quarta-feira, 30 de novembro de 2016

PAS678. Um ninho de formigas é destroçado

Wade Morgan estava no alpendre e foi o primeiro a ouvir o rumor dos cascos dos cavalos. Voltou-se para o interior da habitação e informou:
— Aproximam-se cavaleiros!
Ben Morgan correu para o exterior, seguido por Susan e Stella. Os quatro permaneceram um momento a escutar o surdo ruído que se tornava cada vez mais nítido. Depois, Ben e seu filho cruzaram um olhar significativo.
— As mulheres que se metam em casa — ordenou Ben, secamente.
Obedeceram, em silêncio, um tanto assustadas. Wade entrou e foi buscar a sua espingarda. Ben verificou que o seu revólver funcionava perfeitamente.
Esperaram uns minutos. Depressa o grupo se tornou visível entre as sombras da noite. Cavalgavam em pelotão, quase roçando os estribos uns nos outros. Todos os cavalos do rancho de Drillman eram de sangue índio, exceto os que montava o próprio Drillman. E à cabeça do grupo ia um homem sobre um cavalo branco, de estampa diferente.
Chegaram ao pé do alpendre e pararam ali. Os dois Morgan, com as pernas abertas, separados entre si por uns três metros, cerravam a passagem.
— Nada perdeste em minha casa, Drillman. Desaparece e leva a tua gente.
Aquelas palavras provocaram um acesso de riso ao aludido. Voltou-se para os seus homens é soltou uma gargalhada que não lhe saiu muito sonora, devido ao uísque ingerido.
— Que lhes parece, rapazes?
— Está embriagado — disse, então, Wade, com os dentes cerrados.
Drillman sorriu de novo.
— Oh! Oh! O galo da índia dos Morgan! Sabes que Thal quer ajustar umas contas contigo?
 — Não tenho interesse nenhum em falar com os seus pistoleiros. Já ouviu o que o meu pai disse: desapareçam.
Drillman solto.0 uma praga e depois riu-se outra vez. Cambaleava na sela.
— Isso não são maneiras de tratar o senhor de Winslow. Não é verdade? — perguntou, dirigindo-se aos seus homens. — Não são, pois não?
Todos se apressaram a responder que não. Drillman sorriu estupidamente.
— Já ouviste a opinião dos meus homens, Morgan. Não se trata assim o senhor de Winslow. Pede-me desculpa ou arrepender-te-ás.
— Põe-te a andar com o teu pessoal, Drillman. Tenho muito pouca paciência.
Então, Drillman desmontou e todos os seus homens o imitaram. No chão, Arthur Drillman demonstrava não estar tão ébrio como parecia à primeira vista. Aguentava-se bem em pé e não via as coisas a dobrar. Aproximam-se das escadas do alpendre. A sua voz brotou como momentos antes, ligeiramente presa; no entanto, não era a mesma: havia fida um tom de verdadeira ameaça, qualquer coisa que fez estremecer Wade.
— Ben Morgan, ou sais agora mesmo das tuas terras ou lamentá-lo-ás.
— Estas terras são minhas. De aqui não sairei.
Wade sentiu a boca seca. Recordou as palavras de Drillman quatro noites antes: «Será minha, Wade Morgan! E quando me cansar dela terá deixado de ser quem é!»
Adiantou-se um passo.
— Pai, deveríamos...
Ben interrompeu-o com um gesto.
— Não.- Este rancho é nosso...
— Mas, elas...
— Tu e eu bastamos para as defender.
Wade sorriu um pouco amargamente. Seu pai sempre havia sido assim, um texano dos pés à cabeça. Nada era capaz de o demover das suas decisões uma vez que as tomasse. E contra os homens de Drillman nada poderia fazer, nem que se produzisse um milagre.
Drillman estava já no alpendre.
— Deverias ouvir o teu filho, Ben Morgan. Oh! Sim! Wade é pacífico... e sensato!
Recalcou os dois adjetivos com ironia. Wade avançou um passo para ele, apertando a espingarda.
— Cala-te ou...!
Arthur Drillman soltou uma enorme gargalhada e gritou:
— Para a frente, rapazes!
Wade e Ben saltaram ao mesmo tempo para cobrir a porta. Ben erguia já na mão direita o seu «Colt 45».
Fizeram fogo ao mesmo tempo. Dois dos pistoleiros caíram sem vida nos degraus do alpendre.
Mas, os outros entraram em ação quase no segundo seguinte.
Dois tiros alcançaram Wade Morgan, atirando-o para trás com a camisa cheia de sangue. Outros quatro ou cinco incrustaram-se em 'Ben, dobrando-o sobre o varandim do alpendre.
No solo, Wade voltou-se, com a espingarda em riste, disparando, raivoso. Viu que o cano de um revólver era apontado para ele e em seguida ouviu a voz de Thal:
— Não! A esse quero enforcá-lo eu!
Levantou-se de um salto, sem deixar de disparar. Viu cair três ou quatro pistoleiros num confuso montão. Em seguida, alguém o agrediu na nuca e sentiu uma dor fortíssima que o percorria de cima abaixo, tolhendo-o. Pouco depois, nuvens negras envolveram-lhe o cérebro e sumiram-no na inconsciência.
Os pistoleiros, com Drillman à frente, irromperam no interior do rancho. Susan tinha uma espingarda nas mãos e começou a disparar mal os viu entrar. Uma bala penetrou num braço de Drillman e mais quatro cortaram o caminho a um dos seus homens. A quinta saiu muito desviada. Com uma bala em pleno coração, Susan tombou, sem haver soltado a «Winchester».
Stella lançou-se para sua mãe, tentando apoderar-se da arma. Um dos criminosos foi mais rápido e agarrou-a pela blusa. A rapariga deu um safanão, enlouquecida pelo medo, e o homem ficou com quase todo o tecido entre os dedos.
A sua fuga foi cortada por outro dos pistoleiros e sentiu-se entre uns braços masculinos que a apertavam com terrível força. Desesperada, arranhou o rosto do homem, bateu-lhe com todas as suas energias e cravou-lhe as unhas nas faces, até que brotou sangue e o indivíduo a largou, proferindo uma obscenidade.
Contudo, nem lhe foi possível alcançar a porta. Embora Drillman estivesse demasiado embriagado para poder atentar alguma coisa contra ela, os seus homens só estavam ébrios de sangue. Quando uma bala piedosa pôs fim à vida de Stella Morgan, o aspeto que oferecia era terrível.
Pouco depois, os pistoleiros saíram para o alpendre e Thal preparou um laço que deitou sobre a pernada de uma árvore próxima. Wade sentiu que qualquer coisa fria o arrancava da escuridão em que havia submergido e, ao mesmo tempo, sentiu o calor tépido do seu sangue, que lhe corria pelo peito. Levantou-se um pouco e viu um círculo de rostos escuros nos quais se divisava o quer que fosse que lhe pôs os cabelos em pé.
Arthur Drillman, com um brilho especial nos seus olhos de ébrio e um braço cheio de sangue, sorriu alarvemente.
— Vamos, Wade Morgan. Antes de morreres, poderás ver um espetáculo divertido.
 Sentiu que o levantavam com muito pouca consideração, empurrando-o para o interior do «rancho». A primeira coisa que viu, no alpendre, foi o cadáver de seu pai, com uma enorme poça de sangue debaixo dele. A garganta contraiu-se-lhe. Depois, aos empurrões, fizeram-no assomar-se para dentro de casa.
Sua mãe, igualmente com um charco de sangue junto dela, estava por terra sem vida. E Stella, com as roupas em farrapos e manchadas de vermelho, também fora aniquilada às mãos daqueles facínoras.
Wade nem podia engolir. Os olhos arrasaram-se-lhe de lágrimas de impotência. E sabia que os pistoleiros o enforcariam, depois de lhe terem mostrado o que haviam feito com a sua família.
Thal Jonson afastou-o da porta com um safanão.
— Gostaste?
E todos soltaram uma feroz gargalhada.
Wade sentiu que qualquer coisa de terrível o sacudia com a força de um ciclone. Da garganta, brotou-lhe um soluço, rouco como o uivo de uma fera, e nunca soube como arranjou energias para saltar sobre Thal com os braços para a frente. Mas, saltou e o pistoleiro de Drillman sentiu que umas mãos semelhantes a garras se cerravam em volta do seu pescoço, como um garrote. Os dois caíram por terra e rolaram pelos degraus do alpendre. Quando Wade se levantou, Thal estava estrangulado e na mão direita do rapaz brilhava, naquele momento, o «Colt 45» niquelado do morto.
Sem ver sequer os seus inimigos, Wade descarregou as seis balas do tambor contra o grupo que tinha à frente. Ouviu gritos de dor e frases obscenas e os passos dos que se lançavam contra ele.
A voz de Drillman troou na noite:
— Matem-no!
O percutor bateu em seco. Atirou para o lado o revólver inútil e saltou sobre o cavalo que tinha mais perto.
Compreendeu que, se voltassem a apanhá-lo, ninguém poderia livrá-lo da morte. E ele tinha de viver. Era preciso! Porque um dia voltaria ao vale de Winslow, quando fosse um homem experiente, um pistoleiro. Voltaria e faria pagar a Artur Drillman aquele crime.
Lançou-se para a escuridão da noite, sem ver o caminho, com a garganta apertada por um soluço que não se completava, sentindo o sangue correr-lhe pelo peito, milagrosamente respeitado pelas balas que começavam a zumbir à sua volta.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

BUF122. A formiga o tigre

(Coleção Búfalo, nº 122)
 
«Quando pisares uma formiga, assegura-te que ela está bem pisada, porque pode chegar o dia em que a formiga se converta em tigre e te esmague a ti».
Começa em tom proverbial este livro que nos mostra como, em Winslow, uma cidade do Oeste onde a Lei não tinha chegado, um rancheiro sem escrúpulos destruiu toda uma família para lhe ficar com os bens. Mas um dos membros dessa família conseguiu escapar ao massacre, regressando dez anos depois para exigir o que lhe pertencia e satisfazer o desejo de vingança. A formiga tinha-se convertido em tigre.
Esta narrativa de Ros Talbot é muito interessante e o livro é um bom exemplar desta fase da Coleção Búfalo. Na novela, a própria mulher não tem um papel secundário, ela tem uma efetiva participação na ação embora num sentido negativo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

PAS677. Um copo de leite para o pistoleiro

Herbert Sidney, acabado o jantar no andar superior, descia agora ao balcão em busca do dono do estabelecimento... e de mais qualquer coisa que pelos vistos lhe faltava.
Herbert Sidney fez o seu pedido numas palavras que foram ouvidas por quase metade dos clientes do «saloon», apesar de a sua voz não se ter elevado absolutamente nada. Mas, tais palavras provocaram naqueles ouvidos e naquele sítio o efeito de uma viola num enterro ou de um grosseiro palavrão numa reunião de damas da Liga contra o Alcoolismo.
— Um copo de leite, por favor — foi o que Sidney pediu, com a maior naturalidade.
A mandíbula do «barman», ao ouvir aquele pedido, descaiu como se todos os tendões e fibras da sua cabeça se tivessem negado a cumprir a sua missão. Ficou imóvel, com o copo vazio na mão e o trapo com que o limpava na outra.
— Que... que disse o senhor? — gaguejou.
— Não me ouviu? Pedi-lhe um copo de leite.
O homem que se encontrava atrás do balcão saiu do seu pasmo ao escutar de novo aquela palavra que parecia fatídica. Atuou, então, com uma rapidez assombrosa, apercebendo-se da bomba que aquele homem tinha lançado no local sem o saber. Pousou o copo e o pano numa prateleira debaixo do balcão, aproximou-se de Herbert Sidney e, elevando-se na ponta dos pés, aproximou os lábios do ouvido do cliente.
— Por favor, por favor! — suplicou, alarmadíssimo. — Não volte a pronunciar aqui essa frase...
Mas, o outro, como se fosse curto de entendimento ou não desse pelos risos de escárnio e ditos obscenos que enchiam o salão, voltou a dizer, sendo cada uma das suas palavras como que uma cacetada na cabeça do dono do «Ás de Ouros»:
— Que se passa? Pedi apenas um copo de leite... Tenho por costume tomar um antes de me deitar...
O homem cerrou os olhos, como se visse desabar sobre ele as vigas do tecto. E, entre os comentários de mofa dos clientes, a voz de Jess Dumond elevou-se por cima de todos.
— Eh! Pombinho! — gritou. — Porque não experimentas beber um copo grande do mata-ratos que vendem aqui? Garanto-te que Morfeu acudirá veloz ao teu leito.
Sidney não lhe deu ouvidos. Crems, a uns passos de distância, fazia-lhe sinais para que desaparecesse... Porque havia de o fazer? Só porque um embriagado como aquele lhe tinha dito uma idiotice?
Jess, por seu lado, ao ver que o sujeito parecia ignorá-lo, pegou na garrafa que tinha à sua frente e, cambaleando, aproximou-se de Herbert.
— Será possível que não me tenhas ouvido, bonitão do Este? — disse, com voz pastosa. — Convidei-te a beber um copo do que bebem os homens.
— Que diabo quer você? — replicou Sidney, aborrecido. — Afaste-se e não me incomode.
Jess lançou à cara do outro uma gargalhada misturada com uma baforada de vapores de uísque. Depois, pegando num copo, o maior que encontrou à mão, encheu-o completamente do conteúdo da garrafa.
— Vamos, amigo, eu convido-te — disse.
Herbert olhou de soslaio para aquele indivíduo que parecia estar com vontade de brincar e a seguir para o copo que lhe apresentava.
— Agradeço, mas não costumo beber bebidas alcoólicas — replicou.
— Mas, desta vez, farás uma exceção — afirmou decididamente Jess.
Herbert Sidney vacilou. Começava a sentir-se ridículo perante a excitada multidão que se havia reunido à volta de ambos, curiosa pelo desfecho da cena.
— Já lhe disse que não bebo! — exclamou, de repente, num repentino impulso de ira que se havia apoderado de si mesmo.
Jess voltou a rir, extremamente divertido. Mas, subitamente, puxou do revólver e, abandonando o seu ar festivo, disse com voz arrastada:
— Bebe! Bebe ou abro-te a caixa dos miolos.
Sidney olhou fixamente para o ébrio e depois para o copo que este lhe impunha que bebesse. Acabou por ceder e estender o braço.
— Não tentes fazer batota — advertiu-o Jess. — Atirares-me o uísque aos olhos será assinares a tua sentença de morte, porque poderia meter-te algumas balas na cabeça com eles abertos ou fechados.
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Sidney optou por beber. Aproximou o copo dos lábios e humedeceu-os.
— Bebe tudo! De um trago!
O elegante sujeito obedeceu. Sem respirar esvaziou o copo até à última gota. •
 Quando o deixou sobre o balcão, Jess voltou a enchê-lo divertido.
— Bravo, cavalheiro! — exclamou. — Portaste-te como um homem... Bebe este também.
Herbert Sidney mordeu o lábio inferior. Até quando iria durar aquela estúpida brincadeira? Estava a ser o alvo de todos os olhares trocistas dos clientes do «saloon» e o pior era que não tinha outra solução senão obedecer. O indivíduo estava no ponto máximo da embriaguez; todo o seu corpo se alquebrava por momentos; todo exceto a mão direita, que empunhava com firmeza o «Colt» que tinha à sua frente.
— Bebe de novo, pombinho! Verás que dentro em pouco começas a sentir sono.
Herbert voltou a pegar no copo e a beber. Aquilo sabia a demónios. Era uísque de péssima qualidade, a que não estava habituado. Parecia que a garganta se lhe pelava ao passar o líquido por ela.
Jess Dumond perdeu de repente todo o interesse que até então havia sentido por aquele homem. Agora, obedecia e isso não tinha graça nenhuma. Teria preferido que resistisse, que tentasse lutar... Mas, não; portava-se exatamente como um cordeirinho.
Indiscutivelmente, aquilo não tinha graça nenhuma.
Guardou o «Colt» no seu coldre e concentrou a atenção na garrafa que tinha à sua frente. Só lhe restavam dois dedos de líquido... Teria de pedir outra ao tipo com cara de morcego que estava atrás do balcão.
Sentiu, de repente, a desagradável pressão de qualquer coisa dura sobre os seus rins. Diabos! Quem ousava ameaçá-lo?
Voltou a cabeça e olhou para trás, sem mover um só músculo do resto do corpo. A sua surpresa não teve limites. O sujeito do Este apontava-lhe uma pistola que parecia um simples brinquedo e que ele havia sacado só o diabo sabia de onde!
Começou a rir estrondosamente. Herbert Sidney olhou-o sério e muito perfilado.
— Desejo que bebas — declarou. — Agora, convido eu.
— Muito agradecido -- troçou Jess. — Mas, não é necessário que te incomodes a retribuir-me o convite. Ainda me resta um bocado na garrafa.
— Mas, não é uísque precisamente o que eu pretendo que bebas — afirmou Sidney, impávido. — Quero que proves uns quantos deliciosos copos... de leite.
Jess deu um salto e fez um gesto de repugnância.
— Eh? — Cuspiu e perguntou depois: -- Leite?
— Leite, sim, senhor. Puro leite de vaca. — Dirigindo--se depois ao dono do estabelecimento e sem afastar a vista do homem a quem apontava a sua arma, falou: — Traga um copo de leite, rápido. Acabadinho de ordenhar, se for possível.
— Não... creio que... que haja de isso na minha casa — balbuciou Crems.
— Procure-o, então, na rua, mas depressa. Traga alguns litros.
O dono do «Ás de Ouros» afastou-se apressadamente, benzendo-se. Céus! Em que se havia metido o forasteiro!
Jess, entretanto, alarmou-se através da sua embriaguez. Seria possível que aquele janota se vingasse dele de maneira tão humilhante? Leite! Leite de vaca! Ufa! Não havia nada no mundo que lhe repugnasse tanto. Ele, ao fim e ao cabo, havia-lhe dado a beber uísque, uma coisa que sabia bem...
Não teria outro remédio senão matá-lo na primeira oportunidade que se lhe apresentasse, por não ter sabido procurar uma brincadeira de melhor gosto.
— Estás a brincar, não é verdade? — disse, quando voltou a pensar no leite, como se se tratasse de um pur-gante. — Não me farás beber essa porcaria...
Herbert Sidney não respondeu. Continuou a mirar fixamente as pupilas do homem que tinha à sua frente e aguardou que Crems regressasse.
Jimmy «Lamentos» e Charlie «Risonho», que presenciavam a cena sem pestanejar, decidiram intervir em favor do seu amigo «Prateado». Eles sabiam que, se Jess não estivesse tão embriagado, já se teria livrado ele sozinho daquele tipo, com uma qualquer das mil artimanhas que conhecia. Mas, no estado em que se encontrava, não o podia fazer com plena segurança de êxito.
Por isso, ambos se aproximaram do grupo, andando com naturalidade e fingindo que se iam encostar ao balcão. Olharam um para o outro e, sem trocarem uma única palavra, traçaram o seu plano de ataque, como o haviam feito já dezenas de vezes, nas suas longas digressões, pelos bares e «saloons» de toda a União: um deles agredi-lo-ia na orelha, precisamente no momento em que se aproximava do balcão. O outro bater-lhe-ia com força na mão armada. Era sempre este o princípio...
— Agora, «Lamentos»!
A ação dos dois indivíduos foi rapidíssima, mas o/ resultado não foi precisamente o que eles esperavam. Nem o punho de «Risonho» desabou contra a orelha de Sidney nem contra nenhuma outra parte do seu corpo. Tão-pouco a mão de «Lamentos» bateu no braço armado com a «Derringer».
Herbert Sidney tinha-se apercebido da manobra um segundo antes de se efetuar. Atirou-se para trás, velozmente, ao mesmo tempo que com a mão esquerda colocava um violento soco em pleno rosto de «Risonho», que o fez retroceder a vários passos de distância.
Quanto a «Lamentos», recebeu uma enorme joelhada no ventre, que o obrigou a cair por terra, soltando uma afogada praga de dor.
Jess Dumond, entre surpreendido e divertido, não fez nada por fugir nos escassos segundos que durou a luta de Sidney com os dois foragidos. E fez mal, pois, passados uns instantes, apareceu o dono do «saloon» com um grande jarro de barro, completamente cheio do branco líquido cujo nome, só de o ouvir, lhe causava horríveis náuseas.
— Aqui tem, senhor — murmurou Crems, deixando o recipiente sobre o balcão. — Acabam de o ordenhar agora mesmo. Ainda está quente.
Jess fez um gesto de repugnância. Seria possível que o tipo levasse a brincadeira tão longe?
— Bebe — ordenou Sidney.
Jess negou com um gesto.
— Não — replicou, obstinado.
— Creio que irás já beber! — exclamou Sidney, sorrindo pela primeira vez.
E fez um gesto significativo com o revólver.
— Pensas matar-me? — troçou «Prateado».
— Não.
— Obrigado por perdoares-me a vida. Nunca conseguirias que eu bebesse isso.
— Penso disparar contra uma das tuas orelhas — disse Herbert.
Jess alarmou-se um pouco ao ouvir a ameaça.
— Não te julgo capaz de o fazeres — comentou, no entanto.
— Deveras? — observou Herbert, jovial. — Contarei até três e, se nessa altura não tiveres começado a beber todo o conteúdo...
— «Todo», disseste tu?
— Sim. E procura não entornar uma única gota. Lembra-te de que eu também conheço o truque de cegar o inimigo atirando-lhe o líquido para os olhos.
Jess coçou a cabeça, deitando o chapéu para trás. Dava-se conta de que estava bastante embriagado, mas nem por isso deixava de perceber que aquele «menino bonito» estava a fazer pouco dele. De «Prateado», o mais hábil pistoleiro das Rochosas!
A brincadeira, se era brincadeira como ele esperava que fosse, já era altura de chegar ao fim. «Lamentos» e «Risonho», a dois passos dele, assistiam à cena boquiabertos e observavam o tipo elegante que com tanta mestria e limpeza se havia desenvencilhado de ambos.
«Idiotas! — pensou. — Se tivessem feito a coisa mais perfeita, agora estaríamos a divertir-nos à sua custa...»
Um momento depois, pareceu perder a paciência.
— Largue essa coisa! — gritou, adiantando-se para lhe arrebatar a «Derringer».
Mas, Herbert Sidney parecia disposto a não ceder e a fazê-lo beber o leito. Inclinou-se para trás, veloz, e do negro cano da arma que empunhava brotou uma chama avermelhada, seguida de uma detonação. Jess sentiu o calor da bala roçar-lhe a orelha direita, provocando-lhe um vivo ardor.
— Com mil diabos! exclamou.
— Lamento, errei a pontaria — disse Sidney. — Mas, vamos lá que, em vez de a bala se ter desviado para a cabeça, fê-lo para fora.
Jess olhou para Sidney de relance e perguntou:
— Que tentas na realidade?
— Simplesmente obrigar-te a que bebas esse jarro de leite.
— Sabes que isto te pode custar caro?
— Foste tu que iniciaste a brincadeira, como deves estar lembrado. E eu continuo as brincadeiras até ao fim.
— Estás a procurar um mau inimigo.
— Não me importo. Bebe isso, anda!
Jess emudeceu. Olhou para Sidney, com as pupilas brilhantes de ira, e pegou no recipiente com o níveo líquido.
— Procura não entornar uma gota — repetiu Herbert.
Jess Dumond começou a sentir-se agoniado ao primeiro sorvo. Leite fora sempre para ele uma coisa detestável. Nunca mais o provara desde que havia deixado de mamar. E agora... agora estava a bebê-lo!...
Sentiu que um rato ou qualquer coisa parecida lhe corria do estômago à garganta e vice-versa. Uma transpiração fria começou a inundar-lhe a fronte; o cabelo eriçou-se-lhe... No entanto, continuou a beber. Tinha os olhos muito abertos, fixos no fundo do jarro, que cada vez se elevava mais e mais, conforme o líquido penetrava no seu estômago.
Por fim, a vasilha ficou vazia e Jess largou-a, fazendo que se despedaçasse a seus pés. Apoiou-se no balcão, ofegante, sem ver nada nem ninguém, sentindo cada vez com mais força os estertores do seu pobre e atormentado estômago.
Ruídos surdos, como que procedentes de um estranho mundo interior, rugiam em alguma parte do seu corpo. O animal que parecia ter dentro de si aumentou ostensivamente. Agora, não era um rato. Parecia um gato, um gato enorme, gigantesco...
De repente, Jess Dumond, levando a mão direita à boca, correu apressadamente para a rua, fazendo titânicos esforços para chegar ao passeio antes que o conteúdo do seu estômago saísse por onde havia entrado.
Houve gargalhadas abundantes no estabelecimento quando as portas de vaivém se fecharam atrás do corpo de «Prateado». Jimmy «Lamentos» e Charlie «Risonho», ao verem que o indivíduo do Este não fazia o menor caso deles, ocupado em gargalhar juntamente com os outros, optaram por sair para a rua em busca do seu amigo.
Ninguém viu que no patamar da escada se encontrava Glória Dixon, que havia presenciado a cena do salão com um sorriso de simpatia para Jess Dumond, o pistoleiro.

domingo, 27 de novembro de 2016

PAS676. Por que sou um pistoleiro

Richard Cleveland ficou um segundo pensativo, com o olhar fixo no rosto risonho do seu interlocutor.
— Você é um tipo estranho, Dumond — disse, por fim. — Não parece um vulgar assaltante de diligências.
— Está a pensar seriamente? No entanto, creia que o sou.
— Volto a fazer-lhe a mesma pergunta que lhe fiz há pouco. Que foi que o levou a seguir esse caminho?
Jess esmagou o charuto contra o cinzeiro, ao mesmo tempo que a sua expressão endurecia bruscamente.
— Isso agora não importa... — murmurou.
Cleveland percebeu que havia uma corda sensível na alma do rapaz e acrescentou:
— Sinto verdadeira curiosidade por conhecer a sua vida.
— Porquê?
— Não sei... Talvez tenha julgado ver em si uni homem que carrega um peso enorme sobre o seu coração. Enganei-me?
Jess Dumond calou-se e mordeu, nervoso, o novo charuto que instintivamente havia retirado de cima da mesa. Cleveland, inclinando-se para a frente na poltrona, acrescentou, com um sorriso de conciliação:
— Bem. Sejamos amigos por agora, ainda que depois tenhamos de lutar um contra o outro.
— Pelo menos, o senhor é leal — falou, por fim, Jess.
— Não se fie na lealdade dos homens, Dumond — replicou imediatamente o seu interlocutor — nem sequer da minha. Na guerra, como no amor, todos os caminhos são válidos para a consecução do fim em vista.
— E, no nosso caso, é a guerra, não é verdade? — disse Jess, sorrindo. — Ignorava que nós havíamos de a declarar com tanta rapidez.
Por uma estranha associação de ideias, lembrou-se da rapariga dos • olhos azuis. Aquilo que sentia por ela no seu íntimo não era amor precisamente; pelo menos, não era o amor que aquele cavalheiro que se sentava em frente dele conhecia. O seu era uma paixão primitiva, dominante, feroz... um desejo nascido num instante, que tanto podia morrer um segundo depois como durar toda a vida.
Houve uma pausa no diálogo. Jess Dumond compreendeu depressa que Cleveland aguardava que ele começasse a relatar-lhe a sua história. Era uma história que não queria recordar, que procurava sempre relegar para segundo plano no seu pensamento ou afogá-la em uísque cada vez que tentava vir à superfície. Mas, ressurgia sempre, diáfana e clara, como se não tivessem decorrido quase dois anos desde então...
 Sem sequer se aperceber, começou a recordar e as palavras afluíram aos seus lábios lentamente, como se fosse outra pessoa que guiasse a sua vontade...
— Em Sun Valley, tive um grande rancho — começou por dizer. -- Pertencia aos meus irmãos e a mim, pois herdámo-lo quando morreu o meu pai. Ali, houve sempre paz e tranquilidade, até que um nefasto dia o meu irmão Walter se lembrou de levar Lucy a Boise, para que conhecesse uma cidade.
Calou-se. Richard Cleveland aguardou uns segundos e, por fim, perguntou, para arrancar o rapaz da sua abstração:
— Quem é Lucy?
— A minha irmã — respondeu ele e acrescentou: — Era a mais nova de todos e muito bonita. Demasiado bonita para permanecer nestas terras.
Cleveland lembrou-se de Glória, metida inesperadamente no coração das Rochosas. Sentiu um ligeiro mal--estar e agitou-se no seu assento.
— Que aconteceu? — murmurou.
— De regresso ao rancho, Lucy vinha radiante de felicidade. Havia travado conhecimento com um homem no hotel onde estivera hospedada. Com um «verdadeiro cavalheiro», segundo as suas palavras... Interroguei Walter acerca desse indivíduo e ele disse-me que o tinha visto apenas duas vezes de passagem. Só sabia que se chamava Milton Greb.
Calou-se um instante para fixar o seu silencioso ouvinte e perguntou:
— Conhece alguém que use esse nome?
As suas pupilas pareciam desprender faíscas enquanto pronunciava aquelas palavras. Cleveland desviou o olhar quando respondeu, um tanto nervoso:
— Não. Receio que não...
— Bem. Tanto faz. — A expressão dos seus olhos normalizou-se. Depois de um curto silêncio, acrescentou: — Durante dois anos, todos me têm dado a mesma resposta. Estou certo de que chegaria a surpreender-me se alguém dissesse o contrário alguma vez.
— Que aconteceu com esse Milton Greb? — indagou Cleveland, cuja voz tremeu ligeiramente ao pronunciar aquele nome, como se o seu possuidor lhe fosse sobejamente conhecido.
— Dir-lhe-ei em muito poucas palavras — declarou Jess. — Iludiu Lucy, depois de a visitar no rancho às escondidas, durante algum tempo. E acabou por levá-la... Ela deixou um bilhete, dizendo-nos que partia para casar--se com ele.
Jess fez uma pausa e prosseguiu:
— Milton Greb não se casou com ela. Fez pouco da sua inocência e, quando lhe pareceu, deixou-a abandonada numa mísera estalagem de uma povoação próxima de Boise.
«Eu, nessa altura, encontrava-me ausente do rancho — continuou a falar sombriamente. — Quando regressei, ao fim de mês e meio, verifiquei que Lucy tinha voltado e que os meus irmãos não estavam ali.
«Perguntei por eles à minha irmã e respondeu-me, desviando o olhar, que tinham ido a Boise. Até então, não havia reparado no estado de espírito em que ela se encontrava, muito próximo da apatia. Lembrei-me nessa altura de que Lucy não devia encontrar-se no rancho, uma vez que tinha abalado para se casar. Interroguei-a.
«Ela começou a chorar, sem se poder conter por riais tempo. Confessou-me, então, tudo. Walter e Duff, sabedores do que se passara, haviam partido em busca daquele canalha de Milton para linchá-lo...»
Jess Dumond voltou a deter-se para coordenar as ideias. Grossas gotas de suor corriam-lhe pelas suas faces.
— Naquele mesmo dia, parti atrás dos rastos dos meus irmãos — continuou. — Tive um pressentimento... Ao chegar a Boise, encontrei o desagradável espetáculo de Walter e Duff mortos. Assassinados.
-- Que havia acontecido? — perguntou Cleveland, num fio de voz.
— Segundo um mineiro que presenciou o acontecimento, os meus dois irmãos encontraram o tipo num bar. Walter, sem se poder conter, arrastou-o para o exterior e no meio da rua aplicou-lhe uma tareia tão violenta que j amais na sua vida poderá esquecê-la por muito que o tente.
«Mas, Milton Greb tinha os seus adjuntos, tão cobardes e traidores como ele mesmo. Um deles disparou contra as costas de Walter, deixando-o morto ali mesmo. Duff matou o traidor, mas caiu também, atravessado por mais de uma dúzia de balas que surgiram de todos os cantos».
Houve uma nova pausa.
— Milton Greb fugiu, ninguém sabia para aonde — continuou dizendo. — Só logrei descobrir que tomou o caminho de Helena, mas também podia ter ficado entre estas montanhas ou em Anaconda...
— Continue.
— Lucy fugiu de casa, envergonhada e cheia de remorsos. Julgou, sem dúvida, que foi a causadora da morte dos seus dois irmãos. Eu vi-me sozinho de repente. Comecei, então, a deambular por todos os povoados entre Sun Valley e Helena, procurando desesperadamente o maldito cobarde. Mas, parecia que a terra o tinha engolido.
«No meu vaguear contínuo de um sítio para o outro — continuou — entreguei-me à bebida quase sem dar por isso. Depois, matei um homem num duelo e mais tarde outro. Juntei-me a tipos sem escrúpulos e consegui dinheiro facilmente... Acabei por estar implicado na morte do xerife de Missoula e tive de fugir para salvar a pele.
«Agora, sou um proscrito, um fora-da-Lei... Não há muito tempo que me vi atrás das grades, mas conseguiu fugir, depois de ter atacado o xerife que me prendeu.
«Como vê, a minha vida é um constante vagabundear, enterrando-me cada vez mais neste maldito atoleiro...»
Jess Dumond calou-se e embrenhou-se nos seus pensamentos. Por fim, reagindo, levantou a cabeça e acrescentou:
— E é tudo. Agora, sou um dos muitos pistoleiros que infestam esta parte das Rochosas.

sábado, 26 de novembro de 2016

PAS675. Chegada de diligência após assalto

A diligência de Helena entrou na rua principal de Anaconda uma hora depois do que era costume. Em frente ao edifício do terminal, esperava-a um compacto grupo de curiosos e, um pouco mais além, o xerife da cidade, ataviado no seu melhor fato dos dias de festa.
Quando o bamboleante veículo se deteve no sítio do costume, com um áspero chiar de travões e duas pragas do condutor, o representante da Lei abriu caminho para ele, um tanto nervoso.
— Deixem passar! Afastem-se! — exclamava.
Indubitavelmente, alguém fora do que era corrente vinha no interior daquela empoeirada e ruidosa caixa. Por isso mesmo, as duas dúzias de curiosos, em vez de obedecerem ao xerife, acotovelaram-se em volta das janelas, mais ainda do que habitualmente, tentando olhar para dentro.
Por fim, a porta abriu-se à viva força e um indivíduo de idade madura, envergando um majestoso fraque e chapéu salto, desceu os dois estribos do veículo. Sem fazer o menor caso do xerife, que lhe estendia a mãe em sinal de boas-vindas, voltou-se para a portinhola a fim de ajudar alguém a descer.
Um «Oh!» de espanto e admiração brotou das gargantas dos circunstantes, ao verem aparecer pelo braço do cavalheiro do chapéu alto uma mulher linda, escultural e elegante, que, um tanto pálida, pousou os seus minúsculos pés no tosco passeio de madeira, da ainda mais tosca cidade de Anaconda.
— Onde está o xerife? — perguntou, irritado, o distinto cavalheiro, olhando à sua volta.
— Aqui, senhor Cleveland — replicou o aludido, tratando de esticar o pescoço entre as presentes, para se tornar mais visível.
Seguidamente, lembrando-se do discurso que tinha preparado para o momento, o representante da Lei acrescentou, em tom solene:
— Em nome de Anaconda, a mais honrada cidade de todo o Estado de Montana...
— Vá para o diabo! — atalhou o indivíduo do fraque, furioso. — Honrada cidade, foi o que disse?
— E acabam de nos assaltar quase à sua entrada!
A exclamação, um tanto trocista, saiu da portinhola da diligência, da qual já ninguém fazia caso, julgando que todos os seus ocupantes haviam descido.
Os rostos, incluindo o do desconcertado xerife, voltaram-se para ali. Viram, então, um rapaz, tão elegantemente vestido como Cleveland, que trazia consigo duas pesadas malas e tentava atravessar o passeio com dificuldade.
— O meu nome é Herbert Sidney, xerife — saudou, sorrindo.
— Sabe, xerife Gibons — interrompeu, furibundo, Cleveland, sem dar importância ao rapaz que havia falado -- que nos roubaram até ao último cêntimo a poucas milhas da sua «honrada cidade»?
— De verdade? — murmurou o xerife, abrindo a boca, admirado. E acrescentou: — Lamento, lamento deveras.
— É tudo quanto lhe ocorre dizer?

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

BUF121. O pistoleiro das Rochosas

 
(Coleção Búfalo, nº121)
 
Jess Dumond abandonou o seu rancho à procura do homem que tinha enganado e abandonado a sua irmã e contribuído para a morte dos seus dois irmãos. Associou-se a um bando, tornou-se no istoleiro das Rochosas, e, na sequência de um assalto em que tinha sido abandonado pelos companheiros, chegou a Anaconda onde uma surpresa o esperava. Finalmente, parecia ter encontrado o rasto do homem que tanto procurara. E a sorte fez com que encontrasse alguém que o ajudou a mudar de vida.
Este livro é mais um bom registo de Dave Turner, que já conhecemos de «O quinto condenado», o qual surge neste 13º ciclo da Coleção Búfalo, mais uma vez excelente.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

CLF077. Sangue no seu destino

(Coleção Califórnia, nº 77)
 
Um polícia rural segue um bando de malfeitores, conseguindo localizá-los numa cidade onde se desencadeia formidável combate. Apesar de sair vencedor, os seus precalços não terminaram, pois o dinheiro que recuperou para os seus legítimos proprietários tinha sido visualizado por uma artista de saloon que, num ápice, passou a palavra a outros indesejáveis.
Tex Taylor traz-nos uma novela do Oeste onde as primeiras cinquenta páginas são este duelo empolgante que terminou com o ferimento do jovem rural que, cumprida a sua missão, procurou afastar-se da cidade e acabou por ser recolhido num rancho onde o trataram. A segunda parte da novela é o relato do encontro com uma jovem formosa e da batalha com índios revoltados contra caçadores de bisontes e outros brancos que ocupavam o seu território.
A magnífica capa de Cortiella mostra um pormenor da luta contra os índios. A formosa rapariga tentou ir tratar dos feridos, mas um índio tentou abatê-la, só sendo impedido pelo herói da novela. No final, a menina e o herói ficaram unidos para sempre.

domingo, 20 de novembro de 2016

CLF076. A dama do puma

(Coleção Califórnia, nº 76)
 
 
Que formosa era aquela mulher!...
... e deslocava-se acompanhada de um puma...
Mas as coisas começaram a correr-lhe mal. Dona de razoável fortuna, quis adquirir os ranchos dos seus vizinhos. Estes recusaram e, inesperadamente, ... começaram a aparecer mortos, dilacerados como se uma fera os tivesse atacado...
Afirmou a sua inocência, mas a sua argumentação parecia ineficaz para convencer a cidade. Até que aquele homem chegou...
Eis mais uma novela de Joe Mogar, toda ela envolvida em mistério e marcada pelo encanto daquela mulher.
A capa, de A. Bernal, mostra um momento em que o puma, feroz, salta sobre um malfeitor que tentou alvejar a sua formosa protegida.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

CLF074. CAP IX. A menina da cidade torna-se pioneira

Como ainda empunhasse o rifle com a mão direita e com a esquerda os alforges de Travis, Duncan limitou-se a pestanejar, tentando desvanecer o que julgava miragem. Mas não se tratava disso. Kitty estava ali, até muito mais real que o resto das pessoas que a rodeavam, nem sequer se preocupando em as identificar.
De repente, ela avançou para ele em passo incerto e deu conta de que o corpanzil do velho Brown se encontrava a seu lado, empurrando-a para a frente.
— Vamos, menina Kitty — disse o velho rancheiro. — Aí o tem! Que espera para correr para os seus braços? Demonstre-lhe como estamos contentes em o ver. Você pode fazê-lo melhor que ninguém.
E ela correu a deitar-lhe os braços ao pescoço.
Então, ao senti-la pôr-se nos bicos dos pés para o beijar nos lábios, deu conta de que não a tinha esquecido nem um só momento, desde a última vez que a vira. E, ainda, que aquele beijo teve o sabor do pó alcalino que lhe chegava dolorosamente aos olhos e ao nariz, à garganta e aos pulmões. Tudo isto levou-o a compreender que a amava, como jamais qualquer amara outra mulher.
Deixando cair os alforges e lançando o rifle para o rancheiro, apanhou a jovem pelos redondos ombros, afastando-a para a mirar.
Pequena! — murmurou, roucamente. — Não vez que estou horrivelmente sujo!
Ela sacudiu a cabeça, incapaz de falar, e duas grossas lágrimas lhe rolaram pelas faces.
Duncan recreou-se a contemplá-la. Era, como já o pensara uma vez, muito bonita. A um homem doía-lhe o coração só de a olhar, sobretudo se havia uma eternidade que não via nada de feminino.
— Como... como estás aqui? — murmurou. E tentou convencer-se: — Devo estar sonhan-do, concerteza!
— Vamos, rapazes, será melhor que entreis. Nas margens do rio pode ter ficado algum índio e a cena é demasiado bonita para ser interrompida por um balázio.
As palavras do rancheiro fizeram Duncan voltar à realidade e, desprendendo-se suavemente dos braços que o aprisionavam, conduziu Kitty para o interior da cabana.
A cabana grande era, em parte, casa de habitação e de comércio. Atravessaram-na para chegar ao lugar destinado à residência, uma habitação feita de grandes paredes de troncos, com uma chaminé, móveis rústicos e um divã. Havia adjacentes, outros quartos peque-nos para dormir, e sala-de-estar.
O corpulento rancheiro, cujas barbas brancas não precisavam da ajuda do pó para lhe darem o aspeto de profeta do «Velho Testamento», não deu tempo aos jovens para dizer urna só palavra.
— Vá à cozinha e lave a cara, rapaz — disse ele a Duncan. — Não economize água porque tivemos tempo de nos abastecer e a ocasião bem o merece. E dar-lhe-ei uma camisa lavada. Tal como se apresenta agora, perece mas é um espanta-pardais.
Duncan não o deixou repetir, e quando voltou à sala grande, encontrou-se com os olhos sorridentes de quantos ali se encontravam, mas não viu Kitty.
— Em cima, sorriu Brown, fazendo um gesto com a sua grande cabeça, para a escada. — Mandei-a subir porque ali, não os estorvarão nenhum desses diabos. Devem ter muitas coisas para dizer, e também nós estamos ansioso por notícias, que Travis ou os outros nos darão sem nos afogarmos em suspiros. E não te preocupes com os índios. Tenho homens de sentinela que darão o alarme quando eles se aproximarem.
Rindo, Duncan, subiu rapidamente as escadas. Topou com uma sala ampla de tetos baixos e inclinados, de modo que só no meio era possível permanecer direito, de pé. Ali o esperava Kitty.
-- Duncan! — murmurou ela, receosa.
O jovem avançou devagar para a jovem, e agarrando-a pela cintura, olhou-a nos olhos.
— Devo estar sonhando — repetiu.
Ela rodeou-lhe o pescoço com os braços e apertou-o contra o peito.
Duncan com o dedo debaixo do queixo, obrigou-a a levantar a cara cheia de lágrimas.
— Sim, é um sonho disse muito a medo, — Um sonho maravilhoso.
Inclinando-se, beijou aqueles lábios que responderam à carícia com desespero.
— Como é possível estares aqui? — perguntou, bastante tempo depois.
Catherine, com a loira cabeça apoiada no ombro, demorou um momento a responder:
— Meu irmão não morreu — disse por fim, — pelo que nunca deixei de dar graças a Deus. Esteve bastante mal, isso sim, mas decorridos que foram quinze dias, o perigo havia passado. Compreendi, então, que seria eu quem morreria se tivesse de renunciar a ti para sempre. Amei-te toda a minha vida, Duncan! Desde que vivias com os teus avós e eras o rapaz mais bonito e mais arrogante de toda a cidade. Quando nem sequer davas conta da minha existência, porque tinhas já quinze anos e eu não completara ainda os oito.
Duncan apertou-a ainda mais.
— Querida! — murmurou.
— Desde que partiste que vivia como uma sonâmbula — continuou ela, muito lentamente, — sem responder muitas vezes quando me falavam. Até que não pude resistir mais.
— Fugiste de tua casa? — perguntou Duncan, alarmado.
— Não foi necessário — respondeu ela, baixando a dourada cabeça e desviando o olhar.
— Queres dizer que o teu pai te deixou?...
Duncan não saía do seu assombro.
— Disse-lhe que tu... que eu... Que ia ter um filho — terminou a voz de Kitty, apressadamente.
Os olhos parados de Duncan abriram-se de espanto. Ela levantou a cabeça e os seus enormes olhos cor de violeta olharam-no de uma maneira tímida e divertida.
— Naturalmente, não é verdade. É surpreendente a facilidade com que todos acreditaram nessa mentira quando jamais aceitariam a verdade do que se passou realmente na casa dos Sompayrac. Quando lhes disse que queria reunir-me a ti, deram-me uma grande quantidade de dinheiro e puseram-me no barco, muito contentes de se verem livres de mim tão facilmente. Tinham que salvar a honra da família — terminou lenta e amargamente. — Isso era o importante.
Mas Duncan não a ouvia. Estava rindo às gargalhadas. Depois, inclinando-se para ela, beijou-a apaixonadamente.
— O que não compreendo, é como conseguiste dar comigo.
Catherine levantou a cabeça e um brilho travesso bailava-lhe nos olhos.
— Foi o capitão Wilson quem mo disse! De princípio não queria fazê-lo, mas a história do menino!...
Rudger voltou a rir-se.
— Pequena mentirosa — disse baixinho, carinhosamente.
Mas de repente pôs-se sério. Acabava de compreender, que com aquilo, a jovem tinha fechado as portas de sua casa.
— Que tens, Duncan? — murmurou Kitty, que tinha notado a súbita mudança de expressão. Será que já não me amas, ou... que nunca pensaste casares-te comigo?
— Isso não! — disse franzindo o cenho, —mas terá que passar um ano, antes que nos possamos casar, visto só nessa altura poder apresentar a minha demissão nos rurais. Estás a compreender? Entretanto, que farás?
As mãos de Catherine acariciaram os cabe-los húmidos, e recostou-se no seu peito com um suspiro de alívio.
— Temi... Temi... Oh, Duncan! Que susto me pregaste! — murmurou.
— Eu tinha pensado ficar nestas terras quando terminasse o meu compromisso. Mas, compreendeste já, que isto não é sítio para ti? Demasiado selvagem. De qualquer modo...
— Mas se me encanta! — interrompeu ela. -- Os Brown são umas pessoas encantadoras e já combinámos que ficarei com eles enquanto cumprires o teu compromisso. Depois o senhor Brown tem um pedaço de terra maravilhoso, e no-lo venderá por pouco dinheiro! Todos nos ajudarão a construir a casa e quanto necessitemos! Compraremos algum gado e seremos rancheiros! Não é magnífico?
Duncan afastou-a um pouco para podê-la mirar com gravidade.
— Estás a falar a sério?
Ela dirigiu-lhe um sorriso luminoso.
— Claro que sim! Se é isso que desejas!
— Queres dizer que não te assustam os índios, o ar selvagem desta região e a sua solidão?
— O senhor Brown diz que o Exército acabará por empurrar os índios para longe daqui e que esta é a melhor região ganadeira do mundo. Gosto do exótico destas paragens, e tu és a única companhia de que necessito! Sem contar com os Brown que são uns vizinhos encantadores.
Rudger voltou-se, dando uns passos enquanto esfregava a nuca com as mãos. Tudo o que Kitty acabava de dizer era a realização do sonho que tinha começado a acariciar desde há algum tempo, mas não lhe parecia que a sua realização fosse possível! Estava muito confuso.
— Dás conta de que tudo isto é muito diferente daquilo a que estás acostumada? A vida é rude na fronteira, especialmente para uma mulher.
Ela aproximou-se e levantando as mãos até aos ombros começou a mexer no colarinho da camisa!
— Tenho quase um ano para aprender, Duncan — murmurou. — Comecei-o já. A senhora Brown é muito amável e deixa-me que a ajude na cozinha! Diz que aprenderei depressa e, além disso, eu gosto!
Os olhos de Duncan adquiriram um tom mais claro.
— Estás ciente de que é isso que queres? — perguntou, enlaçando-a de novo.
— Sim — murmurou ela com os olhos violeta rasos de lágrimas, que significavam a felicidade que lhe ia na alma.
Contemplando a esbelta mulher que tinha nos seus braços, Duncan sentiu de repente uma imensa alegria! As esgotantes cavalgadas, o cansaço, a dor... tudo desaparecera! Puxou-a carinhosamente para si, e o seu musculoso corpo relaxou-se numa sensação de ternura. Inclinou-se sobre ela e beijando-a longamente.
*
Inclinado como estava para não bater com a cabeça no teto, e apalpando os objetos para evitar bater nos móveis velhos, Duncan dirigiu-se para a claraboia, cuja estreita abertura deixava entrar a luz, graças ao brilhante luar que fazia.
Ao aproximar-se mais, viu uma sombra que vigiava e foi notado ao mesmo tempo, porque se ouviu mexer.
— Dunc? — perguntou lentamente a voz grossa do rancheiro.
— Sim. — disse Dunc.
— Despertou de um bom sonho, hein? Não há dúvida de que o necessitava.
— Com efeito. Agora estou completamente descansado. Que se passa?
— Índios! Creio que se propõem fazer-nos uma visita.
— Tinha ouvido dizer que os peles-vermelhas não atacavam de noite.
— E assim é, regra geral! Não gostam de morrer depois do pôr-do-sol. Segundo as suas crenças, o espírito do homem perde-se na escuridão. Mas fazem muitas exceções, de modo que não se pode admitir urna regra fixa.
— Onde estão?
— Ali. Perto do rio.
— Entre as árvores?
— Alguns estão muito mais próximos! Se fixares, ao fim da cerca do curral, onde faz esquina, verás uns vultos escuros que se movem muito lentamente. Esses diabos arrastam-se corno répteis, mas neste terreno plano e com esta lua, as suas manhas não lhe servem de grande coisa! Tive sempre a precaução de ter um amplo espaço descampado em volta da casa, e agora verifico o acerto desta medida, ainda que umas árvores sejam muito decorativas para tão desoladora paisagem. Nunca o esqueças, Aduncam, se é que aqui te queres instalar.
Mas Aduncam já não o ouvia. Ao olhar na direção que o rancheiro lhe havia indicado, pareceu-lhe ver fazer lume, e agora tinha-se repetido essa luminosidade. Estava bem certo do que vira.
— Há urna luz ali — disse. — Vi-a brilhar duas vezes. É como se alguém levasse um archote ou coisa parecida, oculta de alguma maneira!
— Quê!
A explosiva exclamação de Brown produziu-lhe um sobressalto.
— Vi muito bem — afirmou. — Está ali, até...
— Atenção, rapazes! — ouviu-se o vozeirão do rancheiro, interrompendo-o. — Vão atacar-nos com flechas incendiárias. Disparem contra todo o vulto suspeito. Rápido, não os deixem aproximar-se, ou assam-nos a todos aqui dentro.
Duncan sentiu que o coração lhe saltava do peito e começava a bater loucamente. Iam atacá-los com fogo. Se conseguissem incendiar a casa, a sorte de quantos ali estavam era bem definida. Ninguém escaparia. Nem as mulheres, nem as crianças, nem... Kitty!
Voltando-se, correu como um louco para a escada, sem preocupar-se com a possibilidade de tropeçar com alguma coisa ou cair pela escada abaixo, e, se isto não aconteceu, foi porque a luz produzida pelo tiroteio a iluminou, ainda que fugazmente, nesse mesmo precioso momento.
De um salto, desceu as escadas para se lançar pela janela mais próxima aberta para o rio.
Ali estavam postados dois homens, disparando contra as escuras sombras que corriam em ziguezague com incrível rapidez e agilidade, tentando aproximarem-se o suficiente da casa, para lançar as flechas.
Aduncam ficou de pé, claramente iluminado pela luz da lua que entrava, o qual, em lugar de o preocupar, pelo risco a que se expunha, lhe causava grande satisfação. Deste modo, banhado pelo luar, via perfeitamente o ponto de mira e assegurava-lhe em caso de necessidade uma pontaria como se fosse dia claro.
Mas não fez fogo. A sua atenção n ao estava concentrada nas fugazes sombras que se aproximavam da casa correndo como gamos, mas sim, no céu, com uma febril ansiedade.
De repente aconteceu o que estava temendo. Algo como um fogo ou estrela fugaz se elevou em círculo, no céu, descrevendo uma ampla e lenta curva.
Aduncam deitou a arma à cara, seguindo a trajetória da luz, e fez fogo.
No momento sentiu que o coração lhe paralisava. Tinha falhado e não tinha tempo de repetir o tiro.
Com efeito a flecha incendiária ia deixando um rasto de chispas, e desapareceu do alcance do seu campo visual.
Rudger afastou os dois homens colocados em frente da janela, e saltou para fora, sentindo a esperança voltar.
Um golpe de vista lhe bastou para ver a chama cravar-se em baixo, na parede, e no mesmo instante estava lá. Com um golpe da coronha da espingarda, descravou a flecha e afastou-a a pontapé. Feito isto, voltou novamente a preparar a arma.
Uma linha de faúlhas nas margens do rio indicou aos atiradores a sua localização e uma chuva de balas caiu sobre gele, cravando-se na parede.
Os índios estavam longe e eram francamente maus atiradores, mas ainda assim, o risco era grande devido à quantidade de disparos que fizeram.
E de repente, uma nova luz cruzou o ex-paço. Como se fosse um sinal, os tiros cessaram instantaneamente do lado do rio, como se a totalidade dos peles-vermelhas seguissem o voo da seta.
Mas Duncan nem sequer o notou. Balanceava ligeiramente, mas deitando a arma à cara, seguiu a enorme curva feita pelo fogo, e contendo a respiração, no instante preciso, fez fogo.
Desta vez produziu-se uma labareda, pequenos estilhaços de fogo saltaram em todas as direcções e a curva chamejante foi num ápice interrompida.
Um agudo clamor se elevou do lado do rio, e nesse momento pareceu acender-se uma linha de lume em toda a margem do rio, quando uma série de rifles começaram a disparar sobre Duncan, claramente iluminado pela luz do luar.
O jovem não tentou voltar pela janela. Tinha uma esquina muito mais próxima e com um salto escondeu-se nela, já que parecia que os índios estavam todos concentrados junto ao rio e a totalidade dos tiros partiam dali. •
Outra janela aberta lhe serviu para voltar ao interior e na sala encontrou Kitty que lhe deitou os braços ao pescoço, apertando-o contra ela.
— Não... não estás ferido? — perguntou-lhe com ansiedade.
Ele afastou-a carinhosamente.
— Nem um arranhão — sorriu.
A jovem começou a soluçar.
-- Oh, Dunc! Por um momento julguei que...!
— Vamos, que é isso? — disse ele acariciando-lhe o cabelo ternamente. — És tu que queres ser a mulher de um pioneiro?
Kitty levantou o choroso rosto para ele, debilmente iluminado pela luz da lua que entrava através das janelas, e fez um patético esforço para sorrir.
— Assim estás melhor — disse.
— Serei valente.
— Uma coluna dirige-se para aqui ouviu de repente o vozeirão do velho Brown, vindo de um canto... — São os exploradores que vêm em nosso auxílio!
Depois de um momento de paralisação e assombro, os defensores da cabana começaram aos gritos e hurras de alegria, saltando abraçados uns aos outros.
— Dunc! Dunc! — gritou Kitty, agarrando-se-lhe ao pescoço. — Estamos salvos!
O jovem não disse que a coluna tinha que perseguir os índios depois de um breve descanço, e que ele formava parte desse coluna. Não quis, também, desvanecer a sua alegria, e devolveu-lhe o abraço, contente por vê-la tão feliz.
De qualquer modo, tinha esperança no futuro. Sem dar conta, militava já definitivamente nas filas daqueles homens da fronteira, e comungava com eles nas suas ideias sobre a riqueza, formosura e futura grandeza daquela terra.
Sabia que expulsar os índios seria uma tarefa árdua, que custaria muito sangue e dinheiro, mas o resultado final não podia ser mais do que uma desproporção de forças existentes entre ambos os adversários. O exército acabaria com a brava e inútil resistência dos índios, e então, toda a fronteira ficaria aberta à colonização. As possibilidades que isto dava eram enormes. E tanto Kitty como ele estariam na vanguarda, contribuindo com o seu esforço para a prosperidade e riqueza do novo território.
Rodeando a jovem pela cintura, num comprido amplexo, apertou-a com paixão contra o másculo corpo de atleta, ao mesmo tempo que beijava os ternos lábios que se lhe ofereciam no mesmo tom apaixonado numa amorosa e mútua correspondência.
FIM

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

CLF074. CAP VIII. Reencontro inesperado

— Não o entendo — terminou, pondo ponto final no relato que tinha feito ao seu amigo enquanto cavalgavam.
— Porque não sabes que foram os sioux que mataram o único filho de Semple — disse Travis pensativo. Essa foi possivelmente a razão por que a mulher fugiu com o outro. Odiava esta terra e os índios e creio que também o Exército. Pediu ao tenente que deixasse tudo e se fossem daqui, mas ele não quis. Ao chegares tu, com os teus ares da cidade, odiou-te por representares o que ele não será nunca. Mas agora, ao matares os sioux, todos te aceitaram como um igual, e Semple também. Compreendes agora?
— Sim.
Não é que o entendesse muito bem, mas havia demasiado calor para prolongar a conversa. Era a hora da sesta e os homens cavalgavam inclinados sobre as montadas, que tinham chegado quase ao limite das suas forças.
Rudger pensou que tinha conhecido muitas fadigas anteriormente, mas nada se comparava à de agora, que o fazia baixar os ombros como que ao peso de uma carga insuportável.
Existe o cansaço da carne e é suportável; há o cansaço dos ossos, mais cruel, mas pode ser sofrido; mas o cansaço final, o dos nervos e do cérebro, quando se sente que em qualquer momento se pode cair inconsciente da montada, essa tortura é pior, a menos suportável. Aquela fase do cansaço era a que estava sofrendo Duncan, a cavalo desde a madrugada do dia anterior quase sem interrupção. O rasto continuava firme como no primeiro instante e em breve fez uma pronunciada curva para Este. Rudger tratou de sacudir a fadiga e a sonolência, quando Travis o advertiu.
— Que pode significar isto? — perguntou.
— Não estou muito seguro, mas não gosto nada — grunhiu o seu amigo com um gesto preocupado. — Se seguirmos assim, iremos diretamente ao posto de Brown.
Duncan concordou alarmado.
— Julgas que tentaram enganar-nos para atacar o posto?
— Pode ser. Não te parece que devíamos enviar alguém buscar a companhia?
O jovem não duvidou. Não podia correr o risco se havia a mais ligeira possibilidade de que os índios se propunham atacar o posto comercial de Brown. Um rancheiro que se tinha estabelecido naquela formosa paragem onde o rio Smoky Hill descia das pradarias altas até ao enorme vale do Missouri, tendo com ele dois irmãos e quatro filhos, sua esposa, a esposa de um dos seus irmãos e dois filhos, além de sete netos, de seis anos o mais velho. Tinha também quatro vaqueiros contratados, e seguramente tinham-se lá refugiado alguns dos colonos das imediações, mas n5,0 bastavam eles para conter mais de uma centena de índios que calculavam que tinham nela frente.
Voltando-se sobre a sela olhou o explorador mais próximo. Um homem magro e barbudo, cujo rosto era urna máscara de pó amassado pelo suor e com cicatrizes húmidas que indicavam a boca e os olhos. Deu conta de que todos estavam nas mesmas condições e compreendeu que pior aspeto devia ele ter.
-- Queres voltar e tentar alcançar o capitão, Linus? — perguntou-lhe.
O homem mostrou os dentes, também sujos de pó.
— Claro! — disse. — Trá-lo-ei, companheiro; confia em mim.
— Bem vês que parecem querer atacar o posto de Brown. Diz-lhe assim.
— Fica descansado.
O homem fez voltar o cavalo e agitando o chapéu como despedida, afastou-se, rápido.
A proximidade de uma das granjas espalhadas pelo território, viram o fumo de muito longe, e ao chegar perto dela viram que tanto a casa corno o curral, eram outras tantas fogueiras imensas.
O pelotão fez alto, os homens baixaram das suas montadas e estes afastaram-se com as cabeças baixas; e o suor corria-lhes pelos flancos como pequenos riachos de água salpicada de pó.
Os exploradores examinaram detidamente os arredores e reuniram-se para trocar impressões, enquanto um deles segurava os cavalos.
— Não havia ninguém e os diabos vermelhos apenas pararam para pegar fogo às construções — resumiu Travis.— Deve haver umas duas horas que isto aconteceu.
— Julgas que deram conta de que são seguidos? — perguntou Duncan.
— Não. Não o creio. Ainda que suponha que não tardarão em descobri-lo.
— Parece ser certo que se dirigem para o posto, não?
— Disso, não tenho a menor dúvida.
— Então, que lhes parece se abandonássemos a pista que estamos a seguir e nos dirigíssemos para lá, diretamente?
Todos estiveram de acordo e, montando os cavalos, recomeçaram a marcha, desviando-se agora das marcas que estavam seguindo.
Três horas mais tarde, subiram uma pequena encosta que dominava o vale no meio do qual corria um fio prateado do Smoky Hill, e em frente deles e do rio apareciam umas sólidas construções. Era o posto de Brown! Ou o que restava dele.
Havia já algum tempo que ouviam os tiros e viam o fumo. Agora distinguiam com toda a clareza o círculo móvel que rodeava a maior das casas, e de todos os buracos saíam nuvenzinhas de fumo, enquanto as chamas consumiam as restantes habitações.
Os dez homens observavam o espetáculo, mantendo o brusco silêncio.
Duncan voltou-se para os seus companheiros e deu conta, com dolorosa clareza da sua completa impotência. Que podiam fazer eles, sozinhos, contra uma centena de arrojados e bem armados guerreiros vermelhos.
— E agora, que fazemos?— perguntou roucamente, com a absurda esperança de que aqueles veteranos lhe pudessem sugerir um plano de ação que permitisse afugentar os índios.
Mas todos se mantiveram em silêncio.
— Nada! Maldita sorte! Nada! — resmungou raivosamente Travis, ao fim de uma interminável pausa. — Só esperar. Esperar e rezar para que os nossos cheguem a tempo.
— Se ao menos pudéssemos estar lá, — murmurou em voz sumida um dos homens.
Aquilo fez conceber a Duncan alguma esperança. Efetivamente, se eles pudessem lá chegar, todos bem armados como estavam, e magníficos atiradores, aumentariam consideravelmente as possibilidades de resistir até à, chegada da coluna, de socorros.
Então fixou-se na curva do rio e no arvoredo que o marginava. Atuando com cuidado, ocultos pelo arvoredo, podiam chegar muito próximo da casa, e então...
— Porque não tentamos chegar lá? — perguntou. — Pelo rio poderíamos chegar sem sermos vistos.
As suas palavras não pareceram despertar muito interesse, e os outros exploradores nem sequer o olharam.
— Os índios não são parvos, Duncan — explicou Cameron, passada uma eternidade. Esperam-nos ali e devem ter o rio vigiado.
Mas Duncan não se resignava. Recordava o corpulento Brown, um homem ruidoso e alegre que estava sempre a rir. Os outros que viviam com ele e especialmente as mulheres e as crianças. Só lá tinha estado uma vez, mas agora podia evocar com clareza, o rosto de cada uma das pessoas. E também os corpos ensanguentados dos Milier.
Vendo o número de selvagens que atacavam a cabana, cujos gritos chegavam até eles bastante nítidos, Duncan compreendeu perfeitamente que os defensores não poderiam resistir a uma acometida séria. Por muitos colonos que lá se encontrassem refugiados, não podiam ser mais que uma vintena de homens, e tinham pela frente, mais de cento e vinte selvagens dos mais ferozes de todo o Noroeste.
— São sioux? — perguntou, distraído.
— Sioux, araphoes e cheyennes do Norte e do Sul — replicou também distraído, um dos veteranos colonizadores que sabia distinguir umas tribos das outras, pelos seus adornos e pinturas.
— O capitão Henely e o resto da companhia não podem chegar antes de amanhã — continuou, dando voz aos seus pensamentos.
— Ou talvez mais tarde — disse Travis.
-- Julgas que podem resistir, até lá?
— Não. Não o creio.
— E vamos permanecer aqui, de braços cruzados, vendo como degolam toda essa pobre gente?
Cameron voltou-se para ele com rosto desfigurado.
— E depois! Que podemos fazer? — gritou, fazendo gestos de uma forma desordenada. — Vamo-nos lançar os dez contra essa horda de selvagens e cuspir-lhes na cara?
Duncan nunca o tinha visto daquela maneira, mas não se surpreendeu. Havia motivos para que aquele homem ou o mais calmo perdesse as estribeiras. Sabia que teria sorrido tranquilamente e seria um dos primeiros a defender a cabana se tivesse possibilidades. Era o não poder fazer nada que lhe fazia proceder daquela maneira.
— Alguma coisa poderíamos tentar — insistiu de novo Duncan.
Travis olhou-o com os olhos injetados de raiva. Era difícil reconhecer o habitualmente calmo rapagão, naquele rosto transfigurado pela angústia e pela ira, e coberto por urna máscara de terra. Sobre a sua camisa empa-pada de suor, tinha-se aderido o pó, que se convertera em barro, desde as botas ao cha-péu. Mais parecia que se tinha rebolado na terra vermelha do caminho.
— Tu diriges esta expedição, Duncan — disse com voz enrouquecida, realizando um poderoso esforço para conter a cólera e a im-paciência. Dá as ordens.
— Isso é um disparate, Travis. Qualquer de vocês é muito mais capacitado. Precisamente , por isso, lhes peço conselho. Mas alguma coisa, temos que fazer.
Cameron estava fora de si e os seus nervos estalaram.
— Sim? Tu és muito esperto, muito valente e o melhor de todos. Não foi isso o que disseste ao capitão? E mataste três sioux; não? Com certeza que podes espantar esses cento e trinta. Não tens mais do que aparecer e gritar que estás aqui.
Duncan também estava alterado, e o seu melhor amigo carregava na velha ferida que acabou com a sua revolta, se é que a havia.
— Não sou nada disso que dizes, mas tão-pouco tenho água nas veias e não posso permanecer aqui cruzando os braços, vendo como assassinam essa pobre gente — gritou. — Se ninguém quer vir comigo, irei sozinho...
— Muito bem. Talvez te sintas mais feliz quando a tua linda cabeleira estiver colocada à cintura de um desses demónios.
— Um momento! — interveio um maduro e veterano colono.
— Todos estamos dispostos a tentar ajudar os Brown, se isso for possível. mas não permitiremos disparates. A tua aparição denunciar-nos-ia a todos, e não queremos ser caçados como coelhos, sem proveito para ninguém.
Duncan olhou-os a todos desesperadamente e o seu cérebro procurava um plano que os convencesse, e de repente, assaltou-o uma ideia fantástica, tão fantástica e descabida corno a sua mente.
— Multo bem! — disse. — Creio que poderemos espantar esses selvagens, pelo menos pelo tempo necessário até chegarmos à casa. Estão dispostos a ajudar-me?
Os nove exploradores olharam-no entre incrédulos, receosos e irritados.
— Que nos propões? — perguntou um.
— Que se passaria se os pele-vermelhas vissem levantar-se por estas colinas uma grande poeirada, e começassem a aparecer cavaleiros lançados a todo o galope sobre eles, gritando e disparando? — perguntou excitado.
As suas palavras vincaram nas faces dos exploradores urna expressão de incredulidade.
— Recuariam sem dúvida, velo menos até saberem o que é que lhes caía em cima — prosseguiu Rudger, já que todos ficaram calados.
— E essa poeirada? — perguntou Travis passada a sua perplexidade.
— Todos temos laços. Podemos retrocede: e arrancar arbustos que amarraremos e depois arrastaremos atrás de nós; levantarão muita poeira. Enquanto cavalgamos ir-nos-emos escalonando de modo que os índios nos vejam aparecer um a um, como se nos tivéssemos adiantado ao grosso da coluna. Abandonaremos os arbustos antes que possam ser vistos depois gritando e agitando os rifles, iremos direitos ao inimigo vermelho.
O mais completo silêncio se seguiu à explicação de Duncan, e durante ela, ouviram-se claramente os gritos e o tiroteio que continuavam a vir do rancho.
— Os índios verão a poeirada, a qual o alarmará — continuou Rudger, acaloradamente no seu esforço de comunicar aos companheiros o seu entusiasmo — e a seguir, verão aparecer o homem que se lançara direito eles. Atrás deste continuará a poeirada e surgirá outro, e outro e outro... somos dez. Um a um e com intervalos certos, o primeiro pode ter coberto o percurso antes que apareça o último, mas já então os índios terão deitado a fugir.
— E se não fugirem? — perguntou um sujeito de grande barba coberta de pó, tão coberta que parecia um profeta.
Duncan encolheu os ombros num gesto expressivo.
Pode dar resultado — disse Travis.
— Podemos tentá-lo! — concordou outro explorador.
— Ali há muitas mulheres e crianças. Para, mim, isso decide tudo — afirmou um terceiro.
Os homens olharam-se uns aos outros, e de repente Travis recuperou a sua alegria.
— Somos uma pandilha de loucos, dirigidos por um lunático — disse. — Que esperamos?
Os exploradores retrocederam até onde tinham deixado os cavalos. Levando-os pelas rédeas, afastaram-se um bocado.
— Bom; creio que já é bastante disse Travis.
-- Mãos à obra — disse Duncan.
Em toda aquela zona e nas proximidades do rio cresciam arbustos e mato em abundância, ainda que secos pela prolongada seca, de modo que os exploradores dispuseram de quantos precisavam e ataram-nos com os seus laços em grandes fardos.
— Prontos? — perguntou Rudger, quando todos já estavam sobre a cela.
Os homens responderam afirmativamente.
Todos estavam graves e nervosos naquele momento, e o jovem hesitou um momento em dar a ordem. Toda a responsabilidade do que pudesse acontecer, seria sua, e talvez não conseguisse mais do que levar aqueles valentes para a morte. Até eles chegava o estrondo do tiroteio e os gritos dos índios, e este facto fê-lo decidir-se. Tinha que o tentar pelo menos, pois do resultado dependia a vida de muitas mulheres e crianças. Então, subitamente, assaltou-o a segurança de que teriam êxito. Deus não podia abandoná-los.
— Em frente! — gritou, picando esporas.
Arrancaram a trote. A distância não era muita, mas as suas montadas estavam esgotadas e convinha reservar as forças que lhes restavam para o galope final.
Passados instantes voltou-se, comprovando, com alívio, que os arrastos levantavam tanto pó como se pela pradaria cavalgasse um esquadrão. Talvez mais.
Os homens tinham-se escalonado a uma distância de trinta a trinta e cinco metros uns dos outros.
Erguido sobre a sela e segurando na mão esquerda as rédeas e na direita o laço onde prendia o grande fardo, Duncan iniciou a ascensão da pequena colina e foi-se aproximando rapidamente.
Ao avistar a casa, soltou o laço, e desafundando o rifle, agitou-o sobre a cabeça lançando um grande alarido.
Como um meteoro, lançou-se pela ladeira oposta, gritando e volteando-se na sela como se desse alento ao resto dos homens que o seguiam.
O alarido e o tiroteio dos índios tinha cessado, agrupando-se estes em frente da casa.
Estavam a uns quinhentos metros e era um tiro demasiado longo para podê-lo fazer com pontaria sobre ele montando um cavalo lançado a todo o galope, mas mesmo assim, Rudger não duvidou um momento, e levando a «Sharp» à cara fez fogo contra as filas de índios.
Aqueles momentos eram decisivos. Se os peles-vermelhas permanecessem firmes um pouco mais...
Os defensores da casa tinham cessado o fogo também, como que paralisados pela surpresa e pela alegria, mas, como aqueles tiros os despertasse, começaram a fazer fogo das janelas e de todos os buracos.
Duncan olhou para trás e viu três companheiros, cavalgando e gritando. Logo a seguir, aparecia outro.
Naquele momento, um alarido agudo e prolongado saiu da enorme coluna índia, para voltarem as garupas e escapar a todo o galope.
Rudger tinha coberto então, metade do percurso que os separava dos inimigos, mas continuava a ser muito longe para disparar com êxito, preferindo assim, poupar as munições que mais tarde lhe podiam vir a fazer falta.
Momentos depois detinha o cavalo diante da porta da casa no mesmo instante que esta se abria. Desmontando de um salto, passou o rifle para a mão, e descarregou os alforges que passou para o homem da porta, recolhendo também os grandes cantis de que dispunha.
A diferença de luz ao entrar na casa, fez com que não visse mais que simples silhuetas.
— Pronto! — disse, avançando até ao balcão, onde depositou os cantis. — Cada um ao seu posto! SOMOS muito poucos e quando os índios derem pelo engano, voltarão à carga corno vespas enfurecidas.
Livre da sua carga, voltou a sair, no preciso momento em que chegava o primeiro dos seus companheiros, e, com o rifle empunhado, correu até à esquina do edifício.
Dali, pôde ver os índios que continuavam fugindo, mais do que aquilo que esperava. Ao que parece, não se tinham voltado ainda para verem se aparecia a coluna que causava toda aquela poeirada.
Ao voltar-se constatou que Travis, o último dos seus companheiros, estava já muito próximo, e sentiu um alívio tal, que as pernas lhe tremeram e teve de se encostar à parede de troncos para não cair.
O das barbas de profeta deixou-se cair da sela, ao mesmo tempo que dava um suspiro de alívio e alegria.
— Conseguiste, rapaz! — gritou. — És um tipo com mais barba do que eu, ainda que não se veja. Nem me importa já que não masques tabaco.
E cuspindo, como para comprovar a sua afirmação, entrou por sua vez na cabana.
Travis ao chegar, foi ao seu encontro.
— Duncan, rapaz! És genial!
O calmeirão saltou da sela e levantou uma poeirada ao bater nas costas do seu amigo.
— Diabos! — tossiu, sem poder respirar.
Sem fazer caso dele, Duncan pegou nos alforges e dirigiu-se para o rio com os cavalos!
Momentos depois estava de volta.
— Vamos, para dentro! — disse. — Os selvagens não tardarão em voltar.
Travis apanhou os cantis e foi com ele para a cabana.
— Todavia, ainda não deixaram de correr. — Riu-se. — Creio que tardarão em convencer-se de que lhe cortámos as penas.
Duncan pareceu tropeçar e parou, como se tivesse chocado com um muro invisível. Não é possível! — murmurou, no cúmulo de incredulidade e assombro.
Travis voltou-se surpreendido.
— Que tens, rapaz? — perguntou.
Mas Rudger nem sequer o ouviu. Ali, no alpendre, ante a porta da cabana, entre outras pessoas, ainda que não visse mais ninguém, e olhando-o com os olhos rasos de lágrimas, sorrindo ao mesmo tempo, de um modo curiosamente tímido e corno que atemorizado, encontrava-se Catherine Marigny.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

CLF074. CAP VII. Mocassins de massacre

Desde muito longe, antes que outra coisa, descobriu uma débil coluna de fumo que se elevava em linha reta para o céu, e ainda cavalgou um bom bocado antes de ver a pequena cabana situada num vale pouco profundo, junto a uma linha irregular de álamos e arbustos que indicavam com segurança a proximidade de uma corrente de água.
Duncan já conhecia a granja, pois tinha lá passado algumas vezes, mas ainda assim não deixou de sentir tristeza à medida que se aproximava ao apreciar a pobreza de tudo aquilo.
A cabana era pequena e tosca, feita de troncos verdes, pois os Miller tinham-se instalado ali há pouco tempo; havia outra instalação destinada ao estábulo, um curral reduzido já terminado e outro meio construído. Alguns animais pastavam junto ao riacho.
Viu sair o granjeiro da cabana, um homem forte de mediana estatura, empunhando um rifle, que deixou apoiado à parede ao reconhecê-lo.
— Que tal? — gritou-lhe Miller antes de te desmontado. Chega a tempo de comer.
Duncan desmontou e deu uma palmada n anca do cavalo para ir beber ao arroio.
— Agradeço-lhe, amigo — disse — mas não posso perder tempo. E creio que você também não.
Viu como se desvanecia o sorriso do granjeiro.
— Que quer dizer?
— Índios! Tive um encontro com três deles, que pelos vistos tinham todo o interesse em conseguir a minha cabeleira. Levavam pinturas de guerra e atacaram-me subitamente, sem a menor provocação da minha parte. Temo que se trate de uma incursão, e creio que deveria abandonar isto e dirigir-se ao acampamento do posto Brown.
Uma mulher apareceu no umbral da cabana, levando nos braços uma criança de peito e agarrada às saias uma linda menina dos seus três ou quatro anos.
Rudger tirou o chapéu e dedicou-lhe uma galante inclinação.
Ela continuava quieta, com o corpo rígido e gordo, envolto num claro vestido de musselina. Não é que fosse exatamente bonita, mas para Duncan, que levava bastantes dias sem ter qualquer contacto com mulher alguma, o seu aspeto era muito agradável.
Quando voltou a olhar o granjeiro, este sacudiu a cabeça lentamente.
— Não iremos — disse. — Se algum sarnoso «injun» (1) aparecer por aqui, dispomos de bastantes munições, o rifle e o revólver, de modo que os manteremos à distância. Assim o espero, pelo menos.
— É uma loucura — protestou Duncan acaloradamente. — Não sabemos o número de peles-vermelhas que podem andar por aqui, e ficando põe em perigo a vida de sua mulher e dos seus filhos.
— Que vida seria esta, se deitássemos a correr cada vez que alguém visse um índio por estas proximidades? — disse então a senhora Miller. — Trabalhamos muito aqui, e não vamos abandonar isto ao primeiro sinal de alarme. Eu também sei disparar e estamos bem armados. Saberemos rechaçar qualquer ataque.
Duncan olhou-a e viu que estava decidida a ficar. Não tinha medo e confiava no seu marido.
— Depois poderia voltar — insistiu, ainda que sabendo que seria inútil. — Isto está muito longe de tudo e...
— Que julga que encontraríamos ao voltar? — interrompeu o granjeiro. — Um só «injun» que aqui passasse, não deixaria mais do que cinzas.
(') No calão do Oeste utilizava-se muito a palavra «iniun», que não é mais do que a pronúncia figurada da palavra indiana, que significa índio.
Compreendendo que estava perdendo tempo, Rudger encolheu resignadamente os ombros.
— Está bem — grunhiu com certa irritação. -- Não posso obrigá-los. Desejo-lhes muita sorte.
Ia furioso ao dirigir-se para o cavalo, mas pela primeira vez sentiu respeito e admiração pela gente da fronteira. Inclusive, pensou que seria agradável criar alguma coisa com o seu próprio esforço e ter uma mulher como a senhora Miller, honrada e animosa, disposta a compartilhar os tempos de paz e de guerra, tristezas e alegrias. De repente imaginou Kitty esperando-o à porta de uma rústica cabana com um filho nos braços e outro agarrado à saia do vestido.
Fez uma careta e só não soltou uma gargalhada porque os Miller estavam próximos.
— Devo estar louco — murmurou. — Só a ideia de arrancar Catherine do seu palácio em Nova Orleans e transladá-la para esta pradaria selvagem e pô-la a amassar o pão, é prova de que o sol me derreteu os miolos.
Olhou para trás quando se afastava, e viu como a senhora Miller dizia ao pequeno que agitasse a mãozinha em sinal de despedida.
A cena deixou-lhe uma estranha sensação de angústia. Se pudesse ficar tê-lo-ia feito. Era como se visse uma nuvem vermelha, ameaçadora e sangrenta que se aproximava daquela família.
Era muito mais de meia-noite, quando Duncan chegou ao acampamento do Rio Smoky Hill e transmitiu as suas notícias na escuridão da noite, que em breve se foi tornando iluminada e cheia de gritos.
Chamados pelas vozes dos seus chefes, os homens abandonaram rapidamente as tendas e num momento o acampamento fervia de atividade.
Os exploradores, todos eles veteranos da fronteira, sem mais exceção que Rudger, não precisavam de muito tempo para se prepararem.
Entretanto, na tenda do capitão Henely, este estendeu um mapa sobre a secretária, e tanto ele como Semple, outro oficial e dois sargentos além de Rudger, inclinaram-se sobre o mesmo.
— Vamos a ver — disse ao novato explorador. — Situe esses montes onde foi atacado.
Duncan olhou o mapa e viu imediatamente tratar-se de um trabalho dos cartógrafos militares, e não era necessário o dedo de Henely, indicando um pequeno agrupamento de tendas situado junto ao rio, para situar a sua posição. Imediatamente viu também uma pequena mancha de tinta esboçando habilmente uma cabana, sem dúvida a granja de Miller, e estavam também ali assinalados os agrupamentos de outros colonos. Com todos estes detalhes não lhe foi difícil precisar o lugar do seu encontro com os selvagens.
— Aqui — disse, assinalando com o lápis, que o capitão lhe oferecia.
— Está seguro disso? — inquiriu Henely. O jovem repetiu as suas comprovações antes de responder. Não queria enganar-se.
— Sim, meu capitão — disse por fim.
— Ouviste, John — Henely levantou a cabeça para olhar para o tenente. E continuou: — Que tens?
John Semple tinha na mão um dos mocassins levados por Rudger, e o seu rosto estava muito pálido. Nem parecia ter ouvido o seu chefe e amigo.
— John!
O tenente levantou a cabeça com evidente sobressalto.
— Que tens? — repetiu Henely.
— Que Deus nos ajude! — murmurou Semple. — Estes mocassins não pertencem a nenhum cheyenne. São sioux!
Henely pareceu perturbado.
— Mas então... não é uma simples incursão! Os índios lançaram-se para a guerra!
Semple guardou silêncio, como se aquilo fosse óbvio, que não merecesse resposta. Efetivamente, não tinha sido uma pergunta.
Henely saiu imediatamente do seu momentâneo abatimento.
— Envie imediatamente um correio a Fort Wallace, e destaque homens para avisar os colonos. Que o resto da companhia se prepare para partir. Saímos já.
Semple saudou e saiu da tenda acompanhado por outro oficial e dos sargentos. Henely olhou então para Duncan.
— Foi um bom trabalho, rapaz — disse com clareza, olhando-o nos olhos. — Vá arranjar um cavalo fresco, para partirmos dentro de dez minutos.
Nada mais. Intimamente, Duncan sentiu-se satisfeito. Ainda que não tivesse dito nada, o repto que lançara a ele próprio, pouco mais de um mês atrás, pairava no ar, e com as suas secas palavras, o capitão acabava de reconhecer que não se tratava de uma simples bravata.
— Diabos! Que se passa? — perguntou-lhe Travis, quando se encontrou com ele.
Duncan explicou-lho rapidamente.
— Raios, companheiro! — exclamou o calmeirão, admirado, quando o seu amigo terminou o seu relato. — Tu sozinho despachaste três sioux?
O jovem sentiu-se um pouco perturbado.
— Bom... Não sabia que o eram, e além disso, não tinha outra alternativa. Pelos vistos, a pedra caiu ao soltar a pata do meu cavalo, mas eu não o sabia, e com o cavalo coxo, sem lugar onde refugiar-me, não tive outro remédio que vencer o meu medo e acabar com aqueles diabos.
— Claro! Assim é fácil.
Duncan olhou o grupo de homens que se haviam juntado à sua volta, e calou-se, com os nervos crispados. Depois de cavalgar todo o dia, cansado, cheio de pó, com fome e sede, que ainda não tivera tempo de saciar, não estava de humor para troças, se alguém soltasse algumas das do costume.
Um dos homens estendeu-lhe um cantil.
— Bebe um trago, companheiro. Bem o necessitas. Isto reanimar-te-á.
Duncan agarrou no recipiente com certo receio, mas o olfato disse-lhe que desta vez não se tratava de nenhuma partida. Aquilo era bom «whisky», e ele entendia disso.
Precisava de ser cordial, e bebeu um longo trago.
— Obrigado — disse, devolvendo o cantil, e puxando de um lenço para limpara a cara
Uma mão estendeu-se-lhe para lhe oferecer um comprido e fino cigarro.
— Já sabemos que não mascas tabaco, de modo que fuma esta cigarrilha. É boa. Comprei umas quantas quando andava de patrulha no posto Brown.
Rudger aceitou e logo lhe estenderam um fósforo aceso.
— Atenção! Formar! — gritou a voz do tenente Semple.
Os homens levando os seus cavalos pelas rédeas, ocuparam os seus lugares.
O capitão saiu da sua tenda e um explorador levou-lhe o cavalo.
— Montem! — ordenou.
Enquanto fazia tudo isto maquinalmente, Duncan tentou aborrecer-se consigo próprio, porque tinha os olhos enevoados e sentia-se ridiculamente emocionado. Acabava de descobrir que gostava da opinião dos companheiros, e que o enchia de orgulho e alegria terem--no aceitado na sua camaradagem, como o demonstrava as atenções que acabavam de lhe prodigalizar.
A companhia inteira pôs-se em marcha na escuridão. Só as estrelas, que em breve se apagariam com o tom acinzentado da manhã, lhes fornecia alguma luz.
Quatro horas mais tarde, já bem entrada a manhã, avistaram uma negra coluna de fumo que se elevava do vale pouco profundo.
O capitão Henely levantou um braço e deu ordem de passar do trote para o galope, que toda a companhia executou com bom acerto.
— O rancho de Miller — murmurou Rudger, com o coração oprimido.
Dificilmente o podia ter ouvido Travis, no meio do barulho dos cavalos, mas o mesmo pensamento estava na mente de todos, e pôde responder sem ter ouvido as suas palavras.
— O que resta do rancho.
Só cadáveres e cinzas. O único sinal de vida no local provinha de um par de corvos que se moviam com terrível frenesim em torno dos restos meio devorados pelas chamas da pequena cabana que havia junto ao riacho.
A aproximação dos cavaleiros fez fugir em debandada as aves, que se colocaram em círculo de guerra. Mas os exploradores já não; podiam servir de nenhuma ajuda aos Miller.
Os corpos estavam completamente nus, pois haviam sido profanados e mutilados.
Rudger evocou o quadro da senhora Miller com o pequeno nos braços e fazendo-o dizer adeus com a mãozita, enquanto o outro, com a cabecita loira, permanecia agarrado à sua saia, e olhou incrédulo os sangrentos despojos em que tinham ficado convertidos. Os corvos tinham completado a sua obra arrancando tiras de carne e parte das entranhas. O espetáculo que ofereciam aqueles corpos mutilados era qualquer coisa de espantoso.
Duncan não se lembrou então do que lhe contara o capitão Wilson, acerca das atrozes matanças realizadas anos atrás por Chivington. Nem o tinha visto nem o sentiu a sua carne. Só via quatro cadáveres sem cabeleira, horrivelmente destroçados, e sentiu um ódio intenso e profundo que parecia queimar-lhe as entranhas.
— Tenente! — ouviu-se a voz do capitão Henely, enrouquecida pela ira, — deixe alguns homens para enterrarem os corpos, e que nos sigam, logo que tenham terminado. Não nos podemos deter. Os índios levam-nos mais de três horas de vantagem e talvez cheguemos a temo de impedir a sua próxima tropelia.
Rudger moveu-se na sela fazendo ranger o couro. Estava seguro de que Semple o elegeria a ele, pois a tarefa não podia ser mais desagradável e não desaproveitaria a oportunidade para o amesquinhar, o que agora conseguiria duplamente, já, que estava tão ansioso de se encontrar de novo com os índios.
O tenente voltou-se e começou a gritar nomes. Cinco no total.
Duncan ficou quieto na sela, como uma estátua. Semple tinha-se calado, mas ainda esperava ouvir o seu nome. Seguramente que se havia esquecido, ou deixado para último a fim de o aborrecer ainda mais.
Henely levantou o braço.
— Em marcha! — gritou.
«Esqueceu-se!» — pensou Rudger, estupefacto de assombro.
Uma hora mais tarde, as marcas deixadas pelos índios dividiam-se subitamente em duas. Henely levantou o braço e a tropa estacou.
Em volta do capitão reuniram-se uns quatro exploradores mais veteranos, e estudaram as pegadas, enquanto o resto da companhia desmontava e se protegia com a sombra dos próprios cavalos, pois o sol caía como uma corrente de fogo, abrasando o céu e a terra e fazendo nuvens de calor quase tão nítidas, como o fumo que se eleva das paisagens.
— Rudger, chegue cá!
O jovem entregou as rédeas do seu cavalo a Travis e acudiu à chamada do tenente, perguntando a si próprio que classe de missão desagradável o iria agora encarregar.
Semple estava com outros exploradores no sítio onde os rastos se dividiam.
— Vamos a ver, Rudger — disse o tenente, — fixe-se bem e diga-me o que lhe parece isto.
Cada vez mais surpreendido, Duncan pensou qual seria o objetivo daquilo. Para ninguém, era segredo que as suas habilidades de rastejador eram demasiado recentes e qualquer homem do grupo podia dar-lhe lições. Acaso pretendia rir-se da sua ignorância?
Examinou cuidadosamente o terreno tentando fixar todos os detalhes.
— Diria que os índios pensaram que vamos atrás deles, e realizaram esta manobra para nos despistar — disse por fim.
Semple cabeceou concordando.
— Isso é evidente. Bem, agora, uma destas pistas é falsa. Mas qual?
Pese a todo o seu afã de aprender, Rudger só levava um mês como explorador, e sen-tiu-se perplexo.
— O rasto que se dirige para o Norte, é firme e muito claro, enquanto o outro parece apagado — começou receoso. — Parece lógico, que se pretendessem enganar-nos, teriam marcado claramente o rasto falso e apagado completamente o outro. Claro, isto teoricamente. Não sei se é possível apagar as marcas de um enorme pelotão neste terreno plano e poeirento.
Semple fez uma careta que parecia um sorriso.
94 —
— Os índios são verdadeiros diabos nisto. É possível — assegurou.
Os outros exploradores veteranos na guerra contra os índios ouviram atentamente o que o seu jovem companheiro dizia, e isto era tão fora do vulgar, que Duncan pensou se não estaria a sonhar.
— Isso é precisamente o que eu penso — disse um deles. E apontando para o Sul, acrescentou convencido: — Esta é a verdadeira pista.
A certeza daquele homem levou a dúvida ao espírito de Rudger, por surpreendente que pareça. Tinha ouvido muitas histórias sobre a astúcia dos índios, e perguntou a si mesmo se seria tão fácil descobrir o engano. Era possível que confiassem enganá-los com tão evidente pista, porque até ele próprio com uma simples olhadela o tinha visto.
— Que o preocupa?
Semple deve ter estado a observá-lo, pois ao levantar os olhos com certo sobressalto, encontrou o seu olhar atento.
— Não tenha dúvida em dizer o que pensa. Precisamente para isso é que o chamei.
Duncan não acabava de sair do seu assombro. Seria possível que só por ele ter morto três índios, tivesse granjeado a consideração e respeito de uns homens que no dia anterior se riam da sua inexperiência?
— Calculo que os índios sabem que é um destacamento e não um exército que vai no seu encalço, e precisamente por esse facto e até porque conhecemos muito bem as suas manhas, pretendam enganar-nos.
— Ou seja, que tentam dar-nos gato por lebre, como vulgarmente se diz.
— Isso é o que penso, senhor.
— Pode estar ou não enganado, mas você é esperto, Rudger. Bem, a ideia é sua. Leve dez homens e siga a pista do Norte. Se ao cabo de algumas milhas ela continuar tão marcada como agora, e sem tendência alguma para se desvanecer, envie alguém atrás de nós. Vamos, não perca tempo.
Dominando dificilmente o seu assombro, Rudger saudou-o militarmente e voltou para junto de Travis.