Tinham decorrido cinco anos, depois daquela noite de trágico pesadelo. Cinco anos durante os quais John estivera longe de San Ângelo e do Texas.
Vagueara por Oklahoma, tinha chegado até ao distante Utah, a terra dos mórmones, e depois internara-se pela Califórnia, pelas terras ásperas, desertas, cobertas de rochas, de areia e de pó. Mais tarde vivera entre os mexicanos de Guymas, no golfo, e em Chihuahua, a velha cidade nas faldas da Sierra Madre. Então regressara ao Texas, por El Paso.
Não se inquietou, quando, de uma lomba de terreno, avistou San Ângelo. Erguido sobre a sela do seu cavalo, olhou em volta, gravemente.
Semicerrou os olhos. A cena daquela noite continuava presente no seu cérebro e no seu coração. Não esquecera Nancy Niemes. E não esquecera Buck.
Voltava agora a San Ângelo para cumprir a promessa que a si mesmo fizera, confusamente, cinco anos antes.
Agora ouvi-lo-iam, porque os ânimos estariam mais calmos... e porque John confiava mais em si mesmo. Não se importava com o tempo e o trabalho que fossem necessários para cumprir a sua missão. Havia de descobrir o autor da morte de Nancy.
Impeliu o cavalo para diante.
Anoitecia quando se internou pela rua mais movimentada da povoação. Ninguém reparou nele. Sem dúvida que a sua expressão endurecera mais, e a barba crescida desfigurava-o. Vestia de cinzento escuro, com um chapéu de abas largas.
Chegou até ao saloon de Catey, sem despertar atenções. Ninguém o tinha ainda reconhecido. Desmontou em frente do saloon, devagar. Prendeu as rédeas do cavalo à barra que havia em frente da porta, e voltou-se para olhar a rua, ao mesmo tempo que sacudia a poeira dos safões.
Por qualquer motivo que não analisou, atraiu-lhe a atenção uma rapariga muito morena, que avançava pelo passeio de tábuas em direção ao saloon. Pensou que nunca a tinha visto antes. A rapariga devia ter sangue mexicano. As feições indicavam isso. Era de estatura meã e de formas arredondadas, sem ser gorda. Os olhos, grandes e negros, eram singularmente expressivos.
Tinha longas pestanas da cor do cabelo e dos olhos, e uma boca bonita.
Johnny seguiu-a, maquinalmente, e entrou atrás dela no saloon. Parou, a meia distância entre a porta e o balcão. A rapariga também tinha parado e olhava-o de soslaio, enquanto falava com um desconhecido que a tratava por Glondy.
Havia bastante gente no saloon, onde se via agora um pequeno palco decorado, para a atuação dos artistas. Quase todas as mesas estavam ocupadas, e via-se uma fila de homens encostados ao balcão.
John notou um lugar desocupado, numa das extremidades do balcão, perto de um reposteiro espesso que devia esconder uma porta. Dirigiu-se para lá.
— Uísque escocês, Catey... — disse.
O barman estava a servir genebra a outro cliente. Depois voltou-se para John.
— Vou servi-lo, mas uísque escocês... — calou-se bruscamente, como se tivesse visto o diabo, de olhos espantados e boca aberta. Levou as mãos à cabeça. — Tu!
John, que tinha enrolado um cigarro, acendeu-o, imperturbável.
— Bem, se não tens uísque escocês dá-me um copo dessa bebida que fabricam no Missouri. E não gosto das exclamações de espanto.
Catey não saía da sua perplexidade. Estava tão atarantado que não sabia sequer o que fazia. Tinha a garrafa na mão e, sem ver que não pusera o copo para encher, entornou o uísque sobre o balcão. Engolia em seco, meio sufocado, agitando desesperadamente a maçã-de-adão.
— Como... como quiseres, John Pistol... — disse por fim.
John Pistol! O nome foi repetido de boca em boca, ao longo do balcão.
— John Pistol? Disseste John Pistol?... — perguntou um homem, na outra extremidade, poisando ruidosamente o seu copo de cerveja.
— É ele!... — exclamou outro. — Lembras-te, Catey? Esteve aqui naquela tarde, horas antes do crime. Até discutimos, Catey! É John Pistol!
John observou o homem que falava. Conhecia-o. Era Liberman, o bêbedo. Não se recordava de o ter visto naquela tarde, cinco anos antes, mas isso não importava.
— Olhem! É ele!
Liberman, de braço estendido, apontava diretamente para o suposto criminoso.
— Ali o temos!... — continuou. — É um inconsciente ou um suicida! Por que vieste a San Ângelo? Já foste ver o xerife?
John continuava imperturbável. Parecia não se incomodar por ser o alvo de todos os olhares. Estava tão tranquilo que bebeu lentamente o uísque, finalmente servido por Catey, e pôs um dólar sobre o balcão.
— Algum de vocês viu Buck?... — perguntou, dirigindo-se a todos. — Trago um recado para ele.
— Buck?... — repetiu Liberman, franzindo a testa, como no esforço de recordar o nome. — Ah! Era o amigo de Sloan, do homem a quem mataste também.
John fez saltar a moeda em cima do balcão, olhando atentamente para Liberman.
— Cala-te, imbecil! Buck e Sloan foram os autores da morte de Nancy. Venho saldar os contas com Buck.
— Ninguém te acredita. Só houve um criminoso, e foste tu. Se assim não fosse ter-te-ias apresentado ao xerife, nessa noite. Buck descobriu-te.
— Estava à espreita. Ele devia desejar a morte de Nancy.
— Porquê?
— Ainda não averiguei. — Não nos faças rir, John Pistol. Buck denunciou-te ao xerife. Não escaparás, embora tenham passado cinco anos.
— Hei-de provar que estou inocente.
— Quem te acredita? Ninguém! Não é assim, amigos?
Não, não o acreditavam. John podia ver isso nas caras deles.
— Onde está Buck? Quero falar-lhe sem demora.
Catey que, como era seu hábito, limpava a cara com o avental sujo, fez um gesto negativo.
— Buck foi-se embora daqui, há anos. Tem um rancho em Wichita Falis, lá para o norte. Só aparece de longe em longe, e há meses que não o vejo.
— Só virá no fim de Outono... — disse Liberman. — Mas é o mesmo, o xerife sabe bem o que tem a fazer contigo.
A jovem morena, que tinha seguido a conversa, interessada, aproximou-se do grupo. Observou John de alto a baixo, desdenhosamente, e depois fitou-o nos olhos.
— Falavam de Buck?... — perguntou. — Pois posso dizer-lhes que esta noite mesmo o veremos em San Ângelo.
— Boa notícia, amiga... — disse John, sarcástico. — Assim que o vir obrigá-lo-ei a confessar o seu crime. À pancada, se for preciso.
— Não seja idiota, John Pistol... — respondeu a rapariga. — Conheço Buck, e sei que ele não cometeu o crime.
— Foi ele quem a informou?
— Sim! Buck viu-o assassinar Nancy! Será enforcado!
Esta última frase encontrou eco imediato, foi repetida por muitas vozes. John sentiu-a pesar como chumbo sobre a sua cabeça. Estava rodeado de inimigos, alguns dos quais apoiavam as mãos sobre as coronhas das armas.
Apesar da gravidade da situação, pôs-se a examinar a rapariga. Acusava-o tão ferozmente como Liberman. Porquê, se na altura do drama ela não vivia em San Ângelo e provavelmente nem conhecia Nancy? Pensou que talvez fosse amiga de Buck, ou talvez sua noiva.
Mas não dispunha de tempo para perguntas. Estava em perigo. Nas caras de todos aqueles homens, lia o mesmo desejo de morte. Afastou-se do balcão, cruzando os braços.
— Mais lhes vale serem sensatos... — disse. — Pedirei ao xerife uma semana de liberdade, o que preciso para descobrir o verdadeiro criminoso. Peço-lhes o mesmo.
— Não, não ficarás em liberdade!... — gritou um vaqueiro chamado Mirriat. — Entrega-te, vamos levar-te à cadeia. Parrot decidirá o que fazer contigo.
— Isso mesmo... — apoiou Liberman. — Não seríamos pessoas decentes se deixássemos esse criminoso sem castigo. Enganaste-te, John, quando pensaste que os cinco/ anos decorridos nos tinham feito esquecer. Não esquecemos!
— Levanta as mãos, ou não dou nada pela tua vida... — disse outro vaqueiro. — Tenho todos os motivos para desejar a tua morte. Sabes porquê?
John fez um aceno afirmativo.
— Sim, conheço-te. És um Sloan, irmão daquele que eu matei. Mas matei-o em legítima defesa, senão ter-me-ia abatido...
— Como merecias.
— Não, O teu irmão era cúmplice do assassino. Foi Buck quem assassinou Nancy, e hei-de saber por que motivo!
— Delira! Buck é um homem honrado e decente! Não conseguirá manchar o nome dele... — disse Glondy, com desprezo.
— Entrega-te, John!... — ordenou Liberman, agressivamente.
— E agora mesmo!... — acrescentou Sloan.
— Não me importo de te meter uma bala no corpo... — ameaçou Mirriat.
Era inútil prolongar a situação. Tinha chegado o momento de falarem as armas. Mas John, embora acossado, não queria matar. Só o faria se não tivesse outro recurso. Tinha ido ali para cumprir uma missão, não para espalhar a morte.
— Não haverá paz contigo! Levanta os braços!... — insistiu Liberman, empunhando o revólver.
A situação não podia ser pior para John. Num relance, viu cinco armas empunhadas...
Instantes depois seriam muitas mais. Os clientes do bar, que tinham assistido à conversa, sentados às mesas, estavam agora de pé. Era fora de dúvida que nem um dos presentes se poria do seu lado. A não ser Catey, talvez, que o olhava com uma expressão de pena.
John recuou um passo. Tropeçou num degrau, mas não chegou a cair. Fez um movimento rápido, e no mesmo instante, como por obra de magia, apareceu-lhe um revólver na mão. Sorriu duramente.
— Vamos a ele! É um criminoso!... — bradou Sloan.
Disparou antes de John, porque este teve um momento de hesitação, olhando em roda e buscando uma saída.
— Morte ao assassino!... — bradou Mirriat.
John apoiou a mão livre no corrimão da escada que conduzia aos camarins dos artistas. Deu um salto, no mesmo instante em que uma bala o atingiu na perna. Mas alcançou o patamar. Aí recuou, apoiado à parede.
Em baixo, no saloon, a confusão era enorme. Por todos os lados se viam armas prontas a disparar.
As mulheres corriam para a rua, apavoradas. No pânico, uma delas saltou pela janela, cortando-se nos vidros que estilhaçou. John não podia enfrentar toda a aquela gente.
Levando a mão à perna ferida, apertou-a com força, para atenuar a hemorragia. Correu pela galeria aberta sobre o saloon. As balas silvavam muito perto dele. Ao chegar à primeira porta, empurrou-a com força mas compreendeu que não cederia. Correu mais uns metros, com a mão sobre a ferida. Viu que os seus inimigos, em baixo, se precipitavam para a escada, na intenção de lhe cortarem todas as possibilidades de fuga.
Decidiu jogar tudo numa só carta, e não hesitou. Tinha de saltar dali para a rua, através de uma janela alta. Saltou. Ao cair sobre as tábuas do passeio, em baixo, a perna ferida cedeu. Rolou até cair na rua. Mas levantou-se imediatamente. As balas choviam outra vez à sua volta. Mas não se perturbou. Rápido, correu para a barra onde havia deixado o seu cavalo. Teve dificuldade em montar, porque a perna lhe doía cada vez mais, mas conseguiu içar-se para a sela. Lançou a montada a galope, ao longo da rua.
Mais uma vez, só tinha uma preocupação: escapar. Nunca pensara que em San Ângelo o receberiam assim, cinco anos depois, e esse engano levara-o a meter-se na boca do lobo.
— A ele! É John Pistol, o assassino de Nancy Niemes!... — gritava Liberman, enfurecido. — Xerife Parrot, prenda o criminoso!
O xerife Parrot, que caminhava pelo passeio do outro lado e a quem a escuridão não permitira reconhecer John, ouviu o brado. Tinha pensado, ao ver aquele homem que fugia a cavalo, que se tratava de uma desordem no saloon.
— John Pistol? Falaram em John Pistol?
— É ele!... — gritou Sloan. — Meteu-se no saloon de Catey, com ares de provocador. Acusou Buck de ter assassinado Nancy!
Parrot, homem já entrado em anos, passou os dedos pelo bigode branco. Refletiu, enquanto o galope do cavalo do fugitivo se perdia na distância.
— Não escapará... — disse. — Vamos cortar-lhe o caminho. Aos cavalos!
Não tardou a organizar-se a matilha de perseguidores. Cerca de cem cavaleiros se lançaram no encalço de John, que parecia uma raposa acossada pelos caçadores. Começaram a disparar sobre ele, apesar da noite e da distância.
No entanto as coisas estavam mal para John Pistol. Tinha de enfrentar tantos inimigos, homens e circunstâncias, que só por. milagre conseguiria vencer. A perna doía-lhe cada vez mais, e a perda de sangue enfraquecia-o progressivamente.
Os perseguidos ganhavam terreno. Tinha de fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. O tropel dos cavalos dos seus perseguidores era como um som rolante de trovão. Aproximavam-se.
De súbito, John pensou que era inútil tentar escapar. Precisava de se refugiar no enorme silo que se erguia ao fundo da rua. Se conseguisse lá chegar, poderia defender-se. Depois, sucederia o que Deus tivesse determinado.
Sem deter o cavalo, levantou a perna ferida e atirou-se para o chão. Rolou sobre si mesmo, levantou-se, correu e entrou por uma janela do silo. Riscou um fósforo, para acender uma lanterna que sabia estar ali. Olhou em volta. Teve a sorte de encontrar as trancas da porta e da janela, que imediatamente colocou nos seus lugares.
Subiu ao primeiro andar. Coxeava, ofegante, por causa da ferida e do cansaço. Faltavam-lhe forças, mas a sua coragem não diminuía. Deixou-se cair, meio desfalecido, sobre um montão de cereal.
Pouco depois, arrastando-se por cima dos grãos, avançou até à pequena janela alta, que abriu com dificuldade. Dali, pôde descobrir a chusma dos seus perseguidores, que rodeavam o silo. Parrot e alguns outros disparavam sobre a porta, decerto na ideia de fazerem saltar a fechadura. Mas assim não conseguiriam abrir.
John fez fogo, de cima. Os homens recuaram precipitadamente, abrigando-se sem todavia se afastarem demasiado.
— Rende-te, John Pistol!... — intimou o xerife. —Com a tua resistência estás a demonstrar que és culpado. Não poderás escapar.
John não respondeu. Olhou atentamente. Por toda a parte se adivinhavam vultos e armas. Na verdade estava encurralado e não parecia haver outra saída além da morte. Mas não podia recuar.
Entregando-se, não teria uma só possibilidade de escapar com vida. Era preciso lutar... e vencer. Só assim poderia descobrir o assassino de Nancy. Buck, ou qualquer outro. Não sabia.
-- Estou inocente, xerife Parrot... — disse então. — Juro-lhe que descobrirei o criminoso, se me der uma trégua de uns dias. Se não o encontrar, entregar-me-ei.
Houve um coro de gargalhadas. Alguns homens dispararam. Não o acreditavam.
— Está bem... — acrescentou, simplesmente. — Lutaremos.
Em baixo continuavam a ouvir-se os risos. John teria de encontrar maneira de sair dali, para poder descobrir o criminoso. Mas a sua situação era quase sem esperança. Acabaria por cair, crivado de balas. Pelo menos era a única perspetiva lógica, examinando a situação. Quanto tempo poderia resistir? Um dia? Dois? Sim, o horizonte era negro. Um homem contra cem. Um homem que defendia a sua vida, contra cem que queriam tirar-lha.
De momento, o silo era a sua fortaleza. A construção era cónica, com algumas dezenas de metros de altura. Pequenas janelas se abriam para o exterior, nos andares mais altos. O cereal. encontrava-se sobretudo no primeiro pavimento. O xerife e os seus homens só poderiam entrar pela porta ou pela janela do andar térreo. Ambas estavam trancadas, fortemente. E John Pistol estava disposto a impedir-lhes a entrada.
Vagueara por Oklahoma, tinha chegado até ao distante Utah, a terra dos mórmones, e depois internara-se pela Califórnia, pelas terras ásperas, desertas, cobertas de rochas, de areia e de pó. Mais tarde vivera entre os mexicanos de Guymas, no golfo, e em Chihuahua, a velha cidade nas faldas da Sierra Madre. Então regressara ao Texas, por El Paso.
Não se inquietou, quando, de uma lomba de terreno, avistou San Ângelo. Erguido sobre a sela do seu cavalo, olhou em volta, gravemente.
Semicerrou os olhos. A cena daquela noite continuava presente no seu cérebro e no seu coração. Não esquecera Nancy Niemes. E não esquecera Buck.
Voltava agora a San Ângelo para cumprir a promessa que a si mesmo fizera, confusamente, cinco anos antes.
Agora ouvi-lo-iam, porque os ânimos estariam mais calmos... e porque John confiava mais em si mesmo. Não se importava com o tempo e o trabalho que fossem necessários para cumprir a sua missão. Havia de descobrir o autor da morte de Nancy.
Impeliu o cavalo para diante.
Anoitecia quando se internou pela rua mais movimentada da povoação. Ninguém reparou nele. Sem dúvida que a sua expressão endurecera mais, e a barba crescida desfigurava-o. Vestia de cinzento escuro, com um chapéu de abas largas.
Chegou até ao saloon de Catey, sem despertar atenções. Ninguém o tinha ainda reconhecido. Desmontou em frente do saloon, devagar. Prendeu as rédeas do cavalo à barra que havia em frente da porta, e voltou-se para olhar a rua, ao mesmo tempo que sacudia a poeira dos safões.
Por qualquer motivo que não analisou, atraiu-lhe a atenção uma rapariga muito morena, que avançava pelo passeio de tábuas em direção ao saloon. Pensou que nunca a tinha visto antes. A rapariga devia ter sangue mexicano. As feições indicavam isso. Era de estatura meã e de formas arredondadas, sem ser gorda. Os olhos, grandes e negros, eram singularmente expressivos.
Tinha longas pestanas da cor do cabelo e dos olhos, e uma boca bonita.
Johnny seguiu-a, maquinalmente, e entrou atrás dela no saloon. Parou, a meia distância entre a porta e o balcão. A rapariga também tinha parado e olhava-o de soslaio, enquanto falava com um desconhecido que a tratava por Glondy.
Havia bastante gente no saloon, onde se via agora um pequeno palco decorado, para a atuação dos artistas. Quase todas as mesas estavam ocupadas, e via-se uma fila de homens encostados ao balcão.
John notou um lugar desocupado, numa das extremidades do balcão, perto de um reposteiro espesso que devia esconder uma porta. Dirigiu-se para lá.
— Uísque escocês, Catey... — disse.
O barman estava a servir genebra a outro cliente. Depois voltou-se para John.
— Vou servi-lo, mas uísque escocês... — calou-se bruscamente, como se tivesse visto o diabo, de olhos espantados e boca aberta. Levou as mãos à cabeça. — Tu!
John, que tinha enrolado um cigarro, acendeu-o, imperturbável.
— Bem, se não tens uísque escocês dá-me um copo dessa bebida que fabricam no Missouri. E não gosto das exclamações de espanto.
Catey não saía da sua perplexidade. Estava tão atarantado que não sabia sequer o que fazia. Tinha a garrafa na mão e, sem ver que não pusera o copo para encher, entornou o uísque sobre o balcão. Engolia em seco, meio sufocado, agitando desesperadamente a maçã-de-adão.
— Como... como quiseres, John Pistol... — disse por fim.
John Pistol! O nome foi repetido de boca em boca, ao longo do balcão.
— John Pistol? Disseste John Pistol?... — perguntou um homem, na outra extremidade, poisando ruidosamente o seu copo de cerveja.
— É ele!... — exclamou outro. — Lembras-te, Catey? Esteve aqui naquela tarde, horas antes do crime. Até discutimos, Catey! É John Pistol!
John observou o homem que falava. Conhecia-o. Era Liberman, o bêbedo. Não se recordava de o ter visto naquela tarde, cinco anos antes, mas isso não importava.
— Olhem! É ele!
Liberman, de braço estendido, apontava diretamente para o suposto criminoso.
— Ali o temos!... — continuou. — É um inconsciente ou um suicida! Por que vieste a San Ângelo? Já foste ver o xerife?
John continuava imperturbável. Parecia não se incomodar por ser o alvo de todos os olhares. Estava tão tranquilo que bebeu lentamente o uísque, finalmente servido por Catey, e pôs um dólar sobre o balcão.
— Algum de vocês viu Buck?... — perguntou, dirigindo-se a todos. — Trago um recado para ele.
— Buck?... — repetiu Liberman, franzindo a testa, como no esforço de recordar o nome. — Ah! Era o amigo de Sloan, do homem a quem mataste também.
John fez saltar a moeda em cima do balcão, olhando atentamente para Liberman.
— Cala-te, imbecil! Buck e Sloan foram os autores da morte de Nancy. Venho saldar os contas com Buck.
— Ninguém te acredita. Só houve um criminoso, e foste tu. Se assim não fosse ter-te-ias apresentado ao xerife, nessa noite. Buck descobriu-te.
— Estava à espreita. Ele devia desejar a morte de Nancy.
— Porquê?
— Ainda não averiguei. — Não nos faças rir, John Pistol. Buck denunciou-te ao xerife. Não escaparás, embora tenham passado cinco anos.
— Hei-de provar que estou inocente.
— Quem te acredita? Ninguém! Não é assim, amigos?
Não, não o acreditavam. John podia ver isso nas caras deles.
— Onde está Buck? Quero falar-lhe sem demora.
Catey que, como era seu hábito, limpava a cara com o avental sujo, fez um gesto negativo.
— Buck foi-se embora daqui, há anos. Tem um rancho em Wichita Falis, lá para o norte. Só aparece de longe em longe, e há meses que não o vejo.
— Só virá no fim de Outono... — disse Liberman. — Mas é o mesmo, o xerife sabe bem o que tem a fazer contigo.
A jovem morena, que tinha seguido a conversa, interessada, aproximou-se do grupo. Observou John de alto a baixo, desdenhosamente, e depois fitou-o nos olhos.
— Falavam de Buck?... — perguntou. — Pois posso dizer-lhes que esta noite mesmo o veremos em San Ângelo.
— Boa notícia, amiga... — disse John, sarcástico. — Assim que o vir obrigá-lo-ei a confessar o seu crime. À pancada, se for preciso.
— Não seja idiota, John Pistol... — respondeu a rapariga. — Conheço Buck, e sei que ele não cometeu o crime.
— Foi ele quem a informou?
— Sim! Buck viu-o assassinar Nancy! Será enforcado!
Esta última frase encontrou eco imediato, foi repetida por muitas vozes. John sentiu-a pesar como chumbo sobre a sua cabeça. Estava rodeado de inimigos, alguns dos quais apoiavam as mãos sobre as coronhas das armas.
Apesar da gravidade da situação, pôs-se a examinar a rapariga. Acusava-o tão ferozmente como Liberman. Porquê, se na altura do drama ela não vivia em San Ângelo e provavelmente nem conhecia Nancy? Pensou que talvez fosse amiga de Buck, ou talvez sua noiva.
Mas não dispunha de tempo para perguntas. Estava em perigo. Nas caras de todos aqueles homens, lia o mesmo desejo de morte. Afastou-se do balcão, cruzando os braços.
— Mais lhes vale serem sensatos... — disse. — Pedirei ao xerife uma semana de liberdade, o que preciso para descobrir o verdadeiro criminoso. Peço-lhes o mesmo.
— Não, não ficarás em liberdade!... — gritou um vaqueiro chamado Mirriat. — Entrega-te, vamos levar-te à cadeia. Parrot decidirá o que fazer contigo.
— Isso mesmo... — apoiou Liberman. — Não seríamos pessoas decentes se deixássemos esse criminoso sem castigo. Enganaste-te, John, quando pensaste que os cinco/ anos decorridos nos tinham feito esquecer. Não esquecemos!
— Levanta as mãos, ou não dou nada pela tua vida... — disse outro vaqueiro. — Tenho todos os motivos para desejar a tua morte. Sabes porquê?
John fez um aceno afirmativo.
— Sim, conheço-te. És um Sloan, irmão daquele que eu matei. Mas matei-o em legítima defesa, senão ter-me-ia abatido...
— Como merecias.
— Não, O teu irmão era cúmplice do assassino. Foi Buck quem assassinou Nancy, e hei-de saber por que motivo!
— Delira! Buck é um homem honrado e decente! Não conseguirá manchar o nome dele... — disse Glondy, com desprezo.
— Entrega-te, John!... — ordenou Liberman, agressivamente.
— E agora mesmo!... — acrescentou Sloan.
— Não me importo de te meter uma bala no corpo... — ameaçou Mirriat.
Era inútil prolongar a situação. Tinha chegado o momento de falarem as armas. Mas John, embora acossado, não queria matar. Só o faria se não tivesse outro recurso. Tinha ido ali para cumprir uma missão, não para espalhar a morte.
— Não haverá paz contigo! Levanta os braços!... — insistiu Liberman, empunhando o revólver.
A situação não podia ser pior para John. Num relance, viu cinco armas empunhadas...
Instantes depois seriam muitas mais. Os clientes do bar, que tinham assistido à conversa, sentados às mesas, estavam agora de pé. Era fora de dúvida que nem um dos presentes se poria do seu lado. A não ser Catey, talvez, que o olhava com uma expressão de pena.
John recuou um passo. Tropeçou num degrau, mas não chegou a cair. Fez um movimento rápido, e no mesmo instante, como por obra de magia, apareceu-lhe um revólver na mão. Sorriu duramente.
— Vamos a ele! É um criminoso!... — bradou Sloan.
Disparou antes de John, porque este teve um momento de hesitação, olhando em roda e buscando uma saída.
— Morte ao assassino!... — bradou Mirriat.
John apoiou a mão livre no corrimão da escada que conduzia aos camarins dos artistas. Deu um salto, no mesmo instante em que uma bala o atingiu na perna. Mas alcançou o patamar. Aí recuou, apoiado à parede.
Em baixo, no saloon, a confusão era enorme. Por todos os lados se viam armas prontas a disparar.
As mulheres corriam para a rua, apavoradas. No pânico, uma delas saltou pela janela, cortando-se nos vidros que estilhaçou. John não podia enfrentar toda a aquela gente.
Levando a mão à perna ferida, apertou-a com força, para atenuar a hemorragia. Correu pela galeria aberta sobre o saloon. As balas silvavam muito perto dele. Ao chegar à primeira porta, empurrou-a com força mas compreendeu que não cederia. Correu mais uns metros, com a mão sobre a ferida. Viu que os seus inimigos, em baixo, se precipitavam para a escada, na intenção de lhe cortarem todas as possibilidades de fuga.
Decidiu jogar tudo numa só carta, e não hesitou. Tinha de saltar dali para a rua, através de uma janela alta. Saltou. Ao cair sobre as tábuas do passeio, em baixo, a perna ferida cedeu. Rolou até cair na rua. Mas levantou-se imediatamente. As balas choviam outra vez à sua volta. Mas não se perturbou. Rápido, correu para a barra onde havia deixado o seu cavalo. Teve dificuldade em montar, porque a perna lhe doía cada vez mais, mas conseguiu içar-se para a sela. Lançou a montada a galope, ao longo da rua.
Mais uma vez, só tinha uma preocupação: escapar. Nunca pensara que em San Ângelo o receberiam assim, cinco anos depois, e esse engano levara-o a meter-se na boca do lobo.
— A ele! É John Pistol, o assassino de Nancy Niemes!... — gritava Liberman, enfurecido. — Xerife Parrot, prenda o criminoso!
O xerife Parrot, que caminhava pelo passeio do outro lado e a quem a escuridão não permitira reconhecer John, ouviu o brado. Tinha pensado, ao ver aquele homem que fugia a cavalo, que se tratava de uma desordem no saloon.
— John Pistol? Falaram em John Pistol?
— É ele!... — gritou Sloan. — Meteu-se no saloon de Catey, com ares de provocador. Acusou Buck de ter assassinado Nancy!
Parrot, homem já entrado em anos, passou os dedos pelo bigode branco. Refletiu, enquanto o galope do cavalo do fugitivo se perdia na distância.
— Não escapará... — disse. — Vamos cortar-lhe o caminho. Aos cavalos!
Não tardou a organizar-se a matilha de perseguidores. Cerca de cem cavaleiros se lançaram no encalço de John, que parecia uma raposa acossada pelos caçadores. Começaram a disparar sobre ele, apesar da noite e da distância.
No entanto as coisas estavam mal para John Pistol. Tinha de enfrentar tantos inimigos, homens e circunstâncias, que só por. milagre conseguiria vencer. A perna doía-lhe cada vez mais, e a perda de sangue enfraquecia-o progressivamente.
Os perseguidos ganhavam terreno. Tinha de fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. O tropel dos cavalos dos seus perseguidores era como um som rolante de trovão. Aproximavam-se.
De súbito, John pensou que era inútil tentar escapar. Precisava de se refugiar no enorme silo que se erguia ao fundo da rua. Se conseguisse lá chegar, poderia defender-se. Depois, sucederia o que Deus tivesse determinado.
Sem deter o cavalo, levantou a perna ferida e atirou-se para o chão. Rolou sobre si mesmo, levantou-se, correu e entrou por uma janela do silo. Riscou um fósforo, para acender uma lanterna que sabia estar ali. Olhou em volta. Teve a sorte de encontrar as trancas da porta e da janela, que imediatamente colocou nos seus lugares.
Subiu ao primeiro andar. Coxeava, ofegante, por causa da ferida e do cansaço. Faltavam-lhe forças, mas a sua coragem não diminuía. Deixou-se cair, meio desfalecido, sobre um montão de cereal.
Pouco depois, arrastando-se por cima dos grãos, avançou até à pequena janela alta, que abriu com dificuldade. Dali, pôde descobrir a chusma dos seus perseguidores, que rodeavam o silo. Parrot e alguns outros disparavam sobre a porta, decerto na ideia de fazerem saltar a fechadura. Mas assim não conseguiriam abrir.
John fez fogo, de cima. Os homens recuaram precipitadamente, abrigando-se sem todavia se afastarem demasiado.
— Rende-te, John Pistol!... — intimou o xerife. —Com a tua resistência estás a demonstrar que és culpado. Não poderás escapar.
John não respondeu. Olhou atentamente. Por toda a parte se adivinhavam vultos e armas. Na verdade estava encurralado e não parecia haver outra saída além da morte. Mas não podia recuar.
Entregando-se, não teria uma só possibilidade de escapar com vida. Era preciso lutar... e vencer. Só assim poderia descobrir o assassino de Nancy. Buck, ou qualquer outro. Não sabia.
-- Estou inocente, xerife Parrot... — disse então. — Juro-lhe que descobrirei o criminoso, se me der uma trégua de uns dias. Se não o encontrar, entregar-me-ei.
Houve um coro de gargalhadas. Alguns homens dispararam. Não o acreditavam.
— Está bem... — acrescentou, simplesmente. — Lutaremos.
Em baixo continuavam a ouvir-se os risos. John teria de encontrar maneira de sair dali, para poder descobrir o criminoso. Mas a sua situação era quase sem esperança. Acabaria por cair, crivado de balas. Pelo menos era a única perspetiva lógica, examinando a situação. Quanto tempo poderia resistir? Um dia? Dois? Sim, o horizonte era negro. Um homem contra cem. Um homem que defendia a sua vida, contra cem que queriam tirar-lha.
De momento, o silo era a sua fortaleza. A construção era cónica, com algumas dezenas de metros de altura. Pequenas janelas se abriam para o exterior, nos andares mais altos. O cereal. encontrava-se sobretudo no primeiro pavimento. O xerife e os seus homens só poderiam entrar pela porta ou pela janela do andar térreo. Ambas estavam trancadas, fortemente. E John Pistol estava disposto a impedir-lhes a entrada.
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