Fez a transfusão e chegou o momento de operar. Era necessário extrair a bala e fechar a ferida, para evitar nova hemorragia.
Durante quase toda a manhã, estiveram a observar a reação do ferido, depois da transfusão. Mas não experimentou melhoras notáveis. O pulso continuava muito fraco.
Depois do meio-dia, pareceu reagir um pouco, e John Frey dispôs-se a operá-lo. Estava absorto em si mesmo, inquieto. Apenas trocava as palavras indispensáveis com Madge. Mandara recado à povoação para que viessem buscar o dador de sangue, pois ele, desde que deixara de exercer clinica, só tinha uma cama em casa.
A rapariga notou o seu nervosismo quando estava a preparar os instrumentos. Tremiam-lhe ligeiramente as mãos.
— John — disse-lhe —, se não te sentes bem...
Ele interrompeu-a secamente:
— Vai buscar mais água quente.
Madge obedeceu sem protestar e saiu do quarto. Assim que ficou só, John Frey levantou a cabeça. Os seus olhos moviam-se, inquietos, de um lado para o outro, mas evitavam pousar no corpo imóvel, que jazia na cama. De facto, não tinha nenhuma confiança em si mesmo. O medo de outro malogro torturava-o.
Numa decisão súbita, deixou os instrumentos e dirigiu-se para um pequeno armário do qual tirou uma garrafa de uísque, pouco mais de meia. Hesitou. A testa começava a perlar-se-lhe de suor e tinha a garganta muito seca, terrivelmente seca. As suas mãos, pálidas, afagavam inquietas a garrafa, sem se decidir a destapá-la.
Mas não pôde vencer a tentação. Aquilo reanimá-lo-ia, dar-lhe-ia a coragem de que necessitava. Só dois golos...
Tirou desajeitadamente a rolha e levou a garrafa aos lábios. Madge entrou naquele momento, trazendo nas mãos uma bacia de água fervida, de que o médico precisava para fazer a operação. Parou bruscamente e o seu rosto exprimiu uma magoada e receosa surpresa.
— John! — suplicou.
Ele afastou a garrafa, mas não se virou. Estava envergonhado, furioso consigo mesmo. No entanto, disse:
— Um golo não me fará mal. Preciso dele.
Madge pousou a bacia na mesa-de-cabeceira e aproximou-se dele, com as mãos estendidas.
— Dá-me essa garrafa — pediu.
John Frey apertou os lábios.
— Não sou nenhum garoto, Madge — respondeu. —Sei o que devo fazer.
Mas ela não era da mesma opinião.
— Dá-ma, John — insistiu. — Não te podes deixar vencer assim. Precisas de estar calmo. E a tua oportunidade!
— Já sei — gritou ele, descomposto. — Podes poupar os sermões!
— Mas eu...
John gritou:
— Já disse que sei o que devo fazer!
Estava muito nervoso. A convicção de que, efetivamente, se encontrava já dominado pelo vício, que se apoderara dele para sempre, punha-o à beira do histerismo.
Passou a mão pela testa suada. O olhar dececionado, compassivo, da rapariga punha-o fora de si.
— É melhor ires-te embora, Madge — murmurou. —Creio que me poderei arranjar sem ti.
Ela deixou transparecer a dor que aquela reação lhe produzia, mas não protestou. Hesitou uns segundos. Depois, como se não tivesse ouvido nada, disse:
— A água está pronta. Podemos começar quando quiseres. Anda.
Contudo, ele continuava firme.
— Já disse que te fosses embora, Madge. Prefiro estar só.
— Para beberes à tua vontade, sem que ninguém te censure?
— Para fazer o que me apetecer! Ouviste? Vai para tua casa!
Madge não hesitou agora. Perante os seus gritos furiosos, descompostos, só havia uma atitude digna: sair. Ainda que lhe confrangesse a alma. Portanto, deu meia volta, com o rosto afogueado e irritada, dirigiu-se para a salda, transpôs o limiar e bateu com a porta.
John Frey não se mexeu. Tinha os lábios apertados, os olhos franzidos, fixos na parede nua. Não percebia porque fizera aquilo. Devia estar louco. Sabia bem que Madge era a única pessoa que ainda confiava nele, que o estimava sinceramente. E tratara-a daquela forma...
Chamou-se estúpido, bêbedo, inútil...
As têmporas martelavam-lhe furiosamente. Mas não tentou detê-la. A sua presença tê-lo-ia posto mais nervoso ainda. Por isso a expulsara. Quase sem saber o que fazia, levantou novamente a garrafa e bebeu. Mas só um curto golo.
Depois, arrependido, fez um esforço sobre-humano e pôs a garrafa longe do seu alcance.
Acalmara-se bastante; pelo menos, agora sentia coragem para se conter e dedicar os seus cinco sentidos àquela operação. Seria a única forma de se poder apresentar diante de Madge, para lhe pedir perdão do seu comportamento. Porque se aquele homem morresse...
Pausadamente, dominando-se, John Frey dirigiu-se para a cama, a arregaçar as mangas da camisa. Chegara o momento, a sua última oportunidade!
Na rua principal havia ajuntamentos de gente à espera de notícias. O assunto do assalto ao Banco não se esgotara ainda. Naquela manhã tinham sido enterrados os cadáveres de Sterling Dross, do ajudante Jensen e do cúmplice de Dick Duff, que fora baleado à salda do Banco. O caso, portanto, estava quente.
Além disto, as suposições acerca do que faria o «Doutor Uísque» para salvar o ferido dominavam a maior parte das conversas. Aquilo era fundamental para os habitantes de Los Alamos, depois da reação da viúva do banqueiro. A senhora Dross, furiosa pelo que ela julgava uma desatenção dos representantes da Lei, que tivera como consequência a morte do marido, anunciou terminantemente que os quinze mil dólares do roubo seriam pagos pelos depositantes. Acolhia-se aos termos de quebra por roubo e não assumia a responsabilidade das consequências. Escusado será dizer que semelhante decisão pusera sobre brasas todos os habitantes da povoação.
O juiz andava de cabeça perdida, a examinar legalmente a questão, enquanto os modestos depositantes se desesperavam perante a possibilidade de ficarem sem as suas pequenas economias. Isto aumentava o seu interesse em se encontrar o dinheiro roubado, custasse o que custasse. E como a sua melhor oportunidade estava nas mãos do «Doutor Uísque», todos se sentiam inquietos e se lamentavam da coincidência do doutor Griffith não se encontrar na povoação.
Tudo isto fez que a presença de Madge na rua principal, com o rosto sério, afogueado, desgostoso, o seu andar apressado, chamasse fortemente a atenção. Toda a gente sabia que estava a ajudar Frey, e como era sensata e, além disso, tinha prática como enfermeira, dava-lhes um pouco de confiança no resultado.
Assim, quando a viram aparecer daquela forma, e dirigir-se resolutamente para o pequeno restaurante que explorava com o avô, o alarme rebentou. Quando Madge deu por isso, estava rodeada de gente que lhe fazia perguntas. Toda a espécie de perguntas e ao mesmo tempo. Ela ergueu a cabeça e respondeu:
— Não quero saber de nada acerca desse assunto. Perguntem ao doutor Frey, se querem saber pormenores.
— Mas não o ficou a ajudar?
— Sim, mas mudei de ideias. Deixem-me em paz.
E abriu caminho à cotovelada, perante o espanto de todos. As pessoas ficaram alvoroçadas.
— Que terá acontecido? — perguntou um, em voz alta.
Outro redarguiu imediatamente:
— Apostava a cabeça em como já se embebedou.
Semelhante possibilidade pô-los fora de si.
— Vamos avisar o xerife! Aqui passa-se qualquer coisa!
Bill Daniels agiu imediatamente. Assim que lhe contaram a traços largos o que se passava, correu para o restaurante de Madge. Mas ordenou aos seus acompanhantes que ficassem na rua.
O estabelecimento era muito pequeno e modesto. Não tinha balcão. Apenas uma sala com mesas e cadeiras, capaz de acomodar quinze pessoas ao mesmo tempo, e uma porta de vidro martelado, que comunicava com a cozinha. O negócio estava a cargo dela e do avô, o velho Sidway. Madge cozinhava e o velho servia à mesa. Assim ganhavam o suficiente para viverem com decência. Quando Bill Daniels entrou, não havia nenhum cliente.
Ainda faltavam duas horas para começar a servir o jantar. Encontrou a rapariga com o avô, na cozinha.
— Que aconteceu, Madge? — perguntou o xerife, sem cumprimentar.
Ela continuava zangada.
— Não aconteceu nada — respondeu com mau modo. — Somente o doutor Frey prefere fazer as coisas sozinho e sem que ninguém o vigie.
Bill perguntou:
— Sem que ninguém o vigie? Porquê?
— Pergunte isso a ele.
— Pelo que pôde adivinhar — disse —, o doutor agarrou-se à garrafa, antes de fazer outra coisa.
Daniels resfolegou longamente.
— Receava isso — disse. — Não tem cura. Se não está bêbedo, é incapaz de fazer seja o que for.
Esperou qualquer comentário de Madge, mas ela afanava-se na cozinha, como se não o ouvisse. Não podia dissimular o seu nervosismo. Perante o seu silêncio, o xerife comentou:
— Vou ter com ele. Não creio que sirva de nada, mas evitarei que o opere nessas condições. Talvez com a transfusão possa aguentar vivo até regressar o doutor Griffith. E saiu.
Durante quase toda a manhã, estiveram a observar a reação do ferido, depois da transfusão. Mas não experimentou melhoras notáveis. O pulso continuava muito fraco.
Depois do meio-dia, pareceu reagir um pouco, e John Frey dispôs-se a operá-lo. Estava absorto em si mesmo, inquieto. Apenas trocava as palavras indispensáveis com Madge. Mandara recado à povoação para que viessem buscar o dador de sangue, pois ele, desde que deixara de exercer clinica, só tinha uma cama em casa.
A rapariga notou o seu nervosismo quando estava a preparar os instrumentos. Tremiam-lhe ligeiramente as mãos.
— John — disse-lhe —, se não te sentes bem...
Ele interrompeu-a secamente:
— Vai buscar mais água quente.
Madge obedeceu sem protestar e saiu do quarto. Assim que ficou só, John Frey levantou a cabeça. Os seus olhos moviam-se, inquietos, de um lado para o outro, mas evitavam pousar no corpo imóvel, que jazia na cama. De facto, não tinha nenhuma confiança em si mesmo. O medo de outro malogro torturava-o.
Numa decisão súbita, deixou os instrumentos e dirigiu-se para um pequeno armário do qual tirou uma garrafa de uísque, pouco mais de meia. Hesitou. A testa começava a perlar-se-lhe de suor e tinha a garganta muito seca, terrivelmente seca. As suas mãos, pálidas, afagavam inquietas a garrafa, sem se decidir a destapá-la.
Mas não pôde vencer a tentação. Aquilo reanimá-lo-ia, dar-lhe-ia a coragem de que necessitava. Só dois golos...
Tirou desajeitadamente a rolha e levou a garrafa aos lábios. Madge entrou naquele momento, trazendo nas mãos uma bacia de água fervida, de que o médico precisava para fazer a operação. Parou bruscamente e o seu rosto exprimiu uma magoada e receosa surpresa.
— John! — suplicou.
Ele afastou a garrafa, mas não se virou. Estava envergonhado, furioso consigo mesmo. No entanto, disse:
— Um golo não me fará mal. Preciso dele.
Madge pousou a bacia na mesa-de-cabeceira e aproximou-se dele, com as mãos estendidas.
— Dá-me essa garrafa — pediu.
John Frey apertou os lábios.
— Não sou nenhum garoto, Madge — respondeu. —Sei o que devo fazer.
Mas ela não era da mesma opinião.
— Dá-ma, John — insistiu. — Não te podes deixar vencer assim. Precisas de estar calmo. E a tua oportunidade!
— Já sei — gritou ele, descomposto. — Podes poupar os sermões!
— Mas eu...
John gritou:
— Já disse que sei o que devo fazer!
Estava muito nervoso. A convicção de que, efetivamente, se encontrava já dominado pelo vício, que se apoderara dele para sempre, punha-o à beira do histerismo.
Passou a mão pela testa suada. O olhar dececionado, compassivo, da rapariga punha-o fora de si.
— É melhor ires-te embora, Madge — murmurou. —Creio que me poderei arranjar sem ti.
Ela deixou transparecer a dor que aquela reação lhe produzia, mas não protestou. Hesitou uns segundos. Depois, como se não tivesse ouvido nada, disse:
— A água está pronta. Podemos começar quando quiseres. Anda.
Contudo, ele continuava firme.
— Já disse que te fosses embora, Madge. Prefiro estar só.
— Para beberes à tua vontade, sem que ninguém te censure?
— Para fazer o que me apetecer! Ouviste? Vai para tua casa!
Madge não hesitou agora. Perante os seus gritos furiosos, descompostos, só havia uma atitude digna: sair. Ainda que lhe confrangesse a alma. Portanto, deu meia volta, com o rosto afogueado e irritada, dirigiu-se para a salda, transpôs o limiar e bateu com a porta.
John Frey não se mexeu. Tinha os lábios apertados, os olhos franzidos, fixos na parede nua. Não percebia porque fizera aquilo. Devia estar louco. Sabia bem que Madge era a única pessoa que ainda confiava nele, que o estimava sinceramente. E tratara-a daquela forma...
Chamou-se estúpido, bêbedo, inútil...
As têmporas martelavam-lhe furiosamente. Mas não tentou detê-la. A sua presença tê-lo-ia posto mais nervoso ainda. Por isso a expulsara. Quase sem saber o que fazia, levantou novamente a garrafa e bebeu. Mas só um curto golo.
Depois, arrependido, fez um esforço sobre-humano e pôs a garrafa longe do seu alcance.
Acalmara-se bastante; pelo menos, agora sentia coragem para se conter e dedicar os seus cinco sentidos àquela operação. Seria a única forma de se poder apresentar diante de Madge, para lhe pedir perdão do seu comportamento. Porque se aquele homem morresse...
Pausadamente, dominando-se, John Frey dirigiu-se para a cama, a arregaçar as mangas da camisa. Chegara o momento, a sua última oportunidade!
Na rua principal havia ajuntamentos de gente à espera de notícias. O assunto do assalto ao Banco não se esgotara ainda. Naquela manhã tinham sido enterrados os cadáveres de Sterling Dross, do ajudante Jensen e do cúmplice de Dick Duff, que fora baleado à salda do Banco. O caso, portanto, estava quente.
Além disto, as suposições acerca do que faria o «Doutor Uísque» para salvar o ferido dominavam a maior parte das conversas. Aquilo era fundamental para os habitantes de Los Alamos, depois da reação da viúva do banqueiro. A senhora Dross, furiosa pelo que ela julgava uma desatenção dos representantes da Lei, que tivera como consequência a morte do marido, anunciou terminantemente que os quinze mil dólares do roubo seriam pagos pelos depositantes. Acolhia-se aos termos de quebra por roubo e não assumia a responsabilidade das consequências. Escusado será dizer que semelhante decisão pusera sobre brasas todos os habitantes da povoação.
O juiz andava de cabeça perdida, a examinar legalmente a questão, enquanto os modestos depositantes se desesperavam perante a possibilidade de ficarem sem as suas pequenas economias. Isto aumentava o seu interesse em se encontrar o dinheiro roubado, custasse o que custasse. E como a sua melhor oportunidade estava nas mãos do «Doutor Uísque», todos se sentiam inquietos e se lamentavam da coincidência do doutor Griffith não se encontrar na povoação.
Tudo isto fez que a presença de Madge na rua principal, com o rosto sério, afogueado, desgostoso, o seu andar apressado, chamasse fortemente a atenção. Toda a gente sabia que estava a ajudar Frey, e como era sensata e, além disso, tinha prática como enfermeira, dava-lhes um pouco de confiança no resultado.
Assim, quando a viram aparecer daquela forma, e dirigir-se resolutamente para o pequeno restaurante que explorava com o avô, o alarme rebentou. Quando Madge deu por isso, estava rodeada de gente que lhe fazia perguntas. Toda a espécie de perguntas e ao mesmo tempo. Ela ergueu a cabeça e respondeu:
— Não quero saber de nada acerca desse assunto. Perguntem ao doutor Frey, se querem saber pormenores.
— Mas não o ficou a ajudar?
— Sim, mas mudei de ideias. Deixem-me em paz.
E abriu caminho à cotovelada, perante o espanto de todos. As pessoas ficaram alvoroçadas.
— Que terá acontecido? — perguntou um, em voz alta.
Outro redarguiu imediatamente:
— Apostava a cabeça em como já se embebedou.
Semelhante possibilidade pô-los fora de si.
— Vamos avisar o xerife! Aqui passa-se qualquer coisa!
Bill Daniels agiu imediatamente. Assim que lhe contaram a traços largos o que se passava, correu para o restaurante de Madge. Mas ordenou aos seus acompanhantes que ficassem na rua.
O estabelecimento era muito pequeno e modesto. Não tinha balcão. Apenas uma sala com mesas e cadeiras, capaz de acomodar quinze pessoas ao mesmo tempo, e uma porta de vidro martelado, que comunicava com a cozinha. O negócio estava a cargo dela e do avô, o velho Sidway. Madge cozinhava e o velho servia à mesa. Assim ganhavam o suficiente para viverem com decência. Quando Bill Daniels entrou, não havia nenhum cliente.
Ainda faltavam duas horas para começar a servir o jantar. Encontrou a rapariga com o avô, na cozinha.
— Que aconteceu, Madge? — perguntou o xerife, sem cumprimentar.
Ela continuava zangada.
— Não aconteceu nada — respondeu com mau modo. — Somente o doutor Frey prefere fazer as coisas sozinho e sem que ninguém o vigie.
Bill perguntou:
— Sem que ninguém o vigie? Porquê?
— Pergunte isso a ele.
— Pelo que pôde adivinhar — disse —, o doutor agarrou-se à garrafa, antes de fazer outra coisa.
Daniels resfolegou longamente.
— Receava isso — disse. — Não tem cura. Se não está bêbedo, é incapaz de fazer seja o que for.
Esperou qualquer comentário de Madge, mas ela afanava-se na cozinha, como se não o ouvisse. Não podia dissimular o seu nervosismo. Perante o seu silêncio, o xerife comentou:
— Vou ter com ele. Não creio que sirva de nada, mas evitarei que o opere nessas condições. Talvez com a transfusão possa aguentar vivo até regressar o doutor Griffith. E saiu.
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