quarta-feira, 20 de junho de 2018

BUF167.06 Reencontro indesejado

Em Tucson, um indivíduo como Jim Galluro podia viver tranquilamente, porque Tucson era outra cidade sem lei, outra cidade fronteiriça.
Jim Galluro era um jovem alto, tão alegre quanto o irmão fora melancólico. Muita gente o saudava, ao passar pelas ruas. Caminhava rapidamente, com ar sorridente.
Ao chegar à entrada do hotel «Santa Cruz», empurrou a porta envidraçada e entrou no estabelecimento. Em três ou quatro saltos, alcançou o primeiro andar, em cujo corredor parou, para bater à porta de um quarto.
— Entra, Tília — responderam-lhe dentro.
Jim entrou no quarto, sorrindo para a formosa jovem que, diante do espelho do toucador, penteava os longos cabelos.
— Já o temos, Carmen! Encontrei o homem indicado. Dentro de pouco tempo, disporemos de todo o dinheiro de que necessitamos!
Carmen voltou-se, risonha. Era realmente preciosa. Os seus olhos enormes tinham uma vivacidade extraordinária.
— Precisamos de muito, Jim! — retorquiu.
— Nada receies, que tudo sairá bem. Trata-se do filho do diretor do Banco, um rapaz educado, amável para toda a gente. Como não há-de ser amável contigo!...
Carmen levantou-se. Jim abraçou-a, beijando-a nos lábios. Como ele se mostrasse demasiadamente apaixonado, a jovem repeliu-o com firmeza, dizendo:
— Não, Jim. Bem sabes como sinto e penso. Deixa as ternuras para quando estivermos casados.
— Casar-nos-emos muito brevemente. Mas tu és muito...
Carmen interrompeu-o, altivamente:
— Muito honesta, não?! Sim, Jim, admito que não sou como as raparigas que conheceste até hoje e sinto-me muito feliz por não o ser!
Jim sorriu, contente.
— Também eu! Por isso me vou casar contigo, Carmen. Sou o homem que te salvou a vida e te vai fazer rica... com a ajuda desse jovem chamado Robert Joyce.
Carmen Rode voltou para o toucador, para acabar de se arranjar. Pouco depois, voltou-se para o companheiro e perguntou-lhe, sorridente:
— Que te parece?
Com uma gargalhada feliz, Jim respondeu:
— Parece-me que acabarás por me enlouquecer! Joyce teria de ser de pedra, para não te cair aos pés! Lembras-te do que deves fazer ?
— Sim. Dá-me o dinheiro.
Jim entregou-lhe algumas notas, comentando, com um suspiro:
— Espero que se multipliquem, Carmen. Precisamos de muito dinheiro!
A jovem guardou o dinheiro numa carteira de pele. Depois, com passo decidido, saiu do quarto e do hotel.
Jim Galluro seguiu-a, a certa distância. Carmen sabia onde ficava o Banco. Dirigiu-se para lá e empurrou a porta envidraçada, fazendo soar uma campainha. Abarcando, num olhar rápido, o interior, pensou: «Isto mais parece uma loja de terceira categoria do que um banco... No entanto, se aqui há dinheiro, pouco importam as aparências!»
Deparou-se-lhes um balcão, para lá do qual trabalhavam cinco homens, inclinados sobre os enormes livros da contabilidade.
Carmen aproximou-se do balcão. Um dos empregados levantou a cabeça e, ao vê-la, não pôde exprimir um gesto de admiração, levantando-se. Era jovem e, pelas indicações que recebera, Carmen teve a certeza de que se tratava do Joyce que procurava.
O jovem apressou-se a acercar-se dela, perguntando--lhe, obsequioso:
— Que deseja, senhorita?
Carmen sorriu, antes de responder:
— Quero falar com o senhor Robert Joyce.
Quase sufocado de emoção, Robert replicou:
— Mas... sou eu.
— Ótimo! Uma amiga minha disse-me que o senhor era uma pessoa muito amável e que me ajudaria. Vim viver para Tucson e quero abrir uma conta bancária. De momento, disponho apenas de alguns dólares, mas estou à espera de que o meu pai me envie fundos. Estou só e... bem vê... uma mulher sozinha...
Robert Joyce apanhou rapidamente alguns impressos, ao mesmo tempo que murmurava: — Permita-me que me ocupe de tudo, menina...
— Rode. Chamo-me Carmen Rode.
Sorridente, Robert preencheu a papelada necessária e recolheu o dinheiro que Galluro dera à jovem, perguntando:
— Como se chama essa sua amiga que... ?
— Mary — respondeu Carmen. Para não ser forçada a entrar em pormenores, continuou a falar: — Ando à procura de um bom local para montar um «atelier», visto que sou modista, e penso estabelecer-me em Tucson. O meu pai não queria que eu viesse só, mas acabei por convencê-lo. Reconheço, porém, que ele tinha razão. Não conheço ninguém e receio que me enganem... Os homens de Tucson são muito insolentes. A verdade é que há dois dias que estou no hotel, sem me atrever a sair à rua, para procurar casa. Assusta-me esta gente...
Robert entregou-lhe o documento de crédito relativo ao dinheiro depositado e disse, com certa timidez:
— Isso é verdade, senhorita Rode. A gente daqui é um tanto... entusiástica, digamos assim. Seria melhor que alguém a acompanhasse. Alguém que conhecesse a cidade, naturalmente. Eu... eu atrevo-me a...
Mas não se atreveu...
Carmen sorriu-lhe, animadoramente.
— Diga, senhor Joyce. A que se atreve?
— A oferecer-lhe a minha companhia. Conheço todas as casas que poderão interessar-lhe, assim como os seus proprietários! E, afinal, a menina já é nossa cliente... e nós devemos dar a melhor assistência aos clientes!
Carmen simulou preocupação:
— Não me sinto no direito de lhe roubar o seu precioso tempo, senhor Joyce... deve ser uma pessoa muito ocupada e...
Felicíssimo, Robert interrompeu-a:
— Espere apenas um momento, que vou dizer ao meu pai que saio! Espere, por favor, menina Rode...
Enquanto ele se dirigia para um escritório, Carmen sorriu, trocista. Aquele rapaz era tão tonto como os demais que tinha conhecido. Bastava um olhar, um sorriso... Ora! Os homens eram uns imbecis!
*
Jim Galluro saiu de Tucson, por uns dias. Para levar a cabo o plano que arquitetara, precisava de determinada soma de dinheiro...
Como manejava tão bem as cartas como o revólver, resolvera ir até à fronteira, tentar a sorte. Usou as cartas e os revólveres por igual. Teve sorte no póquer e assaltou um ganadeiro que acabava de vender uma boa manada de gado...
Voltou a Tucson com um pouco mais de mil dólares, apressando-se a entregá-lo a Carmen.
— Toma, preciosa. Espero que não se perca. Como vão as coisas com o idiota do Joyce?
Carmen respondeu, trocista:
— Quer levar-me a casa, para me apresentar à mãe!
— Não vás. Não temos necessidade de meter essa senhora na comédia.
— Que é isso, Jim? Estás com escrúpulos?
— Bem sabes que não. Mas é melhor assim. Já resolveste o problema da loja?
— Não. Nenhuma casa me agradou. Robert continua à procura.
— Leva-lhe o dinheiro. O resto... já sabes.
Carmen deslocou-se ao Banco, onde Joyce deixou tudo para a atender. A jovem pôs o dinheiro em cima do balcão.
— Aqui está, Bob. Mandou-mo o meu pai, por intermédio de um amigo. Queres fazer o favor de o guardar?
O rapaz perguntou-lhe, um pouco impaciente.
— Quando vem o teu pai, Carmen ? Preciso de falar com ele e bem sabes para quê...
Ela sorriu, ingenuamente.
— Eu?! Não faço ideia nenhuma, asseguro-te.
Robert ficou um pouco atrapalhado. Não estava habituado a falar com raparigas e era a primeira vez que se enamorava.
— Quero... pedir-lhe autorização para... para continuar a acompanhar-te e com algum direito de o fazer!
Carmen replicou, decidida:
— Para isso não precisas de falar com o meu pai. Sou dona da minha pessoa.
Robert murmurou:
— Prefiro tratar do assunto formalmente. Quando virá?
A jovem voltou a cabeça, para que ele não visse a sua expressão de desprezo.
— Espero que nunca... — murmurou.
Mas as esperanças de Carmen não se iam verificar... No mesmo momento em que ela falava com Robert Joyce, um homem chamava a atenção de Jim, com uma palmada nas costas. Galluro, que se encontrava sentado no «saloon» do hotel, levantou-se e voltou-se, num salto, levando a mão à coronha do revólver, ao sentir que lhe batiam. Chegou a sacar parcialmente a arma, advertindo:
— Cuidado, amigo... Não gosto que me toquem, especialmente pelas costas! Você devia saber que é perigoso fazer isso, num sitio como Tucson.
— Você é Jim Galluro? — perguntou o recém-chegado.
— Também não gosto que desconhecidos me perguntem quem sou...
O homem, um indivíduo alto, com o rosto coberto por uma barba escura, agarrou bruscamente Jim pela camisa, puxando-o para ele.
— Responda à minha pergunta! — ordenou.
Jim praguejou, raivosamente, e sacou a arma. O desconhecido baixou velozmente o braço direito e, com o bordo da mão, atingiu o pulso do rapaz, com um golpe seco. Jim gemeu de dor, soltando a arma. Quis inclinar-se para a recolher, mas o desconhecido interveio:
—Não seja tolo, rapaz... Só lhe fiz uma pergunta.
Sacara, por sua vez, o revólver, de uma maneira incrível, quase sem mover a mão, e pusera-o bem na frente da cara de Jim Galluro. Este perguntou, impressionado:
— Quem é você?
Os fregueses tinham-se afastado um pouco, na expectativa de uma troca de tiros. O homem das barbas respondeu:
— Dir-lho-ei, uma vez que mo pergunta amavelmente. Chamo-me Juan Rode e sou o pai de Carmen.
Jim murmurou, sobressaltado:
— O pai de Carmen!...
—É verdade. E já percebi que você é Jim Galluro. Assim sendo, mais lhe valerá que possa dizer-me que sabe onde está Carmen e que ela se encontra de boa saúde... De outro modo, vai-se arrepender de ter nascido, jovem!
Jim Galluro engoliu em seco, antes de retorquir:
— Ela está bem. Não se demorará... Mas... você pode não ser quem afirma. Carmen não me disse...
Juan interrompeu-o:
— Vamos para o seu quarto, jovem. Sei que está alojado neste hotel.
— Sim, é melhor. Há muita gente aqui...
Subiram ao quarto de Jim. Juan deixara de vigiar o jovem. Logo que entraram, pediu-lhe a navalha de barba e, enquanto Jim Galluro o observava, silenciosamente, despojou-se do disfarce piloso que lhe encobria parcialmente o rosto. Quando acabou de se barbear e limpou a cara com uma toalha, Jim admitiu:
— Sim, você pode ser o pai dela. São muito parecidos... Quem lhe disse que estávamos em Tucson?
— Isso não importa. Estão cá e é quanto basta. Casaram-se?
— Ainda não, mas tencionávamos...
Juan interrompeu-o, secamente:
— Perfeito. Esqueça isso. É uma sorte para você que não se tenham casado. Preferia vê-la viúva a sabê-la casada com um bandidote de fronteira! Se estivessem casados, matá-lo-ia, aqui mesmo!
Jim riu-se, embora com pouca vontade.
— O senhor considera-se a si próprio uma pessoa terrível!...
Juan encolheu os ombros e retornou:
— Está enganado, rapaz... Onde se encontra Carmen?
— Deve estar a chegar. Tenho a certeza de que já não se demora.
Juan Rode levantou a parte móvel da janela de guilhotina e estremeceu. A rapariga que se aproximava era o vivo retrato da sua mulher...
Ao vê-la entrar no hotel, a sua força de ânimo pareceu desaparecer, obrigando-o a sentar-se. Devagar, com voz rouca, ordenou a Jim:
— Abra a porta. Ela vem aí.
Jim Galluro obedeceu. No corredor, soavam os passos da jovem. Momentos depois, surgia à porta do quarto, sorrindo para Jim.
O sorriso não tardou a desaparecer-lhe dos lábios. Acabava de avistar Juan Rode. Doze anos depois do dia em que a morte reinara no escritório do advogado Jordan. Doze anos tinham passado e ela era uma criança quando aquilo sucedera. No entanto, não se esquecera de nada. E, sobretudo, não olvidara o rosto do pai.
— Pai... — murmurou, apoiando-se na ombreira da porta. — Tu!...
Jim interveio, alegremente:
—E então verdade que é o teu pai!
Juan Rode interveio, suavemente:
— Cale-se, jovem!
Levantara-se e contemplava a filha, muito alterado.
— és igual a ela, Carmen.
Avançou para a filha, de braços estendidos, disposto a estreitá-la entre os braços.
Levantando a cabeça, a jovem recuou, gritando:
— Não tentes tocar-me, nem me fales dela! Mataste-a, mataste a minha mãe! Não te aproximes de mim! Para que vieste, ao fim de tantos anos ?
Juan empalideceu e as suas feições tornaram-se duras.
— Não me incomodam os teus gritos, pequena. Sou o teu pai e estou acostumado a fazer-me obedecer. Basta de loucuras! A morte da tua mãe foi um acidente. Acabaram-se os histerismos... Vamo-nos embora desta cidade maldita, tu e eu. Apenas tu e tu, Carmen, ouve bem! Não voltarás a ver Galluro.
Carmen deu uma gargalhada áspera.
— Com que direito me dás ordens? — protestou. —Desde quando te preocupas comigo?
— Desde sempre. Quem julgas que mantinha os Trenton? Eu! Apenas eu.
A jovem encolheu os ombros, desdenhosa.
— Dinheiro! Isso foi tudo o que me deste, desde a morte de minha mãe...
Com um enérgico gesto negativo, acrescentou:
— Não deixarei Jim, podes ter a certeza!
Juan Rode olhou para o rapaz, que seguia o diálogo, visivelmente impressionado.
— Vais deixá-lo, repito! — afirmou. — Não quero um bandido para ti!
— Um bandido?! E que és tu mais do que isso? Tu não sabes Jim, mas o meu pai é o famoso...
Com voz angustiada, Juan interrompeu-a:
— Cala-te, Carmen!...
Ela riu-se e continuou, sem fazer caso do pedido: -
— O famoso Tom «El Toro»! Soube-o há muito tempo, através de Trenton. Sei perfeitamente de onde vinha o dinheiro que nos davas... Era roubado! Só não percebo por que te importa que eu case com Jim!
Assombrado, Galluro murmurou:
— Tom «El Toro»!... A verdade, senhor? — a sua voz evidenciava um profundo respeito.

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