domingo, 24 de junho de 2018

BUF167.10 O poder da lágrima fingida

Ao meio-dia, Robert Joyce logrou escapar-se do Banco, com uma desculpa. O pai, que o adorava, sabia perfeitamente onde ele pretendia ir.
— Essa jovem enlouqueceu-o — murmurou. — Não é capaz de estar algumas horas sem a ver!
Robert Joyce chegou ao hotel «Santa Cruz» e perguntou por Carmen. Um criado subiu ao quarto da jovem, para a avisar. Carmen Rode desceu, pouco depois, bem arranjada e muito sorridente. Havia algumas horas que não sabia de Jim Galluro e estava intranquila, mas sorriu a Bob, escutando atentamente o que ele lhe dizia.
— Pensei que... que poderíamos almoçar juntos, Carmen. Tenho uma hora livre e queria contar-te algo muito interessante. Aquele homem que entrou no Banco... naquela noite... é um velho amigo do teu pai. Foi ele próprio quem mo disse.
Encolhendo os ombros, Carmen murmurou:
— Sim? O meu pai tem muitos amigos... Isso não tem importância, Bob. Vamos almoçar.
O jovem ofereceu-lhe o braço. Quando saíram do hotel, quase tropeçaram em Jim Galluro, o qual esteve prestes a dirigir-se à cúmplice, para lhe dizer que tinha de falar com ela. Retraiu-se a tempo, numa primeira reação.
Robert Joyce olhou para Jim com desagrado e, como ele não se afastasse, decidiu-se a dar-lhe passagem:
— Faça favor, cavalheiro...
Jim resolveu não perder aquela oportunidade, apesar de ter combinado com Carmen não se falarem em público. Assim, agarrou no braço da jovem, dizendo:
— Tenho de falar com esta menina, jovem, mas é apenas um instante.
Sem hesitar, Bob deu-lhe um violento empurrão, exclamando, irritado:
— Você anda sempre a rondar a menina Rode! Ou julga que não reparei? Afaste-se dela e fique sabendo que, se voltar a tocar-lhe...
Galluro interrompeu-o, furioso:
— Sei muito bem o que estou a fazer, seu imbecil! Saia da minha frente, se não quer que eu...!
Bob voltou-se para a companheira e perguntou-lhe:
— Conheces este homem, Carmen? Queres falar com ele?
Irritada com o procedimento do amigo, a jovem respondeu, desdenhosamente:
— Não! Não o conheço, nem quero falar com ele!
— Aí tem, cavalheiro — disse Bob, dirigindo-se a Gal-luro. — Deixe-nos em paz.
Jim murmurou, raivosamente:
— Preciso de te falar, agora! É preciso que...
Robert agarrou Jim pelo ombro e obrigou-o a voltar-se de frente para ele, insistindo:
— Já lhe disse que nos deixasse em paz, cavalheiro. Você é surdo?
Ao concluir a frase, sem bem saber o que fazia, deu um soco na cara de Jim. Foi uma pancada pouco forte, até porque só pretendia afastar o importuno da jovem. Jim retrocedeu um pouco, sacudindo a cabeça. Os seus olhos pareceram ficar subitamente mais escuros, de ódio.
— Não devias ter feito isso, rapaz! — rosnou. — Vou dar cabo de ti!
Atirou os dois punhos na direção do rosto de Joyce, mas não o encontrou...
Serenamente, Bob esquivou-se-lhe com ágeis movimentos da cintura, para logo replicar, com outro «direto» à cara do bandido.
Jim Galluro praguejou.
— Bem, rapaz — comentou, fanfarrão. — Assim o quiseste!...
Carmen afastara-se para um lado e contemplava a luta com irritação, sobretudo depois que alguém exclamara, ironicamente:
— Olha! Aqueles dois estão a lutar por causa de uma rapariga! Que par de idiotas!
Jim Galluro baixou a cabeça, atirando-se a Joyce, tentando apanhá-lo e desequilibrá-lo, mas Bob era senhor de uma agilidade surpreendente. Novamente se afastou um pouco, deixando Jim passar a seu lado, sem lhe tocar.
Uma gargalhada generalizada ressoou na rua e até Carmen não foi capaz de dominar um gesto de troça. Mas logo o sorriso lhe desapareceu do rosto, quando Jim se revolveu no solo, onde se estatelara e empunhou um revólver, que engatilhou, com um estalido sego.
— Vou trespassar-te o coração! — rugiu o bandido. —Não viverás nem mais um minuto!
Bob olhou-o, empalidecendo ligeiramente, ao mesmo tempo que Carmen gritava, muito excitada:
— Não! Não! Ele está desarmado!
Jim sorriu, com crueldade, começando a premir o gatilho. Quando o percutor estava prestes a bater no fulminante, um homem abriu passagem entre os circunstantes, dispostos a assistirem ao assassínio de um homem desarmado. Era Juan Rode, o qual, com um pontapé, arrancou o revólver da mão de Galluro. A arma disparou-se para o ar.
— O rapaz não tem armas, amigo — disse o foragido. — Talvez você não se tivesse apercebido disso, nem ouvido o que a jovem disse... Decerto não pretenderia cometer um assassínio, não é verdade?
Jim levantou-se, olhando com ódio para Juan. Sem uma palavra, recolheu a arma, meteu-a no coldre e entrou no hotel. Ao passar junto de Carmen, murmurou:
— Vem, logo que te consigas ver livre dele. E muito importante.
Carmen não respondeu e ficou à espera de que o pai acabasse de falar com Bob. O jovem estava a manifestar o seu agradecimento:
— Muito obrigado, senhor. O senhor aparece sempre com a maior oportunidade e nem sequer sei como se chama. Creio que acaba de me salvar a vida... Aquele homem ia disparar.
— Sim, é possível.
— Não quererá o senhor falar com a filha do seu amigo Rod?
Depois de olhar para Carmen, Juan respondeu, sorridente:
— Não, obrigado. Ela não me conhece. Ficará para outra oportunidade...
Após uma ligeira pausa, acrescentou, satisfeito:
— Você luta muito bem, jovem! Mas nunca o faça com um homem armado, se não se quiser sujeitar a enfrentar, também, as suas armas. Quando um homem não tem escrúpulos, serve-se de todos os meios, para não sair derrotado.
— Recordarei o seu conselho, senhor. E, mais uma vez, muito obrigado.
O jovem banqueiro voltou-se para Carmen, que olhava para o pai, com frio desprezo. Juan Rode estremeceu de dor, ao notá-lo. «Sei que jamais me perdoará», pensou. Como encolhido, retrocedeu, metendo-se entre os curiosos que ainda comentavam a curta peleja, não tardando a desaparecer.
Jim Galluro demorou várias horas a tomar uma decisão. Por fim, descobriu o meio de se livrar da ameaça de Juan Rode.
— Tenho de o atacar primeiro! Não vou permitir que esse homem me afaste de Carmen! Nunca tive medo de ninguém e não vou tê-lo de Tom «El Toro». Não me obrigará a fugir! Esse maldito assassino vai ter uma surpresa pouco agradável... Terei o dinheiro do Banco e terei Carmen, sem que ele possa impedir-me!
Já perdera demasiado tempo. Eram nove da noite e sabia que Tom «El Toro» cumpriria a ameaça feita.
— Acabarei com ele, antes das vinte e quatro. Ou, pelo menos, terei de deitar a mão ao dinheiro dos Joyce, para poder desaparecer com Carmen. Ela não me seguirá sem o dinheiro, mas fá-lo-á, se eu tiver os bolsos cheios de notas!
De súbito, encontrou a solução para tudo. Uma solução não muito engenhosa, aliás.
— Mas eficaz — monologou. — Basta de idiotices. Vou tratar do caso à maneira dos Galluro!
Pensou, por momentos, no irmão, mas logo encolheu os ombros.
— Não fosse parvo... A culpa foi dele, se se deixou apanhar!
Tinha muito que fazer, nas três horas que faltavam para atingir o limite. Em primeiro lugar, precisava de encontrar alguns homens decididos a tudo. Tucson estava cheia deles. Depois, teria de falar com Carmen, para a convencer.
—Possivelmente, só lhe direi parte do que penso... Desconfio de que, muito embora odeie o pai, ainda tem muita admiração por ele e pelo seu valor.
Meia hora mais tarde, Galluro entrava no hotel. Lançou um rápido olhar à sala. Ali estava Juan Rode. O pai de Carmen sorriu-lhe, friamente, fazendo crescer a raiva que o consumia. «Espera um pouco, fanfarrão!...» pensou.
Subiu com rapidez ao primeiro andar e bateu à porta do quarto de Carmen. A jovem abriu a porta e recebeu-o com um murmúrio:
— Já era tempo de apareceres, Jim. Julguei que tinhas fugido, com medo de Robert Joyce!
— Deixa-te de palermices e ouve. Temos muito pouco tempo...
Um criado aproximou-se de Juan Rode e disse-lhe, em voz baixa:
— A menina Rode deseja vê-lo, senhor. Por isso lhe roga que suba ao seu quarto.
Juan Rode sorriu.
— Compreendo. Obrigado, amigo.
Levantou-se e subiu ao primeiro andar. A porta do quarto da filha estava aberta. Juan sorriu, astuciosamente. «Esse rapaz é um ingénuo...», pensou, trocista. Empunhou o revólver e engatilhou-o, antes de se aproximar da porta, mas foi recebido com uma gargalhada insolente de Jim Galluro.
— Olha, Carmen, o teu pai toma precauções! Até para entrar no quarto da filha!... Não é engraçado?
Com uma expressão de inteiro desprezo, a jovem retorquiu:
— Deve ter a consciência pouco tranquila.
Jim Galluro, com gestos ostensivos, desapertou a fivela do cinturão, que foi colocar em cima da cómoda, juntamente com os coldres.
— Estou desarmado, senhor Rode. Pode entrar com toda a confiança. De resto, não cometeria a grosseria de o atacar diante da sua filha!
Juan entrou, fechando a porta com um empurrão. Depois de olhar fixamente para o rapaz, guardou o revólver no coldre. Apoiado de costas na porta, observou a filha.
— Disseram-me que querias falar comigo — disse, lentamente. — Que pretendes de mim, Carmen?
Carmen titubeou, olhando suplicante para Jim Gal-luro. Este levantou-se, mas não se aproximou dela. Por fim, a jovem teve de responder:
—Bem... Jim contou-me a tua tola ameaça... Quero que saibas que não nos vamos separar, que nos casaremos logo que tenhamos dinheiro para comprar umas terras na costa. Não tens o direito de me proibir o quer que seja! Ouviste? Assim, quero que me prometas que deixarás Jim em paz.
Juan Rode arregalou os olhos, num espanto simulado.
— Foi para isso que me chamaste? O teu amigo tem uma boa solução para isso... Diz-lhe que empunhe o revólver e dispare contra mim.
Voltara um pouco a cabeça, olhando para Jim Gal-luro. O rapaz fez um gesto de despeito e olhou para as armas que colocara em cima da cómoda. Não fez qualquer movimento para se aproximar delas. Juan Rode sorriu, com desprezo, no momento em que soava a colérica resposta de Carmen:
— Não digas patetices, pai! Não quero que te matem, nem que mates Jim! Só quero que compreendas que ele é demasiado bom para uma filha tua, que gosta de mim e que eu também lhe quero. Estarás disposto a fazer o favor de desaparecer de Tucson, deixando-nos em paz?
Rode negou, redondamente:
— Não, Carmen, não o farei. E não é verdade que Jim seja demasiado bom para ti. Ele é lixo, em todos os sentidos e tu, pelo contrário, és uma rapariga extraordinária. E só verificarias o teu erro muito tarde. Não. Jim partirá esta noite e sozinho!
Carmen mordeu o lábio inferior, enervada. Juan continuava a vigiar Jim, o qual murmurava um insulto, ao ouvir a resposta perentória. No momento seguinte, a jovem tomou uma atitude que Juan jamais esperaria dela. Com os olhos marejados de lágrimas, ergueu as mãos, num gesto de súplica, pedindo:
— Pai... por favor... Tu não podes ser tão duro para comigo! Eu... tenho vivido muito só e necessito de afeto. Se te tivesse encontrado primeiro, há mais tempo...
Juan Rode empalideceu, esquecendo-se de tudo, inclusivamente de Galluro. A filha fitava-o, tremente e chorosa, comovendo-o profundamente.
— Carmen... minha filha. Sempre pensei em ti, sempre desejei reunir-me contigo, mas não foi possível. A sorte nunca me acompanhou e não quereria que isso te sucedesse a ti, também. Tens de olvidar esse homem...
A jovem rompeu em soluços e, repentinamente, lançou-se, nos braços do pai. Juan Rode esperava ansiosamente algo como aquilo, havia longos anos. Abraçou a jovem, emocionado, murmurando:
— Pequenina... Eu sabia que, um dia... Ah! Carmen, Deus te abençoe pelo que acabas de fazer!
Estava de tal modo impressionado que perdeu a noção da defesa, com a filha apertada contra o peito. Jim Galluro não teve a menor dificuldade em preparar o ataque. Colocou-se atrás de Juan e, sem que ele o visse, apoderou-se de um dos revólveres pousados na cómoda. Agarrando-o pelo cano, levantou-o e descarregou uma violenta pancada na cabeça de Rode, com a coronha. Juan caiu no solo, pesadamente. A filha deixou de soluçar e ficou imóvel, crispada. Jim Galluro deu uma gargalhada feliz.
— Que bem representaste o teu papel, Carmen! — exclamou. — Bem te disse que ele não seria capaz de resistir às tuas choraminguices, que perderia a cabeça quando o abraçasses! Esqueceu-se completamente de mim! O grande Tom «El Toro»! É incrível!
Carmen debruçou-se sobre o corpo do pai, olhando-o com uma expressão preocupada.
— Deste-lhe com força, Jim, como para o matar... Disseste-me que o farias com cuidado.
— O teu pai é um homem duro, pequena. Para o adormecer, foi preciso bater-lhe com força. Mas não te preocupes, que não lhe aconteceu nada. Despertará, dentro de algum tempo, mas demasiado tarde para nos molestar. Repito que representaste perfeitamente. Até conseguiste chorar! As mulheres são o diabo!...
Deu uma gargalhada, antes de prosseguir:
— O pobre homem deve ter acreditado que tu gostas dele, sinceramente.
Carmen endireitou-se, dizendo, secamente:
— Cala-te com isso, Jim! Não precisas de demonstrar que és esperto...
O rosto de Galluro crispou-se, numa expressão dura.
— Acalma-te, Carmen. Nada de piadas de mau gosto! E, muito menos, de sentimentalismos... Ou, melhor, guardemo-los só para nós os dois. O resto, é negócio. Vamos apanhar o dinheiro do Banco e poderemos partir com ele, livremente. Não é estupendo?
Sem lhe responder, Carmen pediu:
— Põe-no em cima da cama, Jim. Não gosto de o ver no chão.
— Como queiras. Procuraremos tratar com o maior cuidado o teu «querido» pai...
Levantou Juan, com esforço, e estendeu-o no leito. Carmen continuava a olhar para o pai com preocupação. Jim procurou animá-la:
— Nada receies, Carmen. Tudo sairá bem, verás. Onde está a corda?
— Debaixo da cama.
O rapaz recolheu a corda, voltou Juan Rode de barriga para baixo e amarrou-lhe a mãos atrás das costas. Com a outra ponta amarrou-lhe, também, os tornozelos. Fê-lo com força, brutalmente, perante os protestos da jovem.
— Queres cortar-lhe as mãos, Jim?! Não precisas de apertar tanto!
— Sabes bem a classe de homem que é o teu pai. Todas as precauções são poucas. Precisamos de ter a certeza de que ele não se moverá, durante toda a noite. E não conseguirá fazê-lo.
Afirmou-o, satisfeito. Terminada a operação, voltou Juan de cara para cima. Carmen sentara-se nos pés da cama. Parecia insegura.
— Vais demorar muito tempo, Jim? — perguntou. — Espero que tudo esteja pronto, por volta da meia--noite. Quando te vier buscar, já os cavalos estarão preparados.
— E ele?...
Jim Galluro dissimulou um sorriso.
— Não lhe fará mal passar uma noite amarrado. Amanhã, de manhã, encontrá-lo-ão, quando vierem limpar o quarto. Antes de sairmos, teremos de o amordaçar. Enquanto ficas aqui, vigia-o. Não o deixes atirar-se para o chão.
Carmen assentiu, replicando:
— Tem cuidado, Jim. E não te esqueças de que me prometeste não fazer mal ao Joyce...
Jim fez um gesto de concordância, respondendo, em tom áspero:
— Não te preocupes. Não acontecerá nada ao «teu» menino bonito. Interessa-me o dinheiro dele e mais nada. Sou um homem realista. Beijou a jovem e, depois de lançar um último olhar receoso a Juan Rode, saiu do quarto.

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