Ao fim da rua, já fora da povoação, começava a encosta de uma colina. Havia uma comprida fileira de álamos esbeltos, que a circundavam, e rochas de ambos os lados do caminho.
John Frey subiu a encosta com visível esforço. A perna não estava ainda preparada para grandes caminhadas, sobretudo quando, além do peso do corpo, tinha de supor-ta também o do saco de viagem.
Quando chegou ao cimo, ia arquejante e teve de se sentar numa pedra para descansar. Mas pouco depois retomou a caminhada. Estava impaciente por se encontrar em casa, fechar a porta e dormir umas horas. Isso reanimá-lo-ia.
A viagem, e sobretudo a receção, tinham--no esgotado por completo. Contornou o penacho de rochas que se erguia no cume e deparou com a suave esplanada onde tinha a sua casa. Ficou parado, quieto, rígido. Os seus olhos franziram-se vivamente, numa expressão de ódio.
Ali, diante dele, havia um monte informe de madeiras calcinadas, o que restava do seu lar. Como um autómato, John Frey pousou o saco de viagem no chão e dirigiu-se devagar para as ruínas negras.
Só restavam de pé os barrotes de três ângulos. O resto fora derrubado. As madeiras tinham-se convertido em tições negros, que se desfaziam ao serem tocados com o pé. Nada se salvara do incêndio; absolutamente nada.
Os olhos cinzentos daquele homem percorreram lentamente as ruínas. Havia neles tristeza e raiva. E uma resolução feroz, qualquer coisa que ia muito mais além daquilo que via. A cabeça pendeu-lhe para o peito. Fechou os olhos durante um segundo, como que para recuperar forças. Mas não era fácil reagir entre tanto caos.
Tão absorto estava que não ouviu os passos precipitados que se aproximavam por detrás dele. Soube que não estava só quando ouviu a voz de Madge:
— John!
Virou a cabeça e deparou com o rosto belo e angustiado da mulher. Mas não se mexeu. Nem ela.
— Gostaria de te evitar isto — comentou Madge, sinceramente condoída.
Os olhos brilhavam-lhe, como se contivesse o pranto. O «Doutor Uísque assentiu com a cabeça e virou-se devagar para ela.
— Eu também — confessou. Mas não tinha outro remédio...
— Oh, John! Que vais fazer?
— É difícil reconstrui-la — respondeu Frey, sabendo que não era isso o que lhe perguntavam.
Madge aproximou-se e segurou-o por um braço.
— Sabes a que me refiro, John. Responde. Tencionas vingar-te?
— De quem? De toda a povoação? Ou foi só um quem queimou a casa ?
-- Não, foram todos. Mais de trinta homens. Até algumas mulheres vieram também. O xerife não pôde fazer nada.
— Nesse caso — comentou Frey —, não posso matar todos, nem pedir-lhes uma indemnização.
— Não querem que voltes a viver aqui, John.
— Sim, foi o que me pareceu notar. Lamento dar-lhes esse desgosto.
— Pensas ficar?
— Certo tempo... Até estar bom desta perna.
Ela desconfiava.
— Podias tratar-te em Santa Fé. Como estás? Foi grave ?
— Não; uma fratura sem importância. Ficará boa.
— Quis ir ver-te ao hospital, mas...
— Compreendo: ninguém teria gostado e tu vives em Los Alamos. Não te preocupes, Madge; compreendo perfeitamente.
Afastou-se dela e foi a coxear até onde deixara o saco de viagem. Começou a descer para a povoação. Ela correu e alcançou-o em seguida. Estava nervosa.
— Voltas à povoação ? — perguntou-lhe.
Ele limitou-se a responder:
— Não posso ficar a viver entre essas cinzas. Necessito de uma cama e de comer. Hospedar-me-ei no hotel.
Madge inquiriu:
— Por que não voltas para Santa Fé ?
— Já te disse que tenciono ficar. Agradeço-te que não insistas.
—E que...
— O «Doutor Uísque» ainda tem que fazer nesta povoação. Agora, vai à frente. As pessoas não te olhariam com muito afeto se vissem que estás do meu lado... Bom, quero dizer, que falas comigo.
Detivera-se, à espera que ela se lhe adiantasse. Madge hesitava. Mas acabou por baixar os olhos.
— Se posso fazer alguma coisa por ti, John... — murmurou.
— Obrigado, Madge.
Ficou parado até a rapariga chegar à encosta. Então, recomeçou a caminhar. Assim que entrou na rua principal, voltou a sentir-se seguido e vigiado por olhares hostis, mas ninguém se meteu com ele.
Fitavam-no como se tivessem decidido esperar tranquilamente. Como o abutre espera empoleirado nas rochas que a sua vitima acabe de morrer.
No vestíbulo do hotel havia dois homens sentados nas poltronas de couro vermelho, e o dono do estabelecimento, atrás do balcão circular. Estavam a conversar quando John Frey empurrou a porta e calaram-se ao vê-lo aparecer. Ele ignorou-os e dirigiu-se direito ao balcão.
— Um quarto — pediu.
O hoteleiro apressou-se a informar:
— Estão todos ocupados. Lamento.
Mas o seu tom não era precisamente de pesar; era de tanto desprezo como o dos outros. Frey hesitou. Os outros dois homens tinham-se levantado das poltronas e vieram pôr-se atrás dele.
— Não há quartos para si em Los Alamos, doutor —disseram-lhe. — E inútil insistir.
Mas John limitou-se a pegar no saco e a comentar:
— Pode ser que haja algum.
E dirigiu-se diretamente para a escada.
Assim que começou a subir os degraus, os outros apressaram-se a correr atrás dele. Um deles segurou-o por um braço.
— Está surdo ? — resmungou. — Já lhe disseram que não há quartos. Rua!
— Largue-me o braço — ordenou Frey, olhando-o nos olhos. — O xerife disse-me que ninguém tem o direito de me pôr a mão em cirna. Portanto, tire a sua.
— O xerife dirá o que quiser — zombou o outro, sem o soltar. — Mas eu sei como devo tratar os bêbedos indecentes como você.
Quase antes de acabar de falar, John Frey levantou a bengala e bateu rapidamente com ela no que o agarrava. Deu-lhe na cabeça e o outro caiu e rebolou pelos quatro ou cinco degraus que subira. Acabou por chocar com o hoteleiro e com o outro indivíduo, que observavam a cena de baixo.
A imediata reação do companheiro do agredido foi levar a mão direita ao revólver, ao mesmo tempo que exclamava:
— Maldito vagabundo!
John Frey ficou imóvel na escada, sem largar o saco nem a bengala, a olhar fixamente o que o ameaçava com a arma.
—Desça imediatamente daí! — rugiu o tipo.
O «Doutor Uísque» não se mexeu.
— Chame o xerife para que me venha expulsar.
—Não preciso do xerife para nada. Eu basto.
— Então, dispare.
O do revólver estava rubro de raiva, e a arma movia-se-lhe ameaçadora na mão, mas não se decidiu a matá-lo a sangue-frio. Sabia bem o que o esperava depois com a Lei.
John Frey virou-lhe as costas e continuou a subir. Mal subira uns degraus mais, ouviu o outro precipitar-se para ele, praguejando. Apesar do entorpecimento da sua perna, virou-se como um raio e colocou a bengala de forma a cravar-se no peito do que subia, o qual caiu de costas.
Ficou agarrado com ambas as mãos à balaustrada, sem fôlego. John Frey bateu-lhe então na cara e obrigou-o a soltar-se. Não esperou para o ver rebolar pela escada abaixo; pegou no saco e subiu o que lhe faltava até ao primeiro andar.
Ali havia várias portas. Frey abriu a que tinha mais perto e verificou que o quarto não estava alugado. Nem um objeto pessoal em parte alguma. Nem mala, nem roupa no armário. Certo de que aquele quarto não pertencia naquele momento a ninguém, fechou a porta à chave e pousou o saco debaixo da janela.
Na escada ouviram-se vozes destemperadas e ruído de pés. Através da cortina, viu que vários homens atravessavam a rua a correr, em direção à entrada do hotel. John despiu o casaco e pô-lo nas costas de uma cadeira.
Depois, tirou o coldre, verificou a carga do revólver e pô-lo em cima da mesa-de-cabeceira. Por último, afrouxou o laço do pescoço. Naquele momento, um barulho de vozes e corridas aproximou-se pelo corredor, e começaram a dar pancadas e empurrões à porta.
— Abra! — gritou alguém. — Abra ou deito a porta abaixo!
John Frey aproximou-se da cama e deitou-se de costas. Estava muito cansado.
— Abra! — continuavam a gritar lá fora.
E aumentavam as pancadas na porta. John pegou no revólver, destravou-o e disparou contra a parte de cima do batente. Imediatamente cessaram as pancadas e ouviram-se correr os que se amontoavam diante do quarto. Aproveitando o silêncio que se seguiu ao disparo, Frey gritou:
— Um quarto de hotel é como a nossa própria casa. Tentem entrar à força e crivá-los-ei de balas!
Como calculara, a ameaça acalmou bastante os ânimos. Mas aquilo não resolvia nada. O problema continuava de pé, e tinha de encontrar a solução quanto antes. Semicerrou os olhos e começou a recordar o sucedido...
John Frey subiu a encosta com visível esforço. A perna não estava ainda preparada para grandes caminhadas, sobretudo quando, além do peso do corpo, tinha de supor-ta também o do saco de viagem.
Quando chegou ao cimo, ia arquejante e teve de se sentar numa pedra para descansar. Mas pouco depois retomou a caminhada. Estava impaciente por se encontrar em casa, fechar a porta e dormir umas horas. Isso reanimá-lo-ia.
A viagem, e sobretudo a receção, tinham--no esgotado por completo. Contornou o penacho de rochas que se erguia no cume e deparou com a suave esplanada onde tinha a sua casa. Ficou parado, quieto, rígido. Os seus olhos franziram-se vivamente, numa expressão de ódio.
Ali, diante dele, havia um monte informe de madeiras calcinadas, o que restava do seu lar. Como um autómato, John Frey pousou o saco de viagem no chão e dirigiu-se devagar para as ruínas negras.
Só restavam de pé os barrotes de três ângulos. O resto fora derrubado. As madeiras tinham-se convertido em tições negros, que se desfaziam ao serem tocados com o pé. Nada se salvara do incêndio; absolutamente nada.
Os olhos cinzentos daquele homem percorreram lentamente as ruínas. Havia neles tristeza e raiva. E uma resolução feroz, qualquer coisa que ia muito mais além daquilo que via. A cabeça pendeu-lhe para o peito. Fechou os olhos durante um segundo, como que para recuperar forças. Mas não era fácil reagir entre tanto caos.
Tão absorto estava que não ouviu os passos precipitados que se aproximavam por detrás dele. Soube que não estava só quando ouviu a voz de Madge:
— John!
Virou a cabeça e deparou com o rosto belo e angustiado da mulher. Mas não se mexeu. Nem ela.
— Gostaria de te evitar isto — comentou Madge, sinceramente condoída.
Os olhos brilhavam-lhe, como se contivesse o pranto. O «Doutor Uísque assentiu com a cabeça e virou-se devagar para ela.
— Eu também — confessou. Mas não tinha outro remédio...
— Oh, John! Que vais fazer?
— É difícil reconstrui-la — respondeu Frey, sabendo que não era isso o que lhe perguntavam.
Madge aproximou-se e segurou-o por um braço.
— Sabes a que me refiro, John. Responde. Tencionas vingar-te?
— De quem? De toda a povoação? Ou foi só um quem queimou a casa ?
-- Não, foram todos. Mais de trinta homens. Até algumas mulheres vieram também. O xerife não pôde fazer nada.
— Nesse caso — comentou Frey —, não posso matar todos, nem pedir-lhes uma indemnização.
— Não querem que voltes a viver aqui, John.
— Sim, foi o que me pareceu notar. Lamento dar-lhes esse desgosto.
— Pensas ficar?
— Certo tempo... Até estar bom desta perna.
Ela desconfiava.
— Podias tratar-te em Santa Fé. Como estás? Foi grave ?
— Não; uma fratura sem importância. Ficará boa.
— Quis ir ver-te ao hospital, mas...
— Compreendo: ninguém teria gostado e tu vives em Los Alamos. Não te preocupes, Madge; compreendo perfeitamente.
Afastou-se dela e foi a coxear até onde deixara o saco de viagem. Começou a descer para a povoação. Ela correu e alcançou-o em seguida. Estava nervosa.
— Voltas à povoação ? — perguntou-lhe.
Ele limitou-se a responder:
— Não posso ficar a viver entre essas cinzas. Necessito de uma cama e de comer. Hospedar-me-ei no hotel.
Madge inquiriu:
— Por que não voltas para Santa Fé ?
— Já te disse que tenciono ficar. Agradeço-te que não insistas.
—E que...
— O «Doutor Uísque» ainda tem que fazer nesta povoação. Agora, vai à frente. As pessoas não te olhariam com muito afeto se vissem que estás do meu lado... Bom, quero dizer, que falas comigo.
Detivera-se, à espera que ela se lhe adiantasse. Madge hesitava. Mas acabou por baixar os olhos.
— Se posso fazer alguma coisa por ti, John... — murmurou.
— Obrigado, Madge.
Ficou parado até a rapariga chegar à encosta. Então, recomeçou a caminhar. Assim que entrou na rua principal, voltou a sentir-se seguido e vigiado por olhares hostis, mas ninguém se meteu com ele.
Fitavam-no como se tivessem decidido esperar tranquilamente. Como o abutre espera empoleirado nas rochas que a sua vitima acabe de morrer.
No vestíbulo do hotel havia dois homens sentados nas poltronas de couro vermelho, e o dono do estabelecimento, atrás do balcão circular. Estavam a conversar quando John Frey empurrou a porta e calaram-se ao vê-lo aparecer. Ele ignorou-os e dirigiu-se direito ao balcão.
— Um quarto — pediu.
O hoteleiro apressou-se a informar:
— Estão todos ocupados. Lamento.
Mas o seu tom não era precisamente de pesar; era de tanto desprezo como o dos outros. Frey hesitou. Os outros dois homens tinham-se levantado das poltronas e vieram pôr-se atrás dele.
— Não há quartos para si em Los Alamos, doutor —disseram-lhe. — E inútil insistir.
Mas John limitou-se a pegar no saco e a comentar:
— Pode ser que haja algum.
E dirigiu-se diretamente para a escada.
Assim que começou a subir os degraus, os outros apressaram-se a correr atrás dele. Um deles segurou-o por um braço.
— Está surdo ? — resmungou. — Já lhe disseram que não há quartos. Rua!
— Largue-me o braço — ordenou Frey, olhando-o nos olhos. — O xerife disse-me que ninguém tem o direito de me pôr a mão em cirna. Portanto, tire a sua.
— O xerife dirá o que quiser — zombou o outro, sem o soltar. — Mas eu sei como devo tratar os bêbedos indecentes como você.
Quase antes de acabar de falar, John Frey levantou a bengala e bateu rapidamente com ela no que o agarrava. Deu-lhe na cabeça e o outro caiu e rebolou pelos quatro ou cinco degraus que subira. Acabou por chocar com o hoteleiro e com o outro indivíduo, que observavam a cena de baixo.
A imediata reação do companheiro do agredido foi levar a mão direita ao revólver, ao mesmo tempo que exclamava:
— Maldito vagabundo!
John Frey ficou imóvel na escada, sem largar o saco nem a bengala, a olhar fixamente o que o ameaçava com a arma.
—Desça imediatamente daí! — rugiu o tipo.
O «Doutor Uísque» não se mexeu.
— Chame o xerife para que me venha expulsar.
—Não preciso do xerife para nada. Eu basto.
— Então, dispare.
O do revólver estava rubro de raiva, e a arma movia-se-lhe ameaçadora na mão, mas não se decidiu a matá-lo a sangue-frio. Sabia bem o que o esperava depois com a Lei.
John Frey virou-lhe as costas e continuou a subir. Mal subira uns degraus mais, ouviu o outro precipitar-se para ele, praguejando. Apesar do entorpecimento da sua perna, virou-se como um raio e colocou a bengala de forma a cravar-se no peito do que subia, o qual caiu de costas.
Ficou agarrado com ambas as mãos à balaustrada, sem fôlego. John Frey bateu-lhe então na cara e obrigou-o a soltar-se. Não esperou para o ver rebolar pela escada abaixo; pegou no saco e subiu o que lhe faltava até ao primeiro andar.
Ali havia várias portas. Frey abriu a que tinha mais perto e verificou que o quarto não estava alugado. Nem um objeto pessoal em parte alguma. Nem mala, nem roupa no armário. Certo de que aquele quarto não pertencia naquele momento a ninguém, fechou a porta à chave e pousou o saco debaixo da janela.
Na escada ouviram-se vozes destemperadas e ruído de pés. Através da cortina, viu que vários homens atravessavam a rua a correr, em direção à entrada do hotel. John despiu o casaco e pô-lo nas costas de uma cadeira.
Depois, tirou o coldre, verificou a carga do revólver e pô-lo em cima da mesa-de-cabeceira. Por último, afrouxou o laço do pescoço. Naquele momento, um barulho de vozes e corridas aproximou-se pelo corredor, e começaram a dar pancadas e empurrões à porta.
— Abra! — gritou alguém. — Abra ou deito a porta abaixo!
John Frey aproximou-se da cama e deitou-se de costas. Estava muito cansado.
— Abra! — continuavam a gritar lá fora.
E aumentavam as pancadas na porta. John pegou no revólver, destravou-o e disparou contra a parte de cima do batente. Imediatamente cessaram as pancadas e ouviram-se correr os que se amontoavam diante do quarto. Aproveitando o silêncio que se seguiu ao disparo, Frey gritou:
— Um quarto de hotel é como a nossa própria casa. Tentem entrar à força e crivá-los-ei de balas!
Como calculara, a ameaça acalmou bastante os ânimos. Mas aquilo não resolvia nada. O problema continuava de pé, e tinha de encontrar a solução quanto antes. Semicerrou os olhos e começou a recordar o sucedido...
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