John Frey estava a dormir quando ouviu baterem-lhe à porta. Abriu os olhos, mas voltou a fechá-los. Doía-lhe a cabeça, como de costume. Na noite anterior bebera mais do que o aconselhável. Mas as pancadas aumentaram tanto que não teve outro remédio senão fazer um esforço e levantar-se.
— Já vou! Já vou! — resmungou.
A voz de Madge Sidway gritava-lhe de fora:
— John! Depressa! Abre!
Vestiu desajeitadamente as calças e foi abrir, em camisola e sem botas. A rapariga entrou como um ciclone.
— John, arranja-te que trazem um ferido!
Frey olhou-a com os olhos piscos. Não percebia muito bem, e estava ensonado.
— Que o levem outra vez — redarguiu. — Eu não sou médico. Mas ela segurou-o por ambos os braços e sacudiu-o.
— Não digas tolices, John. Tens de o tratar. Vem o xerife e meia povoação com ele. Ontem à noite assaltaram o Banco.
Frey exclamou:
— Ah! Sim?... E que tenho eu a ver com isso ? Não pretendem acusar-me, pois não?
— Pelo amor de Deus! — desesperou-se ela, indo atrás de Frey. — O homem que te trazem é um dos assaltantes. Creio que o chefe deles. Levaram quinze mil dólares.
— Fizeram bem.
— Não se pode falar contigo! Não compreendes ? A única esperança de recuperar o dinheiro é fazer falar esse homem. E ele está a morrer.
— Por que não o levam ao eminente doutor Griffith?
— Porque não está na povoação. Foi assistir à senhora Thorne, que vai ter um filho. Só voltará amanhã à tarde.
John Frey estava a vestir a camisa. Interrompeu uns segundos a tarefa de abotoar o colarinho e olhou zombeteiramente para Madge.
— Quer dizer — observou — são obrigados a recorrer a mim.
Ela estava sufocada. Parecia não saber que fazer com as mãos.
— Escuta, John. Sei o que vais dizer. Sei que não pode ser muito agradável para ti aceitar aquilo, depois de te desprezarem tanto e de ninguém da povoação vir ao teu consultório desde que chegou o doutor Griffith. Compreendo que sintas vontade de te vingar agora, negando-te a tratar esse homem... Mas há mais alguma coisa!
— O quê?
— Tu, John. Estás na última, não negues. Estás desesperado e cada dia bebes mais. Acabarás por ser...
— Um alcoólico. Não te importes de o dizer.
Ela aproximou-se dele. Os seus olhos brilharam muito.
— Eu sei que és um bom médico — disse-lhe. — Sei também porque bebes e porque perdeste a confiança em ti mesmo. Porque isso é a coisa que tens.
Frey sentou-se na cama e começou a calçar as botas.
— Não se pode ter confiança em quem não a merece, Madge — murmurou abatido. — Esta é a única razão.
Mas a rapariga não era do mesmo parecer. Com mais excitação do que antes, protestou:
— Não é verdade! Queres que to diga? Nunca te falei nisso, porque calculei que seria doloroso par ti, mas agora é preciso. Sei porque estás vencido, John. Operaste a tua mulher e morreu. E também não pudeste salvar a criança.
Disse isto como que a medo. Frey ficou imóvel e calado. Os seus olhos pareciam fitar um ponto distante. Pusera-se pálido. Ela esperava, anelante, a sua reação. Por fim, o médico pôs-se lentamente em pé e disse, com voz rouca:
— Quem te contou?
Madge respondeu:
— Há tempo que o sei. Pouco depois de chegares à povoação, veio a minha casa um homem que te conhecia e disse-mo.
Frey abanou a cabeça. O seu rosto estava contraído numa careta dolorosa.
—É verdade — confessou por fim. — Mas isso não quer dizer...
— Isso quer dizer tudo, John. Amava-la muito, não é verdade?
Como ele assentisse, Madge acrescentou:
— Sei que deixaste o hospital onde trabalhavas, em Santa Fé, e que vieste para aqui. Começaste a beber e perdeste a segurança nas mãos. Perdeste a confiança em ti mesmo, John!
— Talvez.
— Claro que sim! Toda a gente notou isso. Enganas-te nos diagnósticos porque a tua cabeça está sempre noutro lado, e as mãos atraiçoam-te quando tens de operar. Ninguém tem confiança em ti. Chamam-te... «Doutor Uísque».
Houve uma expressão de protesto no rosto sério de Frey, mas manteve-se silencioso. Madge colocou-se diante dele e olhou-o fixamente nos olhos.
— John — murmurou —, esta é a tua oportunidade. Tens de lhes demonstrar, e de demonstrar também a ti próprio, que continuas a ser um bom médico! Prova que o caso da tua mulher foi... uma infelicidade que não pudeste evitar e que ninguém teria evitado!
— Podia-se evitar! — gritou ele. — Mas tive medo. Ouves? Tive medo de a operar e bebi... Matei-a eu!
— Não digas isso!
— Porque não o hei-de dizer, se é verdade?
Madge correu a segurá-lo por ambos os braços.
— Não é verdade, John! E tens de o provar! Aceita tratar esse homem!
Ouvia-se ruído lá fora. A rapariga correu para a janela e viu que um numeroso grupo de homens, à frente dos quais vinha o xerife Daniels, se dirigia para a casa. Virou-se para John Frey, com os olhos angustiados.
— Tens de o tratar! — suplicou. — Talvez não voltes a ter outra oportunidade. Não a desperdices, John!
A porta ficara aberta e, por isso, BIll Daniels entrou sem bater. Parou um tanto surpreendido ao ver Madge ali.
Frey acabou de se pentear diante do espelho e virou-se para o recém-chegado.
—Bons-dias, xerife. Alguma novidade?
Daniels teve a impressão de que o médico já estava informado, e a atitude nervosa da rapariga fê-lo suspeitar a verdade: que o viera prevenir. Conhecia a amizade que ela dedicava àquele homem arruinado. Por isso, disse:
— Trago-lhe um doente. Já sabe do que se trata?
— Disseram-me qualquer coisa — confessou Frey.
— Está muito mal. Deve ter perdido muito sangue. Quase não se lhe sente o pulso. Não o quero enganar, doutor; trago-lho porque o doutor Griffith não está na povoação e tenho urgência de o tentar salvar. Aceita tratá-lo?
— Não é muito agradável essa explicação — murmurou Frey, procurando aparentar uma calma que não sentia.
Daniels disse-lhe:
— Gosto de dizer a verdade. Por isso mesmo lhe declaro que não tenho nenhuma esperança que você o salve. Mas a sua vida pode valer quinze mil dólares para a povoação e temos de nos arriscar.
John Frey hesitava. Olhou para o xerife, depois para Madge e dirigiu-se para a janela. Lá fora, o grupo de homens esperava noticias. Dois deles traziam uma maca com o pálido e inconsciente Dick Duff. Madge aproximou-se dele e pegou-lhe, em silêncio, num braço. Os seus olhos suplicavam-lhe fervorosamente.
— Arranja a cama, Madge. Vamos tratá-lo.
Os olhos da rapariga iluminaram-se.
— Sim... vou já — disse.
E apressou-se a cumprir a ordem. Frey aproximou-se do xerife.
— Diga aos seus homens que o tragam.
Bill Daniels não fez nenhum comentário. Dirigiu-se para a porta e ordenou aos da maca que trouxessem o ferido. Num momento, deitaram-no na cama do médico. Este examinou-o rapidamente, perante a expectativa de todos, que se aglomeravam à volta do leito. Quando levantou a cabeça anunciou:
— Preciso de um voluntário que esteja disposto a dar sangue.
Aquilo não agradou a ninguém. Mas como o caso urgia, o maior depositante do Banco resolveu oferecer-se. Frey virou-se para o xerife e disse-lhe:
— Bem, este homem que fique aqui. E Madge, para me ajudar. Os outros podem sair; não quero curiosos.
Bill Daniels fez um sinal com a cabeça, a todos, para que saíssem. Um deles resmungou:
— Poderá salvá-lo?
— Quem sabe! — redarguiu Frey, com ironia. — Com o «Doutor Uísque» nunca se pode ter a certeza de nada.
Isto causou um estranho mal-estar no grupo, e todos se apressaram a dirigir-se para a porta, sem abrirem a boca. O xerife também saiu. Só disse:
— Se recuperar os sentidos, avise-me imediatamente.
— Muito bem.
O próprio Frey se encarregou de fechar a porta à chave. Depois, virou-se para o dador de sangue, que estava intranquilo:
— Dispa o casaco e a camisa — disse-lhe. E a Madge: — Acende um fogão e põe muita água a ferver. Vamos precisar dela.
Ela dirigiu-lhe um sorriso de encorajamento.
— Sim, John. E verás que tudo correrá bem.
Frey assentiu com a cabeça, embora sem muito entusiasmo.
— Já vou! Já vou! — resmungou.
A voz de Madge Sidway gritava-lhe de fora:
— John! Depressa! Abre!
Vestiu desajeitadamente as calças e foi abrir, em camisola e sem botas. A rapariga entrou como um ciclone.
— John, arranja-te que trazem um ferido!
Frey olhou-a com os olhos piscos. Não percebia muito bem, e estava ensonado.
— Que o levem outra vez — redarguiu. — Eu não sou médico. Mas ela segurou-o por ambos os braços e sacudiu-o.
— Não digas tolices, John. Tens de o tratar. Vem o xerife e meia povoação com ele. Ontem à noite assaltaram o Banco.
Frey exclamou:
— Ah! Sim?... E que tenho eu a ver com isso ? Não pretendem acusar-me, pois não?
— Pelo amor de Deus! — desesperou-se ela, indo atrás de Frey. — O homem que te trazem é um dos assaltantes. Creio que o chefe deles. Levaram quinze mil dólares.
— Fizeram bem.
— Não se pode falar contigo! Não compreendes ? A única esperança de recuperar o dinheiro é fazer falar esse homem. E ele está a morrer.
— Por que não o levam ao eminente doutor Griffith?
— Porque não está na povoação. Foi assistir à senhora Thorne, que vai ter um filho. Só voltará amanhã à tarde.
John Frey estava a vestir a camisa. Interrompeu uns segundos a tarefa de abotoar o colarinho e olhou zombeteiramente para Madge.
— Quer dizer — observou — são obrigados a recorrer a mim.
Ela estava sufocada. Parecia não saber que fazer com as mãos.
— Escuta, John. Sei o que vais dizer. Sei que não pode ser muito agradável para ti aceitar aquilo, depois de te desprezarem tanto e de ninguém da povoação vir ao teu consultório desde que chegou o doutor Griffith. Compreendo que sintas vontade de te vingar agora, negando-te a tratar esse homem... Mas há mais alguma coisa!
— O quê?
— Tu, John. Estás na última, não negues. Estás desesperado e cada dia bebes mais. Acabarás por ser...
— Um alcoólico. Não te importes de o dizer.
Ela aproximou-se dele. Os seus olhos brilharam muito.
— Eu sei que és um bom médico — disse-lhe. — Sei também porque bebes e porque perdeste a confiança em ti mesmo. Porque isso é a coisa que tens.
Frey sentou-se na cama e começou a calçar as botas.
— Não se pode ter confiança em quem não a merece, Madge — murmurou abatido. — Esta é a única razão.
Mas a rapariga não era do mesmo parecer. Com mais excitação do que antes, protestou:
— Não é verdade! Queres que to diga? Nunca te falei nisso, porque calculei que seria doloroso par ti, mas agora é preciso. Sei porque estás vencido, John. Operaste a tua mulher e morreu. E também não pudeste salvar a criança.
Disse isto como que a medo. Frey ficou imóvel e calado. Os seus olhos pareciam fitar um ponto distante. Pusera-se pálido. Ela esperava, anelante, a sua reação. Por fim, o médico pôs-se lentamente em pé e disse, com voz rouca:
— Quem te contou?
Madge respondeu:
— Há tempo que o sei. Pouco depois de chegares à povoação, veio a minha casa um homem que te conhecia e disse-mo.
Frey abanou a cabeça. O seu rosto estava contraído numa careta dolorosa.
—É verdade — confessou por fim. — Mas isso não quer dizer...
— Isso quer dizer tudo, John. Amava-la muito, não é verdade?
Como ele assentisse, Madge acrescentou:
— Sei que deixaste o hospital onde trabalhavas, em Santa Fé, e que vieste para aqui. Começaste a beber e perdeste a segurança nas mãos. Perdeste a confiança em ti mesmo, John!
— Talvez.
— Claro que sim! Toda a gente notou isso. Enganas-te nos diagnósticos porque a tua cabeça está sempre noutro lado, e as mãos atraiçoam-te quando tens de operar. Ninguém tem confiança em ti. Chamam-te... «Doutor Uísque».
Houve uma expressão de protesto no rosto sério de Frey, mas manteve-se silencioso. Madge colocou-se diante dele e olhou-o fixamente nos olhos.
— John — murmurou —, esta é a tua oportunidade. Tens de lhes demonstrar, e de demonstrar também a ti próprio, que continuas a ser um bom médico! Prova que o caso da tua mulher foi... uma infelicidade que não pudeste evitar e que ninguém teria evitado!
— Podia-se evitar! — gritou ele. — Mas tive medo. Ouves? Tive medo de a operar e bebi... Matei-a eu!
— Não digas isso!
— Porque não o hei-de dizer, se é verdade?
Madge correu a segurá-lo por ambos os braços.
— Não é verdade, John! E tens de o provar! Aceita tratar esse homem!
Ouvia-se ruído lá fora. A rapariga correu para a janela e viu que um numeroso grupo de homens, à frente dos quais vinha o xerife Daniels, se dirigia para a casa. Virou-se para John Frey, com os olhos angustiados.
— Tens de o tratar! — suplicou. — Talvez não voltes a ter outra oportunidade. Não a desperdices, John!
A porta ficara aberta e, por isso, BIll Daniels entrou sem bater. Parou um tanto surpreendido ao ver Madge ali.
Frey acabou de se pentear diante do espelho e virou-se para o recém-chegado.
—Bons-dias, xerife. Alguma novidade?
Daniels teve a impressão de que o médico já estava informado, e a atitude nervosa da rapariga fê-lo suspeitar a verdade: que o viera prevenir. Conhecia a amizade que ela dedicava àquele homem arruinado. Por isso, disse:
— Trago-lhe um doente. Já sabe do que se trata?
— Disseram-me qualquer coisa — confessou Frey.
— Está muito mal. Deve ter perdido muito sangue. Quase não se lhe sente o pulso. Não o quero enganar, doutor; trago-lho porque o doutor Griffith não está na povoação e tenho urgência de o tentar salvar. Aceita tratá-lo?
— Não é muito agradável essa explicação — murmurou Frey, procurando aparentar uma calma que não sentia.
Daniels disse-lhe:
— Gosto de dizer a verdade. Por isso mesmo lhe declaro que não tenho nenhuma esperança que você o salve. Mas a sua vida pode valer quinze mil dólares para a povoação e temos de nos arriscar.
John Frey hesitava. Olhou para o xerife, depois para Madge e dirigiu-se para a janela. Lá fora, o grupo de homens esperava noticias. Dois deles traziam uma maca com o pálido e inconsciente Dick Duff. Madge aproximou-se dele e pegou-lhe, em silêncio, num braço. Os seus olhos suplicavam-lhe fervorosamente.
— Arranja a cama, Madge. Vamos tratá-lo.
Os olhos da rapariga iluminaram-se.
— Sim... vou já — disse.
E apressou-se a cumprir a ordem. Frey aproximou-se do xerife.
— Diga aos seus homens que o tragam.
Bill Daniels não fez nenhum comentário. Dirigiu-se para a porta e ordenou aos da maca que trouxessem o ferido. Num momento, deitaram-no na cama do médico. Este examinou-o rapidamente, perante a expectativa de todos, que se aglomeravam à volta do leito. Quando levantou a cabeça anunciou:
— Preciso de um voluntário que esteja disposto a dar sangue.
Aquilo não agradou a ninguém. Mas como o caso urgia, o maior depositante do Banco resolveu oferecer-se. Frey virou-se para o xerife e disse-lhe:
— Bem, este homem que fique aqui. E Madge, para me ajudar. Os outros podem sair; não quero curiosos.
Bill Daniels fez um sinal com a cabeça, a todos, para que saíssem. Um deles resmungou:
— Poderá salvá-lo?
— Quem sabe! — redarguiu Frey, com ironia. — Com o «Doutor Uísque» nunca se pode ter a certeza de nada.
Isto causou um estranho mal-estar no grupo, e todos se apressaram a dirigir-se para a porta, sem abrirem a boca. O xerife também saiu. Só disse:
— Se recuperar os sentidos, avise-me imediatamente.
— Muito bem.
O próprio Frey se encarregou de fechar a porta à chave. Depois, virou-se para o dador de sangue, que estava intranquilo:
— Dispa o casaco e a camisa — disse-lhe. E a Madge: — Acende um fogão e põe muita água a ferver. Vamos precisar dela.
Ela dirigiu-lhe um sorriso de encorajamento.
— Sim, John. E verás que tudo correrá bem.
Frey assentiu com a cabeça, embora sem muito entusiasmo.
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