terça-feira, 21 de abril de 2015

CNT007. «Abutre Negro», o índio renegado

LARRY Jones ficou parado à porta do «saloon», com as mãos a segurarem os batentes. Quase abriu a boca de espanto e por duas vezes a seguir abriu e fechou os olhos, como se não acreditasse no que via.
Era possível existir no velho Oeste turbulento, cheio de perigos e traições, uma cidade cujos habitantes deixassem vazio o «saloon» por volta da meia-noite? Não! Aquilo era um sonho! Larry não podia estar acordado!
Tal facto era tão impossível como dez e dez serem dezassete Resolveu avançar e esclarecer a incógnita. A sala era grande, estava cheia de mesas, simetricamente arrumadas, e o balcão limpo, a brilhar, mostrava falta de uso. Os candeeiros, de luz forte, estavam acesos, a iluminar aquela atmosfera vazia de vida e calor. Por trás do balcão estava o taberneiro — o único homem presente — que abria a boca de aborrecimento.
Larry dirigiu-lhe a palavra:
— Oiça, amigo. Que aconteceu por aqui? A cidade está despovoada? Ou será que ninguém por cá gosta de beber?
Como resposta, o recém-chegado viu na cara do taberneiro, uma sombra de susto, e os olhos, de cansados que estavam, acenderam-se subitamente com essa luz que tão bem traduz o terror. Voltou-se, avisado pelo extinto e levou as mãos aos coldres.
Nesse momento, uma seta sibilou no espaço e veio 'cravar-se no balcão entre as suas pernas.
Larry fixou a porta. Primeiro, só avistou um braço, um arco e uma seta, depois os batentes permitiram a entrada a um corpo esguio, mas musculoso (o que se via pelos movimentos) — e o «cow-boy» contemplou um índio da tribo dos arangonis, de rosto cavado pelos piores sentimentos, e uns olhos onde brilhavam chamas de malvadez.
 — Quem és? — perguntou Larry.
— «Abutre Negro respondeu o «pele-vermelha». — «Abutre Negro», que vem avisar-te para saíres imediatamente da cidade enquanto tens vida. Aqui, quem manda sou eu! Todos os «rostos-pálidos» estão sob as minhas ordens! Pela primeira vez, um índio manda nos usurpadores das terras de Manitu! — E levado por um entusiasmo, onde se notavam embrutecimento alcoólico e princípio de loucura, continuou: — Toda a cidade me teme. Ninguém sai à noite! As minhas setas e a minha espingarda têm calado os mais ousados! Rio-me das leis dos brancos e não vês como o «saloon» está vazio? Ah! Toda a bebida é para mim, sou o dono de tudo isto...
Larry Jones, sem se mexer uma polegada do sítio onde estava, com as mãos caídas sobre as coronhas das pistolas, observou melhor o índio e verificou que aquele homem era perigoso. Notavam-se-lhe atitudes de branco, o que denotava grande convívio com esta raça, e uma profunda inclinação pelo «whisky» de baixa qualidade que então abundava pelas cidades do «Far-West». Não respondeu a toda aquela «lengalenga». Olhou de soslaio para o taberneiro, e viu-o pálido, a tremer, ansioso de arranjar esconderijo na parte baixa do balcão.
Entretanto, «Abutre Negro», que avançara alguns passos dentro da sala, perguntou:
— Finalmente! Quem és tu? Que queres daqui? Não sabes que não gosto de ver caras estranhas em «Mountain City»!
Larry Jones abriu os lábios num sorriso, que fez admirar o índio, e retorquiu:
— Venho de Denver, «Abutre»! Sou o novo «sheriff» da cidade! Nomeado pelo próprio Governador... e com a missão de te prender.
A estupefação do «pele-vermelha» foi enorme.
— Prender-me… a mim?!
— Sim.
— Ah! Ah! Ah! — O índio desatou às gargalhadas, enquanto os olhos iam endurecendo e criando um brilho criminoso. Lentamente as suas mãos apertaram novamente o arco, e uma delas começou a esticar a corda, onde estava apoiada uma flecha...
Nada disto passou despercebido a Larry. Antes que «Abutre» tivesse tempo de completar o gesto, soou um tiro, e arco e flecha partiram-se nas mãos do renegado. O índio ficou paralisado pela admiração e por dois ou três segundos esteve com a vista cravada nos restos da arma; depois, levantou os olhos e fitou a pistola fumegante que Larry empunhava, sem abandonar a posição primitiva.
Nesse instante, o taberneiro, curioso, levantou a cabeça acima do balcão e espreitou. Teve um «ah!» e deixou-se cair para o mesmo lugar. Era possível que existisse um homem que se atrevesse a enfrentar «Abutre Negro»? E a sua estupefação subiu, quando ouviu Larry dizer:
— Considera-te preso, patife! Acabaram-se 'os teus dias de imposição e terror! Desta vez vais bater com os ossos na prisão, e pagarás por todos os teus crimes!
O índio, que compreendia agora a classe de adversário que tinha de enfrentar, não se precipitou. Apesar de tudo era valente e depressa viu, que na presente situação, um passo que desse, era morte certa. Aquele homem era de boa pontaria e tinha o indicador sobre o gatilho, pronto a disparar. Resolveu, por isso, fugir.
Antes que Larry o suspeitasse, sem se mover em gestos inúteis ou denunciadores, deu um salto para trás, de costas, e caiu sobre os batentes da porta, • que se abriram para o deixarem passar e logo se fecharam com estrondo, impulsionados pelas molas.
Foi este último movimento dos batentes que salvou «Abutre Negro». As balas disparadas simultaneamente pelas pistolas do «cow-boy» cravaram-se na madeira.
Mas Larry não hesitou; de um salto, atravessou a sala, saiu para a rua, a tempo de ver o índio que se afastava a todo o galope, montado num cavalo branco, e desaparecer no caminho da planície. Pouco depois, Larry Jones seguia-o...
 Ao mesmo tempo, o taberneiro corria par rua e depressa se viu rodeado por uma multidão de curiosos. Narrou a chegada do «sheriff», a intromissão do «Abutre» e terminou com uma pergunta, que traduzia bem o pensar de todos os presentes.
— Qual dos dois homens regressaria: Larry Jones ou «Abutre Negro»?
* * *
O cavalo de Larry Jones era melhor, ou estava mais fresco do que aquele que o «pele-vermelha» montava. A todos os segundos ganhava terreno. Assim, os animais aproximavam-se um do outro, encurtando as distâncias.
Larry largou as rédeas, fincou os joelhos nos flancos do cavalo para manter o equilíbrio, e tirou as pistolas. O índio, mais adiante, tomado pela raiva de se sentir quase apanhado, virou-se no dorso do animal, levantou a espingarda que levava presa da rudimentar sela do cavalo e carregou no gatilho. Ouviu-se um «clique» sonoro, bem elucidativo: a arma estava sem balas. O índio proferiu uma praga e bateu com força na garupa da montada. 
O «sheriff», que tinha percebido o que acontecera, voltou a guardar as pistolas, e preparou-se para saltar sobre o adversário. Colocou os cavalos a par, tirou os pés dos estribos, e num mergulho atirou-se sobre o «pele-vermelha».
Os dois homens rolaram pelo solo, durante alguns metros. O primeiro a levantar-se foi «Abutre Negro», o índio renegado. Agiu como uma onça, quis aproveitar esta peque-ma vantagem e disparou um potente pontapé, que Larry aparou com uma das mãos, para logo levar a outra à perna, obrigar o «pele-vermelha» a saltar sobre si. Pulou, a seguir, para cima dele e agarrando-lhe no ornamento de penas que lhe enfeitava a cabeça, sacudiu-o com violência, para o entontecer.
Depois, puxou-lhe a cabeça para o peito é desferiu-lhe um soco curto, destruidor, nos maxilares, seguido de outro, no nariz. O índio quis reagir, mas um novo soco, desta vez na ponta do queixo, fê-lo exalar um gemido de dor...
* * *
Em frente do «saloon», o taberneiro mantinha-se à frente da multidão. Um silêncio pesado envolvia aqueles homens devorados pela expectativa. Todos os olhos estavam cravados na entrada da cidade.
De súbito, lá longe, dois vultos começaram-se a desenhar nas sombras da noite. Um montado num cavalo, outro atravessado na sela — um vencedor, outro vencido.
Seria Larry Jones ou «Abutre Negro»? A resposta veio dos lábios do taberneiro, que atirando o chapéu ao ar, gritou:
-- Viva o novo «sheriff»!
 

sábado, 18 de abril de 2015

COL038. A corrida do cavalo morto

(Coleção Colorado, nº 38)
Via-se que aquele miúdo ia vencer a corrida. De repente algo aconteceu: um silvo cortou o ar, o cavalo dobrou as patas dianteiras e o miúdo voou sobre a sua cabeç estatelando-se a alguns metros. Algum tempo depois levantou-se mas não conseguiu escapar à fúria do dono do cavalo que, acoitando-o, o acusava de não ter tido uma condução correcta. Esse não era mais do que o próprio indivíduo que tinha apostado contra o seu próprio cavalo conseguindo assim enormes proveitos... e que não hesitara em o matar com uma seta para que a derrota fosse segura.
Alguns anos depois, o miúdo que conduzia o cavalo, já homem, procurou essa satânica criatura e o seu encontro modificou completamente as vidas dele e de todos os que viviam numa localidade onde o roubo do gado do vizinho era uma prática banal...

quinta-feira, 9 de abril de 2015

CLT038. Própria para pistoleiros

(Coleção Colt, nº 38)
 
Tombstone, uma cidade para encontrar a morte...
Um homem chegou à cidade à procura de um frio assassino e viu toda a sua vida ser modificada pelo auxílio que prestou a uma formosa mexicana, filha de um rico detentor de propriedades. A embrulhada que a rapariga lhe arranjou depois de se ter metido na cama onde dormia, levou-o ao altar sob o olhar de inveja de algumas sinistras personagens...
George H. White tem 18 livros registados em Portugal maioritariamente através da Editorial Ibis. Este é de leitura bastante agradável e caracteriza muito bem as relações no seio de famílias do tipo da jovem mexicana, famílias onde "honra" é uma palavra com um significado muito importante.
A capa, de Emílio Freixas, mostra um pormenor do encontro do jovem pistoleiro com uma menina que trabalhava no "saloon".

terça-feira, 7 de abril de 2015

PAS458. As últimas balas de Vance Logan

Contexto da passagem: contratado pelos Colton para abater os Danvers e Andy Terrel, Vance Logan decide pagar a sua dívida. Dirige-se ao rancho dos Colton, extermina estes, aprisiona Stella e, ferido, encontra-se perante alguns pistoleiros a soldo daquela família
 
 
 
— Matei aí dentro três homens. E não me importa morrer. Se dispararem, matarei esta mulher e pode ser que mais algum de vós, antes que eu caia. Larguem as armas.
Vacilaram.
Stella decidiu-os.
— Obedeçam. Ele é Vance Logan, o pistoleiro...
As armas caíram no chão. Vance ordenou:
— Afastem-se vinte passos! Rápido!
Obedeceram. Uma vez desarmados, que podiam fazer?
 Vance empurrou Stella até junto do cavalo, fê-la pôr-se de costas, guardou o revólver, agarrou com a mão sã a sela e montou agilmente.
— Venha aqui.
Ela obedeceu. Estava paralisada por uma incompreensão total do que acontecera, e pelo medo de morrer.
Logan agarrou-a com uma mão e colocou-a sobre pescoço do cavalo.
Tomou as rédeas com a mão esquerda, e passou o braço ferido pela cintura da mulher. Os três homens tinham-se detido, e contemplavam-nos com na mistura de coragem e apreensão impotente.
Fez virar o cavalo e esporeou-o. O animal saiu a galope, apesar da dupla carga.
Já estavam longe da casa, quando Stella falou roucamente:
— Porque fez isto?
— Andy Terrel salvou-me a vida depois do caso de Dodge. Sem pedir nada, nem esperar nada. Sabendo quem eu era.
Ali estava a explicação. Stella mordeu os lábios. O medo estava a passar e em seu lugar aparecia o ódio, ódio total, indomável.
— Que pensa fazer comigo?
— Vou deixá-la no campo, uma vez que nos tenhamos afastado muito.
Por fim, deteve o cavalo. Estavam em plena pradaria, dentro das terras do rancho, mas longe de qualquer presença humana.
O vento açoitava as ervas com força. Encontravam-se no alto de uma ligeira ondulação do terreno. A curta distância passava um riacho.
— Desça.
Stella deslizou para o chão e ficou a olhar para Logan. Este aguentou o olhar.
— Não a mato parque é mulher e eu não mato mulheres, Stella Colton. Dê graças por isso e deixe em paz Terrel e a sua noiva, ou regressarei para matá-la.
Ela não respondeu. Olhava-o...
O pistoleiro respirou fundo, endireitou-se na sela e pôs o cavalo em marcha.
Olhou em frente, decidindo qual o caminho a seguir.
Por isso não viu a mulher tirar do bolso da saia um pequeno revólver niquelado e apontar-lhe com mão firme.
Ia a lançar-se a trote quando ela disparou.
Logan estremeceu, deteve o cavalo, e depois caiu lentamente no chão.
Stella esperou dois minutos, aproximou-se e ficou a contemplar o caído, com um rictos de ódio satisfeito.
— Não esperavas este final para a tua façanha, maldito — disse entre dentes.
Stella contemplou-o intensamente, uns instantes.
Depois deu-lhe uma patada e caminhou para o cavalo, guardando o revólver.
Levantou as mãos para a sela...
— Stella... Colton...
Ficou rígida, enquanto pela espinha corria-lhe um frio de gelo.
Virou-se rápida, à procura da arma...
 Vance Logan estava soerguido sobre o cotovelo esquerdo. E na mão direita tinha o seu terrível revólver. As sombras da morte enchiam-lhe já a cara, mas não havia rasto de ódio na sua expressão.
Disparou duas vezes, as duas últimas balas que lhe restavam. Ambas entraram no ventre de Stella. A mulher gritou de agonia e horror e levou as mãos ao ventre.
Depois dobrou os joelhos e caiu, gemendo, sobre a erva.
Ali se contorceu por instantes e, depois, ficou quieta.
Vance Logan deixou-se cair pouco a pouco sobre as costas. A sua mão largou o já inútil revólver. Fechou os olhos ao sentir o sol a queimá-los. Emitiu um profundo suspiro e um fio de sangue correu--lhe pelo canto da boca. Depois, todo o corpo se contraiu num espasmo, dobrou ligeiramente a cabeça e ficou muito quieto, como que adormecido.
O vento removeu-lhe o cabelo e pareceu abrir-lhe um sorriso...

segunda-feira, 6 de abril de 2015

PAS457. Uma jovem reza por um pistoleiro

Logan desmontou lenta e agilmente. Betty e Johnny olhavam agora da porta da cabana. O pistoleiro envolveu-os num rápido olhar e depois cravou o olhar no rosto tenso de Terrel.
— Parece que não o surpreende a minha visita, Terrel...
— Esperava-a. Mas não podia imaginar que fosse você.
Logan assentiu.
— Sim... Tão-pouco eu soube, até ontem à tarde que se tratava precisamente de você. Por isso vim.
 Aguentaram o olhar, em silêncio. Logan interrompeu-o de novo:
— Neste mundo ocorrem coisas estranhas, Terrel. Coisas que deveriam fazer-nos pensar, não acha? Eu pensei bastante ontem à tarde.
Terrel disse a Betty:
— Prepara café para o nosso visitante, Betty.
— Sim, Andy...
Com um olhar apreensivo ao rosto de Logan, a jovem entrou na cozinha.
Terrel avançou uns passos. Logan afastou-se também da cabana. A uma distância conveniente, detiveram-se.
— Quanto lhe ofereceu Ed Colton para me matar e a Danvers, Logan?
— Mil dólares. Tenho-os aqui.
— Pensa ganhá-los?
— Que acha?
— Em Kansas e Nebraska ouvi falar de Vance Logan. Diziam que era um pistoleiro que sempre cumpre os seus pactos.
— Assim é.
— Não sou grande coisa com o revólver, mas...
Logan levantou a mão, lentamente.

domingo, 5 de abril de 2015

PAS456. Reencontro para uma chávena de café

No sábado de manhã, Danvers e os vaqueiros separaram os cavalos e levaram-nos para junto da cabana.
— Confio-lhe os meus filhos, Andy — disse para Terrel quando partiu. — Espero que nos encontremos todos bem, quando regressar.
— Não se descuide demasiado, Danvers.
Partiram. Horas depois, Johnny gritou:
— Vem aí um cavaleiro!
Betty levantou-se, alarmada, e olhou para Terrel.
— Quem será?
— Não sei. Em breve o averiguaremos. Johnny, entra!
O rapaz obedeceu, excitado, e foi empunhar a pequena mas eficaz espingarda.
—  É só um. Mas se houver mais, tu e eu matá-los-emos, não é verdade, Andy?
Terrel espreitou.
Um cavaleiro solitário aproximava-se através da pradaria, a trote. Não parecia vir em som de guerra...
Quando estava mais próximo, Terrel não duvidou. Conhecia o cavalo e o cavaleiro.
E soube imediatamente ao que vinham.
Atrás dele, a voz nervosa de Betty sussurrou:
— É um desconhecido. Crês que...
— Não é um desconhecido, pelo menos para mim. E creio saber ao que vem. Não saiam.
Saiu ele, de espingarda nas mãos. O cavaleiro parou o cavalo e levantou a mão direita em sinal de paz.
— Olá, Terrel. — Terrel respirou fundo e baixou a espingarda, apoiando-se nela.
— Olá, Logan. Apeie-se e venha tomar uma chávena de café.

sábado, 4 de abril de 2015

PAS455. Uma carta procura um pistoleiro a soldo

Um homem levou-lhe uma carta, com o seu nome no sobrescrito. Uma nota breve, que só dizia:
 
«Venha a Mesa. Chegue ao entardecer. Detenha-se ao pé do rochedo que está junto do caminho, meia milha antes da povoação e espere

Nada mais. E como só havia uma pessoa que conhecia o seu nome e lhe podia dar tais instruções, arranjou o cavalo de madrugada e partiu para Mesa sem pressa. Acabava de se pôr o sol, quando chegou ao local da entrevista. E não tinha acabado o primeiro cigarro, quando viu aproximar-se um cavaleiro. Dois minutos mais tarde atirava o cigarro fora e ficava rígido. Porque o cavaleiro era uma mulher.
Stella Colton chegou junto dele e olhou-o fixamente. Depois esboçou um sorriso.
— Olá, Logan. Está aturdido?
— Um pouco.
— Sou a irmã do homem que o contratou.
— Bem sei. Vi-os por detrás de uma janela, há meses, em Dodge.
— E não me esqueceu?
— É difícil esquecer a sua cara...

sexta-feira, 3 de abril de 2015

PAS454. Sentimentos de culpa

Quando na segunda-feira, ao meio-dia, Terrel regressou à cabana dos Danvers, ia possuído de um forte sentimento de culpabilidade.
As suas entrevistas noturnas com Stella Colton faziam-no sentir--se como réu de um delito certo. Não estava acostumado a lidar com mulheres, e a conduta de Stella era-lhe ao mesmo tempo incompreensível e desagradável, se se punha a pensar nela com serenidade.
Durante todo o dia anterior e também naquela manhã, enquanto regressava calmamente à cabana, pensou que Stella não era boa, que também devia, noutras ocasiões, ter convidado outros homens para a visitarem de noite debaixo do algodoeiro. Não era boa, mas sedutora. Tão sedutora como um abismo, como algo proibido. Mas desejava-a. Desejavam-na os seus sentidos subitamente despertados para a chama do amor carnal com uma furiosa intensidade insuspeitada. Quando a lua se erguia sobre o horizonte todos os seus bons propósitos desapareciam. Punha a sela em «King» e fazia a noturna e arriscada cavalgada para ir beber amor nos seus lábios. E assim seria enquanto ela quisesse, o que lhe causava uma mistura de irritação e receio.
Betty Danvers estava a amassar pão, que Johnny metia no forno, quando ele chegou. Bob arava o campo com a ajuda de cavalos. Danvers não se via. A rapariga e o miúdo deixaram o trabalho para o olharem, enquanto Bob o saudava de longe, com a mão. Ao contemplar a cena e a jovem sentiu que se lhe partia o coração. Não ia apresentar-se diante dela de cara levantada. Descobrir-lhe-ia no olhar as suas inconfessáveis relações com Stella Colton. E aquilo feri-la-ia, estava certo. Daí em diante já não podia associar Betty aos seus formosos sonhos de um lar e uns filhos. Não a merecia. Era um cobarde e um malvado...

quinta-feira, 2 de abril de 2015

PAS453. Entrevista na noite

Contexto da passagem: Andy conhece os Danvers e protege Betty de um mau bocado que os Colton lhe pretendiam proporcionar. Fica com aquela família, mas vem a conhecer Stella Colton e a sua mente oscila entre uma e outra…
 
 
Durante o caminho até ao vale, não pensou senão em Betty e em Stella. Duas maneiras de atuar muito diferentes e ao mesmo tempo parecidas. A diferença estava nos caracteres e nas idades. Mas as duas obrigavam-no a pôr-se à defesa, produzindo--lhe uma nunca sentida emoção. Melhor dizendo, duas sensações diferentes. Em Betty Danvers agradava-lhe tudo e demasiado. Em Stella Colton desagradavam-lhe umas quantas coisas, mas não o suficiente para estar imune ao seu atrativo.
 O caminho, se tal podia chamar-se a uma sucessão de montes quase cobertos pelo bosque, conduziu-o a um vale onde estavam os cavalos e o gado, misturados.
Terrel descobriu uma pequena cabana e dirigiu-se para lá.
Era pequena e não estava nada limpa. Havia três camas desfeitas, utensílios de cozinha, e pouco mais. Havia restos de provisões numa improvisada dispensa, além de um bom monte de lenha seca e em parte cortada.
Acendeu o lume, porque com a caída da noite o frio era intenso.
Abriu o embrulho. Aquela comida arranjada por Betty trouxe-lhe a imagem da rapariga à ideia. Seria maravilhoso que ela lhe preparasse assim a comida, todos os dias, e se despedisse dele sempre que partisse para a caça. Seria maravilhoso viver numa casa como a dos Danvers, ele, que já se tinha esquecido do que era um lar.
Afastou aqueles pensamentos perigosos. Betty Danvers era algo demasiado bom para ele, um desconhecido sem dinheiro, um vagabundo acostumado à solidão. Melhor seria não sonhar...

quarta-feira, 1 de abril de 2015

PAS452. Encontros que mudam um destino

Contexto da passagem: Vance Logan, depois de tratado por um médico, sai de Dodge não sem ter sido contratado para nova matança a desencadear em Mesa. Mas o seu ferimento não lhe dá descanso e acaba por se refugiar numa gruta
 
Andy Terrel chegou às margens do Cimarron a meio da tarde, procurando refúgio contra a espetacular tormenta que se aproximava vinda do Sul, com grande abundância de relâmpagos e trovões.
Andy era um bom moço de seis pés e três polegadas de altura, amplo de ombros, estreito de cintura, comprido de pernas, magro de carnes, forte como um carneiro montanhês. Tinha vinte e cinco anos e nascera nas montanhas Ozark de Missouri, filho de um batoteiro e de uma mestiça índia.
De índio tinha a rara habilidade de seguir toda a espécie de pistas, a paciência, a sobriedade e uma espécie de religioso amor pelas imensas solidões da pradaria; de branco, a viva inteligência, a habilidade para o comércio, o génio e a coragem serena que raciocina e teme os riscos.
Desde os dezasseis anos que caçava sozinho. Não tinha irmãos, os pais tinham morrido. Toda a sua família era formada por «King», um garanhão que caçara quando ainda era um potro e nunca mais se separara dele.
Homem e cavalo chegaram apressadamente  à margem norte do rio. Antes de atravessar, Terrel deitou um olhar à ameaçadora tormenta que se aproximava a toda a velocidade.
Na outra margem estava um cavalo sem cavaleiro.
— Olha para ali, «King» —falou ao seu cavalo. — Que achas? Onde estará o cavaleiro?
Atravessaram o rio e aproximaram-se do cavalo. Este parecia bastante manso.
Uma série de pormenores fizera Terrel franzir o cenho. Quem quer que fosse o cavaleiro, levara tudo menos a sela. Era absurdo.
Olhou para o chão. Descobriu as pegadas de um homem que se arrastava com extraordinária dificuldade, como se estivesse bêbedo.
A tempestade estava quase a chegar.
Terrel viu uma gruta cavada na rocha e adivinhou o que se passava com o cavaleiro.
Seguiu as pegadas e entrou na gruta. Viu um homem ainda jovem, alto e extraordinariamente magro, deitado no chão, de bruços. Tinha uma barba de muitos dias. Os olhos estavam fechados e respirava com dificuldade. O cantil e a espingarda, junto dele, falavam eloquentemente do supremo esforço realizado para chegar e morrer ali.
Terrel tinha o seu próprio código. Aquele homem podia ser um proscrito, um foragido; quase todas as possibilidades eram de que o fosse. Mas era um ser humano indefeso e prestes a morrer. Terrel só tinha uma coisa a fazer.
Arranjou uma fogueira, e estava a acendê-la quando ouviu um ruído atrás de si.
Voltou a cabeça.
O cavaleiro tinha voltado a si. Estava apoiado noutro cotovelo e olhava-o com olhos furibundos. Com a outra mão apontava-lhe o revólver.
— Eu se estivesse no seu lugar guardava a arma. Não tem forças nem para apertar o gatilho. E se me matar será para si um suicídio.
A voz do ferido soou débil, rouca...
— Quem é e quando chegou?
— Chamo-me Terrel e cheguei quando começava a tormenta. Precisamente a tempo de o ajudar.
O ferido reparou então que tinha uma ligadura nova. Baixou o revólver.
— Porque me tratou?
— Porque é um ser humano, como eu.
O ferido olhou-o durante um minuto. Depois deixou-se cair, vencido.
— Acertaram-me um balázio há cinco dias, numa luta — disse. — Longe daqui. Tive que partir, depois de um médico me tratar. Não era uma ferida perigosa mas a falta de tratamento infetou-a. Passei uns dias e umas noites infernais. Não sei como pude chegar aqui... e também não me interessa. Parece-me que cheguei ao fim, companheiro...
— É possível. Tem muito mau aspeto. Mas pode ser que não. É preciso recorrer a medidas extremas. Se se atrever...
— A que se refere?
— Com um ferro incandescente queimar essa maldita ferida, ficará bom.
O ferido assentiu.
— Adiante. Creio que resistirei.
Terrel tirou do cinto o punhal e aproximou-o do lume.
— É a primeira vez que alguém me faz um favor sem sequer me perguntar o nome.
— Preferi deixar que mo diga quando lhe convier.
— Pode chamar-me Vance. Crê que escaparei desta?
— Assim o espero.
— Poderia sentar-me nessa pedra e esperar tranquilamente a morte. Tenho lá fora um bom cavalo. E tenho quinhentos dólares.
Terrel olhou-o.
— Não costumo ganhar assim o meu dinheiro, Vance -- disse secamente.
O ferido calou-se.
Dez minutos mais tarde, a folha do punhal estava ao rubro. Terrel ajoelhou junto do ferido.
— Grite. Ninguém o ouvirá.
— Adiante. Não penso gritar.
Apertando os lábios, Terrel aproximou o punhal da ferida. Quando lhe tocou, a carne abriu-se e cheirou a queimado. A mão direita de Vance crispou-se sobre a areia e todo o seu corpo estremeceu violentamente. Terrel olhou-o. E viu que perdera os sentidos. Com um gesto pensativo, queimou mais a ferida.
Doze dias mais tarde, Terrel montava de novo, a cavalo, para seguir o seu caminho. Vance, magro como um faquir, pálido como um morto, mas vivo, estendeu-lhe a mão esquelética, olhando-o fixamente nos olhos.
— Foi o único homem que jamais fez algo por mim, desinteressadamente, Terrel — disse. — Se alguma vez puder devolver-lhe este favor, devolverei, ainda que seja a jogar a vida, que no fim de contas, é sua, a partir de agora.
— O que eu fiz não tem importância, Vance. Qualquer teria feito o mesmo.
— Ambos sabemos que não. Bem, boa sorte. Muitos homens o odiariam se soubessem que me salvou a vida. Mas daqui em diante haverá um que pensará que nem todas as pessoas são más e atuará de maneira diferente, graças a si.
— Isso paga-me o meu trabalho, Vance. Boa sorte.
Após um novo aperto de mão os dois separaram-se. Estavam quase seguros de que não voltariam a ver-se. Mas nenhum dos dois esqueceria aqueles doze dias passados na gruta nas margens do Cimarron, doze dias que, sem que o notassem, tinham mudado o seu destino.