sul. As multidões vitoriavam Jefferson Davis e repicaram todos os sinos.
Manifestações de entusiasmo, hinos, desfiles militares, discursos, flores das mulheres para os soldados, fanfarronadas...
A primeira batalha da guerra da Secessão, a de Forte Sumter, em Charleston, não tinha ocasionado nem uma só baixa. Contudo...
Encostado à amurada de estibordo do navio que zarparia em breve do porto, Douglas Morrow refletia acerca do imprevisível resultado dos acontecimentos que acabavam de ocorrer, quando uma voz gritou à sua direita:
— Estou aqui, Edith!
George Bradford agitou o chapéu para chamar a atenção de uma jovem de beleza esplêndida acompanhado por um tenente confederado.
— Marcel Lefebvre! — resmungou o capitão por entre os dentes.
O oficial e a rapariga, a pequena distância de Morrow, agitaram os seus lenços. Douglas ouviu Lefebvrc dizer a Edith:
— Sobe pela passarela. O vapor ainda demora uns minutos a zarpar. Podes abraçá-lo. Quem sugeriu a teu irmão a ideia de se alistar com os do Norte? Com Jefferson teria garantido o futuro.
— Ele e eu odiamos a escravidão.
Sem aguardar a réplica às suas palavras, a jovem chegou até à ponte do navio. Ao passar junto de Morrow e ao vê-lo, deteve-se, muito pálida.
— Olá, Edith!
Ela, refeita da surpresa, continuou o seu caminho. No abraço que deu a George faltava alegria.
— Estás a tremer! — disse o rapaz.
— É a emoção da tua partida.
Bradford- sorriu com ferocidade ao observar como Douglas Morrow os olhava. Depois, vencido pelo amor à única pessoa de família que lhe restava, mortos os pais, esforçou-se por tranquilizar Edith.
— Serena. Espero que não tardaremos a reunir-nos. Assinei o meu compromisso apenas por três meses. Chegará para o que me proponho fazer.
— Que pretendes fazer? Não quero que aconteça nada de mau a Douglas! Percebes-me? Renegar-te-ia para sempre!
As palavras de Edith vibravam de paixão mal contida. George olhou-a com dureza:
— Continuas a amá-lo?
— Que importa isso? O sangue do nosso pai separa--nos. Promete-me que não farás nada de que te possas envergonhar!
O jovem, com um sorriso respondeu:
— Vai para terra. O vapor sairá depressa. Não te preocupes comigo. Sei tratar de mim!
— Mas...
- Não insistas, irmã. Voltarás a Savannah?
— Ficarei em Charleston durante algum tempo na companhia da família Lefebvre.
— Casar-te-ás com ele?
Edith Bradford inclinou a cabeça.
— Não o amo. Considero-o um bom amigo.
A sereia do navio atroou os ares, anunciando a partida imediata. Edith, ao dirigir-se para a passarela, viu o caminho interrompido por Douglas Morrow.
— Apenas uma pergunta que não te compromete — pediu o capitão. — Odeias-me tanto como o teu irmão?
Os olhos da rapariga encheram-se de lágrimas ao responder com voz trémula:
— Desejo-te a felicidade.
— Sem ti não a poderei conseguir nunca. É possível que não nos vejamos mais. Boa sorte, Edith.
— Desejo-te o mesmo, Douglas. Deixas-me passar?
— Sim. Porque me recusaste antes de acontecer aquilo com teu pai? Sê sincera. Lefebvre foi um pretexto. Tu não podes amar um esclavagista! É o nosso último diálogo, Edith. Amavas-me nessa altura?
A mulher desviou o olhar do de Douglas para murmurar em tom sumido:
— Sim. Desejava pôr à prova a firmeza do teu amor.
— Fazendo-me ciúmes com Lefebvre?
— Marcel é um bom amigo meu; nada mais. Pretende transformar-me em sua esposa. O meu pai e ele eram amigos.
A sereia tornou a ouvir-se, segundo aviso para que visitas abandonassem o barco.
— Amas-me, Edith? Pudeste esquecer-me?
— Douglas!
— Não te atraiçoes a ti mesma.
Ela, sem responder, incapaz de resistir aos impul: do coração, correu pela coberta, quando vários marinheiros se dispunham já a retirar as pranchas de madeira.
Já no cais, junto do tenente Lefebvre, em cujo rosto havia um ricto de crueldade, agitou o lenço para se des-pedir dos que se iam para Nova Iorque. Depois secou as lágrimas que sulcavam o seu belo rosto. Marcel pergun-tou:
— Choras por teu irmão ou por Douglas Morrow?
O oficial da Confederação não obteve resposta. A bandeira das listas e estrelas ondeava no mastro do navio, em cuja coberta superior a banda militar começou a tocar o Manque Doedle.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

BUF130. Guerra, Morte e Fogo

(Coleção Búfalo, nº 130)
 
A ação desta novela decorre durante a Guerra da Secessão, acompanhando alguns dos seus episódios, designadamente o faustoso início em Forte Sumter e a progressiva derrota das forças sulistas e dos seus ideais.
Benet traz-nos algumas considerações sobre o comportamento de outras nações, como a França e a Inglaterra, que considerou interessadas no apoio aos estados rebeldes com o objetivo de enfraqueceram os Estado Unidos.
Para além desses aspetos, a novela é uma mão-cheia de traições materializadas em indivíduos que se alistavam num exército para servir as forças inimigas o que chegou ao próprio elemento feminino. O disfarce com o fardamento do adversário foi mais um artifício a que a principal personagem da novela recorreu, embora sem consciência que entre os seus dominava um indivíduo a soldo do inimigo. Enfim…
Finalmente, trata-se um livro com consecutivas quebras na ação, a qual por vezes se interrompe para ser reatada bastante tempo depois o que se torna um tanto desconfortável.
Tirando estes aspetos negativos, «Guerra, Morte e Fogo» é interessante de ler.

domingo, 18 de dezembro de 2016

BUF128. A lei morreu



(Coleção Búfalo, nº 128)


"Cavalgava para Watertown seguido pelo manietado Alan Rush e pelos dois cadáveres que valiam cinco mil dólares cada um.
Outras pessoas dirigiam-se também para aquele povoado do planalto: um pistoleiro recém-saído do cárcere; uma rapariga expulsa de Abilene; um velho pesquisador de ouro, acompanhado dos seus burros... e a morte, vestida com o seu melhor traje de gala.
Todos tinham como ponto de chegada Watertown, mas de todos, foi a morte a primeira a chegar. Os abutres tinham fome e estreitaram os seus círculos olhando a carcaça."
Henry Keystone trata com um nível elevado o terror que estas chegadas provocaram na cidade e conseguiu acrescentar-lhe a magia de alguém que no interior da mesma tratava de limpar o caminho de possíveis obstáculos fazendo crer que a hora da vingança tinha chegado
A capa, não assinada, mostra um aspecto do duelo final na cidade.

sábado, 17 de dezembro de 2016

PAS690. Em direção à chave do destino

Despertou-o um imperioso desejo de voltar, de se encontrar nos lugares onde decorrera a sua infância. E imaginava que, no interior das suas retinas, desfilavam as personagens que o tinham conduzido a sua existência atual. Seu pai, aquele ferreiro colérico e bêbado; a sua madrasta, uma mulher a quem a musica e o baile, os rapazes e as aventuras atraiam.
E o banqueiro Crowfish que, apesar de estar com uma onça de chumbo na testa, se agarrava corn enorme tenacidade a bolsa de dinheiro pela qual o bando de Zac Methody, no qual ele tinha ingressado recentemente, tinha ido.
E ela, a pequena Becky, corn os seus grandes olhos negros desmedidamente abertos, sem chorar, apenas com um terrível assombro na cara.
Gordon teve um sobressalto. Meteu o revólver no coldre e em seguida atirou algumas notas sobre a mesa. Apercebia-se de uma forma confusa do drama da sua companheira de algumas horas, submersa na desolação do um homem morto e outro ausente, pois ele tinha decidido ir-se embora.
— Adeus — disse, roucamente.
Saiu do quarto reservado e da taberna. E também da cidade, uma povoado mineira na fronteira corn Nevada. Montado sobre «Bluebird» o seu cavalo malhado, empreendeu naquela mesma noite o caminho para as montanhas de Utah. Era o mês de Maio e brilhava a lua cheia como uma pastilha de soporífero prestes a dissolver-se no copo transbordante do horizonte.
A manha surpreendeu-o ao atravessar o Beaver Iron, a enorme extensão coberta de salvetas, salpicada, aqui e ali, por jucas das quais pendiam grandes flores brancas e rosadas. Adiante, erguia-se o maciço montanhoso das Cedar.
A povoação para onde Gordon se dirigia nao estava muito longe. Em boa verdade aquela era uma das razões que haviam determinado o seu desejo de voltar. Nunca tinha estado tao perto de Rockill, pois a major parte do tempo tinha-o passado na Califórnia e o Arizona.
O sol apareceu entre os picos que se coloriram e o cavalo empreendeu a ascensão. Gordon nao desejava acampar naquelas paragens, mas internar-se num vale onde ele e o cavalo tivessem água fresca. Não teria dificuldade em o encontrar porque abundavam por ali. A vegetação curta, o matagal, transformou-se em imensas matas de pinheiros, entre os quais se distinguiam todavia bosques de carvalhos, e nas margens dos pequenos rios e torrentes viam-se silvas e espinheiros.
O cavalo malhado desceu uma encosta. Gordon deteve-o diante do maravilhoso espetáculo que se lhe oferecia aos olhos. Um vale, o Grant Beaver, que exibia uma vegetação luxuriante, com o rio descrevendo curvas sinuosas pelo meio. Parecia incrível, mas estava deserto, sem uma maldita casa ou choça que denunciasse a presença de gente.
Talvez algum caçador de armadilha tivesse o seu esconderijo nas cercanias. Mas o magnifico cenário nao tinha outros protagonistas da grande obra da natureza que bandos de patos e pombos selvagens e alguns rebanhos de antílopes que galopavam descuidadamente por entre as ervas verdejantes.
Claro que Gordon sabia que semelhante quadro durava poucos meses e que em seguida a terra se tornava hostil e se convertia numa armadilha perigosa porque a acoitavam tormentas e nevões. Mas mesmo assim a sua conquista merecia a pena. O que era curioso era que ele nao se «via», como o possível colonizador, mas apenas como o visitante estranho de sempre.
O que o surpreendia era que ali nao houvesse uma cidade, uma povoação, com um bom «saloon» e um hotel confortável onde estender os ossos. Corn um suspiro de resignação, fez que o «Bluebird» descesse pelo caminho tortuoso, entre rochas, que conduziam ao vale.
Teve sorte e abateu corn o seu «Savage» um belo exemplar de veado que perseguira durante meia hora através do terreno. Depois procurou um lugar próximo de um regato e preparou-se para acender uma fogueira, para o que apanhou ramos de pinheiro e mato seco.
Tirou das bolsas da, sela as latas do café, da farinha e a sertã. Corn habilidade que revelava que nao era a primeira vez que o fazia, cortou um pedaço do soberbo «uapiti» e pô-lo sobre um assador improvisado. Preparou umas tortas e café.
— Fora, «Bluebird», aproveita este pasto.
Tirou a sela ao animal e soltou-o. Há seis anos que tinha aquele cavalo e embora tivesse os ossos duros, nao o trocaria pelo melhor potro. Além de que, corn a sua cor cinzento-esfumado, era quase impossível na planície ou no bosque; «Pássaro Azul» era um autêntico arsenal de astúcia, capaz por si só de enganar um grupo de batedores que pretendesse capturá-lo.
Uma vez saciada a fome, Gordon recostou-se sobre a sela e contemplou o panorama que se estendia diante dele. Flores de macela, campânulas, choupos, abetos e nogueiras, arbustos e matas de todas as espécies.
Um bando de patos cruzava o azul-claro do céu. O «gun-man» teve uma grande sensação de paz e, ao mesmo tempo, uma certa ansiedade. Era como se um maldito verme o roesse por dentro. Nao sabia o que teria acontecido durante a sua prolongada ausência, em Rockhill.
Nem sequer estava certo de que o reconhecessem.
Vinte anos era muito tempo. Claro que a sua saída do povoado nao tinha sido fácil; morte e destruição tinha sido o que havia deixado atras de si. Nao tinha remorsos de ter acabado corn o banqueiro Crowfish nem de acabar por se afastar do bando de Zac Methody, privando-os daquele dinheiro que eles tanto ambicionavam.
Um riso seco sacudiu-lhe o peito. Parecia-lhe estar vendo o gordo Zac espumando de raiva e enchendo a atmosfera de cobras e lagartos verbais. Viveria ainda? Bem, isso nao lhe importava muito. Mas, e os outros? Becky Crowfish, e a família do xerife Olaf Tallen que eliminara também deste miserável mundo, quando procurava impedir-lhe a fuga.
Julgava recordar que ele estava casado há pouco tempo e que a mulher estava gravida. Não era agradável aquela recordação, mas, ao fim e ao cabo a obrigação de um bom xerife era morrer defendendo o seu cargo. De qualquer maneira o que Gordon pretendia era enfrentar-se com fantasmas, por em marcha acontecimentos adormecidos há cerca de um quarto de seculo.
Esteve, porem, um pedaço na mesma posição. Depois, quando a fogueira se havia transformado já em cinzas, Gordon levantou-se e assobiou para que o cavalo se aproximasse. «Bluebird» acorreu corn presteza e o pistoleiro selou-o sem pressas, numa atitude meditativa.
Apanhou os seus utensílios e montou de um salto. Ia iniciar a última etapa da viagem. No outro lado daquelas montanhas encontrava-se Rockhill, cidade de umas trezentas famílias, estendida na encosta da montanha, ao lado de um declive profundo por onde corria o Revoltous Creek.
Embora o local nao parecesse o mais apropriado para uma comunidade prosperar, Rockhill contava-se entre as cidades ricas porque se tinha especializado numa tria que tinha sempre consumidores. Existiam pelo menos quatro armeiros e o fabrico de espingardas e revolveres estava muito desenvolvido.
Para além disso os habitantes tinham tido um trabalho enorme para fazer do terreno acidentado uma horta suspensa e alimentavam-se do produto das sementeiras e do gado que se criava nos escassos vales próximos. Outra indústria era a da madeira e dos carros, consequência esta daquela.
Passaram a noite, cavaleiro e cavalo, numa das numerosas grutas formadas nas montanhas. Todo aquele aglomerado rochoso era produto da erosão do vento e da chuva, e só um natural da região poderia percorrê-lo sem se perder definitivamente. E ainda nao estavam senão na parte exterior.
Ao retomar a marcha na manhã seguinte, a paisagem foi mudando prodigiosamente. Agora estavam já dentro dos desfiladeiros, passagens e anfiteatros mais trabalhados da natureza. O conjunto assemelhava-se ao estúdio de um escultor gigantesco, ou melhor, a pedreira de onde se tivessem extraído os blocos para a confeção de um enorme parque de gigantes de pedra.
Rochas cavadas pela água e pelas correntes de ar, arcos de pedra inverosímeis, tuneis e pontes. E o mais fascinante era a variedade de cores e o caleidosc6pico acender e apagar dos raios solares sobre a superfície das massas calcarias, cúpricas ou ferruginosas. Da gama assombrosa de reflexos, sobressaia o matiz rubro, um vermelho que caracterizava toda a região.
Gordon contemplou, corn uma emoção estranha, o velho espetáculo que tanto havia recordado. A seus pés estendia-se um mundo fantástico de formas, entre as quais se erguiam bosquezinhos de pinheiros e abetos. A direita, os imensos bosques do «Dixie», onde pastavam milhares de ovelhas. Em frente, o sistema de montanhas onde se espreguiçava Rockhill.
A medida que se deixava transportar pelo trote de «Bluebird» para quem a terra era indiferente, o pistoleiro ia reconhecendo os lugares onde anteriormente estivera. Acometeu-o uma terrível depressão •ao verificar que, nao obstante ser o resultado de um trabalho constante da natureza, nao se observava mudança alguma. Quantos milhões de anos teriam passado para se criarem tais figuras?
Não the aconteceria a ele coisa semelhante? Também tinha estado exposto ao sol, as inclemências do tempo e ao contínuo deambular, mas lido se notava na sua superfície. Aos trinta e nove anos conservava um aspeto quase igual ao que tinha aos dezoito anos, quando partira da sua cidade. Nem o cabelo the branqueara.
Mas ele sabia que estava gasto e velho por dentro. Gasto por tido ter vivido, por nao ter sido mais que um corpo corroído por elementos estranhos, por coisas e pessoas que the arrebatavam sempre qualquer coisa de si mesmo sem nada the darem em troca.
Gordon deteve bruscamente o andamento do cavalo. A sua vista penetrante acabava de distinguir as primeiras casas e grutas de Rockhill suspensas da encosta de Cockrock - Rocha do Galo —, um monte cujo pico recordava a crista de uma de tais aves. Por outro lado, a pronúncia, daquele nome parecia-se corn um cacarejo, o que fazia rir os moradores da cidade.
Pela primeira vez, Gordon Eyster teve medo. Porque diabo voltava? Podia acontecer que ninguém o recordasse, que todos quantos tinham qualquer coisa corn ele tivessem desaparecido e neste caso passaria de largo, afastar-se-ia dali e desta vez para sempre, morto, embora andasse em pé.
E se acontecesse o contrário, que esperava deles? Uma reabilitação? A sua condenação? Talvez levasse a desgraça as suas vidas e fosse obrigado a matar, a atuar como uma máquina desapiedada, só porque dominava o manejo dos revólveres melhor que os outros.
Apesar do frio que se apoderara dele, Gordon esporeou «Bluebird» para o lugar onde se encontrava a chave do seu destino.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

PAS689. Um homem com asco a si próprio

Gordon Eyster tinha a cabeça apoiada sobre o ombro da mulher. Era uma morena delgada, de olhos grandes luminosos, e boca quase sempre contraída num esgar agridoce, como se saboreasse um manjar que nao tivesse acabado de apreciar.
O quarto era pequeno, de paredes pintadas de um azul-escuro e teto amarelo, o que produzia um efeito visual irritante. Havia um divã em dois dos lados e no quarto via-se ainda uma mesita e um espelho. Sobre a mesa estavam os restos de um almoço, uma garrafa de uísque e dois copos.
— És jovem — disse ela — contudo, parece que viveste mais que qualquer dos homens que conheci.
Gordon ia a responder, mas aconteceu uma coisa que nao lhe deu tempo. A porta do gabinete reservado abriu-se com violência e nela desenhou-se uma figura de um coxo, ruivo e sardento, de cerca de quarenta anos.
— Porcos! — gritou, e procurou fixar o olhar um tanto estrábico sobre o par.
Buscou em seguida a coronha da pistola que tinha pendente ao lado do corpo. Fê-lo em bom estilo, se bem que Gordon notasse imediatamente que nao era um profissional. Para contrariar a sua ação, Gordon saltou do lugar que ocupava e «sacou» o seu «seis tiros».
 O seu movimento teve a celeridade e a perfeição do que executa a aguia marinha para pescar, e foi quase impossível de acompanhar com a vista. Unicamente um clarão faiscante sob a luz amortecida que iluminava o recinto. A mulher tinha gritado mas o estrondo dos tiros apagou a sua voz.
O ruivo chocou com a meia porta que estava fechada, o rosto distendido por um assombro abjeto e tombou para a frente, caindo sobre o solo. Gordon endireitou-se lentamente e aproximou-se dele. Empurrou-o com a bota ate lhe voltar a cara para cima.
Sempre the tinha parecido que os mortos de cabelo claro ficavam com um aspeto mais repulsivo que os outros porque a cabeleira se evidencia como um chino sobre a pele amarelenta. Aquele nao era uma exceção.
Olhou a morena. Ela contemplava-o numa atitude mesclada de medo e admiração.
Gordon comentou:
— Pareço tão velho... porque sobre mim pesam as vidas de muitos homens.
De súbito, Gordon experimentou uma estranha sensação. Qualquer coisa que nao lhe acontecera nunca. Talvez fosse culpa da frase que acabava de pronunciar, ou do olhar da mulher, o certo é que teve asco de si próprio e de tudo o que o rodeava.
Nao é que the importasse o ato que acabava de praticar. Há vinte anos que seguia a mesma linha de conduta. Mas naquela ocasião produziu-se na sua consciência um choque, uma mudança inesperada das ideias. E, ao mesmo tempo, como uma brutal sacudidela no seu corpo, sentiu também qualquer coisa dolorosa, como a extração da raiz de um molar ou como a guinada lacerante de uma úlcera.
Sentiu que estava cansado e que, realmente, era verdade que sobre a sua cabeça se acumulavam as vidas de todos aqueles a quem havia suprimido, deste mundo. Possivelmente 'a do ruivo fizera encher a medida.
Um infeliz que jazia a seus pés, com uma estranha rosa vermelha sobre a camisa azul e o lábio contraído mostrando os dentes sujos, que tivera tantas possibilidades de o bater em rapidez ao «sacar» como uma mula coxa tinha possibilidades de chegar primeiro numa corrida de puros-sangues.
Sem que pudesse adivinhar o motivo, a recordação da sua juventude ocorreu a mente de Gordon e também a recordação dos acontecimentos por causa dos quais tinha saído de Rockhill, no Utah. E reparou que tinham passado mais de vinte anos, mas de um modo absurdo, sem viver, acumulando dias, arrastando-se, alugando a sua habilidade de «gunman», como uma máquina de destruição que se transporta de um campo de batalha a outro.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

BUF127. Gordon voltou



(Coleção Búfalo, nº 127)


Gordon Eyster fugiu de Rockhill depois de matar o xerife e com um saco de notas no cavalo. Durante mais de vinte anos errou pelo Oeste sendo uma referência entre os pistoleiros. Um dia, pensou em voltar à cidade onde tinha nascido. Seria reconhecido? Como estariam os familiares de quem nunca mais tivera notícias? Mal imaginava que iria enfrentar um jovem quase igual ao xerife que tinha abatido e que se iria relacionar com alguém que parecia o seu próprio pai. E também ignorava que aquela que era uma criança agora, na sombra, fazia algo contra os seus.
Eis um livro interessante de J. Tell que merece ser lido na totalidade

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

PAS688. Coisas que podem acabar mal

Quando voltou a despertar, era noite fechada. Olhou pela abertura da lona, e viu o céu cheio de estrelas. Soprava uma brisa fresca.
Uma mão mais fresca que a brisa pousou-se na sua lesta. Uma mão que podia pertencer apenas a uma pessoa. E quando a mão se afastou, Everitt viu que tinha razão. Conhecia já o contorno facial da rapariga.
Netty.
Era assim que ela se chamava. Era apenas uma sombra bonita, com o brilho das estre-las nos olhos.
— Como se acha?
— Acordei-a?
— Não.
— Não dormia?
— Não.
— Para tratar de mim?
— Sim.
— E seu irmão?
— Gosta de dormir ao ar livre. Não se preocupe co ele. Como se sente?
— Bem... Creio que bem... E creio... creio que tenho fome.
— Um bom sinal. Amanhã, quando amanhecer comerá o que lhe apetecer. Guy caçará algo para si senhor Everitt.
«Gatilho» sobressaltou-se.
— Sabe o meu nome?
— Sei muitas coisas mais a seu respeito. Deliro muito.
— E você esteve sempre a meu lado?
— Sempre.
— Sem dormir?
— Bom... Guy ocupou o meu lugar sempre que s tornou necessário.
— Que coisas sabe a meu respeito?
— Muitas. Sim, sei que você e outro homem chamado Henry Morne roubaram duzentos mil dólares, e que esse Morne quis matá-lo depois. Você chama-se David Everit e chamam-lhe «Gatilho». Disse que era a primeira vez que se colocava à margem da Lei.
— Tudo... disse isso tudo?
— Também disse que o seu primeiro revólver teve de procurá-lo você mesmo, consertando um, já velho, que pertencera a seu pai. Disse muitas coisas, senhor Everitt.
— Que pensam fazer comigo?
— Nós?
— Claro. Não se esqueça que sou agora um foragido.
A rapariga inclinou-se mais sobre ele.
-- Senhor Everitt — sussurrou docemente — foragido ou não, jamais farei algo que o possa prejudicar. Amo-o com todas as minhas forças, com todo o meu coração. Queria...
A rapariga voltou a beijá-lo. Everitt sentiu uma estranha sensação de frescura, quando notou sobre os seus os lábios da rapariga.
Sentiu-se como que derrotado e abandonado, quando Os seus lábios deixaram de ser acariciados pelos lábios de Netty.
— Queria — continuou a rapariga — que a vida continuasse sempre assim, para estar a seu lado até morrer...
«Gatilho» fechou os olhos quando a rapariga passou novamente a mão pela sua fronte, limpando-lha carinhosamente das pequenas gotas de suor. Ouvia o inconfundível ruído da água a correr, o murmúrio da brisa...
A mão continuou a acariciar a sua fronte. David Eve-ritt perguntou-se, antes de adormecer de novo, quantas vezes o teria beijado aquela rapariga que dizia amá-lo.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

PAS687. Regresso à vida

David «Gatilho» Everitt abriu os olhos certa manhã. Viu ante ele um rosto doce e agradável, crispou o seu sorriso curto e débil e voltou a perder o conhecimento.
Sentado a seu lado no interior do carro mato, Netty Corbyn notou o aumento de palpitações do seu coração. Parecia que ia rebentar de um momento para o outro, excessivamente cheio de felicidade.
Ao entardecer, Everitt voltou a abrir os olhos. Estava num local escuro, que lhe pareceu o interior de um carro toldado.
«Clic, clic, clic... !»
Torceu a cabeça e conseguiu ver o que se passava no exterior. Um homem... Não. Um rapaz estava a praticar com um revólver. A arma estava descarregada, mas o rapaz enfiava-a e desenfiava-a, com rapidez, do coldre, apertando o gatilho depois do aceitável «saque».
Esteve a olhar para o rapaz durante os segundos, enquanto aos seus ouvidos, misturado com o nítido «clic--clic-clic», chegava um rumor que demorou um pouco a identificar: o rio.
O rio!
Lançou uma débil exclamação e quis erguer-se. Instantaneamente, um forte zumbido acompanhado de algo parecido com uma furiosa vertigem, lançou-o de novo com a cara virada para o toldo. Estremeceu, com um frio estranho.
E, por cima daquela sensação gelada que o prostrava, David «Gatilho» Everitt, que se havia apressado a fechar os olhos, sentiu nos seus lábios um contacto cálido, terno, vibrante... como algo vitalizador e reconfortante.
Abriu os olhos quando deixou de sentir aquele contacto.
Primeiro viu uma silhueta.
Uma mulher.
Depois, viu o mesmo rosto que havia visto já não se lembrava quando.
Finalmente, viu os lábios que haviam beijado os seus.
— Não se mova — a voz foi semelhante ao murmúrio acariciante do rio. — Está gravemente ferido.
Everitt perguntou:
— Onde estou?
A sua voz soou como um gemido distante, aos seus próprios ouvidos.
— Não se preocupe. Está a salvo. Encontrámo-lo a descer o rio. Agora está bem. Curar-se-á. O meu irmão extraiu-lhe a bala.
Everitt gostaria de poder olhar para fora. O irmão devia ser aquele rapaz tão jovem que estava a praticar' com o revólver. Mas não pôde olhar. Os seus olhos pareciam soldados àqueles outros, dos quais mal percebia o brilho.
— Quem é você?
— Netty Corbyn. O meu irmão chama-se Guy. É melhor não falar. Amanhã encontrar-se-á melhor.
— Onde estamos?
— Na margem direita do rio Brazos, cremos que muito perto do local onde o feriram. Por favor, não fale.
— Por que me beijou?
A rapariga enrubesceu, mas respondeu com voz firme:
— Porque o amo.
Dave Everitt fechou os olhos. Teve a sensação de não ter corpo. Não lhe doía nada, estava bem... E uma encantadora rapariga dizia-lhe que o amava, depois de o haver beijado nos lábios.
Não falou mais. Adormeceu após ter ouvido várias vezes, como um formidável eco, a doce voz que assegurava amá-lo.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

PAS686. Um corpo no rio

Netty Corbyn escorreu vigorosamente a camisa de seu irmão, que acabava de lavar na água quase transparente lo rio Brazos, e atirou-a sobre a pedra que havia por detrás dela, para junto das outras peças de vestuário que linha lavado naquela manhã.
Aproveitou o momento para dirigir um olhar ao animoso Guy que estava tentando consertar, no solo, a roda do carro mato.
— Entre os dois será mais fácil — murmurou Netty.
Enxugou as mãos, tirando o sabão. Depois, ergueu-se, disposta a ajudar o seu irmão a acabar de consertar roda.
E então, ao olhar rio acima, viu-o.
Um homem? Que outra coisa poderia ser?
Voltou-se.
— Guy!
O rapaz de dezasseis anos, magro e musculoso, que suava abundantemente agarrado ao carro, levantou a cabeça. — Que se passa?
— O rio traz um homem morto... Parece morto, pelo menos.
Guy alegrou-se por ter um pretexto de peso para abandonar, mesmo que fosse por momentos, a reparação da maldita roda. Dirigiu-se para o local onde sua irmã se encontrava, e olhou na direção que esta lhe indicava.
— É um homem... E parece morto, de facto... Vamos tirá-lo do rio, Netty.
Descalçaram-se os dois e avançaram pelo rio adentro até ao meio, procurando a parte mais acessível, de forma a poderem assentar com força os pés no leito do rio.
Chegaram ao ponto convenientemente pouco tempo antes da passagem do corpo do homem. Guy agarrou-o por um braço, detendo a sua marcha.
— Segura-lhe o outro braço, Netty.
A rapariga estava um pouco pálida, mas obedeceu à indicação de seu irmão. Depois, entre os dois, e aproveitando a diminuição de peso do corpo, devido ao facto de este estar submerso na água, foram-no arrastando para a margem.
Para o tirarem completamente do rio tiveram mais dificuldades. Detiveram-se logo que o corpo do homem roçou com o peito pelo fundo.
— Tem um balázio nas costas — cochichou Guy. Certamente que o mataram à traição... Puxa com mais força, Netty.
Agora, tinham-no segurado cada um por um sovaco. Não sem esforço, conseguiram, por fim, deixá-lo num lugar seco, estendido, no entanto, de cara para baixo.
Guy assoprou com força.
— Diabos, como pesa...! Vamos ver-lhe a cara, Netty.
— Creio... creio que prefiro não... não ver nada, Guy. Não seria melhor avisarmos...?
— A quem? — grunhiu o seu irmão. — A povoação mais próxima está a cinquenta milhas, e o carro está estragado. Não vamos levar este cadáver carregado às costas. Se estiver morto, enterramo-lo e em paz.
Voltou-o, deixando-o com a cara para cima.
Netty Corbyn levou a mão ao coração, num sobressalto.
— Oh! É...!
— O que é?
— Nada... Nada...
Guy encolheu os ombros. Diziam que ele, com os seus dezasseis anos, não era ainda um homem, e parecia que o peso de responsabilidade devia recair sobre Netty. Mas, com dezoito anos, Netty tão-pouco estava muito capacitada para fazer frente a qualquer situação.
O que Guy não sabia era o final da exclamação que sua irmã havia estado a ponto de soltar. Netty Corbyn guardou para si a opinião de que aquele homem era muito belo.
Tão atraente, que o coração da rapariga ainda não havia recuperado, o seu ritmo normal quando Guy informou:
— Ainda está vivo! Não lhe mexas, Netty, que eu volto já.
— Mexer-lhe?
Netty ajoelhou-se ao lado do homem. Lentamente, contemplou os seus cabelos loiros colados à fronte; nesta, um longo ferimento no lado direito apenas deitava sangue pelo sítio onde fora arrancado um bocado da pele; o rio havia limpo conscienciosamente aquela ferida.
O homem estava palidíssimo, mas tal estado realçava--lhe a linha firme do queixo, os lábios varonis apertados e os traços enérgicos do pescoço e da cabeça. Trazia um lenço preto atado ao pescoço. Netty percorreu-o completamente com a vista: jaqueta cor de terra, camisa escura, calças azuis, botas baixas... e um revólver no coldre, cujo extremo estava fixo à coxa pelo cordão de coiro entrançado.
Netty recordou-se subitamente que pouco antes lhe parecera ter ouvido uns disparos, um tanto espaçados, mas que na altura os atribuirá a uma ilusão dos sentidos e acabara por esquecer o facto quase a seguir.
Agora verificava que os disparos haviam sido efetuados. Aquele homem tinha sido ferido muito próximo dali...
Guy regressou com dois paus compridos e um grande rolo de corda.
— Vamos levá-lo para o carro-mato, Netty. Com estes paus e esta corda, faremos uma maca, para o transportamos melhor entre os dois... Embora eu creia que... Bom, se não lhe extrairmos a bala...
— Morrerá?
— Claro. E, seguramente, morrerá de qualquer forma. Eu... eu não sei se devo tentar extrair-lhe a bala, Netty,
— O pai ensinou-te muitas dessas coisas, Guy.
— Muitas destas coisas? Netty: o pai era um «rancheiro», não um médico. Ele ensinou-me algumas coisitas, mas nunca tive ocasião de ver um ferimento como o deste homem. Se em vez da bala ter entrado pelo direito, tivesse entrado pelo lado esquerdo, havê-lo-ia matado, ao acertar no coração... — e o rapaz começou a suar de angústia. — Meu Deus, não sei o que fazer...!
Netty desejaria abraçar-se àquele homem loiro de feições enérgicas, e tê-lo-ia feito se soubesse que isso serviria para lhe salvar a vida... Mas seria só para lhe salvar a vida? Sentia... uma coisa... estranha... Estranha?
— Se não lhe extraíres a bala... morrerá?
— Sim.
— E há alguma possibilidade de que viva se lhe extraíres a bala?
— Só Deus o sabe, Netty.
— Vamos extrair-lha.
— Tu também? Julguei que estas coisas...
— Demonstrar-te-ei que sei fazer frente às circunstâncias.
O rapaz sorriu. Reparou que sua irmã fitava o ferido com uma estranha intensidade. Encolheu os ombros.
— De acordo: Vamos salvá-lo... ou matá-lo de uma vez.
A rapariga empalideceu.
— Não digas isso, Guy!
— Bom, está bem. Primeiro que tudo temos de aquecer água, ferver alguns panos, desinfetar a faca mais pontiaguda... Não poderei, Netty!
Netty contemplou o homem de cabelos loiros. Depois, olhou para o seu irmão, que limpava o suor do rosto com a mão. Por fim, voltou a fitar o homem dos cabelos loiros.
— Poderás, Guy.

domingo, 11 de dezembro de 2016

PAS685. Assalto e traição

Dave Everitt teve de passar também aquela noite a galopar. Aproveitaram as poucas energias dos cavalos roubados para, sem deixar de galopar, darem descanso aos seus. Depois, deixaram-nos em liberdade.
Deste modo, ao amanhecer, depois de terem seguido o curso do «Colodian Creek», chegaram à sua confluência com o rio Brazos.
— Creio que este é um bom lugar para descansarmos, Everitt.
— Muito bem.
«Gatilho» Everitt encontrava-se fresco. Sujo e poeirento, mas o seu rosto não denotava a menor fadiga. Em contrapartida, Henry Morne, com os seus quarenta e tantos anos, tinha o aspeto de estar verdadeiramente derreado.
Detiveram-se junto à margem do rio Brazos, num local onde a água passava cerca de trinta centímetros para fora do leito, e os dois homens desmontaram ao mesmo tempo.
Morne assoprou furiosamente, enquanto acionava as pernas, que sentia entorpecidas. Mas estava satisfeito.
— Que tal lhe pareceu o golpe, Everitt?
— Muito bom, fácil e produtivo... Diga-me, Morne: como sabia você que esses homens levavam tal quantia, e o lugar por onde passariam?
— Soube-o em Wisfield. Ali... Bom, ali não sou o mesmo que aqui — soltou uma gargalhada. — Nem sequer uso as mesmas roupas que uso agora. Se alguém de Wisfield me visse a uma distância regular, não me reconheceria. E supondo que esses dois homens descrevam os seus assaltantes, ninguém suspeitará jamais que um deles, o mais bem vestido, pudesse ser Henry Morne.
— Já percebo. Você é alguém ali, hem?
— Sim.
— E o dinheiro?
— Vou dar-lho agora mesmo.
— Ótimo. Mas não me referia a isso. Se você é alguém em Wisfield, pode supor-se que tem dinheiro, não?
— Sim... e não, Everitt. Não tenho o suficiente. E, precisamente, quando tomei conhecimento deste envio, andava a procurar a forma de resolver um negócio estupendo.
— Para o qual precisava de mais dinheiro do que aquele que tinha, não é verdade?
— Exato.
— E o Banco?
Henry Morne alarmou-se subitamente.
— Que Banco?
— O que enviou o dinheiro. De Wisfield até aqui há uma grande distância. Parece-me um envio muito estúpido, Morne.
— Se fosse um Banco grande, sim. Mas é pequeno, as suas sucursais estão muito espalhadas e os envios querem fazê-los assim. Os homens que levam o dinheiro costumam ser tipos duros... e de reconhecida honradez.
— Aqueles dois não me pareceram muito perigosos.
— Não é isso — sorriu Morne. — O que acontece é que nós somos muito mais duros... e eles souberam vê-lo. Além disso, o Banco que lesámos, Everitt, não fica em Wisfield. Não me julgue tão estúpido.
— Está bem. Compreendo tudo. Agora, o melhor será que cada um se afaste pelo seu caminho... com a parte que lhe compete.
— Naturalmente.
Henry Morne dirigiu-se lentamente para o seu cavalo e começou a manipular a fivela do alforge, no qual havia guardado na tarde anterior o pacote de notas.
David «Gatilho» Everitt atirou o chapéu para o chão; depois, ele mesmo se lançou para o solo, junto à margem, com o tronco inclinado para a água. Com ambas as mãos, lançou água para o rosto. Repetiu a operação várias vezes e, por fim, decidiu-se a beber.
Quando estava a fazê-lo, viu cair o dólar de prata a seu lado, sobre a terra vermelha que canalizava o rio Brazos.
Imediatamente, Everitt deixou de beber. A água escapou-se mansamente através das suas mãos unidas, unindo--se às gotinhas que, resvalando pelo seu rosto refrescado, caiam no rio.
— Que significa...?
Torceu um pouco a cabeça ao começar a falar.
E emudeceu.
Henry Morne estava a seu lado e um pouco atrás, empunhando firmemente o seu revólver, apontado diretamente à cabeça de David «Gatilho» Everitt.
Este sentiu-se empalidecer.
Mas a sua voz, após uns segundos de tensão, soou seca e firme:
— Que significa isto, Morne?
Henry Morne sorriu de modo enviesado.
— Você, Everitt, é suficientemente inteligente para saber o que significa isto... com toda a exatidão.
— Vai matar-me?
— Com certeza, rapaz. Duzentos mil dólares é demasiado dinheiro para ser repartido por dois. Não está de acordo comigo?
— Sim.
— Vê? Além disso, se continuar vivo significa um grande perigo para mim. Conhece-me demasiado bem: o meu nome, o lugar onde encontrar...
— Julguei que tinha mentido, Morne.
— Não. Disse sempre a verdade. E disse a verdade porque, naturalmente, pensava matá-lo uma vez conseguidos os meus propósitos. Houve momentos em que receei ter de repartir o dinheiro consigo... Não mexa as mãos, Everitt!
Morne não perdia o menor movimento de Everitt. Após uns instantes de reflexão, continuou.
— Você é demasiado perigoso. O homem indicado para me ajudar tinha de ter tal qualidade, mas você excede o que me disseram a seu respeito.
— Ninguém é demasiado perigoso, Morne. Esta é prova.
— É certo! — riu Morne. — Cometem-se sempre descuidos, excessos de confiança... Você devia lembrar-se das palavras de seu pai cm todos os momentos, rapaz: estar sempre em igualdade de condições com os outros homens. Demonstrou muita cautela, no quarto daquele hotel em Rocktown, e agora...
Voltou a rir.
Everitt comentou serenamente:
— Foi um disparate da minha parte. De acordo, Morne: dispare já.
— Oh, não, rapaz...! Ainda não. Apanhe esse dólar.
Everitt olhou para o dólar de prata. Passou a língua pelos lábios secos.
— O dólar?
— Foi isso o que eu disse.
— Para quê? Não vou precisar dele.
— Não se trata disso — sorriu, ironicamente, Morne —, mas gosto de cumprir o que prometo. Disse--lhe que lhe daria tanto dinheiro que não poderia gastá-lo enquanto vivesse. E cumpro a minha palavra: não poderá gastar esse dinheiro no curto espaço de tempo que lhe restava de vida.
— Deixe-se de disparates, Morne. Dispare e acabemos com isto.
— Apanhe o dólar, Everitt. Não quer fazer-me este favor? Sou honrado nos meus negócios. E quero cumprir a minha palavra.
— Como queira, Morne.
— Com muito cuidado, volte-se devagar até ficar sobre o flanco esquerdo. Isso. Agora, devagar e com a mão direita, apanhe o dólar... e guarde-o num dos seus bolsos. Perfeito, Everitt. Estamos em paz, não é isso?
— Sim. Segundo o seu ponto de vista, sim.
-- Estamos. Portanto, Everitt, apesar de você me parecer um tipo simpático, vamos acabar de saldar as nossas contas... Quieto!
Supor que um homem como David «Gatilho» Everitt consentiria que disparassem impunemente contra ele, refletia uma certa escassez de inteligência psicológica. Henry Morne assim o devia julgar, porque o rápido pontapé de Everitt alcançou-o na perna esquerda e fê-lo cambalear.
Não obstante, disparou.
Imediatamente, fronte de Everitt, que começava a levantar-se, ficou cheia de sangue. Foi uma visão fugaz para Henry Morne, pois Everitt saltou para trás, caindo no rio, sem um gemido e inerte.
Com o rosto descomposto por um esgar feroz, Henry Morne correu para a margem. Nada. O corpo de David «Gatilho» Everitt havia desaparecido sob as águas avermelhadas. Mas Morne tinha ficado furioso com a reação de Everitt, inesperada para ele, e esperou uns segundos junto à margem.
De súbito, uns metros mais abaixo, apareceu o corpo do pistoleiro traído. Tinha as costas para cima e a cara submersa na água. Lançando uma maldição, Henry Morne dirigiu-se para o seu cavalo, montou e tomando a brida ao que havia pertencido a «Gatilho» Everitt galopou pela margem, seguindo a corrente.
Muito próximo dali, o rio estreitava e as suas águas eram mais profundas.
— Tenho de alcançá-lo antes que chegue ali...
Conseguiu-o.
Saltou do cavalo e aproximou-se o mais possível da água. Sacou o revólver e esperou que o corpo de Everitt passasse diante dele, o que aconteceu segundos depois.
Henry Morne apontou friamente às amplas costas e apertou o gatilho.
O corpo do pistoleiro pareceu ir afundar-se, mas só o fez alguns centímetros. Depois, voltou a flutuar como anteriormente... mas à distância de vinte metros a que se encontrava colocado, Henry Morne distinguiu com clareza suficiente e convincente, a mancha de sangue nas costas do pistoleiro.
Sangue vermelho, de um tom muito mais intenso que o das turbulentas águas do rio Brazos.
E foi então que o corpo de Everitt penetrou na parte mais estreita, mais turbulenta e mais profunda do rio.
Henry Morne meteu o revólver no coldre.
Sorriu.
— Tiveste azar, «Gatilho» Everitt.

sábado, 10 de dezembro de 2016

BUF126. Um dólar de prata

 
(Coleção Búfalo, nº 126)
 
"...
- Tenho trinta anos: mais doze do que tu. Viajei sempre sozinho sem amar ninguém, sem recordar quem quer que fosse que ficasse para trás. E, agora, as coisas serão piores. Não. Não direi nada a teu irmão. Mas tu vais prometer-me uma coisa.
- Sim, Sr, Everitt.
- Deixarás de amar-me. Esquecerás isso e os beijos que ofertaste a este pistoleiro. Esquecer-me-ás e nunca te lembrarás de mim. Tem de ser como se nunca me tivesses amado.
- Você... você quer que eu faça isso...?
- Sim, Netty; é isso que eu quero.
A rapariga baixou a vista. A sua voz foi como um lamento e Dave Everitt viu as lágrimas nos olhos da rapariga, contidas com dificuldade.
 -- Então, senhor Everitt, se você assim o quer, deixarei de amá-lo."
Lou Carrigan tem mais de duzentos registos em Portugal através de livros publicados pela APR, Da IBIS, apenas percecionámos um. É um autor ainda muito prestigiado em Espanha e que julgamos em atividade, já que começou um pouco mais tarde do que os "clássicos". Os seus primeiros livros chegaram até nós na década de sessenta, já a coleção Búfalo tinha cumprido perto de um terço do seu destino.
O que apresentamos é um dos primeiros publicados no país. Traz-nos a história de um pistoleiro contratado para acompanhar um rancheiro tido por honesto num assalto a uma fabulosa soma em dinheiro. Teve desde logo a garantia: "receberá tanto dinheiro que não terá tempo para o gastar no resto da vida". E o rancheiro ia acertando quando lhe pagou com um dólar de prata, mas um pequeno erro de cálculo pode modificar totalmente o desenrolar das coisas...
 
A capa, não assinada, mostra um momento decisivo em que o pistoleiro, de joelhos para beber água, depara com a presença ameaçadora de quem o tinha contratado e estava disposto a cumprir o prometido...