sábado, 23 de junho de 2018

BUF167.09 Lutar pelo futuro de Carmen

Parecia fora de dúvida que Tom «El Toro» tinha renunciado a toda e qualquer resistência à prisão, pensando tentar a fuga durante a longa viagem até El Paso.
Roger Modol entendeu-o assim e, por isso, teve um pequeno descuido, no momento em que ia fechar o primeiro anel de aço. Juan Rode, que olhara para as mãos do caçador de recompensas e não para a sua cara, adivinhou a oportunidade, não a deixando passar.
Modol desviou um pouco o cano da arma, sem se aperceber do facto. Apenas um pouco, mas o suficiente para Juan... Com uma cotovelada sua e inesperada, acabou de desviar o cano do revólver.
Ao mesmo tempo, com a outra mão, agarrou uma das próprias armas, que Modol tinha entalado no cinturão, e empunhou-a. Foi tudo rapidíssimo.
Modol retrocedeu, precipitadamente, a ponto de cair, praguejando, furiosamente. Não largara a arma. A sua reação imediata foi deixar cair as algemas e pronunciando um insulto, premir o gatilho, visto que, na verdade, a recompensa oferecida pelo bandido tinha o mesmo valor, quer fosse entregue morto, quer vivo.
Rode saltou para o lado. Atrás dele, ficava a porta de entrada do estábulo e, instantaneamente, pensou que seria perigoso dar as costas ao Galluro. O tiro da arma de Modol foi logo seguido de outro, quando ainda não se tinha apagado o eco da primeira detonação. Juan Rode fez fogo, também, ainda em movimento para o lado, com a arma muito baixa e o braço um pouco recurvado. Roger Modol saltou para trás, ou, melhor dito, deslizou na terra, para logo cair de costas, pesadamente, quase rígido.
Juan Rode não costumava disparar mais que uma vez... Meteu o invólucro no coldre e voltou a cabeça na direção de Jim Galluro, com uma expressão de desafio. O jovem estava muito pálido, embora se esforçasse por sorrir com desprezo. Carmen acudira, correndo, atraída pelos tiros.
— Que aconteceu? — perguntou, agitada. — Quem disparou?
Jim respondeu:
— O teu pai acaba de matar mais um homem.
Olhando Jim Galluro com dureza, Juan acrescentou:
— Um homem que tu, naturalmente, não conhecias, não é verdade ?...
Raivosamente, Jim respondeu:
— Não sei o que quer dizer... Conhecia-o, sim. Chamava-se Modol e era um caçador de recompensas.
— Não ganhará mais nenhuma — concluiu Juan.
Debruçou-se sobre o cadáver de Modol, para recuperar o outro revólver.
Não o esperava qualquer complicação. Vários homens tinham visto Modol disparar primeiro e todos sabiam que a «profissão» de caçador de recompensas, sendo compensadora, sujeitava todos que a seguiam a uma morte trágica, mais tarde ou mais cedo, conforme sucedera a Modol. Carmen sussurrou, ao ouvido de Jim:
— Vamo-nos embora! Já!
Jim Galluro, que inventara a história da luta, apenas para levar Tom «El Toro» àquele lugar, retorquiu, com maus modos:
— Deixa-me em paz, agora! Não partimos! Não vês que ele nos seguiria? Não sairemos de Tucson. Havemos de roubar o Banco, ainda que o teu pai não saia do nosso lado!
— Como o faremos?
— Ainda não sei, Voltamos para o hotel.
Passaram por Juan. O bandido limitou-se a olhá-los.
*
Robert Joyce enrubesceu ligeiramente, ao ver entrar Juan Rode. Voltou rapidamente a cabeça, para olhar para o pai, que trabalhava no escritório, de porta aberta.
— Como passou, jovem? — perguntou Juan.
Com um olhar suplicante, Robert retorquiu:
— Oiça, tenho de lhe pedir um favor. Não fale do que, se passou na outra noite... Meu pai não gostaria de saber que abri o Banco àquelas horas, e...
— Com certeza. Foi uma loucura da sua parte, jovem. Mas descanse que eu não falarei. Vim aqui para lhe contar uma história curiosa. Diz respeito à jovem que estava consigo...
Joyce endireitou-se, reagindo com certa violência
— Que há com ela ? Não creio que tenha nada a ver com você!
— Pois... de certo modo, tem. Acontece que sou um velho amigo do pai dela.
Joyce murmurou, desculpando-se:
— Queira perdoar-me, senhor. É que há muita gente que se julga no direito de insultar a menina Rode, só porque ela vive sozinha. Mas o pai deve estar a chegar...
Juan moveu a cabeça, num gesto de dúvida.
— Não me parece provável que Rode venha, por estes tempos mais chegado. Não se aborreça, que eu não falo apenas por coscuvilhice, mas acho-me no dever de querer avaliar as suas intenções relativamente a Carmen. Rode é muito meu amigo e parece-me natural...
Robert apressou-se a afirmar, abertamente:
— As minhas intenções são claras. Quero casar-me com ela, logo que seja possível. E fá-lo-ei.
— Acho muito bem. Mas talvez o seu pai...
— O meu pai não se oporá. Já falámos do assunto. Ele só quer que eu esteja perfeitamente seguro do que faço. E estou! Não me importa que Carmen não tenha dinheiro.
Juan Rode examinava-o atentamente, enquanto ele falava e pareceu ficar satisfeito com o exame.
— Carmen não é pobre, jovem. O seu dote será bastante grande, não duvide. Sei que o pai se tem preocupado com isso... Não quero presumir de amigo de um ricaço, mas sempre lhe digo que Juan Rode poderia comprar este Banco, se quisesse. E, agora, deixe-me dar-lhe um conselho... Não volte a abrir o Banco à noite!
O rapaz sorriu.
— Não penso fazê-lo, depois do susto que apanhei. O senhor... poderia fazer saber ao pai de Carmen que sou uma pessoa decente, que amo a filha dele, que...
Juan interrompeu-o:
— Farei isso mesmo, jovem, e com muito gosto.
Deu-lhe uma palmada amistosa no ombro e saiu do Banco, não antes de Robert Joyce lhe perguntar:
— Não o conheço de algum lado, senhor? Tenho a impressão de que o seu rosto não me é estranho...
«Viste o meu retrato nalgum jornal, ou cartaz», pensou Juan. «Felizmente, as fotografias nunca foram boas, nem saíram bem impressas.»
Em voz alta, respondeu:
— Não creio. Nunca tinha estado em Tucson. Adeus, jovem.
Juan Rode estava disposto a apoiar as pretensões do rapaz. Robert Joyce agradava-lhe. Estava disposto a renunciar à filha, desde que ela ficasse entregue ao jovem.
— Nunca seria possível eu viver com ela — monologou. — É um sonho irrealizável! Carmen jamais se esquecerá de que lhe matei a mãe e jamais mo perdoará, embora isso tenha sucedido acidentalmente. E há o meu passado... Tom «El Toro»! Sempre haverá um Roger Modol tentando transformar-me em dinheiro e em glória para ele... Não é possível. Terei de me separar dela, para sempre. Antes, porém, terei de a livrar do canalha de Jim Galluro e de a casar com Joyce. Carmen está convencida de que gosta dele, mas não é possível amar-se um canalha daquela espécie. É quase tão indesejável como eu!...
Precisava de ver Galluro, quanto antes. Jim não estava no hotel, mas calculou que o encontraria facilmente numa taberna e assim sucedeu. Encontrava-se no mesmo estabelecimento em que se encontrara com Roger Modol.
Ruminando o seu desespero, procurava descobrir um meio de chegar ao dinheiro do Banco de Tucson. Tinha a certeza de que nem sequer Carmen, com todos os seus atrativos, conseguiria voltar a convencer Robert Joyce a abrir o cofre. Alguém surgiu diante da sua mesa, tapando a luz da janela. Jim levantou a cabeça, para dizer qualquer coisa, mas acabou por se limitar a olhar para Juan Rode, mergulhado em torvo silêncio.
— Posso sentar-me, rapaz ?
— Faça o que quiser, velho. Ainda não se decidiu a desaparecer de Tucson?
— Não, ainda não. Mas não tardarei.
Jim riu-se, desagradavelmente.
— Com a sua filha, não ? Nem pense nisso! Teria de a levar amarrada e, mesmo assim, fugiria na primeira ocasião. Ela não é fácil de domar...
Orgulhoso, Juan concordou:
— Bem sei, é minha filha! Mas não penso levá-la.
Galluro surpreendeu-se, ao ouvi-lo.
— Renuncia, então, a aborrecer-nos ?
— Sim, pensei que ela pode muito bem ficar em Tucson. Nós é que nos vamos embora. Você e eu.
Jim empalideceu .
— Eu... você ?! — estranhou. — Oiça, eu gosto de Carmen e pouco me importo com o que você pense. De resto, não tenho quaisquer escrúpulos em aspirar à sua mão, uma vez que você é ainda pior que eu...
— Deixemos isso, Jim — interrompeu Juan. — Não vim para discutir contigo, mas para te anunciar que vais sair de Tucson e sozinho. Dou-te até à meia-noite de hoje... Tens tempo para te despedires de Carmen. Se quiseres, conta-lhe uma história qualquer, para te justificares. Tens muito boa cara para aldrabão.
Calou-se, por momentos, para acrescentar, ameaçador:
Mas não tentes ficar em Tucson. Depois da meia--noite, sairei à tua procura, a tiro. Nem pretendas levá-la contigo! Tomarás o caminho do Texas, rapaz, precisamente esse.
— Quer que eu vá ter com o meu irmão ?
Juan Rode levantou-se, lentamente, respondendo:
— Não, rapaz, seria inútil. Foi o teu irmão quem me pôs na tua pista. Mas ele era um homem difícil, tal como os seus pistoleiros.
Jim empalideceu, crispando as mãos,
— Era? Que quer você dizer ?
— O que imaginas. Tive de o matar, assim como aos seus homens. A todos eles. Pensei que tivessem feito mal a minha filha. Como vês, não será bom para a tua saúde permaneceres em Tucson, para além do prazo que te marquei!
Voltou as costas e afastou-se. Jim levantou-se e puxou pelo revólver.
No entanto, ainda nem sequer tinha tirado metade da arma do coldre quando Juan se voltou, apontando-lhe uma das suas e advertindo-o, escarninho:
— Tem cuidado, Jim... Ainda não dei cabo de ti por que, de certo modo, tens sido decente para Carmen, mas só por isso! Mas não me faças perder a paciência. Quanto ao teu irmão... Para homens como tu e eu, como ele, não existem sentimentalismos. O que importa é viver! Por isso, esquece quaisquer desejos de vingança, ou viverás pouco, rapaz!
Jim voltou a sentar-se, largando a coronha da arma, enquanto murmurava, com voz tremente, mas vibrante:
— Hei-de matá-lo, por tudo isto, Rode. Não imagine que é invencível... Hei-de matá-lo, qualquer dia...
— Bem, mas que não seja hoje. Talvez voltemos a encontrar-nos no Texas, por que não?... Então, falaremos de tudo isto. Quando estivermos ambos longe de Carmen... Mas, para já, não te esqueças de que os ares de Tucson serão mortais, para ti, a partir do nascer do novo dia...
Juan Rode sorria, quase com amabilidade, ao guardar a arma no coldre. Depois, muito lentamente, voltou-se e abandonou a taberna, sem voltar a olhar para o rapaz.

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