quarta-feira, 23 de junho de 2021

ARZ002.12 Encontro entre duas mulheres e proposta excêntrica

Por aquela altura, Dicky Root teve necessidade de sair de São Francisco, e fê-lo porque a sua presença era imprescindível em Salem, Oregón, onde ia constituir-se uma sociedade de madeiras, da qual Dicky ia ser o primeiro acionista e também diretor.

Se a sua presença não fosse tão necessária, teria ficado na cidade, não porque o «Dragon-fly», o seu negócio de maior vulto, seu quartel general e domicílio particular, tudo isto em conjunto, requeresse a sua constante presença. Tudo caminhava o melhor possível, e naqueles últimos dias nem Hazel nem os seus amigos tinham voltado a aparecer. Mas era precisamente por isto que Dicky receava. Sabia que o orgulho daquela rapariga não podia ter obedecido ao conselho que ele lhe dera de que não voltasse, ela e os amigos, ao cabaré.

Saiu, pois, de São Francisco com a certeza de que, no regresso, Hazel teria intentado alguma coisa contra ele e contra Hutchinson. Podia muito bem defender-se de Hutchinson, prevenindo-o antecipadamente de que Hazel havia subornado um dos seus empregados, o que na noite da sua visita ao «Fortune» prestara serviço no gabinete reservado em que se realizara a entrevista.

terça-feira, 22 de junho de 2021

ARZ002.11 O casino recebe a visita da bela mulher

Entretanto, o «Dragon-fly» começou a ser o casino da moda. A integridade de Dicky chegou a convencer até os mais exigentes, e as suas mesas de jogo serviam de remédio aos magnates do dinheiro, os quais pretendiam distrair-se um pouco. Naquelas mesas — disso estavam todos convencidos — não se fazia batota. Dicky declarava com toda a franqueza: «Ser-se honesto é um bom negócio» ... Quando os tribunais consideraram arrumados os assuntos de Dave e liquidadas todas as despesas, puseram o restante à disposição de Dicky e este destinou tudo a instituições públicas. Guardou unicamente para si as ações das duas companhias mineiras. Com elas, uma tarde, apresentou-se nos respetivos escritórios.

— Aqui têm isto.

— As nossas ações não lhe interessam?

— Pelo contrário. É que se me admitem... quero que me concedam voz e voto.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

ARZ002.10 Atentado no casino

A atitude de Dicky, durante o tempo que esteve preso, foi a de quem se compraz em cruzar os braços e abandonar-se ao fatalismo das coisas. Além do papel de parvo, como em vários momentos de exasperação lhe disse o inspetor, parecia desempenhar o do homem desorientado, do indivíduo que, encontrando-se no centro dum tufão, ainda não deu por isso.

Entre as muitas vantagens que esta detenção trouxe a Dicky, a primeira, quando por fim o puseram em liberdade, foi que toda a cidade de São Francisco já havia comentado até à saciedade aquele assunto, e que todos conheciam o jogo que Dave Berger, conhecido candidato à mão de Hazel, havia denunciado com aquela hipoteca, de conivência com o tutor da rapariga. Porque os próprios corretores da Bolsa, mal correram as primeiras notícias, se encarregaram de aludir a somas desbaratadas em torpes investimentos, que o malogrado Kelly havia feito em ações sem valor que Dave se encarregava de endossar-lhe.

domingo, 20 de junho de 2021

ARZ002.09 Uma quinta liberta-se de uma hipoteca e o libertador vai para a prisão

Erik manteve-se mergulhado em torpor durante muito tempo. Já tinha anoitecido quando ele despertou, chamando a sobrinha. Dicky aproveitou o momento e deixou-a sozinha com ele. Inspecionou a vigilância montada à volta da casa. Depois, no vestíbulo envolto em escuridão, sentou-se, e durante um bom bocado esteve a fumar cigarros uns atrás dos outros. Até que ouviu lá dentro um significativo alvoroço dos criados, exclamações a meia voz e um choro apagado. Foi verificar o seu pressentimento. Pelo caminho um criado velho informou-o:

— O senhor morreu... A menina chama-o...

Hazel recebeu-o num quarto contíguo àquele em que se encontrava o morto. Quando Dicky apareceu, ela estava pensativa, dando a impressão de grande abatimento. Mas esta atitude desapareceu imediatamente. Como se defrontasse um adversário a quem convinha enganar, dissimulando a própria fraqueza, Hazel adotou uma expressão serena. Os seus olhos brilhavam ainda de lágrimas quando encarou Dicky.

sábado, 19 de junho de 2021

ARZ002.08 Uma emboscada que leva à revelação do segredo da quinta: Petróleo!

Quando Erik Kelly compreendeu que havia sido uma imprudência revelar a Dave o que se propunha fazer, era já demasiado tarde. Muito antes de chegar ao arvoredo da quinta teve a certeza de que o seguiam. Prestes a entrar no largo túnel formado pelas árvores da avenida central, teve medo e deu ordem ao cocheiro para que se detivesse.

Nos breves momentos em que esteve parado, teve a sensação de que uma infinidade de olhos o espiavam.

Deu ordem de voltar a fim de empreender a marcha por um caminho transversal, que, depois de um largo desvio à beira do bosque, também conduzia a casa. Se já não tivesse a convicção de que o seguiam, agora tê-lo-ia podido comprovar, pois, mal tomou   o novo caminho, vários cavaleiros surgiram do meio dos rochedos e lançaram-se em grupo atrás do carro. Logo se ouviram tiros.

Subitamente, viu que o cocheiro desaparecia, num salto desastroso para o chão, e que os cavalos, à rédea solta, prosseguiam, cada vez a maior velocidade, fustigados pelos estampidos.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

ARZ002.07 Planos para interromper uma viagem pouco segura

Era na verdade o tio de Hazel quem se dirigia à quinta. Mas de tantos erros que cometeu na vida, o mais crasso de todos foi deixar-se dominar pelo seu temperamento impulsivo, dispondo-se a sair da cidade sem haver tomado as devidas precauções. Mandou atrelar o carro, e, sem mais ajuda que a do cocheiro bastante estúpido, saiu de São Francisco.

Não obstante, Erik Kelly teve ocasião de ouvir, a tempo suficiente de prevenir-se, ameaças de morte. Ouviu-as pronunciadas por uns lábios tumefactos, e leu-as nuns olhos desvairados... Dave apareceu em sua casa, poucos minutos depois de Hazel e Dicky terem saído. Começaram a insultar-se, sem nenhum deles ouvir o outro, ambos preocupados em encontrar a frase mais contundente. Mas depressa repararam que o principal motivo de alarme não existia.

— Eu nada deixei transparecer a Dicky! Absolutamente nada! — disse Dave, muito rouco, expressando-se com veemência.

Erik Kelly esteve uns momentos a observar Dave, perscrutando-lhe o fundo dos olhos. Pareceu convencido e o seu semblante foi mudando de expressão.

quinta-feira, 17 de junho de 2021

ARZ002.06 Esperando

Já na quinta, Hazel convenceu-se de que Dicky começaria a inspecionar a propriedade e a interrogar o pessoal que nela trabalhava. Mas o que Dicky fez foi unicamente espalhar por determinados sítios os homens que os tinham acompanhado, e ele e a rapariga meteram-se em casa como se tivessem ido ali passar umas férias.

— Não compreendo — disse ela. — Então não vamos fazer nada?

— Esperar. Parece-lhe pouco?

— Esperar o quê?

— Que as fúrias à solta se concentrem aqui.

Ao dizê-lo, Dicky pensava em Hutchinson e Romelle; no tio de Hazel e em Dave. A este havia-o deixado à solta, e Jimmy encontrava-se na quinta. Claro que Dicky, antes de partir, havia tido o cuidado de carregar com a documentação mais importante que se encontrava no cofre forte.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

ARZ002.05 Uma jovem assume uma quinta em processo de ruína e hipotecada

Naquela noite, fechado no quarto, sob a vigilância de um Jimmy mutilado que o odiava de morte, Dave Berger teve tempo de meditar.

Sabia que o momento de maior perigo já havia passado. A sangue-frio, Dick não o mataria. Com Jimmy já não se sentia tão seguro, mas, se conseguisse atrair a confiança de Dicky, ficaria a coberto de qualquer ataque de cólera que acometesse o coxo. E, na manhã seguinte, quando se reuniu com Dicky no escritório, Dave decidiu pôr as cartas na mesa. Pôr diante dos olhos de Dicky os livros e documentos que garantiam a posse de numerosas ações de duas companhias mineiras, três salas de jogo na cidade e a hipoteca da propriedade dos Kelly.

Dicky, a fumar, simulou não dar atenção a este último documento.

— Como é que tu conseguiste progredir tão depressa, Dave? — exclamou Dick, adotando um tom admirativo. — A menos que a nossa «mina de prata» tenha sido um logro, nunca pensei que o capital tivesse crescido tanto... Sou levado a pensar que foi tudo por bem...

Dave engoliu em seco.

terça-feira, 15 de junho de 2021

ARZ002.04 Armas que aparecem onde menos se espera

Não foi preciso que o alfaiate de Dave se apressasse a fazer um fato de cerimónia para Dicky, pois encontrou roupa à sua medida na própria casa de Dave. Foi Grotto quem, depois de haver calculado o talhe de Dicky, desapareceu num dos quartos e logo regressou carregado de roupa.

—Prova para ver... Nem por medida lhe assentaria melhor.

— De quem é esta roupa? — perguntou Dicky.

Grotto atrapalhou-se.

— Não interessa — mas, sabendo que Dicky não ficaria satisfeito com aquela evasiva, explicou: —Quando Dave começou a actuar em São Francisco, um indivíduo muito bem cotado entre as melhores famílias ajudou-o. Um tal Alden Hart, bastante bom sujeito, mas muito pouco esperto.

Grotto interrompeu-se a fim de olhar para a porta, atrás da qual se encontrava Dave deitado. A chave havia sido confiada a Jimmy.

— Pouco esperto porquê? — perguntou Dicky.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

ARZ002.03 Jimmy, o Perna de Pau

Já fora da quinta, Dicky procurou um riacho. O aspeto de Dave não podia ser mais lamentável.

— Lava-te.

Durante um bom bocado, Dave permaneceu inclinado sobre o riacho, atirando ao rosto mancheias de água. Não cessava de cuspir sangue e os lábios estavam agora mais inchados. Encontrava alívio no frescor ida água.

Mas não era só por isto que ele se mantinha inclinado. Esperava um momento oportuno. Julgou enfim encontrá-lo no instante em que Dicky lhe voltava as costas. Havia já algum tempo que tinha escolhido a pedra que deveria apanhar. Agarrou-a de repente, e ia lançá-la quando Dicky saltou para o lado, inclinando-se um pouco e voltando-se em seguida para ele. Dave encontrou-se com o cano de um revólver apontado ao rosto e uns olhos tão temíveis como a arma de fogo.

— Não me obrigues a esmagar-te antes de tempo — preveniu Dicky.

domingo, 13 de junho de 2021

ARZ002.02 Os negócios estranhos e desastrosos do tio Erik

Não só tinha visto, mas também ouvido tudo quanto ali se passara. E ao chegar a casa, deixou para melhor oportunidade o propósito de interpelar o tio e tutor. Esperara tanto tempo, que nada importava adiar um pouco mais o momento de satisfazer a sua curiosidade. Curiosidade que convergia para um ponto bem concreto: porque é que o tio Erik, sempre tão desabrido com todos os rapazes que lhes frequentavam a casa, tratara Dave, desde o primeiro dia, com tão excessiva cordialidade?

De tudo quanto acabava de ouvir, o que mais tinha ferido a sua sensibilidade eram as palavras que se referiam a ela: «Agrada-me também a tua noiva... Ou não é tua noiva?». Ao ouvi-las proferir por aquele homem estranho, experimentara a sensação de que a esbofeteavam em público. «Ou não é tua noiva?».

Agora era Hazel quem discutia essa questão consigo própria. Podia ela considerar-se a prometida de Dave? Não. Havia-o sempre repelido, não consentindo que lhe falasse de amor nem de nada que se lhe parecesse. Não obstante, permitira que ele a acompanhasse a toda a parte, embora sabendo que essas relações poderiam ser mal interpretadas por certa gente.

sábado, 12 de junho de 2021

ARZ002.01 Encontro inesperado em jogo de escondidas

Pela segunda vez passaram os cavaleiros, contornando o bosque no qual se encontrava a rapariga. Um deles, o que vestia com maior ostentação, um homem novo, corado, bem parecido, não cessava de chamar:

—Hazel!... Hazel!... Onde demónio te meteste? Já basta de gracinhas!

Às vezes parecia adotar uma atitude de bom humor. Porém, quem o observasse — e havia alguém que não o perdia de vista — facilmente se aperceberia que a brincadeira de modo algum lhe agradava. Assim, em certos momentos, assomava--lhe ao rosto uma expressão colérica e feroz.

— Hazel!... Estão todos à tua espera!

Era sempre o mesmo cavaleiro elegantemente vestido quem gritava. Os outros, embora não estivessem malvestidos, notava-se, pela forma como o seguiam, que não passavam de simples subordinados. Por fim, um dos que compunham a comitiva atreveu-se a falar:

sexta-feira, 11 de junho de 2021

ARZ002.00 Tiros em São Francisco (Revisita)


(Coleção Arizona, nº 2)


Esta novela, sem grande sabor a Oeste, transporta-nos a uma São Francisco já pejada de jornalistas, advogados e bandoleiros de toda a espécie. Aí cresceu uma jovem de nome Hazel que, após a morte dos pais, viu os seus bens serem administrados pelo tutor, o tio Erik. O compadrio deste tutor com um aldrabão levou-o a investimentos ruinosos e, a breve trecho, um rancho foi hipotecado. O conhecimento de que no mesmo haveria petróleo por parte do beneficiário da hipoteca fez este usar de todas as artimanhas para se insinuar perante a jovem.

Acontece que o passado do aldrabão tinha várias manchas negras. Numa delas, tinha traído um amigo com o qual se entregava a pesquisas numa mina. Um dia quando este e outros colaboradores se encontravam no interior da mesma e já tinham reunido substancial pecúlio, provocou uma explosão, pensando que os mesmos ficariam soterrados. Mas, como por magia, a natureza estragou-lhe os planos sem que se apercebesse disso. Uma tempestade súbita fez com que alguns cavaleiros se refugiassem na mina e prestassem auxílio aos seus anteriores companheiros.

E, quando um destes regressou a São Francisco foi o momento de pagar pelos crimes que tinha andado a praticar.