Era uma linda manhã. John tinha assistido ao amanhecer de muitos dias, na planície e na montanha, mas nenhum o emocionara tanto como aquele.
O sol, grande e doirado, surgia majestosamente por detrás das montanhas, iluminando tudo. O céu era de um azul muito limpo e calmo.
John olhava, atento. Deixou escapar um lento suspiro. Tinha dentro de si uma vaga sensação de esperança. Confiava no destino. Tinha-se precipitado ao entrar abertamente na povoação, pensando apenas em descobrir o assassino. E não o desesperava o facto de estar prisioneiro no grande silo. Sabia que, entre aquela gente que o cercava, em baixo, devia estar o assassino que procurava.
— Aí vem Buck, o miserável... — murmurou, vendo que o vaqueiro se reunia ao grupo de Parrot.
Buck falava acaloradamente com o xerife, ao mesmo tempo que esfregava as mãos. A conversa referia-se a John, sem dúvida. Pelos gestos de Buck, parecia evidente que incitava Parrot a acabar de uma vez com a situação. O vaqueiro adiantou-se alguns passos e levantou a cabeça, olhando para a janela alta, que estava aberta.
— Nada ganhas com isso, John!... — bradou. —Assim que soube que estavas aqui, corri a San Ângelo. Vais morrer. Esperei ansiosamente esta hora.
— Eu também. Tenho contas a ajustar contigo.
— Disse-me o xerife que me acusas da morte de Nancy. É absurdo, e ninguém te acredita. Sou a única testemunha do crime e vi-te de revólver em punho, quando Nancy caiu. Não havia mais ninguém.
— Isso não é verdade. Viste-me junto do corpo de Nancy, mas não me viste disparar. Quem a matou, disparou através da janela. Foste tu.
— Eu? Que motivo tinha?
— Não sei. Eu não tinha nenhum.
— Mentes. Que tinha ido Nancy fazer a tua casa?
— Foi falar comigo e estávamos a tomar chá. Gostávamos um do outro.
— Não eram noivos.
— Seríamos mais tarde.
— Nancy estava há pouco tempo na povoação, mas tu já a conhecias. De onde?
— De Tulsa. Já aí gostávamos um do outro, e quando voltámos a ver-nos...
— Que fazia Nancy, em Tulsa?
— Trabalhava.
— E tu?
— Também. Vendia terrenos. Em alguns deles havia petróleo.
— Aí está a razão que te levou a matá-la. Havia entre vocês qualquer negócio escuro, e achaste necessário eliminá-la... — disse Buck. E acrescentou, voltando-se para o xerife: — Não lhe parece assim?
— Talvez... — respondeu Parrot. — Não investiguei a morte de Nancy, porque tudo parecia claro. Havia um criminoso, que era John.
— Muito bem... — volveu Buck. — Há ainda um criminoso, que continua a ser John. Vai morrer, e agora mesmo!
— Queres matar-me para cobrir o teu crime. Mas não o conseguirás. Espero-te aqui?
— Estás a desafiar-me? Julgas-te mais corajoso do que eu?
— Tanto, pelo menos.
— Repito que te vi matar Nancy, e serei eu a fazer cumprir a justiça. Admirava essa rapariga...
— Talvez a admirasses demasiado, e o segredo deve estar nisso. Fizeste a corte a Nancy, e como ela te repelisse, decidiste matá-la. Que respondes?
— Maldito!... — bradou Buck. — Não quero ouvir-te mais...
Olhou em volta, desconfiado. Franziu a cara ao ver que o xerife o fitava pensativamente, enquanto Liberman lhe dizia qualquer coisa ao ouvido.
— Sim, Nancy disse-me que não queria noivo... mas tudo ficou por aí. Não seria capaz de a matar por isso. Nunca tinha havido nada entre nós. O assassino és tu, e hei-de matar-te por isso! Agora mesmo!
Empunhou o revólver, resoluto.
— Quieto, Buck... — disse Parrot. — Esse homem pertence à justiça, e só eu posso tomar decisões.
— Não! Hei-de matá-lo! É o assassino... — repetiu Buck, teimoso.
— Não poderás chegar à porta. John criva-te de balas.
A voz de John fez-se ouvir:
— Lutarei com ele, frente a frente. Vou abrir a porta, mas só Buck poderá entrar. Se é corajoso como diz, ele próprio fechará a porta depois de entrar.
— Assim farei!
Passaram-se uns momentos de expectativa. Depois todos ouviram John retirar a tranca da porta, abrindo-a
— Quieto, Buck!... — disse Parrot. — Não faças isso, ele mata-te!
— Entregar-lho-ei morto... — respondeu Buck, feroz.
Em quatro passadas atravessou o caminho. Não se deteve, empurrou violentamente a porta e entrou. Olhou para a escada, de ouvido atento. Depois voltou-se para fora. Com a mão esquerda, fez sinal aos outros para esperarem. E então, cumprindo a sua palavra, fechou a porta e repôs a tranca.
— Onde estás, assassino?
Não obteve resposta. Desconfiado, avançou na direção da escada. Pisou o primeiro degrau. Mas aí parou. Pensava que John o atacaria à traição.
— Não ouviste? Falaste em lutar corpo a corpo. Estou à espera!
O silêncio desorientava-o, enervava-o. Tinha perdido parte da decisão que, pouco antes, na rua, o fizera gritar. O silêncio no interior do silo perturbava-o profundamente, tirando-lhe o ânimo.
Teve um brusco pressentimento. Pareceu alongar as orelhas, como um animal selvagem que sente a presença do inimigo. Tinha ouvido a respiração ofegante de um homem. Lançou-se como um bólide sobre os sacos de farinha acumulados junto dos canos de descida dos cereais. Disparou ao mesmo tempo. Foi um ataque astucioso e feroz, em que Buck pusera todo o ódio que sentia pelo suposto assassino.
John estava realmente abrigado com os sacos. Mas não se moveu ante a chuva de balas que não conseguiam atravessar as suas defesas, que eram sólidas. Deixou que Buck se aproximasse. Quando o teve ao seu alcance, apareceu por detrás de um saco e segurou o vaqueiro, por um braço. Teria podido matá-lo naquele momento, metendo-lhe uma bala na cabeça. Mas em vez disso puxou-o para si e vibrou-lhe um tremendo soco na cara.
— Que supunhas, Buck?
John agarrou-o pelo peitilho da camisa, desarmou-o e atingiu-o com mais dois socos na cabeça. Buck caiu sobre a farinha que escorrera para o chão através dos buracos feitos nos sacos, pelas suas balas.
Quando se levantou tinha os olhos cheios de farinha e mal podia ver. John atacou-o com outra série de socos • que o deixaram completamente aturdido.
John estava cansado, e a venda improvisada, que pusera na perna ferida, encontrava-se vermelha de sangue. Apanhou o revólver, apontando-o ao seu inimigo. Buck era a imagem da derrota, com a cara pisada e uma orelha rasgada. Mal podia aguentar-se de pé.
— Sobe. Quero falar contigo, mas também quero vigiar os que estão lá fora. Convém vê-los de cima.
Buck rosnou entre dentes. Tremia de raiva, ao sentir-se vencido. Todo o seu ímpeto ficara reduzido a zero.
— Vamos, não percas tempo... — insistiu John, encostando-lhe a arma ao corpo.
Subiram. Em cima, John aproximou-se da janela enquanto Buck ficava atrás esperando a sua oportunidade. John mantinha-o em respeito, com o Cat. John olhou para baixo. Surpreendeu-se ao ouvir um galope. Eram vários cavaleiros que chegavam.
Olhou-os e voltou-se para Buck, com amarga ironia:
— Glondy chegou agora mesmo, Buck. Vem rezar por ti, talvez. Que há entre vocês?
—É minha noiva.
— Calculava isso. Bonita rapariga. Tenho pena dela. Que diria se te visse nesta situação, Buck?
— Ver-nos-á quando eu levar o teu cadáver.
— És um fanfarrão grotesco, mas estás perdido. Quem pode salvar-te? Os homens do xerife?
— Eu só.
— Sim, gostarias disso. Lembra-te do que fizeste a Nancy. Apresentar-te-ei como assassino!
— Inventa outra coisa. Essa ideia está gasta.
— Pensei muito na morte de Nancy. Julgas que não? Soube muitas coisas, também. Em Amarillo informaram-me de que tu e Nancy se tinham conhecido lá. Verdade?
Buck enrugou a testa, surpreendido. Apanhou um punhado e de trigo e pôs-se a passá-lo de uma das mãos para a outra.
— Não tenho necessidade de negar isso. Sim, conhecia-a em Amarillo.
— Pois não o disseste a ninguém, Buck. Porquê? Tenho a certeza de que não falaste nesse caso ao xerife.
— Porque razão havia de lho contar? Não interessava a ninguém.
— Decerto que interessava. A mim, pelo menos. Nancy fascinou-te. De boa vontade teria feito qualquer loucura por ela. É certo ou não?
— Não te interessa.
— Interessará ao xerife. Apesar de estar cercado pelos homens de Parrot, hei-de descobrir o criminoso. Hoje mesmo, antes da noite.
— Há cinco anos que todos sabem quem foi o criminoso: John Pistol.
— Talvez Buck, ou Sloan, ou Mirriat, ou Liberman. Ou Glondy.
Buck soltou uma gargalhada.
— Deliras. Não sabes o que dizes... Só te falta acusar o xerife Parrot.
— Poderia ser... mas é inverosímil... — disse John, calmo. — Citei apenas os suspeitos.
— Suspeitos inventados por ti, à maneira de um ilusionista, hem?
— Enganas-te. Já te disse que soube muitas coisas, nestes cinco anos, sobre as relações entre Nancy e alguns de vocês. Tu já confessaste tê-la conhecido em Amarillo.
— Não nego isso. Mas que relação pode haver entre Nancy e Glondy?
Johnny olhou de relance para Glondy, em baixo. A jovem envergava um trajo de montar, com um largo chapéu mexicano, e apontava para o silo, falando com Parrot. O perseguido ergueu distraidamente a arma, mas logo a baixou.
— Nancy não era uma rapariguinha totalmente limpa. Em Tulsa viu-se metida numa complicação que deixou rastros.
— Que foi?
— Que foi? Outra morte, a do chefe de uma tribo «comanche». O índio morreu e Nancy ficou com uma parcela de terreno onde havia petróleo. O caso não foi por diante, porque ninguém teve interesse em o esclarecer. Mas soube-se que tinha havido um crime, e que o criminoso fora uma mulher.
— Nancy?
— Talvez...
— Tolices.
— Pode ser. Tenho também uma vaga ideia de uma mestiça que vivia em Tulsa. Não tive relações com ela, mas creio lembrar-me de que se parecia com Glondy. Era neta do chefe assassinado.
— Agora entendo. Queres insinuar que Glondy pode ter assassinado Nancy por vingança. Não é isso?
É uma hipótese.
— Impossível! Glondy é mestiça, vê-se bem, de mãe «comanche» e pai mexicano... mas chegou a San Ângelo dois anos depois da morte de Nancy. Que te parece?
— Que pode ter estado antes em San Ângelo, sem despertar atenções.
Buck voltou a rir-se. Parecia divertido com os esforços de John para se defender da acusação de assassínio. Mas considerava absurdos esses esforços. Sem deixar de rir, aproximou-se da janela. Olhou para baixo, gritando:
— Xerife! Glondy! Este homem está doido! Diz que o assassino de Nancy se encontra entre Sloan, Mirriat, Liberman e eu... Ou que talvez fosses tu, Glondy! Está doido!
— Podes acrescentar Catey, e não feches a lista... — disse John.
Em baixo, houve quem risse. Outros entreolharam-se, com expressões de estranheza.
— Esta situação é inadmissível, John Pistol... — bradou o xerife. — Vamos que conseguiste vencer Buck. Que te propões agora?
— Encontrar o assassino.
— Vai para o inferno. O assassino és tu! Rende-te, ou derrubamos o silo!
— Mal andariam se o tentassem.
— Também ameaças, John?... — berrou Mirriat. —Toda a povoação está aqui, e não podes nada contra todos. Se Buck aí não estivesse, queimávamos-te lá dentro!
— Sim... — gritou Liberman, furioso. — Maldito sejas!
— Maldito sejas!... — repetiu Sloan.
Havia um clamor unânime contra John. Queriam a morte dele. Apenas Catey nada dizia. Glondy também não apoiava o projeto de Mirriat.
— Pensem em Buck... — disse. — Não entendo o que se passou com ele, deve ter sido atacado de surpresa.
Parrot avançou para o meio da rua. De cara ao sol, as suas feições endureciam ainda mais. Gravemente, bradou:
— Damos-te um prazo de três horas, John. Se até ao meio-dia não te entregares, arrasaremos o moinho.
Calou-se, sacudiu as mãos, meteu tabaco no cachimbo e voltou lentamente para onde estivera antes. Acendeu o cachimbo e pôs-se a caminhar de um lado para o outro, olhando interrogativamente por todos os que o acompanhavam.
Mirriat fez sinal a Sloan, que se aproximou dele. Ambos falaram em voz baixo. Pouco depois montaram a cavalo e afastaram-se. Mas não foram muito longe. Pouco adiante, por detrás de um grupo de casas, desmontaram e prenderam os cavalos. Então, tirando os laços pendentes das selas, voltaram ao silo, pelo lado de trás.
— Eu subirei primeiro, Sloan. Preciso agir rapidamente quando chegar à janela. Arrisco a vida.
— Sim, tudo depende da tua rapidez. Terás de te dobrar, para entrar. A janela é pequena.
— Tu, subirás atrás de mim. Garanto-te que encontrarás o caminho livre.
Mirriat viu que o xerife e os outros os observavam. Parrot fez um aceno negativo, contrariando a ideia, mas Mirriat respondeu com outro aceno, afirmativo. Por gestos, pediu que olhassem para outro lado, a fim de não denunciarem a escalada a John Pistol.
Mirriat atirou o laço na direção de uma pedra que sobressaía da construção. Fixou a corda, à primeira tentativa. Dobrando o corpo, de maneira a apoiar os pés na parede, subiu como um acrobata.
Quando alcançou a janela, poisou os joelhos no parapeito, agarrou-se do lado de dentro e saltou, largando o laço e empunhando o revólver. Abriu fogo contra John, que ripostou imediatamente.
Foi uma luta breve e alucinante. John moveu-se com espantosa rapidez. Viu que Buck tentava juntar-se ao outro, mas não lho permitiu. Lançou-se sobre ele e atingiu-o com um soco no queixo, de baixo para cima.
Ao cair, Buck bateu com a cabeça numa viga e ficou imóvel. Então John correu para Mirriat, colado à parede. Mas Mirriat saltou corajosamente para o meio da casa. Encontraram-se frente a frente, quase chocaram. John salvou-se pela sua espantosa rapidez de reflexos. Repetiu o ataque que o desembaraçara de Buck. A bala de Mirriat foi disparada para cima. Envolveram-se num combate brutal.
Era fantástico que John conseguisse dominar a dor que lhe causava ferida na perna, e apesar do sangue perdido pudesse lutar daquela maneira. Atingiu Mirriat com uma série de socos demolidores, a que o vaqueiro ripostou resolutamente. Rolaram pelo chão, partiram algumas vigas carcomidas, levantaram-se quase ao mesmo tempo. E, bruscamente, o vulto de Sloan apareceu na janela, empunhando o Colt.
— Chegou a tua hora, miserável!... — bradou Sloan, com raiva. — Morre!
John julgou-se perdido. A não ser que se desse um milagre, cairia sob as balas daqueles dois homens. Perdeu uma fração de segundo que podia ser fatal. Mirriat tinha tido tempo para recuperar a arma, e ia utilizá-la. Sloan sorria diabolicamente, com o dedo no gatilho. John esboçou um movimento para se lançar sobre Sloan.
— Deixa-o, Sloan... — gritou Mirriat. — Vou matá-lo agora!
John esperava o inevitável desenlace. Não tinha qualquer possibilidade de enfrentar os dois homens ao mesmo tempo. Ia ser atingido no peito e nas costas, mas tentaria alcançar Sloan.
— Morre!... — gritou Mirriat, a pouco mais de um metro de John.
Empolgado pela febre de matar, avançou um passo, firmando um pé sobre uma viga.... com tanto ímpeto que a viga cedeu. A bala perdeu-se no ar, ao mesmo tempo que outra viga, à qual a primeira servia de apoio, caiu sobre Mirriat. Uma pequena avalancha de pedras tombou sobre ele, tapando-o.
— Deus não me abandonou... — suspirou John.
Sloan tinha ficado petrificado pela cena. Se tivesse disparado naquele instante, John não poderia escapar. Mas ficou imóvel, e foi o perseguido quem se lançou sobre ele, agarrando-o. Forcejaram. Sloan, que não largara o Co/t, viu-se obrigado a agarrar-se com a mão esquerda ao rebordo superior da janela, para não se desequilibrar. John atingiu-o com um soco na cara. E Sloan caiu para trás, no espaço, soltando um grito de espanto.
— Oh!... — exclamou Glondy, tapando a cara com as mãos.
Parrot, vermelho de raiva, correu para a porta do silo, sem mais hesitações.
— Derrubemos a porta! Isto não pode continuar assim!... — berrou.
Havia então uns vinte homens em volta da construção, que acorreram imediatamente ao apelo do xerife. Lançaram-se contra a porta.
John Pistol debruçou-se da janela e abriu fogo. Mas, apesar da sua proverbial pontaria, não feriu ninguém. Não queria ferir.
— Não! Saiam daí!... — bradou o xerife. — Assim não podemos derrubar a porta. É preciso trazer uma viga pesada. Esse maldito há-de ver...
Afastaram-se do silo, disparando contra a janela. A voz de John fez-se ouvir, de dentro.
— Ainda não é meio-dia, xerife. Considero-o um homem de honra e confio na sua palavra. Deu-me três horas de tréguas. Antes que termine o prazo, encontrarei o culpado.
Parrot abanou a cabeça, respondendo:
— É intolerável que um homem enfrente toda uma povoação. Nunca aconteceu nada de semelhante, no Texas.
—É precisao — berrou Liberman.
Tirou o rifle do coldre da sela e começou a fazer fogo contra a janela alta. Logo depois, montando a cavalo, pôs-se a dar voltas ao silo, sem deixar de disparar. Uns dez cavaleiros o imitaram, repetindo uma tática usada pelos índios alguns anos antes. O xerife e Catey foram buscar Sloan, mas nada puderam fazer por ele. Estava morto.
— Bem, vou fazer o que John Pistol pediu. Esperemos até ao meio-dia... — disse Parrot. — Entretanto, traremos vigas para derrubar a porta.
O sol, grande e doirado, surgia majestosamente por detrás das montanhas, iluminando tudo. O céu era de um azul muito limpo e calmo.
John olhava, atento. Deixou escapar um lento suspiro. Tinha dentro de si uma vaga sensação de esperança. Confiava no destino. Tinha-se precipitado ao entrar abertamente na povoação, pensando apenas em descobrir o assassino. E não o desesperava o facto de estar prisioneiro no grande silo. Sabia que, entre aquela gente que o cercava, em baixo, devia estar o assassino que procurava.
— Aí vem Buck, o miserável... — murmurou, vendo que o vaqueiro se reunia ao grupo de Parrot.
Buck falava acaloradamente com o xerife, ao mesmo tempo que esfregava as mãos. A conversa referia-se a John, sem dúvida. Pelos gestos de Buck, parecia evidente que incitava Parrot a acabar de uma vez com a situação. O vaqueiro adiantou-se alguns passos e levantou a cabeça, olhando para a janela alta, que estava aberta.
— Nada ganhas com isso, John!... — bradou. —Assim que soube que estavas aqui, corri a San Ângelo. Vais morrer. Esperei ansiosamente esta hora.
— Eu também. Tenho contas a ajustar contigo.
— Disse-me o xerife que me acusas da morte de Nancy. É absurdo, e ninguém te acredita. Sou a única testemunha do crime e vi-te de revólver em punho, quando Nancy caiu. Não havia mais ninguém.
— Isso não é verdade. Viste-me junto do corpo de Nancy, mas não me viste disparar. Quem a matou, disparou através da janela. Foste tu.
— Eu? Que motivo tinha?
— Não sei. Eu não tinha nenhum.
— Mentes. Que tinha ido Nancy fazer a tua casa?
— Foi falar comigo e estávamos a tomar chá. Gostávamos um do outro.
— Não eram noivos.
— Seríamos mais tarde.
— Nancy estava há pouco tempo na povoação, mas tu já a conhecias. De onde?
— De Tulsa. Já aí gostávamos um do outro, e quando voltámos a ver-nos...
— Que fazia Nancy, em Tulsa?
— Trabalhava.
— E tu?
— Também. Vendia terrenos. Em alguns deles havia petróleo.
— Aí está a razão que te levou a matá-la. Havia entre vocês qualquer negócio escuro, e achaste necessário eliminá-la... — disse Buck. E acrescentou, voltando-se para o xerife: — Não lhe parece assim?
— Talvez... — respondeu Parrot. — Não investiguei a morte de Nancy, porque tudo parecia claro. Havia um criminoso, que era John.
— Muito bem... — volveu Buck. — Há ainda um criminoso, que continua a ser John. Vai morrer, e agora mesmo!
— Queres matar-me para cobrir o teu crime. Mas não o conseguirás. Espero-te aqui?
— Estás a desafiar-me? Julgas-te mais corajoso do que eu?
— Tanto, pelo menos.
— Repito que te vi matar Nancy, e serei eu a fazer cumprir a justiça. Admirava essa rapariga...
— Talvez a admirasses demasiado, e o segredo deve estar nisso. Fizeste a corte a Nancy, e como ela te repelisse, decidiste matá-la. Que respondes?
— Maldito!... — bradou Buck. — Não quero ouvir-te mais...
Olhou em volta, desconfiado. Franziu a cara ao ver que o xerife o fitava pensativamente, enquanto Liberman lhe dizia qualquer coisa ao ouvido.
— Sim, Nancy disse-me que não queria noivo... mas tudo ficou por aí. Não seria capaz de a matar por isso. Nunca tinha havido nada entre nós. O assassino és tu, e hei-de matar-te por isso! Agora mesmo!
Empunhou o revólver, resoluto.
— Quieto, Buck... — disse Parrot. — Esse homem pertence à justiça, e só eu posso tomar decisões.
— Não! Hei-de matá-lo! É o assassino... — repetiu Buck, teimoso.
— Não poderás chegar à porta. John criva-te de balas.
A voz de John fez-se ouvir:
— Lutarei com ele, frente a frente. Vou abrir a porta, mas só Buck poderá entrar. Se é corajoso como diz, ele próprio fechará a porta depois de entrar.
— Assim farei!
Passaram-se uns momentos de expectativa. Depois todos ouviram John retirar a tranca da porta, abrindo-a
— Quieto, Buck!... — disse Parrot. — Não faças isso, ele mata-te!
— Entregar-lho-ei morto... — respondeu Buck, feroz.
Em quatro passadas atravessou o caminho. Não se deteve, empurrou violentamente a porta e entrou. Olhou para a escada, de ouvido atento. Depois voltou-se para fora. Com a mão esquerda, fez sinal aos outros para esperarem. E então, cumprindo a sua palavra, fechou a porta e repôs a tranca.
— Onde estás, assassino?
Não obteve resposta. Desconfiado, avançou na direção da escada. Pisou o primeiro degrau. Mas aí parou. Pensava que John o atacaria à traição.
— Não ouviste? Falaste em lutar corpo a corpo. Estou à espera!
O silêncio desorientava-o, enervava-o. Tinha perdido parte da decisão que, pouco antes, na rua, o fizera gritar. O silêncio no interior do silo perturbava-o profundamente, tirando-lhe o ânimo.
Teve um brusco pressentimento. Pareceu alongar as orelhas, como um animal selvagem que sente a presença do inimigo. Tinha ouvido a respiração ofegante de um homem. Lançou-se como um bólide sobre os sacos de farinha acumulados junto dos canos de descida dos cereais. Disparou ao mesmo tempo. Foi um ataque astucioso e feroz, em que Buck pusera todo o ódio que sentia pelo suposto assassino.
John estava realmente abrigado com os sacos. Mas não se moveu ante a chuva de balas que não conseguiam atravessar as suas defesas, que eram sólidas. Deixou que Buck se aproximasse. Quando o teve ao seu alcance, apareceu por detrás de um saco e segurou o vaqueiro, por um braço. Teria podido matá-lo naquele momento, metendo-lhe uma bala na cabeça. Mas em vez disso puxou-o para si e vibrou-lhe um tremendo soco na cara.
— Que supunhas, Buck?
John agarrou-o pelo peitilho da camisa, desarmou-o e atingiu-o com mais dois socos na cabeça. Buck caiu sobre a farinha que escorrera para o chão através dos buracos feitos nos sacos, pelas suas balas.
Quando se levantou tinha os olhos cheios de farinha e mal podia ver. John atacou-o com outra série de socos • que o deixaram completamente aturdido.
John estava cansado, e a venda improvisada, que pusera na perna ferida, encontrava-se vermelha de sangue. Apanhou o revólver, apontando-o ao seu inimigo. Buck era a imagem da derrota, com a cara pisada e uma orelha rasgada. Mal podia aguentar-se de pé.
— Sobe. Quero falar contigo, mas também quero vigiar os que estão lá fora. Convém vê-los de cima.
Buck rosnou entre dentes. Tremia de raiva, ao sentir-se vencido. Todo o seu ímpeto ficara reduzido a zero.
— Vamos, não percas tempo... — insistiu John, encostando-lhe a arma ao corpo.
Subiram. Em cima, John aproximou-se da janela enquanto Buck ficava atrás esperando a sua oportunidade. John mantinha-o em respeito, com o Cat. John olhou para baixo. Surpreendeu-se ao ouvir um galope. Eram vários cavaleiros que chegavam.
Olhou-os e voltou-se para Buck, com amarga ironia:
— Glondy chegou agora mesmo, Buck. Vem rezar por ti, talvez. Que há entre vocês?
—É minha noiva.
— Calculava isso. Bonita rapariga. Tenho pena dela. Que diria se te visse nesta situação, Buck?
— Ver-nos-á quando eu levar o teu cadáver.
— És um fanfarrão grotesco, mas estás perdido. Quem pode salvar-te? Os homens do xerife?
— Eu só.
— Sim, gostarias disso. Lembra-te do que fizeste a Nancy. Apresentar-te-ei como assassino!
— Inventa outra coisa. Essa ideia está gasta.
— Pensei muito na morte de Nancy. Julgas que não? Soube muitas coisas, também. Em Amarillo informaram-me de que tu e Nancy se tinham conhecido lá. Verdade?
Buck enrugou a testa, surpreendido. Apanhou um punhado e de trigo e pôs-se a passá-lo de uma das mãos para a outra.
— Não tenho necessidade de negar isso. Sim, conhecia-a em Amarillo.
— Pois não o disseste a ninguém, Buck. Porquê? Tenho a certeza de que não falaste nesse caso ao xerife.
— Porque razão havia de lho contar? Não interessava a ninguém.
— Decerto que interessava. A mim, pelo menos. Nancy fascinou-te. De boa vontade teria feito qualquer loucura por ela. É certo ou não?
— Não te interessa.
— Interessará ao xerife. Apesar de estar cercado pelos homens de Parrot, hei-de descobrir o criminoso. Hoje mesmo, antes da noite.
— Há cinco anos que todos sabem quem foi o criminoso: John Pistol.
— Talvez Buck, ou Sloan, ou Mirriat, ou Liberman. Ou Glondy.
Buck soltou uma gargalhada.
— Deliras. Não sabes o que dizes... Só te falta acusar o xerife Parrot.
— Poderia ser... mas é inverosímil... — disse John, calmo. — Citei apenas os suspeitos.
— Suspeitos inventados por ti, à maneira de um ilusionista, hem?
— Enganas-te. Já te disse que soube muitas coisas, nestes cinco anos, sobre as relações entre Nancy e alguns de vocês. Tu já confessaste tê-la conhecido em Amarillo.
— Não nego isso. Mas que relação pode haver entre Nancy e Glondy?
Johnny olhou de relance para Glondy, em baixo. A jovem envergava um trajo de montar, com um largo chapéu mexicano, e apontava para o silo, falando com Parrot. O perseguido ergueu distraidamente a arma, mas logo a baixou.
— Nancy não era uma rapariguinha totalmente limpa. Em Tulsa viu-se metida numa complicação que deixou rastros.
— Que foi?
— Que foi? Outra morte, a do chefe de uma tribo «comanche». O índio morreu e Nancy ficou com uma parcela de terreno onde havia petróleo. O caso não foi por diante, porque ninguém teve interesse em o esclarecer. Mas soube-se que tinha havido um crime, e que o criminoso fora uma mulher.
— Nancy?
— Talvez...
— Tolices.
— Pode ser. Tenho também uma vaga ideia de uma mestiça que vivia em Tulsa. Não tive relações com ela, mas creio lembrar-me de que se parecia com Glondy. Era neta do chefe assassinado.
— Agora entendo. Queres insinuar que Glondy pode ter assassinado Nancy por vingança. Não é isso?
É uma hipótese.
— Impossível! Glondy é mestiça, vê-se bem, de mãe «comanche» e pai mexicano... mas chegou a San Ângelo dois anos depois da morte de Nancy. Que te parece?
— Que pode ter estado antes em San Ângelo, sem despertar atenções.
Buck voltou a rir-se. Parecia divertido com os esforços de John para se defender da acusação de assassínio. Mas considerava absurdos esses esforços. Sem deixar de rir, aproximou-se da janela. Olhou para baixo, gritando:
— Xerife! Glondy! Este homem está doido! Diz que o assassino de Nancy se encontra entre Sloan, Mirriat, Liberman e eu... Ou que talvez fosses tu, Glondy! Está doido!
— Podes acrescentar Catey, e não feches a lista... — disse John.
Em baixo, houve quem risse. Outros entreolharam-se, com expressões de estranheza.
— Esta situação é inadmissível, John Pistol... — bradou o xerife. — Vamos que conseguiste vencer Buck. Que te propões agora?
— Encontrar o assassino.
— Vai para o inferno. O assassino és tu! Rende-te, ou derrubamos o silo!
— Mal andariam se o tentassem.
— Também ameaças, John?... — berrou Mirriat. —Toda a povoação está aqui, e não podes nada contra todos. Se Buck aí não estivesse, queimávamos-te lá dentro!
— Sim... — gritou Liberman, furioso. — Maldito sejas!
— Maldito sejas!... — repetiu Sloan.
Havia um clamor unânime contra John. Queriam a morte dele. Apenas Catey nada dizia. Glondy também não apoiava o projeto de Mirriat.
— Pensem em Buck... — disse. — Não entendo o que se passou com ele, deve ter sido atacado de surpresa.
Parrot avançou para o meio da rua. De cara ao sol, as suas feições endureciam ainda mais. Gravemente, bradou:
— Damos-te um prazo de três horas, John. Se até ao meio-dia não te entregares, arrasaremos o moinho.
Calou-se, sacudiu as mãos, meteu tabaco no cachimbo e voltou lentamente para onde estivera antes. Acendeu o cachimbo e pôs-se a caminhar de um lado para o outro, olhando interrogativamente por todos os que o acompanhavam.
Mirriat fez sinal a Sloan, que se aproximou dele. Ambos falaram em voz baixo. Pouco depois montaram a cavalo e afastaram-se. Mas não foram muito longe. Pouco adiante, por detrás de um grupo de casas, desmontaram e prenderam os cavalos. Então, tirando os laços pendentes das selas, voltaram ao silo, pelo lado de trás.
— Eu subirei primeiro, Sloan. Preciso agir rapidamente quando chegar à janela. Arrisco a vida.
— Sim, tudo depende da tua rapidez. Terás de te dobrar, para entrar. A janela é pequena.
— Tu, subirás atrás de mim. Garanto-te que encontrarás o caminho livre.
Mirriat viu que o xerife e os outros os observavam. Parrot fez um aceno negativo, contrariando a ideia, mas Mirriat respondeu com outro aceno, afirmativo. Por gestos, pediu que olhassem para outro lado, a fim de não denunciarem a escalada a John Pistol.
Mirriat atirou o laço na direção de uma pedra que sobressaía da construção. Fixou a corda, à primeira tentativa. Dobrando o corpo, de maneira a apoiar os pés na parede, subiu como um acrobata.
Quando alcançou a janela, poisou os joelhos no parapeito, agarrou-se do lado de dentro e saltou, largando o laço e empunhando o revólver. Abriu fogo contra John, que ripostou imediatamente.
Foi uma luta breve e alucinante. John moveu-se com espantosa rapidez. Viu que Buck tentava juntar-se ao outro, mas não lho permitiu. Lançou-se sobre ele e atingiu-o com um soco no queixo, de baixo para cima.
Ao cair, Buck bateu com a cabeça numa viga e ficou imóvel. Então John correu para Mirriat, colado à parede. Mas Mirriat saltou corajosamente para o meio da casa. Encontraram-se frente a frente, quase chocaram. John salvou-se pela sua espantosa rapidez de reflexos. Repetiu o ataque que o desembaraçara de Buck. A bala de Mirriat foi disparada para cima. Envolveram-se num combate brutal.
Era fantástico que John conseguisse dominar a dor que lhe causava ferida na perna, e apesar do sangue perdido pudesse lutar daquela maneira. Atingiu Mirriat com uma série de socos demolidores, a que o vaqueiro ripostou resolutamente. Rolaram pelo chão, partiram algumas vigas carcomidas, levantaram-se quase ao mesmo tempo. E, bruscamente, o vulto de Sloan apareceu na janela, empunhando o Colt.
— Chegou a tua hora, miserável!... — bradou Sloan, com raiva. — Morre!
John julgou-se perdido. A não ser que se desse um milagre, cairia sob as balas daqueles dois homens. Perdeu uma fração de segundo que podia ser fatal. Mirriat tinha tido tempo para recuperar a arma, e ia utilizá-la. Sloan sorria diabolicamente, com o dedo no gatilho. John esboçou um movimento para se lançar sobre Sloan.
— Deixa-o, Sloan... — gritou Mirriat. — Vou matá-lo agora!
John esperava o inevitável desenlace. Não tinha qualquer possibilidade de enfrentar os dois homens ao mesmo tempo. Ia ser atingido no peito e nas costas, mas tentaria alcançar Sloan.
— Morre!... — gritou Mirriat, a pouco mais de um metro de John.
Empolgado pela febre de matar, avançou um passo, firmando um pé sobre uma viga.... com tanto ímpeto que a viga cedeu. A bala perdeu-se no ar, ao mesmo tempo que outra viga, à qual a primeira servia de apoio, caiu sobre Mirriat. Uma pequena avalancha de pedras tombou sobre ele, tapando-o.
— Deus não me abandonou... — suspirou John.
Sloan tinha ficado petrificado pela cena. Se tivesse disparado naquele instante, John não poderia escapar. Mas ficou imóvel, e foi o perseguido quem se lançou sobre ele, agarrando-o. Forcejaram. Sloan, que não largara o Co/t, viu-se obrigado a agarrar-se com a mão esquerda ao rebordo superior da janela, para não se desequilibrar. John atingiu-o com um soco na cara. E Sloan caiu para trás, no espaço, soltando um grito de espanto.
— Oh!... — exclamou Glondy, tapando a cara com as mãos.
Parrot, vermelho de raiva, correu para a porta do silo, sem mais hesitações.
— Derrubemos a porta! Isto não pode continuar assim!... — berrou.
Havia então uns vinte homens em volta da construção, que acorreram imediatamente ao apelo do xerife. Lançaram-se contra a porta.
John Pistol debruçou-se da janela e abriu fogo. Mas, apesar da sua proverbial pontaria, não feriu ninguém. Não queria ferir.
— Não! Saiam daí!... — bradou o xerife. — Assim não podemos derrubar a porta. É preciso trazer uma viga pesada. Esse maldito há-de ver...
Afastaram-se do silo, disparando contra a janela. A voz de John fez-se ouvir, de dentro.
— Ainda não é meio-dia, xerife. Considero-o um homem de honra e confio na sua palavra. Deu-me três horas de tréguas. Antes que termine o prazo, encontrarei o culpado.
Parrot abanou a cabeça, respondendo:
— É intolerável que um homem enfrente toda uma povoação. Nunca aconteceu nada de semelhante, no Texas.
—É precisao — berrou Liberman.
Tirou o rifle do coldre da sela e começou a fazer fogo contra a janela alta. Logo depois, montando a cavalo, pôs-se a dar voltas ao silo, sem deixar de disparar. Uns dez cavaleiros o imitaram, repetindo uma tática usada pelos índios alguns anos antes. O xerife e Catey foram buscar Sloan, mas nada puderam fazer por ele. Estava morto.
— Bem, vou fazer o que John Pistol pediu. Esperemos até ao meio-dia... — disse Parrot. — Entretanto, traremos vigas para derrubar a porta.
Enquanto o xerife talava, Johnny não via os homens que estavam em baixo. Tinha outras coisas que fazer. Mirriat, com a cabeça rachada por duas das pedras que haviam caído sobre ele, estava a voltar a si e parecia disposto a lutar. John não lho consentiu. Dominava a situação. Apanhou os revólveres, carregou um deles e guardou o outro no cinturão. Apontou a arma para Mirriat.
— Escuta. Buck está a acordar, como eu esperava. Tenho interesse em falar com ambos. Encosta-te à parede, Mirriat. Tu também, Buck. Vou contar-lhes o que aconteceu enquanto estiveram a dormir...
Buck praguejou, esboçou um gesto de raiva... mas olhou para a arma que John empunhava, e obedeceu. Foi encostar-se à parede, ao lado de Mirriat.
— Bem, agora continuemos a falar de Nancy. Buck reconheceu que tinha gostado dela. Agora tu, Mirriat. Que motivo tinhas para querer matá-la?
Mirriat era um homem violento, muito diferente de Buck. Não podia estar quieto. Rosnava, gesticulando. As feições duras traíam o aventureiro com poucos escrúpulos.
— Quem julgas tu que és, John Pistol?... — perguntou, com desprezo. — Tiveste a sorte de dar com um xerife assustadiço, como Parrot. Outro não deixaria chegar as coisas a este ponto.
— Ele não pode fazer outra coisa. Compreende que eu só quero que seja feita justiça.
— És um cínico, John Pistol! No lugar de Parrot, eu teria incendiado o silo. O que acontece é inacreditável!
— Calma, Mirriat. Nunca fomos amigos, tu e eu. Sempre nos olhámos com hostilidade, e por isso te custa mais aceitar a situação. Responde à pergunta que te fiz!
— Não! És um criminoso, não um juiz!
— Nesse caso é possível que me veja na necessidade de disparar contra ti... — disse John, calmo. Segue o exemplo de Buck.
— Hum!... — fez Buck, coçando a cabeça. — Sim, Mirriat. Soube, em El Paso, que já uma vez tinhas ameaçado Nancy. E não por questão de amores, bem sabes.
— Não sei nada, estás a perder tempo. Responderia a um verdadeiro juiz, não a um assassino.
— Talvez consigas irritar-me, Mirriat. O tempo está a passar. Faltam pouco mais de duas horas. Fala! As últimas palavras haviam sido pronunciadas duramente.
— Não!
— Vou disparar...
— Será mais um crime. Sloan morreu em luta, mas a minha morte seria um assassínio.
— Tens razão. Bem, não te interessa colaborar para descobrir a verdade. Eu direi o que sei. Vai para o inferno!
— Encontrei em El Paso um dos tipos que foram teus cúmplices, nos teus tempos de ladrão de gado. Sim, não faças essa cara. Foste um ladrão de gado.
— Mentes! Tudo o que dizes é mentira!
— Cala-te e escuta. Nancy colaborou contigo, certa vez, comprando-te cavalos roubados. Mas pagou-te menos do que tinha prometido, e tu enfureceste-te. Por isso te desgostava que houvesse, em San Ângelo, alguém que conhecesse o teu passado.
Num impulso de raiva, Mirriat apanhou do chão um pesado martelo e lançou-o contra John. John esquivou a pancada e, ao ver que Mirriat avançava para ele, disparou.
— Para trás, patife! Estás enfurecido porque eu descobri que foste um gatuno. Não podes negar que o és. Para trás!
Mirriat recuou, lívido e assustado. Viu, de soslaio, que Buck o olhava com estranheza.'
— Ouvem-se coisas... — murmurou Buck. — Isto começa a interessar-me. E essa Nancy, ao que ouço, não era boa pessoa. Bonita de cara, mas não tanto de alma. O caso de Tulsa, o de San Ângelo...
Uf! Em Tulsa eu também estive envolvido em casos mais ou menos sujos... — disse John. — O dinheiro que lá ganhei não foi muito decente. Houve lutas e mortes para a posse dos terrenos que tinham petróleo. Era esse passado que eu queria esquecer quando vim para aqui. Mas confesso. Porque não fazes o mesmo, Mirriat?
— Nada tenho a confessar. E muito menos a um assassino.
— Repito que não matei Nancy, e que estou aqui exatamente para descobrir quem a matou.
— Devias tê-lo dito antes... — afirmou Buck.
— A tua fuga foi uma confissão de culpa.
— Tinha de fugir, porque me teriam levado para a forca. Os ânimos estavam muito excitados, então. De nada teria valido argumentar. Viste-me matar Nancy? Fala com sinceridade, Buck.
Creio que sim...
-- Recorda bem, Buck. Recorda exatamente. Viste--me disparar, ou não?
Buck hesitou. Voltou a coçar a cabeça, olhando alternadamente para Mirriat e para John.
— Não foi bem isso... Vi-te com o corpo dela nos braços, e então...
— Porque a mataram quando eu ia beijá-la. Não viste isso?
— Não. Corri quando ouvi um tiro, mas cheguei tarde.
— Creio que disparei para chamar a atenção de alguém. Tu estavas perto. Que fazias por ali?
— Espreitava... como as bisbilhoteiras de Trinity Street.
— Espreitavas? Não acredito. Isso não é coisa de homens, e tenho-te por homem.
— Confesso que Nancy me fascinava. Por isso fiquei irritado quando soube que ela ia ter contigo, naquela noite. Quis ver o que acontecia...
— Compreendo o teu estado de espírito. Agora pareces-me sincero. Teríamos adiantado muito se tivéssemos falado nessa ocasião, em vez de começarmos aos tiros...
— Talvez... — murmurou, olhando para Mirriat. —Continuas mudo, Mirriat?
— Dás atenção a um assassino, Buck.
— Então nega que ameaçaste Nancy.
— É o mesmo. Talvez a tivesse ameaçado. Não me lembro. Mas a verdade é que não a matei. Nessa noite estive a falar com Catey. Devia-me dinheiro, e fui recebê-lo.
— Catey?... — disse John. — Vamos chamá-lo. Mas não é muito de fiar.
Aproximou-se da janela, sem deixar de vigiar os dois de fiar. Aproximou-se da janela, sem deixar de vigiar os dois homens.
— Xerife, estou a seguir com as investigações. Buck confessou que se interessava por Nancy e que ficou irritado ao ver-me com ela... — disse. — Mirriat tinha-a ameaçado de morte. Agora preciso ouvir Catey. Está por aí?
Catey, que estava encolhido num portal, corou.
— Está aqui... — disse Parrot.
— Que suba. As palavras dele são de grande importância. Pode utilizar o laço. Não lhe farei mal.
Catey deixou escapar um brado de medo.
— Não! Não quero saber nada deste assunto.
— Não tenhas medo, homem. Sempre nos demos bem, lembra-te. Pensa que o tempo está a passar. Ajuda-me.
— Como? Posso falar sem sair daqui.
Era melhor que subisses.
— Não, não tenho nada que fazer aí... — teimou Catey, mais morte que vivo.
A cólera de Liberman explodiu. Disparou contra a janela, mas a bala perdeu-se. Berrou:
— Estamos fartos disto, John! Que estás a fazer? Um julgamento? Entrega-te, para seres julgado a valer!
O xerife interveio:
— Dei-lhe um prazo e cumprirei a minha palavra.
— Obrigado, Parrot... — disse John. — Esse Liberman é um demónio. Também sei coisas dele, que é preciso esclarecer. Talvez seja ele o criminoso.
— Vai para o inferno, imbecil!
A voz de Buck fez-se ouvir, dominando o ruído confuso de toda aquela gente:
Não acreditem. Liberman estava bêbedo, nessa noite. Eu tive de lhe dar umas bofetadas, e fechei-o na cavalariça... Mas Catey que suba.
— Não, não subirei... — disse Catey, tremendo. — Se não me tivesse metido onde não era chamado...
John compreendeu que não era possível fazer subir Catey.
— Está bem. Diz daí, então... Mirriat esteve contigo no saloon, na noite do crime?
— Que sei eu... — respondeu Catey, encolhendo os ombros. — Passaram-se cinco anos. Nem me lembro se eu próprio estive toda a noite atrás do balcão.
— Sim, não estiveste. Alguém te viu, nessa noite, seguir pelo caminho do rio.
Catey tremia tanto que parecia desconjuntar-se. Era um completo cobarde.
— É de endoidecer! Não me lembro se saí nessa noite! Não sei nada!
— O caminho do rio passa por detrás da minha casa. Não ouviste tiros?
— Não sei! Deixem-me em paz!... — e acrescentou, torcendo as mãos. — Juro que não fui eu o assassino... Juro!
O xerife tentou animá-lo:
— Ninguém te acusa. John só te perguntou se Mirriat esteve contigo nessa noite.
— Não sei... passou muito tempo... Não sei nada! Nada! –
Deu meia volta e fugiu, a correr, como um garoto. A sua gordura balofa saltitava.
— Não adiantas nada, John Pistol... — disse o xerife. — Não há vantagem em esperar o meio-dia. Entrega-te. Não serás enforcado sem julgamento.
— Prefiro esperar... — respondeu John. — Confio em você, mas não nos outros.
— Não adiantarás nada... a não ser irritar mais toda a gente.
— Havemos de matar-te!... — berrou Liberman. —Estás a acusar toda a gente, mas vamos matar-te! Andaste cinco anos a investigar? É ridículo. Também perguntaste às bisbilhoteiras de Trinity Street?
Ouviram a voz de John, calma:
— Não falei com elas, mas ouvi notícias que vinham de Trinity Street. Por isso penso em ti.
— Que te disseram?... — perguntou Liberman, com ar de troça. — Alguma tolice repugnante.
— Talvez sejam boatos, mas é preciso esclarecê-los. Gostaria que viesses aqui. Tens coragem?
— Achas que é preciso coragem para ir aí?
— Na opinião de Catey, é.
— Catey é um cobarde. Fugiu, cheio de medo. Comigo é outra coisa.
— Então sobes?
— Abre a porta e verás.
— Abri-la-ei. Buck e Mirriat vão descer também. Não podem ficar sós.
— Pões todas as vantagens do teu lado. Se és corajoso, guarda o Colt.
— Não. Lançar-se-iam sobre mim. Terei o revólver na mão. Quando acabar o prazo, entregar-me-ei. Está prometido.
— Bem, entrarei mas também de revólver em punho, como tu. Não te julgues mais valente do que eu. Não sou fanfarrão, apesar da alcunha que me puseram. Vou abrir a porta.
John, que continuava a manter Buck e Mirriat sob a ameaça da arma, ordenou-lhes que descessem, com um gesto. Buck obedeceu de boa vontade. Mas Mirriat, soprando de raiva, deu um passo na direção de John.
Não sejas tolo, Mirriat. Lamentaria que me obrigasses a disparar. Sabes bem que estou prestes a desembaraçar a meada.
— Sei apenas que és um assassino. Vieste a San Ângelo pensando que podias recuperar a tua casa, porque o crime estaria esquecido. Perdendo as ilusões, imaginaste esta farsa sem pés nem cabeça. Ainda não te convenceste de que ninguém te acreditará.
— Desce, e aconselho-te a que não abuses da minha paciência. És demasiadamente estúpido. Se eu não soubesse que um de vocês é o criminoso, não teria preparado tudo isto.
Encostou a arma ao estômago de Mirriat. O vaqueiro sentiu um arrepio, mas não se acobardou. Reagiu violentamente. John deteve-o com a mão armada, e com o outro punho bateu-lhe na cara. Mirriat escorregou no trigo e caiu pela escada, rolando sobre si mesmo. Buck teve de se desviar para não ser arrastado. Mirriat levantou-se, enfurecido, mas ficou quieto. John avisou-o:
— Deixar-me-ei prender quando acabar o meu trabalho. Não antes.
Tirou a tranca da porta e abriu-a de par em par, recuando. Esperou, firme, com uma expressão resoluta. Via os seus inimigos, na sua frente. O xerife franzia o sobrolho. Glondy parecia mergulhada nos seus pensamentos. Liberman afastou-se dos meus companheiro. Andava devagar, com os braços caídos, a mão direita junto do coldre.
— Esse rapaz John... — murmurou o xerife. — Tudo o que ele faz parece estranho. Mas é inteligente... e já não tenho a certeza de que ele cometesse o crime.
— Também penso assim... — disse Glondy, a meia voz.
A expectativa tornava-se novamente mais tensa. Enfrentavam-se dois homens, em circunstâncias singulares. Outros dois esperavam o desenlace, dentro da construção, e um deles estava disposto a intervir ao menor descuido do suposto criminoso. Um grupo numeroso estava à espera, também, do lado de fora, olhando interrogativamente para o xerife Parrot.
— Dei um prazo e cumprirei a minha palavra... —disse o xerife, fazendo sinal para que ninguém interviesse na cena que ia desenrolar-se. — Não dispares, Liberman. John Pistol também não o fará.
— Mas tem a arma na mão.
— Por causa dos outros. Não quero que corra mais sangue. Confio em John.
Liberman sabia o que tinha a fazer. Era homem de ação, não aceitaria o diálogo. Para ele, John merecia a morte. E a ocasião não podia ser melhor. Achava-se a curta distância da porta. Deu um largo passo em frente, fitando John. Este mantinha-se muito calmo, sem deixar de vigiar os seus dois prisioneiros.
— Agora é a minha vez. John Pistol!
A exclamação de Liberman foi seguida por um tiro. Voltou a disparar. John curvou-se, com uma expressão de dor.
— É nosso!... — berrou Mirriat.
Saltou bruscamente sobre John e caíram ambos, rolando pelo chão. Buck, surpreendido, abria os olhos, sem compreender. Liberman correu para dentro da construção, desejoso de voltar a disparar. Mas não pôde porque John conseguiu desembaraçar-se de Mirriat, socando-o. Logo a seguir desapareceu na escada, subindo os degraus a correr.
— Xerife!... — chamou Liberman. — John Pistol está ferido! Entrem.
Parrot não podia ficar simples espectador da luta. Se ordenasse aos outros que se detivessem, podia ter a certeza antecipada de que não seria obedecido. Teve de correr para dentro do silo, seguido pelos dezasseis homens que tinham ficado na rua. Só Glondy se deixou ficar onde estava.
Quando entraram, começaram a disparar. Buck e Mirriat também abriram fogo, tendo recuperando as suas armas. Subiram a escada, em grupo.
John Pistol alcançou o ponto mais alto do silo. Ofegava. Agora sentia-se prestes a desfalecer. Como resolver a situação? Não tinha outra solução senão a de se entregar. Mas talvez, num último esforço...
Em cima havia uma corda que pendia de uma viga. Içou-se, alcançando um pequeno espaço aberto logo abaixo da cobertura. Continuava a perder sangue. Escondeu-se num recanto, como um rato na toca. Viu surgiu, em baixo, o grupo chefiado por Parrot.
— Rende-te, John Pistol!... — bradou o xerife. John estremeceu.
Encontrava-se num sítio tão escuro que não podia ser visto pelos seus inimigos. Jogou a última carta:
— Um homem honrado não falta à sua palavra, xerife. Ainda não acabou o prazo que me deu.
— Não importa. Entrega-te! Que queres fazer agora?
— Descobrir o criminoso!
Os homens riram, com exceção de Buck.
— Fazes mal em troçar... — disse alguém. — Não acreditamos que Buck seja o culpado.
— Mirriat ou Liberman são os culpados... — insistiu John. — Talvez Liberman. É um cobarde e um traidor. Só um assassino faz o que ele fez.
— Para o inferno! O criminoso és tu!
— Cumpra a sua palavra. Que horas são?
— Onze.
— Tenho ainda uma hora.
— Com a corda ao pescoço, poucos minutos te restam... — disse Liberman.
— É o tempo bastante para que venham as mulheres de Trinity Street.
— As mulheres de Trinity Street?... — exclamaram várias vozes.
— Sim, xerife. Mande-as chamar, peço-lhe. As declarações delas são de grande importância.
— Impossível! Essas velhas falam de toda a gente. O seu testemunho não é válido.
— Traga-as, por favor... — pediu John. A sua voz era cada vez mais fraca. — Resta-me uma hora de esperança. Elas sabem quem foi o criminoso.
Parrot refletia, sentindo uma tremenda confusão no espírito.
— Tolices! — declarou Mirriat. — Se não se entregar dentro de cinco minutos, crivamo-lo de balas. Nós não o vemos, mas as balas hão-de encontrá-lo.
Era a opinião da maioria. Mas, para o xerife, pôde mais o dever de honrar a palavra dada. Disse:
— Está bem, John Pistol. Chamaremos as mulheres de Trinity Street.
— Escuta. Buck está a acordar, como eu esperava. Tenho interesse em falar com ambos. Encosta-te à parede, Mirriat. Tu também, Buck. Vou contar-lhes o que aconteceu enquanto estiveram a dormir...
Buck praguejou, esboçou um gesto de raiva... mas olhou para a arma que John empunhava, e obedeceu. Foi encostar-se à parede, ao lado de Mirriat.
— Bem, agora continuemos a falar de Nancy. Buck reconheceu que tinha gostado dela. Agora tu, Mirriat. Que motivo tinhas para querer matá-la?
Mirriat era um homem violento, muito diferente de Buck. Não podia estar quieto. Rosnava, gesticulando. As feições duras traíam o aventureiro com poucos escrúpulos.
— Quem julgas tu que és, John Pistol?... — perguntou, com desprezo. — Tiveste a sorte de dar com um xerife assustadiço, como Parrot. Outro não deixaria chegar as coisas a este ponto.
— Ele não pode fazer outra coisa. Compreende que eu só quero que seja feita justiça.
— És um cínico, John Pistol! No lugar de Parrot, eu teria incendiado o silo. O que acontece é inacreditável!
— Calma, Mirriat. Nunca fomos amigos, tu e eu. Sempre nos olhámos com hostilidade, e por isso te custa mais aceitar a situação. Responde à pergunta que te fiz!
— Não! És um criminoso, não um juiz!
— Nesse caso é possível que me veja na necessidade de disparar contra ti... — disse John, calmo. Segue o exemplo de Buck.
— Hum!... — fez Buck, coçando a cabeça. — Sim, Mirriat. Soube, em El Paso, que já uma vez tinhas ameaçado Nancy. E não por questão de amores, bem sabes.
— Não sei nada, estás a perder tempo. Responderia a um verdadeiro juiz, não a um assassino.
— Talvez consigas irritar-me, Mirriat. O tempo está a passar. Faltam pouco mais de duas horas. Fala! As últimas palavras haviam sido pronunciadas duramente.
— Não!
— Vou disparar...
— Será mais um crime. Sloan morreu em luta, mas a minha morte seria um assassínio.
— Tens razão. Bem, não te interessa colaborar para descobrir a verdade. Eu direi o que sei. Vai para o inferno!
— Encontrei em El Paso um dos tipos que foram teus cúmplices, nos teus tempos de ladrão de gado. Sim, não faças essa cara. Foste um ladrão de gado.
— Mentes! Tudo o que dizes é mentira!
— Cala-te e escuta. Nancy colaborou contigo, certa vez, comprando-te cavalos roubados. Mas pagou-te menos do que tinha prometido, e tu enfureceste-te. Por isso te desgostava que houvesse, em San Ângelo, alguém que conhecesse o teu passado.
Num impulso de raiva, Mirriat apanhou do chão um pesado martelo e lançou-o contra John. John esquivou a pancada e, ao ver que Mirriat avançava para ele, disparou.
— Para trás, patife! Estás enfurecido porque eu descobri que foste um gatuno. Não podes negar que o és. Para trás!
Mirriat recuou, lívido e assustado. Viu, de soslaio, que Buck o olhava com estranheza.'
— Ouvem-se coisas... — murmurou Buck. — Isto começa a interessar-me. E essa Nancy, ao que ouço, não era boa pessoa. Bonita de cara, mas não tanto de alma. O caso de Tulsa, o de San Ângelo...
Uf! Em Tulsa eu também estive envolvido em casos mais ou menos sujos... — disse John. — O dinheiro que lá ganhei não foi muito decente. Houve lutas e mortes para a posse dos terrenos que tinham petróleo. Era esse passado que eu queria esquecer quando vim para aqui. Mas confesso. Porque não fazes o mesmo, Mirriat?
— Nada tenho a confessar. E muito menos a um assassino.
— Repito que não matei Nancy, e que estou aqui exatamente para descobrir quem a matou.
— Devias tê-lo dito antes... — afirmou Buck.
— A tua fuga foi uma confissão de culpa.
— Tinha de fugir, porque me teriam levado para a forca. Os ânimos estavam muito excitados, então. De nada teria valido argumentar. Viste-me matar Nancy? Fala com sinceridade, Buck.
Creio que sim...
-- Recorda bem, Buck. Recorda exatamente. Viste--me disparar, ou não?
Buck hesitou. Voltou a coçar a cabeça, olhando alternadamente para Mirriat e para John.
— Não foi bem isso... Vi-te com o corpo dela nos braços, e então...
— Porque a mataram quando eu ia beijá-la. Não viste isso?
— Não. Corri quando ouvi um tiro, mas cheguei tarde.
— Creio que disparei para chamar a atenção de alguém. Tu estavas perto. Que fazias por ali?
— Espreitava... como as bisbilhoteiras de Trinity Street.
— Espreitavas? Não acredito. Isso não é coisa de homens, e tenho-te por homem.
— Confesso que Nancy me fascinava. Por isso fiquei irritado quando soube que ela ia ter contigo, naquela noite. Quis ver o que acontecia...
— Compreendo o teu estado de espírito. Agora pareces-me sincero. Teríamos adiantado muito se tivéssemos falado nessa ocasião, em vez de começarmos aos tiros...
— Talvez... — murmurou, olhando para Mirriat. —Continuas mudo, Mirriat?
— Dás atenção a um assassino, Buck.
— Então nega que ameaçaste Nancy.
— É o mesmo. Talvez a tivesse ameaçado. Não me lembro. Mas a verdade é que não a matei. Nessa noite estive a falar com Catey. Devia-me dinheiro, e fui recebê-lo.
— Catey?... — disse John. — Vamos chamá-lo. Mas não é muito de fiar.
Aproximou-se da janela, sem deixar de vigiar os dois de fiar. Aproximou-se da janela, sem deixar de vigiar os dois homens.
— Xerife, estou a seguir com as investigações. Buck confessou que se interessava por Nancy e que ficou irritado ao ver-me com ela... — disse. — Mirriat tinha-a ameaçado de morte. Agora preciso ouvir Catey. Está por aí?
Catey, que estava encolhido num portal, corou.
— Está aqui... — disse Parrot.
— Que suba. As palavras dele são de grande importância. Pode utilizar o laço. Não lhe farei mal.
Catey deixou escapar um brado de medo.
— Não! Não quero saber nada deste assunto.
— Não tenhas medo, homem. Sempre nos demos bem, lembra-te. Pensa que o tempo está a passar. Ajuda-me.
— Como? Posso falar sem sair daqui.
Era melhor que subisses.
— Não, não tenho nada que fazer aí... — teimou Catey, mais morte que vivo.
A cólera de Liberman explodiu. Disparou contra a janela, mas a bala perdeu-se. Berrou:
— Estamos fartos disto, John! Que estás a fazer? Um julgamento? Entrega-te, para seres julgado a valer!
O xerife interveio:
— Dei-lhe um prazo e cumprirei a minha palavra.
— Obrigado, Parrot... — disse John. — Esse Liberman é um demónio. Também sei coisas dele, que é preciso esclarecer. Talvez seja ele o criminoso.
— Vai para o inferno, imbecil!
A voz de Buck fez-se ouvir, dominando o ruído confuso de toda aquela gente:
Não acreditem. Liberman estava bêbedo, nessa noite. Eu tive de lhe dar umas bofetadas, e fechei-o na cavalariça... Mas Catey que suba.
— Não, não subirei... — disse Catey, tremendo. — Se não me tivesse metido onde não era chamado...
John compreendeu que não era possível fazer subir Catey.
— Está bem. Diz daí, então... Mirriat esteve contigo no saloon, na noite do crime?
— Que sei eu... — respondeu Catey, encolhendo os ombros. — Passaram-se cinco anos. Nem me lembro se eu próprio estive toda a noite atrás do balcão.
— Sim, não estiveste. Alguém te viu, nessa noite, seguir pelo caminho do rio.
Catey tremia tanto que parecia desconjuntar-se. Era um completo cobarde.
— É de endoidecer! Não me lembro se saí nessa noite! Não sei nada!
— O caminho do rio passa por detrás da minha casa. Não ouviste tiros?
— Não sei! Deixem-me em paz!... — e acrescentou, torcendo as mãos. — Juro que não fui eu o assassino... Juro!
O xerife tentou animá-lo:
— Ninguém te acusa. John só te perguntou se Mirriat esteve contigo nessa noite.
— Não sei... passou muito tempo... Não sei nada! Nada! –
Deu meia volta e fugiu, a correr, como um garoto. A sua gordura balofa saltitava.
— Não adiantas nada, John Pistol... — disse o xerife. — Não há vantagem em esperar o meio-dia. Entrega-te. Não serás enforcado sem julgamento.
— Prefiro esperar... — respondeu John. — Confio em você, mas não nos outros.
— Não adiantarás nada... a não ser irritar mais toda a gente.
— Havemos de matar-te!... — berrou Liberman. —Estás a acusar toda a gente, mas vamos matar-te! Andaste cinco anos a investigar? É ridículo. Também perguntaste às bisbilhoteiras de Trinity Street?
Ouviram a voz de John, calma:
— Não falei com elas, mas ouvi notícias que vinham de Trinity Street. Por isso penso em ti.
— Que te disseram?... — perguntou Liberman, com ar de troça. — Alguma tolice repugnante.
— Talvez sejam boatos, mas é preciso esclarecê-los. Gostaria que viesses aqui. Tens coragem?
— Achas que é preciso coragem para ir aí?
— Na opinião de Catey, é.
— Catey é um cobarde. Fugiu, cheio de medo. Comigo é outra coisa.
— Então sobes?
— Abre a porta e verás.
— Abri-la-ei. Buck e Mirriat vão descer também. Não podem ficar sós.
— Pões todas as vantagens do teu lado. Se és corajoso, guarda o Colt.
— Não. Lançar-se-iam sobre mim. Terei o revólver na mão. Quando acabar o prazo, entregar-me-ei. Está prometido.
— Bem, entrarei mas também de revólver em punho, como tu. Não te julgues mais valente do que eu. Não sou fanfarrão, apesar da alcunha que me puseram. Vou abrir a porta.
John, que continuava a manter Buck e Mirriat sob a ameaça da arma, ordenou-lhes que descessem, com um gesto. Buck obedeceu de boa vontade. Mas Mirriat, soprando de raiva, deu um passo na direção de John.
Não sejas tolo, Mirriat. Lamentaria que me obrigasses a disparar. Sabes bem que estou prestes a desembaraçar a meada.
— Sei apenas que és um assassino. Vieste a San Ângelo pensando que podias recuperar a tua casa, porque o crime estaria esquecido. Perdendo as ilusões, imaginaste esta farsa sem pés nem cabeça. Ainda não te convenceste de que ninguém te acreditará.
— Desce, e aconselho-te a que não abuses da minha paciência. És demasiadamente estúpido. Se eu não soubesse que um de vocês é o criminoso, não teria preparado tudo isto.
Encostou a arma ao estômago de Mirriat. O vaqueiro sentiu um arrepio, mas não se acobardou. Reagiu violentamente. John deteve-o com a mão armada, e com o outro punho bateu-lhe na cara. Mirriat escorregou no trigo e caiu pela escada, rolando sobre si mesmo. Buck teve de se desviar para não ser arrastado. Mirriat levantou-se, enfurecido, mas ficou quieto. John avisou-o:
— Deixar-me-ei prender quando acabar o meu trabalho. Não antes.
Tirou a tranca da porta e abriu-a de par em par, recuando. Esperou, firme, com uma expressão resoluta. Via os seus inimigos, na sua frente. O xerife franzia o sobrolho. Glondy parecia mergulhada nos seus pensamentos. Liberman afastou-se dos meus companheiro. Andava devagar, com os braços caídos, a mão direita junto do coldre.
— Esse rapaz John... — murmurou o xerife. — Tudo o que ele faz parece estranho. Mas é inteligente... e já não tenho a certeza de que ele cometesse o crime.
— Também penso assim... — disse Glondy, a meia voz.
A expectativa tornava-se novamente mais tensa. Enfrentavam-se dois homens, em circunstâncias singulares. Outros dois esperavam o desenlace, dentro da construção, e um deles estava disposto a intervir ao menor descuido do suposto criminoso. Um grupo numeroso estava à espera, também, do lado de fora, olhando interrogativamente para o xerife Parrot.
— Dei um prazo e cumprirei a minha palavra... —disse o xerife, fazendo sinal para que ninguém interviesse na cena que ia desenrolar-se. — Não dispares, Liberman. John Pistol também não o fará.
— Mas tem a arma na mão.
— Por causa dos outros. Não quero que corra mais sangue. Confio em John.
Liberman sabia o que tinha a fazer. Era homem de ação, não aceitaria o diálogo. Para ele, John merecia a morte. E a ocasião não podia ser melhor. Achava-se a curta distância da porta. Deu um largo passo em frente, fitando John. Este mantinha-se muito calmo, sem deixar de vigiar os seus dois prisioneiros.
— Agora é a minha vez. John Pistol!
A exclamação de Liberman foi seguida por um tiro. Voltou a disparar. John curvou-se, com uma expressão de dor.
— É nosso!... — berrou Mirriat.
Saltou bruscamente sobre John e caíram ambos, rolando pelo chão. Buck, surpreendido, abria os olhos, sem compreender. Liberman correu para dentro da construção, desejoso de voltar a disparar. Mas não pôde porque John conseguiu desembaraçar-se de Mirriat, socando-o. Logo a seguir desapareceu na escada, subindo os degraus a correr.
— Xerife!... — chamou Liberman. — John Pistol está ferido! Entrem.
Parrot não podia ficar simples espectador da luta. Se ordenasse aos outros que se detivessem, podia ter a certeza antecipada de que não seria obedecido. Teve de correr para dentro do silo, seguido pelos dezasseis homens que tinham ficado na rua. Só Glondy se deixou ficar onde estava.
Quando entraram, começaram a disparar. Buck e Mirriat também abriram fogo, tendo recuperando as suas armas. Subiram a escada, em grupo.
John Pistol alcançou o ponto mais alto do silo. Ofegava. Agora sentia-se prestes a desfalecer. Como resolver a situação? Não tinha outra solução senão a de se entregar. Mas talvez, num último esforço...
Em cima havia uma corda que pendia de uma viga. Içou-se, alcançando um pequeno espaço aberto logo abaixo da cobertura. Continuava a perder sangue. Escondeu-se num recanto, como um rato na toca. Viu surgiu, em baixo, o grupo chefiado por Parrot.
— Rende-te, John Pistol!... — bradou o xerife. John estremeceu.
Encontrava-se num sítio tão escuro que não podia ser visto pelos seus inimigos. Jogou a última carta:
— Um homem honrado não falta à sua palavra, xerife. Ainda não acabou o prazo que me deu.
— Não importa. Entrega-te! Que queres fazer agora?
— Descobrir o criminoso!
Os homens riram, com exceção de Buck.
— Fazes mal em troçar... — disse alguém. — Não acreditamos que Buck seja o culpado.
— Mirriat ou Liberman são os culpados... — insistiu John. — Talvez Liberman. É um cobarde e um traidor. Só um assassino faz o que ele fez.
— Para o inferno! O criminoso és tu!
— Cumpra a sua palavra. Que horas são?
— Onze.
— Tenho ainda uma hora.
— Com a corda ao pescoço, poucos minutos te restam... — disse Liberman.
— É o tempo bastante para que venham as mulheres de Trinity Street.
— As mulheres de Trinity Street?... — exclamaram várias vozes.
— Sim, xerife. Mande-as chamar, peço-lhe. As declarações delas são de grande importância.
— Impossível! Essas velhas falam de toda a gente. O seu testemunho não é válido.
— Traga-as, por favor... — pediu John. A sua voz era cada vez mais fraca. — Resta-me uma hora de esperança. Elas sabem quem foi o criminoso.
Parrot refletia, sentindo uma tremenda confusão no espírito.
— Tolices! — declarou Mirriat. — Se não se entregar dentro de cinco minutos, crivamo-lo de balas. Nós não o vemos, mas as balas hão-de encontrá-lo.
Era a opinião da maioria. Mas, para o xerife, pôde mais o dever de honrar a palavra dada. Disse:
— Está bem, John Pistol. Chamaremos as mulheres de Trinity Street.
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