sexta-feira, 31 de março de 2017

PAS733. A arte de bem cavalgar um «Furacão»

—Não temes que o teu cavalo fuja? — perguntou Ales, a olhar com admiração o lindo equídeo, negro e brilhante como alcatrão, que tinha ficado solto.
— Não. Pode ser que ele dê uma corridinha, mas nunca sai do alcance da minha vista. É tão fiel como uni cão.
—Agrada-me muito. Nós tínhamos bons cavalos, mas não melhores do que este. Deixas que eu o monte? — Será melhor que não.
—Porquê?
—Bom, é que ele é muito fogoso, e pode atirar-te ao chão — respondeu Lyn a esboçar um sorriso,
—A mim? Bah! Eu montava-o nem que ele fosse selvagem — respondeu convencido o jovem.
— Não te fies na sua mansa aparência. Chamo-o «Furacão» e ele faz honra ao seu nome. É um autêntico alazão!
—Se não me deixares montá-lo, diz claramente —respondeu o rapaz furioso.
—E porque não hei-de deixar? Simplesmente aviso-te das suas manhas.
—Então, deixas...? — insistiu Ales.
—Como quiseres—disse Lyn. — Mas recorda-te do que te disse.
— Sei montar, apesar de não acreditares—respondeu o rapaz com gana.
— Muito bem.
Lyn assobiou, fazendo com que o negro cavalo se aproximasse, e então o pequeno Reynolds saltou agilmente para a sela.
O animal pareceu não notar o peso do cavaleiro, apesar de levantar a cabeça e olhar estranhamente para o dono.
— Mas ele é manso com um cordeiro! —gritou Ales alegremente.
O animal obedeceu docilmente, mas de repente, depois de andar uns metros, estranhamente, dobrou as patas como se fosse sentar-se e saltou a retorcer-se inverosivelmente para o ar, ao mesmo tempo que relinchava, como um vibrante clarim.
Ales foi projetado e rodopiou pelo solo a levantar uma grande nuvem de pó, enquanto o cavalo sacudia as crinas e relinchava a fazer troça do jovem.
Lyn parou a carroça para auxiliar o rapaz, mas pôs-se a rir ao vê-lo de pé a sacudir o pó.
— Maldito bicho! — exclamou Ales, furioso e humilhado. Parecia tão mansinho! Apanhou-me desprevenido e atirou-me ao chão. Mas não voltará a fazer isso.
— Já te disse para não te fiares nele gritou--lhe Lyn, sufocado pelo riso. Não dizias que sabias montar?
— Monta o teu, Ales — disse Elianne, indignada do alto da boleia.
Depois voltou-se para Lyne e furiosa disse:
— Diverte-lhe muito que o meu irmão tivesse podido partir a cabeça? Sabe montar, e certamente melhor do que você. A verdade é que essa sua pileca é um traidor.
Com os olhos brilhantes e as bochechas do rosto encarnadas estava muito bonita.
—Porque o deixou montar se sabia que isso ia acontecer? — interrogou indignada.
—Eu avisei-o, mas ele insistiu que podia montá-lo- respondeu o jovem, a lutar para conter o riso. —Como se pode saber a verdade sem se comprovar?
—Pois claro que posso montá-lo! — gritou Ales, furioso por ver a vontade enorme que Lyn tinha de se rir. —Veremos se esse «Furacão» é capaz de me atirar ao chão.
—Será melhor que não tentes, companheiro—disse-lhe Lyn com o mesmo sorriso disfarçado nos lábios. — Podes magoar-te, e como vês a tua irmã julgou-me responsável por isso.
Ales julgava-se um bom cavaleiro e estava furioso.
—Vou montar esse diabo! E tu não te metas nisso, Lyn.
Resolvido dirigiu-se para o cavalo, que parecia esperá-lo a pouca distância, como que a desafiá-lo.
—Deixa-o, Ales. Estou certo de que sabes montar—disse Lyn mais sério.— Não é preciso que demonstres.
Mas o rapaz já tinha as rédeas do garanhão na mão.
— Quero montá-lo —respondeu ao mesmo tempo que saltava para a sela.
«Furacão» arrancou briosamente, a trotar alegremente. Mas Ales não se fiava e cavalgava com todos os sentidos alerta, disposto a receber qualquer das veleidades do animal.
Mas não lhe serviu de nada.
O cavalo levantou subitamente as ancas, tão alto como se fosse cair de costas.
O cavaleiro foi projetado pelo dorso e caiu sentado no chão, de um modo tão ridículo que Lyn não conteve uma forte gargalhada.
— Bruto! — disse Elianne.
Lyn encolheu os ombros sem deixar de rir, ainda divertido pela fúria dela.
— Diverte-se sempre da mesma maneira? — perguntou a jovem.
--Oh, não! Vario muito.
— Que gracioso! Não vê que esse maldito animal podia ter matado o meu irmão?
— Mas se Ales é um grande cavaleiro! —gozou Lyn, sufocado pelo riso. — Não faz senão cair comodamente.
Elianne olhou-o sem saber o que fazer com ele, demasiadamente furiosa para encontrar uma resposta adequada, e voltou-se para desaparecer no interior da carroça.
Ales a sacudir o pó, deixou que o carro chegasse ao pé de si e «Furacão» chegou-se como que convidá-lo para continuar o jogo.
—Deixa-me em paz! gritou-lhe o rapaz. — Vai-te embora, não quero nada contigo.
Depois subiu para a boleia da carroça.
— Ninguém mais quer montá-lo? — perguntou surpreendido.
—Bom, também tu o montaste. Apesar de pouco tempo—respondeu Lyn.
Sentiu-se novamente acometido pelo riso, mas sem querer humilhar o rapaz.
— Eh, tu, mau peludo! Vamos a ver se deixas de dar saltos como uma rã — gritou a um dos cava-los, a restelar uma chicotada. —Vamos, mostrengo.
Ales dissimulava a sua fúria.
— Queres conduzir-nos ou preferes ir aqui? — perguntou Lyn ao rapaz uma vez contida a gargalhada. -- Um de nós deve ir à frente para abrir caminho.
—Eu irei — disse Ales mal-humorado.
Lyn olhou-o abertamente.
-- Enfadado? — perguntou sorridente.
O rapaz respondeu mais risonho.
— Não. Só um pouco dorido.
— Faz-te amigo dele, e já verás corno podes montá-lo. É um sem vergonha, mas simpático.
— Acho que não voltarei a confiar nele—disse Ales.
Olhou para o cavalo que trotava perto e viu que ele tinha o pescoço virado.
— O bandido continua a desafiar-me.

quinta-feira, 30 de março de 2017

PAS732. Irmãos de sangue

— Há pouco mais de dois anos andava eu pelas imediações das Montanhas Negras, a caçar para uma caravana de pioneiros que se dirigiam em busca de novas terras, mas nessa altura ainda não se tinha descoberto ouro, apesar de correrem alguns rumores.
Fez uma pausa para comer mais um pouco.
—O lugar era perigoso, pois os índios nunca gostaram que andássemos pelos seus territórios. De súbito ouvi disparos e fugi. Mas não eram para mim. Contudo, alguém podia estar em apuros, de modo que me encaminhei para o local dos disparos, tomando todas as precauções. Deste modo deparei com uma cena muito parecida com a que tu foste protagonista, Ales. Tratava-se só de um índio. Três tipos mal-encarados tentavam divertir-se á sua custa, mas acabaram por se impacientarem por não o conseguirem.
— «Atira-lhe à cabeça» —gritava um deles no momento que eu me aproximava de uma rocha próxima.
—Era um índio, mas apesar de tudo não me agradou o proceder daqueles tipos, de modo que os afugentei a tiros. O pele-vermelha continuou imóvel, com os braços cruzados sobre o peito, até eu chegar.
— «Que vai fazer o grande guerreiro branco com Yellow Beak? (Pico Amarelo) — perguntou-me então tranquilamente.
—Era muito jovem e fiquei surpreendido por falar inglês.
— «Que me matem se eu sei! —resmunguei. — Que teria feito Yellow Beak no meu lugar?
— «Arrancava-lhe a cabeleira—respondeu calmamente.
—Bom, o caso é que não esperava aquela resposta e não pude evitar o riso.
-- «O caso é que não sabia o que fazer com semelhante troféu— disse depois de conter as gargalhadas—, de modo que o melhor será deixar-te ir.
—Yellow Beak não pareceu surpreender-se demasiado, nem pareceu ter pressa em aproveitar os meus bons propósitos. — «Caras pálidas matar o meu cavalo. Quer o grande guerreiro levar-me até às tendas da minha tribo?
—A proposta era tão inesperada como excitante, de modo que não pude resistir à tentação. Yelow Beak era o filho do chefe e fui bem recebido entre os seus. Fiquei uns dias com eles, aceite como mais um membro da tribo, especialmente depois de! cruzar o meu sangue com o de Yelow Beak, o que nos tornou irmãos. Não sonhava que nos voltássemos a encontrar nestas circunstâncias.
— Quer dizer que desde então não o viu mais?! —perguntou Elianne, muito interessada.
—Não. Sou guia, caçador e o que aparecer. Encontrá-lo foi uma casualidade afortunada, pois ao que parece os índios estão em pé de guerra, cansados do desleal trato que recebem. Por isso temos que chegar a Rapid quanto antes.
— Mas, como poderemos ir se deu os bois aos índios? Pai...
— Eles arranjam-nos alguns dos seus cavalos — interrompeu-a Lyn. — Outra coisa de que os privaram foi da abundância de caça, e precisam de carne. Nós nos arranjaremos.
—Como se faz um irmão de sangue, Lyn? —perguntou Ales, interrompendo a conversa.
Lyn encolheu os ombros, divertido.
— Tu fazes um corte na mão, assim como o outro que vai ser teu irmão, unem as feridas ligando os braços com um lenço, e fazem então os votos de irmandade, e já está.
—E é a mesma coisa para os brancos?
O jovem riu-se.
— Bom, não é costume. Mas claro que serviria para os interessados caso estivessem de acordo. Mas nunca te fies nesses parentescos.
— Mas Yellow Beak manteve-se fiel.
—Sim. Em certos aspetos, os peles-vermelhas merecem mais confiança do que os brancos. E por falar neles, aí estão.
Levantou-se a olhar para a nuvem de pó que se levantava nas pequenas elevações circundantes.
— Pois eu gostaria de ser teu irmão de sangue —disse Ales ao seu lado. —E eu também seria fiel.
Lyn sorriu, a olhar para o rapaz.
—Sim.
E Lyn continuou:
— Prepara as rédeas. Teremos que engatar pelo menos quatro cavalos.
Mas Ales não se apressou e ficou a contemplar com temerosa admiração os cavaleiros selvagens a cujo encontro ia Lyn.
—Ales —chamou a sua irmã—, vem ajudar-me.

quarta-feira, 29 de março de 2017

RB010. Dakota

(Coleção Rio Bravo, nº 10)
 
Esta novela de Tex Taylor faz pensar que o autor a terá escrito para cumprir calendário. A tradução também não ajuda muito, existindo momentos em que o texto não faz sentido.
O argumento não é muito conseguido. O velho Reynolds abandona a sua terra pois é perseguido por um cacique local que lhe corteja a filha. Parte com os dois filhos mas não se livra da perseguição do malvado.
Lyn Chapman cruza-se com os fugitivos quando eles são atacados pelos homens do cacique Dylon. Reynolds está ferido e imediatamente providenciou socorro para o patriarca da família ajudando-os a chegar a Rapid.
Pelo meio, um ataque dos índios foi providencial para afastar os homens de Dyson e Lyn acaba por se apaixonar ela bela filha de Reynolds…
Apesar de tudo há uma ou outra passagem que nos conduz ao cerne das novelas de Taylor. Aí sente-se a verdadeira novela do Oeste. Vamos deixar duas dessas passagens.


domingo, 26 de março de 2017

RB007. A orgulhosa de Fowler

(Coleção Rio Bravo, nº 7)
 
Todos os arrogantes têm uma história triste por trás. Isso acontecia com aquela mulher, a orgulhosa de Fowler. Uns anos antes, tinha sido violada, roubada e, não contentes com isso, ainda lhe raptaram a filha... Nunca mais soube dela.
Um dia, o filho de alguém que participara nesses atos chegou ao seu rancho e contratou-o. Ambos se reconheciam na história do passado, mas tentaram ocultar isso um ao outro. Relacionavam-se, sempre com algo escondido nesse relacionamento.
Ela conduziu a sua vingança e fê-lo ir parar à prisão...
A novela desenvolve-se verdadeiramente cinco anos depois. O ex-presidiário procura a menina raptada e, após ter abatido os que efetivamente participaram no vil ato, trá-la para junto da mãe.
Mas alguém o esperava com más intenções, alguém tinha cometido ações torpes na sua ausência.
Eis mais uma narrativa de Joe Mogar um pouco complexa, em determinados momentos, com passagens muito comoventes.
A capa, magnífica, não assinada, mostra o retorno a Fowler com a menina raptada, entretanto vítima colateral do ataque que lhe moveram no regresso.

sábado, 25 de março de 2017

PAS731. As esporas reveladoras

O homem que saiu da cidade montado num cavalo baio e tomou o caminho a galope, pela estrada das diligências, parecia tudo menos um homem que vencera.
Tinha o olhar pousado no chão, a cabeça caída sobre o peito e as mãos como que sem forças, descansando sobre a crina do animal.
Sabia que Bela procuraria esconder-se em qualquer lugar, que fugiria mal visse uma sombra, pensando que fosse «Lord Diabo» que andasse atrás dela. A sua figura, o seu aspeto geral, visto de noite, era o mesmo. Se ao menos tudo aquilo tivesse ocorrido durante o dia, Bela, oculta, onde quer que
estivesse; podia reconhecê-lo facilmente. Mas não. As trevas envolviam tudo. Ainda que a matassem, julgaria que, era «Lord Diabo» que ia atrás dela.
Burton pensou que talvez não a encontrasse mais. Que aquele triunfo da Lei tinha significado, era evidente, mas em contrapartida, para ele, era a perda das suas mais íntimas ilusões, a perda da única mulher que alguma vez lhe tinha interessado na vida.
Olhava para ambos os lados da estrada, perscrutava com olhos de lince as trevas da noite, mas sabia que não encontraria nada.
Nada!
Uma mulher tinha razão ao ocultar-se debaixo da terra, se pensasse que era «Lord Diabo» quem a perseguia. Bela teria feito o mesmo.
Com voz clara, tentando que ela o reconhecesse pela voz, gritou:
— Bela ! ... Bela !...
Mas só o longo murmúrio do vento na planície lhe respondeu.
Burton puxou as rédeas com raiva, num mudo desespero e então uma bala assobiou a poucas jardas da cabeça.
Tinham atirado quase junto dele, do meio de uns arbustos. Burton calculou que o não tinham querido atingir, porque àquela distância ninguém podia falhar, mas deixou-se cair por terra, à cautela, enquanto puxava» pela arma.
—Não atires. Para que vais gastar as balas se podes matar-me de outro modo?
Burton ficou paralisado perante a visão da mulher que se aproximava dele perante a visão de uma Bela mais bela, mais tentadora, mais apetecível do que nunca.
Ela deixou cair o revólver no chão, enquanto continuava a avançar para ele.
—Bela...
Antes que desse por isso, antes mesmo de poder refletir, de poder dizer uma única palavra, já a tinha nos braços. Já beijava sofregamente os seus lábios, o seu cabelo, os seus olhos...
—Bela... eu iria afirmar que estavas à minha espera... Mas como o sabias? Como?
—Tu pregaste-me muitos sustos e eu quis pregar-te um, Burton. À última hora soube que tu e «Lord Diabo» eram uma e a mesma pessoa.
—E eu que julguei ter feito tudo em segredo! Como descobriste?
—Num único pormenor em que tu nunca mudaste: nas esporas. Produziam exatamente o mesmo som e uma cega nota imediatamente esse detalhe. É claro que agora prefiro notar outras coisas...
Em silêncio continuou a beijá-la apaixonadamente, enquanto não muito longe dali, em Dallas, o juiz ia visitar o carpinteiro a quem tinha encomendado o caixão para Burton, desta vez para o encarregar de unir várias mesas para um grande copo de água.
E pagou tudo do seu bolso, apesar do soldo de um, juiz não dar para grandes aventuras.
Palavra de honra.

sexta-feira, 24 de março de 2017

PAS730. A luz voltou ao teu olhar

O doutor Trent tentou ganhar tempo, a todo o transe.
—Por onde entrou?
— Eu entro por qualquer lado, amigo. Sou um desses indivíduos que sabem trepar pelas paredes. Mas não falemos disso agora. Diga-me, doutor dos infernos, onde está a rapariga?
—Pa... para que a quer?
«Lord Diabo» soltou uma gargalhada.
Se a sua voz fazia calafrios, àquela gargalhada não havia quem resistisse. Pareci provir do Além. Era como se atravessasse a pele e 'a corroesse lentamente. O doutor Trent teve um estremecimento, porque sabia por instinto que não poderia lutar contra aquele poder satânico.
—É urna doente — disse baixinho. — ou ainda pior do que isso, segundo o ponto de vista. Se há algo de humano em si, suplico-lhe...
—A minha humanidade perdi-a há anos —riu «Lord Diabo. — Se visse o meu rosto compreendê-lo-ia. Mas não percamos tempo em conversas inúteis. Leve-me onde ela se encontra ou acabará como acabou Sandor.
O médico compreendeu que não podia resistir.
—Vou levá-lo.
—Vamos. Ia tirar-lhe a venda, não é verdade?
---Como soube?
—Leva na mão um candeeiro com um papel vermelho. Não é difícil calcular o que ia fazer.
— Com efeito... Vou... vou ver qual foi o resultado da operação.
— Que coincidência! Ambos tivemos os mesmos pensamentos.
—Seria horrível para ela se verificasse que a primeira coisa que volta a ver neste mundo é «Lord Diabo».
—Não me verá a mim, mas sim à minha máscara. Vamos!
Levou a mão ao revólver, mas o médico olhava era para a garra. Tremendo, dirigiu-se até ao celeiro, enquanto iluminava o caminho com um candeeiro coberto pelo papel vermelho.
«Lord Diabo» cochichou:
—Nem uma palavra. Pois desde que faça o menor movimento, mato-os a ambos aqui mesmo.
—Nada receie, não a avisarei. Ela própria o verá, por sua desgraça.
O médico entrou no quarto. Bela, que estava sentada na cadeira, muito direita, inquiriu:
—É o senhor, doutor Trent?
—Eu próprio, pequena. Chegou o momento.
—Vem sozinho?
—Claro que venho. Porquê?
— Não sei. Pareceu-me notar...
O médico conseguiu que a sua voz soasse natural ao dizer:
—Que disparate!...
Afastou, para o colocar mais longe, o candeeiro que já iluminava o quarto, quando ele entrara, e deixou somente o do papel vermelho. Depois inclinou-se sobre a jovem.
—Não me ata? —perguntou esta.
Teria sido conveniente, para evitar qualquer movimento brusco, mas o médico sussurrou:
— Não é preciso.
«Lord Diabo» cerrou os punhos.
Tremendo, o doutor Trent foi retirando pouco a, pouco as vendas dos olhos da enferma. Antes de retirar a última, pediu-lhe:
—Por favor, não abra os olhos até que eu diga.
—Sim, doutor.
O rosto dia rapariga estava mais formoso, mais radiante, mais tentador que nunca. Os olhos de «Lord Diabo» brilharam e o doutor Trent verificou isso. Sobreveio-lhe uma náusea invencível, um violento desejo de morrer. Não lhe importaria jogar ali a vida se não tivesse a certeza de que provavelmente Bela morreria também.
—Agora... abra os olhos.
Bela viu as sombras do celeiro e uma mancha vermelha que era o papel do candeeiro. Mais longe viu outra mancha vermelha, mas .a princípio não.. lhe atribuiu importância pois julgou que fosse um papel novo.
Quase um minuto mais tarde, quando as imagens se concretizaram, Bela verificou o que significava aquela segunda mancha vermelha. Os seus lábios afastaram-se num ricto de agonia e soltou um grito de terror.
O médico murmurou:
—Obrigou-me. Juro-lhe que me...
«Lord Diabo» afastou-o com um safanão, atirando-o ao solo. Os seus braços foram ao encontro da cintura da rapariga e a garra conseguiu inclusivamente tocar-lhe.
Mas Bela agora já não estava cega. Agora, embora confusamente, via os objetos e além disso era possuidora de uma espantosa agilidade. Derrubou a cadeira, esquivou-se de «Lord Diabo» e fugiu em direção à porta, enquanto aquele ser satânico se lançava em sua perseguição.
O médico compreendeu que ele ia agarrá-la e atirou aos pés de «Lord Diabo» outra cadeira. Este tropeçou e caiu por terra, enquanto soltava uma praga.
Do solo, «Lord Diabo» olhou para o médico enquanto tocava levemente no colt.
Naqueles olhos, o doutor Trent, leu a sua sentença de morte.
—Não... não... —balbuciou.
«Lord Diabo» deve ter pensado que lhe interessava mais a rapariga. Apesar de ter o revólver já quase empunhado, não chegou a apertar o gatilho.
Pôs-se de pé e disse com voz áspera:
—Arrumaremos o assunto mais tarde.
Saiu depois em perseguição da rapariga.
Mas tinha já perdido uns segundos preciosos e não conseguiu atingi-la antes de chegar à rua. Ali viu que Bela saltava para um dos cavalos que estavam atados aos postes.
«Lord Diabo» soltou uma gargalhada. A jovem no seu nervosismo, esquecera-se de desatar o cavalo. Agora já não podia fazê-lo a menos que descesse.
Mas também os propósitos do monstro se viram frustrados. Naquele momento alguém gritou:
—Foge, rapariga!...
Era um indivíduo barbudo que fez fogo de uma só vez contra a corda tensa que prendia o cavalo. Esta partiu-se e o animal relinchou ao ficar livre, lançando-se num raivoso galope rua abaixo.
O homem que a salvou não perdeu um segundo a pensar no que «Lord Diabo» iria fazer dele. Atirou-se de mergulho para debaixo de um estrado e ali se ocultou como um gato, esquivando o corpo ' às balas.
Desatou outro dos cavalos, sabendo que ninguém se lhe oporia, e lançou-se a galope depois de deixar atrás de si uma cortina protetora de chumbo. As balas não atingiram ninguém porque toda a gente se tinha já protegido.
«Lord Diabo começou a praguejar.
«Lord Diabo» via, como uma mancha cada vez mais distante o corpo da jovem.
Esporeou o cavalo.
O corcel da rapariga era melhor, mas ela não o dirigia com tanta habilidade, e por isso «Lord Diabo» foi ganhando terreno progressivamente. Quando deixaram para trás a última casa de Dallas, os potros estavam separados um do outro apenas umas cem jardas.
Da rua, um indivíduo que fumava um delgadíssimo charuto havano contemplou a perseguição.
Era um indivíduo que trazia os revólveres postos nas fundas ao contrário, e que tinha os lábios contraídos numa expressão trocista... Toda a gente o conhecia no Texas e toda a gente receava enfrentar-se com ele. Nos seus revólveres não teriam cabido as marcas.
Chamava-se Bikanian.
—Parece que o chefe 'se preocupa demasiado com as mulheres — disse sarcasticamente para «Certo» Bill, que estava junto dele. — Está a dar um excelente espetáculo.
— Em lugar de o criticarmos devíamos ir em seu auxílio — disse «Certo», com os dentes cerrados.
—Não é preciso. Essa perseguição não durará mais do que cinco minutos, vais ver.
Com efeito, Bikanian tinha razão.
O cavalo de Bela foi perdendo terreno nas descidas, que é onde mais falta faz um bom cavaleiro e o de «Lord Diabo» quase conseguiu alcançá-la.
Bela perdeu a serenidade e quis excitar p animal, mas foi pior. Só conseguiu que este tropeçasse, caindo ela de costas.
Perdeu o equilíbrio, apesar dos seus denodados esforços e a pancada fez-lhe perder também os sentidos. A última coisa que viu foi a figura satânica de «Lord Diabo» que descia do cavalo para cair sobre ela.
***
Tiros. Muitos tiros. Disparas distantes...
Bela teve a 'sensação de viver um angustioso pesadelo e sentia que «Lord Diabo a perseguia através de uma imensa planície onde soavam aqueles tiros. Quando abriu os olhos, ao recuperar o conhecimento soltou um grito de horror pensando que aquele ser satânico estivesse junto dela. Mas enganara-se.
Quem se encontrava naquele momento ajoelhado junto da rapariga era um homem muito diferente. O sheriff Burton.
Vestia umas calças texanas, camisa à vaqueiro e trazia um lenço vermelho atado ao pescoço. As suas feições estavam cobertas de suor, e olhava com inquietação para a jovem.
Esta abriu muito a boca, sem poder falar, tal foi a sua. surpresa.
—O... senhor?
— Sim por fortuna creio que cheguei a tempo.
—Perseguia-me... «Lord Diabo».
—Eu vi tudo. Vi-os vir e segui-os desde a saída da povoação. Julgava que eu o deixava fazer de si o que' quisesse? Ainda sou o sheriff de Danas.
—Onde... está ele?
—Houve uma troca de tiros e não teve outro remédio se não fugir.
Com efeito, os revólveres do sheriff ainda estavam quentes. Bela notou-o ao tocá-los inadvertidamente.
—Vem. Eu ajudo-te e levantar.
Ela consentiu. Seus olhos ficaram quase juntos e os seu lábios roçaram um pelo outro. Foi um instante. A rapariga estremeceu, enquanto se via retratada no fundo daqueles olhos.
— A operação foi um êxito—disse Burton em voz baixa.
—Sim...
O sheriff soltou -uma gargalhada.
— Sinto-me feliz por nos termos conhecido...
O tom jovial de Burton venceu o retraimento de Bela que soltou uma gargalhada também.
Num instante o clima de terror que se formara à volta de «Lord Diabo» parecia ter-se dissipado por completo e Bela tinha la sensação de ser o que sempre fora: uma rapariga cheia de esperanças a quem a vida ainda podia sorrir.
—És tal e qual como te imaginava, Burton — murmurou.

quinta-feira, 23 de março de 2017

PAS729. A garra do salvador

Sandor viu uma janela iluminada que devia corresponder às traseiras de qualquer hotel.
Na janela recortava-se a silhueta de uma mulher uma mulher que se encontrava só, provavelmente.
Não perdeu um segundo.
Com uma agilidade de felino e contorcendo sabiamente o seu delgado corpo, o facínora foi trepando pela parede de tábuas até chegar à janela. Viam-se ali uma fendas, como se alguém a tivesse arranhado, mas ele não fez caso.
A janela estava fechada.
Sem perder tempo, Sandor partiu os vidros com a culatra do revólver e entrou. Durante uns segundos a sua silhueta recortou-se em frente da luz, mas o sheriff não teve tempo de disparar.
Do solo, Sandor, contemplou a rapariga.
Bom, aquilo é que era um monumento, um portento, qualquer coisa pela qual valia a pena subir não a uma janela, mas se tanto fosse necessário a uma torre.
A rapariga não o via. A rapariga estava cega!
—Ê o senhor... «Lord Diabo»? — Perguntou Bela receosamente.
Saudar engoliu em seco.
De modo que era aquela a rapariga de «Lord Diabo»...
O bandido pôs-se de pé, enquanto olhava para ela ansiosamente.
— É o senhor... «Lord Diabo»? — perguntou Bela outra vez com uma voz temerosa.
Sandor respondeu:
—Não, querida. 
— Então quem é? Também não tem a voz do sheriff...
— É que também não sou o sheriff, beleza. Esse borra botas bastante trabalho tem em procurar salvar a pele.
Houve uma crispação no rosto da rapariga.
—Que foi que lhe fizeram?
—Nada, não te rales. De momento continua vivo, mas não sei se o estará por muito tempo. Como te chamas?
—Bela...
— Formoso nome. E deves ser muito jovem hem? Quantos anos tens?
— Vinte.
—Linda de verdade... Vejo que «Lord Diabo» teve bom gosto.
A rapariga não via a expressão de cobiça do homem, que ia percorrendo uma por uma as linhas do seu corpo. Se ela pudesse ver Sandor, com certeza teria soltado um grito, ao verificar o que ia acontecer. Mas apesar de ser cega compreendia exatamente qual era a sua situação. Por isso retrocedeu pouco a pouco, assustada, até que as suas costas bateram na parede do quarto e não pôde retroceder mais.
Sandor foi avançando com a mesma lentidão, tilintando ás esporas no silêncio do quarto.
—Vem cá, boneca...
—Não... não me toque.
—E por que não? Julgas que há homem que seja capaz de resistir à tentação de ter-te em seus braços?
—Eu grito.
—Grita à vontade. Eu matarei o primeiro que entre por essa porta. E se tu fizeres o gosto à garganta, eu farei o gosto ao gatilho, boneca.
E continuou avançando em direção à rapariga.
Se Saudar fosse um homem de mediana prudência ter-se-ia lembrado imediatamente das advertências de «Certo» Bill: pretender as mulheres que «Lord Diabo» desejava, significava morrer. «Lord Diabo» não lhe perdoaria que tocasse, nem com um dedo, numa das suas mulheres.
Todavia, nesse momento Sandor não se lembrava de nada. Apenas disse para consigo que tinha na sua frente uma das mulheres mais bonitas do Texas e além disso que aquela mulher não podia defender-se. Toda a sua vileza e cobardia veio à tona nesse momento, quando se atirou sobre Bela.
A rapariga caiu e Sandor começou a beijá-la.
— Largue-me! Lar...
Bela não pôde dizer mais nada.
Os lábios de Sandor taparam-lhe a boca..
No entanto ela ouviu aquele estranho ruído. E Sandor também o ouviu. Ouviu o lúgubre ranger de uma garra metálica que ia arranhando a madeira da parede exterior ao subir pela janela.
Endireitou-se bruscamente.
As suas feições vermelhas de excitação um segundo antes, tornaram-se mortalmente pálidas.
O ranger ouvia-se cada vez com mais clareza.
Sandor ouviu também, com surpresa, o ranger dos seus próprios dentes.
«Lord Diabo» estava ali.
Sandor puxou pelo revólver no mesmo instante e, assomando à janela, disparou com raiva para baixo todo o carregador, pensando atingir «Lord Diabo». Todavia este não entrara por aquela janela, mas sim pela contígua, que dava para o quarto vazio. A última coisa que Sandor conseguiu ver foram as suas roupas negras e parte da sua horrível máscara.
Soltou um grito nervoso de terror, enquanto carregava o colt febrilmente e se dispunha a sair para o corredor. Mas não chegou a tempo.
Naquele momento a porta abriu-se.
«Lord Diabo» apareceu no umbral, enquanto as suas esporas tilintavam suavemente. Estava vestido de negro, como de costume e os seus olhos tinham' um brilho satânico através dos orifícios da máscara.
Um colt de calibre 45 descansava na sua mão direita, enquanto a garra da mão esquerda permanecia levantada à altura dos olhos.
Sandro soltou outro grito.
Constatou que não podia disparar, porque «Lord Diabo» seria sempre mais rápido do que ele, ainda para mais tendo ele já o colt na mão. E, passo a passo, retrocedeu, enquanto a satânica aparição avançava da porta para ele.
— Che... Chefe — suplicou. — Eu não queria fazer nada à pequena. Eu.:.
—Tu és um cão que deve morrer.
—O senhor também a quer para...
«Lord Diabo» rui sarcasticamente, enquanto Sandor se apercebia da situação e estremecia de horror.
— Cala-te imbecil —disse «Lord Diabo» sem deixar de avançar paria Sandor. —Devias saber ao que te expunhas atrevendo-te a olhar para uma rapariga sobre a qual eu tinha posto os meus olhos. Vais morrer agora mesmo. E vais morrer... Assim!
Deixou cair a garra sobre a garganta de Sandor, o qual não teve tempo de retroceder para se esquivar da mortal tenaz. Ouviu-se um grito de agonia e, quase no mesmo instante o ruído da queda de. um corpo ao cair pesadamente. Bela teve a sorte de não ver o sangue que foi ensopando tudo, COMO um véu vermelho de pesadelo.
Depois só se ouviu o respirar agitado da rapariga, enquanto «Lord Diabo» limpava a garra às roupas do morto.
Voltou-se para Bela.
— Fez-te algum mal? — perguntou com voz sibilante.
—Não. Mas... tentava fazê-lo.
—Já não tentará mais.
—Está... morto?
—Com certeza. Quando faço alguma coisa, faço-a sempre com perfeição.
—Virá o pessoal do hotel. Virá gente de todos os lados...
Na realidade era isso o que a rapariga queria, mas «Lord Diabo» acabou com as suas esperanças...
— Nesta cidade ninguém se mete com ninguém e muito menos durante a noite. Só aparecerá alguém neste quarto quando estiver bem certo de que não corre perigo algum.
— É que...
— Sim, já sei—disse «Lord Diabo» rindo sinistramente. — Não gostas de dormir com um morto.
—Não gosto de dormir com ninguém.
«Lord Diabo» 'acusou o impacto soltando outra gargalhada.
—Não tenhas medo. Nunca me precipito. Por esta noite poderás dormir tranquila, mas só a morte te livrará de mim. Gosto que as mulheres de quem me agradei se vão fazendo antecipadamente à ideia que serão minhas...
Os lábios de Bela tremeram, embora fizesse um angustioso esforço para se manter serena.
—Como é o senhor?
—Não calculas?
— Não posso calcular sem untes me permitir que os meus dedos o apalpem.
«Lord Diabo» murmurou:
—Aproxima-te...
Bela aproximou-se lentamente, dominando a angústia e o tremor incontrolável dos seus lábios. Sabia que «Lord Diabo» podia fazer dela o que quisesse que ninguém a defenderia. Sabia também: que provavelmente tinha o aspeto de um monstro, mas necessitava de se certificar.
Os dedos roçaram a máscara.
Retiraram-se tremendo.
—Por que traz uma máscara?
—Não gosto que me vejam o rosto.
—Que há debaixo dela?
«Lord Diabo» riu outra vez.
— Quando te beijar tirá-la-ei, descansa.
—Mas... que há debaixo dela?
—Um rosto que não é como 'os outros.
—E as suas mãos?
«Lord Diabo» estendeu-lhe a direita. Ela apalpou-a, como fizera antes quando ele a subiu para o cavalo. Era urna mão forte, dura, nodosa, acostumada aos esforços da pradaria.
—Não, essa não — disse baixinho.
—Qual, então?
—A esquerda.
«Lord Diabo» estendeu-lhe a garra. Houve naquele gesto uma mórbida, uma trágica lentidão. A rapariga apalpou-a e no mesmo instante retirou os seus dedos como se estes tivessem recebido uma descarga elétrica.
—Santo Deus!...
Que aconteceu?
—Isso não é uma mão, não é verdade? Ê uma autêntica garra.
—Muito bem, e depois? Toda a gente sabe que a «Lord Diabo» lhe falta a mão esquerda. Pois bem, é bom que tu o vás sabendo também.
Parecia ter-se irritado, porque a sua voz era cava e mais sibilante que nunca.
Empurrou Bela e esta receou que quisesse fazê-la cair com a mesma intenção de Saudar, mas «Lord Diabo» limitou-se a empurrá-la em direção à porta. Se disse que esperava, esperava mesmo. Introduziu-a no quarto contíguo, para o qual ele tinha entrado e que se encontrava vazio.
Desesperadamente, Bela desejou que o sheriff Burton chegasse e acabasse de uma vez com aquele pesadelo. 'Era tremendo não ter senão trevas diante dos olhos e saber que nessas trevas se movia «Lord Diabo», disposto a saltar sobre ela se assim lhe apetecesse.
Todavia, ouviu os passos do monstro que se afastavam lentamente em direção à porta. A rapariga caiu sobre o leito, soluçando, ao saber que estava perdida.

quarta-feira, 22 de março de 2017

PAS728. Um pedaço de vestido de mulher

Por entre as colinas ardia uma diligência. Indubitavelmente os bandidos mexicanos tinham-na assaltado pouco antes, roubando-a e lançando fogo aos restos. Decerto não encontraria ali nenhum sobrevivente. Mas, por curiosidade, «Lord Diabo» aproximou-se.
A diligência era pequena, das que faziam trajetos curtos e por isso não devia levar mais do que quatro passageiros. De tal se convenceu bem depressa «Lord Diabo», porque três deles estavam meio calcinados entre os destroços.
Tinham sido mortos a tiro e à pancada e a sua agonia não devia ter sido divertida, nem rápida.
«Lord Diabo» contemplou-os com um olhar inexpressivo.
Não havia já neles nada de valor, porque os corpos tinham sido revistados minuciosamente. Por isso limitou-se a voltá-los com o pé, procurando não se. queimar. Depois voltou de novo a montar a cavalo para se afastar dali.
Caminhava lenta e tranquilamente.
Qualquer outro teria ficado a tremer ao pensar que pudessem encontrá-lo ali e culpá-lo daquele assalto. Mas ele não. Não tinha pressa nenhuma. Andou à volta da diligência e então viu qualquer coisa que lhe chamou a atenção.
Um pedaço de vestido de mulher.
Estava preso a uma das portas e tinha sido arrancado ao cair a dona do vestido.
«Lord Diabo» desmontou outra vez e procurou cuidadosamente o cadáver. Mas, apesar de quase ter voltado a diligência de pernas para o ar, não conseguiu encontrá-lo por parte alguma.
Intrigado montou de novo.
Viu, pouco depois, ao longe, sobre a terra cor de ocre, um pequeno ponto que se ia aproximando com muita lentidão.
As trevas envolviam já quase tudo, todavia podia ainda distinguir-se que quele vulto pertencia a unia pessoa que não sabia caminhar em linha recta.
Talvez estivesse ferida.
«Lord Diabo» esporeou levemente o cavalo e este avançou em direção àquele ponto. A uma distancia de cem jardas, «Lord Diabo» pôde constatar que se tratava de uma mulher e além disso, de uma mulher jovem e bonita. Era sem dúvida a que tinha perdido urna tira do vestido, porque o tecido era o mesmo.
Ela viu-o aproximar-se.
As suas feições contraíram-se, caiu de joelhos e soltou um grito de angústia que pareceu estremecer a meia-luz do crepúsculo.
—Não,.. suplicou. —Nã0000!...
Um sorriso distendeu as feições de «Lord Diabo», embora não fosse visível por causa da máscara.
A mulher era diabolicamente bela. Não devia ter mais de vinte anos. Estava vestida com roupas simples, meio rotas, e tal facto permitia admirar a perfeição maravilhosa das linhas do seu corpo.
—Não sou nenhum desses aprendizes de salteador—explicou. «Lord Diabo» com voz melíflua. —Esses não voltarão mais.
Guiando-se pela voz, a rapariga ergueu para ele uns olhos imensamente grandes e estranhamente fixos, tão formosos e quietos como dois brilhantes pedaços de lua.
«Lord Diabo» compreendeu imediatamente.
Era cega.
—Que te aconteceu? — perguntou.
—Não sei... Não posso dizer-lho com exatidão. Ouviram-se alguns tiros e de repente alguém abriu a porta da diligência e arrojou-me para fora... Não consegui evitá-lo...
— Com o que te salvou a vida —a voz de «Lord Diabo» continuava a ser sibilante e áspera, mas ao fim e ao cabo para ela era urna voz humana.
— Aqueles imbecis teriam acabado contigo da mesma maneira. Eram parentes teus as pessoas que viajavam na diligência?
— Mataram-nos?
— De nada serve mentir. Não ficou um vivo.
—Meu Deus!...
«Lord Diabo» desmontou. No silêncio da planície ouviu-se sinistramente o tilintar das suas esporas.
— Eram ou não parentes teus?
— Não... Eu viajava com um amigo de meus pais. Deve ter sido ele que me lançou pela porta fora, para me salvar. Ia a Dallas para... — hesitou. —Para me fazerem uma operação aos olhos. Sou cega.
— Já vi.
— Quem... é o senhor?
— Isso não importa agora. Sou o homem que matou os bandidos que assaltaram a diligência.
— Então... deve ser o sheriff...
«Lord Diabo» soltou uma gargalhada.
—O sherifff... tem graça. Não, rapariga, nada disso. Mas de um modo ou de outro tens de chegar a Dallas. Vamos, sobe para o meu cavalo.
Ela aproximou-se.

terça-feira, 21 de março de 2017

PAS727. Reencontro em Dallas

O homem que galopava através da planície parecia querer chegar a Dallas como uma flecha.
Montava um magnífico corcel, uma bela estampa, mas que não era de cor viva. A sela também era vulgar, o que parecia indicar que o cavaleiro não queria que a sua montada chamasse demasiado a atenção.
Em contrapartida, ele sim.
Segurava as rédeas com a mão direita, em vez de o fazer com a esquerda, como é natural a todos os que montam, para ter a destra livre e poder empunhar o revólver.
Mas este cavaleiro lá tinha os seus motivos.
A sua mão esquerda consistia numa série de peças metálicas articuladas, formando uma verdadeira garra.
As suas feições estavam completamente cobertas por uma máscara vermelha que só deixava ver dois buracos, um para a boca e outro para os olhos. 
À  luz mortiça da planície, e sob o sol que já começava a esconder-se, aquele homem, parecia uma autêntica visão de pesadelo.
Estava a meia jornada de Dallas, e contava chegar à cidade durante a noite.

segunda-feira, 20 de março de 2017

RB006. Lord Diabo

(Coleção Rio Bravo, nº 6)
 
 
«Lord» Diabo…
Uma visão que causava repugnância e medo. Um homem com uma máscara que lhe tapava parte da cara deformada e com uma garra que lha substituía a mão esquerda.
Do cárcere marcou o reencontro do seu bando para a cidade de Dallas.
E todos para ali se dirigiram cruzando o seu destino com uma cega que procurava alguém que lhe devolvesse a vista.
Kane traz-nos mais uma novela em que o inesperado se revela no homem capaz de destruir a sua própria quadrilha. Eis algumas passagens


quinta-feira, 16 de março de 2017

PAS726. É impossível resistir à mulher de vermelho

Estrella e Sidney sentaram-se numa mesa relativamente afastada. Ele encomendou um esplêndido jantar e vinhos da Califórnia. Não tinha muito dinheiro, pois durante aquele ano à procura de Estrella só conseguira economizar uma parte do que lhe pagavam como explorador do Exército, mas decidiu gastar tudo naquela noite. Só queria deixar um pouco para o enterro de Estrella.
Sim, queria fazer-lhe um enterro digno. Ela pareceu adivinhar os seus pensamentos.
—Comprar-me-ás flores — disse num sussurro. — Quero muitas flores vermelhas, Sidney, sobre o meu vestido vermelho.
— Comprar-tas-ei.
Comeram e beberam em silêncio. Ele evitava olhá-la, mas de vez em quando notava sobre a pele o contacto quente dos seus olhos.
Era um contacto que lhe causava prazer e ao mesmo tempo lhe fazia mal.
—Que idade tens, Estrella?
—Vinte e quatro.
—Não és uma criança...
—Bem vês que não.
—Onde nasceste?
—Em Richmond, Virgínia. Mas advirto-te, Sidney, que quantas menos coisas me perguntares, melhor. Não se deve procurar saber nada da mulher que se vai enviar para o caixão.
—Ê para dizer qualquer coisa. Não queres que jantemos absolutamente calados, pois não? Com que então nasceste em Richmond, Virgínia... és por acaso uma aristocrata do Sul?
—Sim.
Sidney ficou surpreendido por aquela resposta, porque foi dada com uma seriedade absoluta.
— Que se passou com a tua família?
—Morreu... Os nortistas mataram-na. Vi o cadáver do meu irmão decompor-se, porque me encerraram vários dias com ele num quarto, enquanto os assaltantes se embebedavam. Depois, quando já não tinha forças, fui tirada dali e ultrajaram-me.
Sidney apertou os lábios, que formaram uma linha espantosamente recta.
—Não é possível.
—Porquê?
—O exército Nortista estava sujeito a uma disciplina. Os seus soldados não violavam as mulheres nem as encerravam com os cadáveres. E se o faziam, eram fuzilados. Eu vi passar pelas armas alguns, a toda a gente sabia ao que estava exposta, se ultrajasse uma mulher. O que me contas é inventado.
—Não, Sidney.
—Não?
—O nosso caso era especial. Demos alojamento a uns sabotadores condenados à morte. Então os nortistas enviaram uma patrulha e castigaram-nos da forma mais cruel.
—De qualquer modo não tinham direito a fazer isso contigo. 'Como se chamava o tipo que comandava essa patrulha?
—Era um capitão chamado Gordon.
— Gordon... Recordá-lo-ei.
—Não te preocupes. Aquilo já passou. Desde então parece-me que passaram séculos.
Sidney bebeu dois copos de vinho seguidos, tentando aturdir-se, mas era impossível. Estava cada vez mais sereno.
Apesar de não lhe convir escutai- a rapariga, precisava saber, saber...
—Por que te ias casar com meu irmão John? Contaste-lhe o que se passara? Disseste-lhe que tinhas sido ultrajada?
—Sim, mas não lhe contei as circunstâncias.
—E ele insistiu em casar-se?
—Eu agradava-lhe muito. Estava enamorado de mim.
— Mas tu não o estavas. Por que ias casar-te?
— Porque queria matá-lo.
Sidney estremeceu. As suas mãos abriram-se e fecharam-se.
—Querias matá-lo?
—Sim.
— Porquê?
—O teu irmão John vivia no Sul e fingia ser um amigo dos confederados, mas na realidade era um dos mais hábeis espiões com que contava o governo de Abraham Lincoln.
— Isso é verdade — disse Sidney. — Eu sabia-o.
— Foi ele quem seguiu passo a passo as atividades da minha família, quem nos denunciou e quem pediu que se enviasse uma patrulha para acabar connosco. Essa patrulha, comandada por Gordon, infiltrou-se em território sulista, muito próximo da frente e já te expliquei o que aconteceu. A John, que no fim da guerra se tornara rico com os transportes do rio Alabama, nunca expliquei a verdade. Mas dei-lhe o meu nome, embora o tivesse - feito compreender com meias palavras que nada tinha que ver com os Kurzon que ele denunciara. Um homem menos transtornado teria suspeitas, mas John nunca as sentiu. Necessitava acreditar em mim porque estava enamorado. Com todas as suas forças queria tornar-me sua. Quando lhe cravei duas balas nas costas, sentiu a maior surpresa da sua vida.
—Por que o fizeste?
—Já to disse: por vingança.
O rosto de Sidney ficou tenso.
—Mentes!
—Porquê?
— Se o tivesses matado por vingança, não te terias incomodado em roubar-lhe vinte mil dólares.
Ela sorriu, inexpressiva e sem o olhar, como se estivessem a cem milhas de distância.
—Vinte mil dólares foi o que John cobrou por ter averiguado onde ficava a base dos sabotadores que todas as noites se infiltravam nas linhas nortistas, assassinando e semeando o terror. Eu não queria que esse dinheiro continuasse em seu poder, nem depois de morta. Mas não acabei. Sabes o que fiz com ele?
—Não me interessa.
— Enviei-o aos hospitais do Sul. Posso prová-lo.
Sidney mordeu o lábio inferior, nervosamente: sabia que ela estava a dizer a verdade.
—Não quero que me expliques mais nada. Nem mais uma palavra, compreendes? Não me importa se és inocente ou culpada, se tinhas os teus motivos para matar John. Tu -assassinaste-o e vais pagar. Jurei que o vingaria.
Ela sussurrou:
—Não te pedi perdão. Só te disse que tenho medo da morte e queria que me eliminasses estando a dormir.
Os dois olharam-se fixamente nos olhos, com uma estranha expressão. As suas feições estavam tensas.
Por isso, porque estavam a olhar um para o outro, não notaram que alguém se aproximava da mesa.
—Que par de tontos. Quer beber um copo comigo, menina.
Sidney levantou a cabeça e olhou para o intruso. Era um tipo alto, forte e algo gordo, muito bem vestido. Devia ter uns trinta anos. A camisa tinha desenhos estampados e as iniciais «J. D.» bordadas. Não havia dúvidas de que se tratava de John Dickensen.
Para reforçar esta impressão viu o encarregado do hotel que, apoiado na porta, tremia espasmodicamente.
—Não vai um copo? — perguntou Dickensen pela segunda vez.
Como Estrella não lhe respondia, agarrou-a por um braço e pô-la em pé, violentamente.
—Tu beberás comigo, rapariga. E esta noite vamos divertir-nos muito.
Sidney, sem se mover, disse:
— Largue-a.
—Largo-a? — o pistoleiro riu-se. —Ninguém em Abilene diria semelhante tolice. Você quer jogar a pele, amigo. Sabe quem eu sou?
—Claro que sim. Leva as iniciais gravadas na coleira e no açaimo. É um cão chamado Dickensen.
O pistoleiro empalideceu.
—Chamou-me cão?
—Sim. E saia daqui antes que me comece a aborrecer deveras e lhe pise o rabo.
O rosto de Dickensen estava completamente branco. Assombrava-o a tranquilidade de Sidney, que não se levantara da mesa e nem sequer o olhava.
—É, a sua rapariga?
—Ainda não lhe pus a marca da minha ganadaria, mas estou a acompanhá-la e isso basta. Quer sair daqui de uma vez para sempre?
—Irei com ela.
Sidney estava enraivecido e com os nervos prestes a rebentar. Desde que começara a falar com Estrella sentia-se violento e necessitava descarregar aquela violência em alguém. De modo que se pôs em pé de um salto, agarrou Dickensen pelas bandas e atirou-o violentamente contra uma das mesas.
Dickensen desfez a mesa ao cair e ia a sacar o revólver, mas Sidney ajudou-o com um pontapé e a arma saltou pelos ares. Ao ver-se desarmado, Dickensen rugiu.
Não lhe serviu de nada.
Sidney destroçou-lhe o nariz com dois terríveis murros, rasgou-lhe a camisa, partiu-lhe a boca com uma palmada de revés, arrancou-lhe as sobrancelhas com dois golpes cruzados e partiu-lhe os dentes com um último murro na boca.
Dickensen, habituado a atuar com o apoio dos seus homens, não pôde resistir àquele aluvião. Simplesmente, teve medo e pôs-se a gritar. Como Sidney, ainda tinha um revólver, tentou desesperadamente chegar até à porta. Sidney esfregou as mãos, dando por concluída a questão depois de castigar brutalmente Dickensen.
Mas de repente este voltou-se. Julgou que o seu inimigo estava distraído. Tentou abraçá-lo e arrancar-lhe o revólver.
Sidney deu pela manobra e foi muito rápido. Espantosamente rápido.
Quando Dickensen chegou junto dele, Sidney já tinha agarrado urna garrafa pelo gargalo, partindo o resto contra uma mesa. As arestas da garrafa brilharam como agudos punhais, e ele cravou-as no rosto do inimigo. Dickensen lançou um horrível grito de dor; enquanto levava as mãos à cara, convertida numa máscara de sangue.
Gritando, caindo e levantando-se, chegou até à porta e desapareceu na noite.
Estrella Kurzon estava mortalmente pálida.
—Bem — sussurrou Sidney—, creio que estragámos o jantar a toda a gente. Desculpem, senhores. Vamos, rapariga.
Dirigiram-se para a escada do hotel, passando. pela porta onde estava o encarregado. Este tremia. como se fossem enforcá-lo.
—Não sabe o que procurou... —balbuciou.—. Ser inimigo de Dickensen é terrível... Adverti-o…
—Cale-se, cobarde!
Subiram ao quarto. Estrella tremia. Toda a sua carne, o seu corpo, palpitava de maneira obcecante.
Quando Sidney fechou a porta, voltou-se para ele.
— Sidney…
— O que há?
— Devíamos ter trazido uma garrafa. Não estou bêbeda.
—Nem eu.
—Sidney...
Os seus lábios estavam entreabertos.
Foi ela que se lançou sobre ele. Foi ela quem o beijou na boca.

quarta-feira, 15 de março de 2017

PAS725. Mata-me enquanto durmo

Sidney perguntou, martelando as palavras:
—Chamas-te Estrella Kurzon?
—Sim.
A voz da mulher era ligeiramente suave, trocista e falava com o quente acento do Sul.
Sidney acariciou o coldre.
— Ias casar-te em Alabama com um homem chamado John Barton?
—Sim.
—Cravaste-lhe duas balas pelas costas?
—Sim.
A mulher respondia firmemente, sem vacilar, enviando-lhe até ao fundo da pele o olhar dos seus olhos negros.
—Estás a reconhecer o teu delito—disse Sidney sem deixar de acariciar o revólver. —Nunca supus tantas facilidades.
—Digo sempre a verdade.
—Sempre? Disseste a verdade a John quando asseguraste que o amavas antes de lhe descarregares um revólver nas costas?
—Essa foi a única mentira da minha vida.
—E não foi nada má. Posso saber, pelo menos, por que o mataste?
—Não.
A negativa da mulher surpreendeu Sidney.
—Confessaste o teu crime e agora não queres dizer isso? Advirto-te que o resultado vai ser o mesmo. Pergunto-o por simples curiosidade.
—Não o digo. E vou fazer uma pergunta. Quem és tu?
—O único irmão de John.
—John tinha aspeto de cavalheiro e pelo contrário tu tens aspeto de malandro.
— É que eu sou um malandro.
— Não te dedicaste aos negócios como ele?
—O meu negócio consistiu em ser explorador, durante a guerra e depois dela. Um prato de feijões e 'Uma chávena de café por dia, forragem para o cavalo, um gole de rum antes de cada caminhada e dez dólares por mês para convidar uma rapariga. Já vez que com isso não pude 'economizar muito. Se fosses outra, deixaria que cuspisses sobre mim. Mas tu não o farás.
—Por que não?
— Persegui-te durante doze meses para te matar.
Os lábios da mulher tremeram por um instante.
—Não viste que estou defendida?
—Esses dois canalhas já estavam contigo, pelos vistos, quando mataste John. E então?
—Seguramente eles matar-te-ão.
--Por quê não experimentamos?
Foi naquele instante, ao saber que iam falar os revólveres, quando os três homens olharam em redor. Estavam sós na planície, próximo de Abilene, e sabiam que ninguém viria interromper o duelo. Ao fundo, a umas duas milhas, distinguiam-se os telhados poeirentos da cidade, e ao norte, a umas quatro milhas, chegava uma manada, da qual só se via a imensa nuvem de pó. Nada mais. O desafio ia ser, por assim dizer, cómodo. E ia ser de morte.
Os dois homens que acompanhavam Estrella Kurzon arquearam lentamente os braços.
Sidney também.
Durante uns intermináveis segundos, sob o sol de Agosto, os três contiveram a respiração. Não se ouvia nada, nem o compasso dos seus corações. Os revólveres brilhavam. Estrella disse:
—Eu darei o sinal.
—Está bem.
Esperou ainda uns dez segundos, pensando que Sidney se poria nervoso e gritou:
—Agora!
Três revólveres brilharam à luz. Sidney apertou os lábios, encolhendo-se, como os índios lhe tinham ensinado a fazer no Arizona, sob as flechas do inimigo, e disparou duas vezes, carregando a arma com frenético movimento da mão esquerda. O homem que primeiro levantara o revólver, fez um estranho movimento ao ficar com o queixo atravessado e caiu para trás, levando o revólver à boca, como se fosse engoli-lo. Na realidade foi una movi- , -mento instintivo da sua mão para chegar até à ferida. Mas Sidney não teve tempo de o contemplar.
O outro disparou quase ao mesmo tempo e a bala arrancou-lhe o chapéu.
A bala de Sidney já ia a caminho.
Alcançou o inimigo no peito, muito perto do coração e fê-lo dobrar-se lentamente. Caiu de joelhos, ia a disparar outra vez, ante o olhar impassível de Sidney, e de repente caiu de bruços sobre o pó, lançando, o seu último suspiro.
Sidney baixou o revólver lentamente. Os seus olhos encontraram os da mulher.
E notou que a mulher de vestido vermelho tinha um olho negro, que parecia trespassá-lo, e que os seios, sob o vestido, palpitavam como -uma chama.
Estrella balbuciou:
—Esta bem, conseguiste o que querias. Já me tens sozinha numa planície onde ninguém poderá ajudar-me, desarmada e tendo tu um revólver na mão. Não 'perdeste o tempo durante os doze meses, no fim de contas. Dispara.
—Não vou fazê-lo como pensas. Os teus homens tiveram que largar as armas e um deles só disparou uma bala. Portanto podes escolher qualquer, na certeza de que encontrarás chumbo. Agarra o que quiseres.
—Para quê?
— Para defenderes a tua vida. Não sabes manejá-lo?
—Não.
—Mas foste muito hábil para matar John.
— Disparei-lhe sobre as costas. Aquilo foi muito simples. E agora não conseguiria pôr o revólver em linha de tiro antes que tu me crivasses.
—Vou dar-te vantagens. Tu podes ser uma víbora, mas não um pistoleiro profissional como eu. Terei o revólver no coldre e só o sacarei quando tiveres o teu na mão.
— Não, Sidney.
O rapaz sentiu uma estranha emoção pel¢ facto de ela se recordar do seu nome.
— Queres morrer como uma cadela?
—Não quero que me mates aqui, Sidney.
Ele olhou-a, desconcertado.
—Como?...
—Não quero que me pisem as manadas ou me devorem pela noite os animais da planície. Eu não sou mais do que uma cobarde, Sidney e a morte. dá-me horror. Talvez nunca tenhas vista um cadáver em decomposição. Eu vi um: o do meu irmão.
Sidney apertou os lábios.
—O que for dos nossos corpos depois da morte, não é assunto nosso. E assim acontecerá, mate-te onde te matar.
—Fá-lo em Abilene.
—A que propósito vem esse pedido tão absurdo? Pretendes enganar-me como enganaste John?
Ela mostrou-lhe as mãos vazias.
—Como posso 'enganar-te? Que armas tenho?
—Pretendes ganhar tempo.
—Para quê?
— Em Abilene podes ter algum amigo ou podes encontrá-lo. Estamos a perder um tempo que tu necessitas para outra coisa. Reza.
— Faz-me um favor, Sidney. Já te disse que tenho horror à morte.
Ele voltou a passar a língua pelos lábios, dando conta e que os tinha espantosamente secos. Notou também que o olhar dos olhas negros penetrava até ao ais fundo de si mesmo. John tinha sido um homem esperto e, todavia, jazia agora com duas balas na costas, apodrecendo num caixão no quente Alabama Certamente Estrella olhou-o com aqueles mesmos lhos, doces e apaixonantes, antes de o matar.
Mas, apesar de tudo, não apertou o gatilho.
— Que espécie de favor me vais pedir?
— Que Me mates sem que eu dê por isso. Que me mates enquanto eu estiver adormecida.
—Isso é uma estupidez.
—Crês que toda a gente é capaz de olhar a morte cara a cara, Sidney?
— As víboras não.
Ela respirava angustiosamente. Via-se com clareza que tinha medo.
— Que estou a pedir-te? — sussurrou. — Perseguiste-me durante um ano, e agora já me tens. Não posso escapar. Quando esta noite me atravessares a cabeça num quarto de hotel, poderás, pelo menos, fazê-lo sem te arrependeres.
—Atravessar-te a cabeça... num quarto de hotel?
—Tomamos o mesmo quarto e inscrever-nos-emos como o senhor e a senhora Barton.
Sideny notou que se lhe toldava a mente por um instante. Conhecia de sobra qual era o jogo dessa mulher, esse jogo tão velho como o mundo conduzir o homem como um cão, despertando ele os instintos adormecidos. Compreendia tudo isso e não o podia evitar. Recordou aquela vez, já longínqua, em que através de uma janela tinha visto aquela mulher a despir-se.
Não, não podia ser.
Se a escutasse agora, se a olhasse outra. vez, cairia nas suas malhas.
Ia a apertar o gatilho. Ela caiu de joelhos.
E então Sidney notou que lhe tremia p. mão, que pela primeira vez era incapaz de disparar.

terça-feira, 14 de março de 2017

PAS724. No encalce da mulher de vermelho

A busca começara no Novo México, onde abundavam os jogadores profissionais e as mulheres bonitas. Sidney pensara que uma mulher que acaba de roubar vinte mil dólares deve ter interesse em tomar quanto antes um dos navios que levam a Nova Orleans ou a Tampa, na Flórida, donde é fácil desaparecer.
Mas a mulher do vestido vermelho não tomara nenhum navio. Sidney perdera a sua pista até que o dono de um hotel assegurou ter-lhe dado alojamento por uma noite.
—Eram uma mulher e dois homens. Eles com pinta de pistoleiros profissionais, porque usavam os coldres baixos e vestiam de uma maneira que aqui já não se usa. Pareciam condutores de mana- das daqueles que há mais a Oeste. Mas ela... diabos, ela era uma senhora! Levava um vestido vermelho bastante estragado e saiu a comprar outro. Parecia sentir um fraco por essa cor. Era morena, com os olhos negros. O tipo de mexicana ardente... Juro--lhe que ,naquela noite não pude dormir. Se a minha mulher chega a adivinhar-me os pensamentos, mata-me.
Matar... matar... Era essa a ideia que se instalara no cérebro de Sidney. Matar a mulher do vestido vermelho.
O hoteleiro disse-lhe que tinham tomado uma diligência para o Oeste, e ele seguiu a sua pista através do Mississipi. Perdeu-a várias vezes e voltou a encontrá-la, porque todos aqueles territórios eram um caos depois da guerra. Durante meses julgou ter aquela mulher ao seu alcance e ela fugiu--lhe. Uma vez chegou a vê-la.
Ela estava num quarto de hotel, despindo-se em frente da janela, e ele contemplava-a do telhado de uma casa fronteira. Podia tê-la matado, mas repugnou-lhe a ideia de exterminar alguém assim, sem dar a cara. Viu a roupa interior da mulher e obcecou-se. Pensou que era a mulher mais diabolicamente formosa que vira na sua vida. Naquele momento, um bêbedo 'disparou da rua contra ele. Seguiu-se um tiroteio, Sidney foi detido pelo «sheriff», e quando no dia seguinte quis seguir de novo o rastro da mulher, já esta tinha desaparecido.
Mas agora a cavalgada acabara.
Agora estavam os três em Abilene, Texas, onde se mata e morre.

segunda-feira, 13 de março de 2017

PAS723. Um casamento gorado

Tudo acontecera meses antes, em Agosto de 1865. Sidney Barton era o abandonado da família. Explorador infatigável no Oeste, recebera um dia o convite de seu irmão John para que assistisse ao seu casamento. E dirigira-se a Tuscalosa, no Alabama, onde estava a velha casa da família.
Mas ali não encontrara ninguém.
Bem, «ninguém», não.
Tinha encontrado o seu irmão John, agonizando por causa de duas balas nas costas.
John ainda pudera falar. Pudera dizer-lhe coisas importantes antes dos seus olhos se fecharem para sempre.
—Foi ela... Estrella Kurzon... ia casar-se comigo. Quando estávamos a sós disparou dois tiros pelas costas...
—Mas porquê? Porquê?
—Não... não sei.
Sidney Barton lembra-se de que tivera um gesto de angústia e passara a língua pelos lábios secos.
—John... Tu tinhas sorte nos negócios. Ê o dono da frota mais importante da rio Alabama... Os teus barcos transportam algodão de Montgomery até ao golfo do México e aos países do Sul. Fê-lo para te roubar? Que diabos pretendia?
—Levou... vinte mil dólares... Sidney.
—Então já tens o motivo.
—Não é isso...
—Juro-te que não te entendo, John. Engana-te, crava-te duas balas nas costas, leva vinte mil dólares, e ainda garantes que não o fez para te roubar?
—Podia ter levado... muito mais.
—Talvez não tivesse ocasião.
—Teve. Podia ter feito o que quisesse. Na vida dessa mulher há algo mais... Mas nunca me tinham enganado de uma maneira tão miserável. Dizia que me amava, Sidney... E disparou sobre mim a sangue frio... Jura-me... que me vingarás.
Os olhos de John fechavam-se. Sidney compreendeu que não podia perder muito tempo.
—Como se chama?
—Já to disse. Estrella Kurzon.
—Como é ela? Lembra-te que nunca a vi.
—É... muito bonita... Morena, com os olhos negros e tipo de mulher ardente, mexicana... Não está bem que eu diga isso... agora que vou morrer... Mas enlouquecia-me. Tu seguir-lhe-ás bem a pista, porque por onde passa todos os homens se fixam nela... quase sempre leva um vestido vermelho... e acompanham-na dois homens.
Todos estes dados tinham ficado cravados na mente de Sidney Barton.
Os olhos negros, o tipo de mulher ardente, o vestido vermelho... E os dois pistoleiros que a acompanhavam para a proteger.
Depois destas palavras teve que fechar os olhos do seu irmão.
John morrera.
Lá fora zumbiam as moscas e fazia um calor espantoso.
Tal como agora, um ano depois...

domingo, 12 de março de 2017

RB002. Canção para os mortos

(Coleção Rio Bravo, nº 2)
 
 
«Chamava-se Barton e tinha que matar uma mulher.
«Durante mais de um ano, durante doze a treze meses intermináveis, perseguira-a desde os terrenos algodoeiros de Alabama às planícies do Mississipi, e daí aos lagos da Louisiana e aos caminhos poeirentos do Texas, onde abundavam os pistoleiros. Agora tinha-a na sua frente. Estava em frente dele, com o seu diabólico vestido vermelho, empunhando um revólver e com um homem de cada lado. Dois pistoleiros a soldo dispostos a defendê-la.
«Fazia um calor horrível.
«Barton sabia que ali era necessário viver ou morrer.
«Estava-se em Abilene, Texas, num dia de Agosto de 1866. »
Assim começou Silver Kane esta «Canção para os mortos». Trata-se de uma novela no melhor estilo do autor o qual esteve muito presente nesta fase inicial da Coleção Rio Bravo. Para o ilustrar, iremoa apresentar algumas passagens que nos mostram que a relação de Barton com a bela mulher vestida de vermelho nunca foi pacífica nem bem definida...