O advogado Bill Jordan tinha o seu escritório na cidade de Pecos, uma cidade menos famosa do que o rio que passava junto dela. Jordan perguntou ao empregado, ao entrar no escritório.
— Já chegaram os Rode?
— Já. Estão todos lá dentro, senhor Jordan.
Jordan tossiu, abriu a porta do seu gabinete e olhou para as pessoas que lá se encontravam. Num lado, estavam Marta e os seus dois filhos, ela sentada numa poltrona, eles de pé. No outro lado, sentava-se Carmen, a formosa mexicana e, junto dela, o carrancudo Juan Rode, que tinha a filha sobre os joelhos. Foi Juan quem primeiro falou:
— Fez-nos esperar demasiado, senhor Jordan.
— Acalme-se, Rode. O seu pai não era o meu único cliente e tenho outros assuntos a atender. Ah! Dou-lhe os meus pêsames, pela morte do seu pai.
Marta resmungou, enervada:
— Deixe-se de cumprimentos e acabemos, de uma vez, advogado!
Jordan sentou-se na sua cadeira, do outro lado da secretária, deitando um olhar agudo a todos os presentes.
Voltou a tossir, abriu a pasta de cabedal negro e retirou dela um maço de papéis atados.
— Chamei-os, para lhes dar a conhecer as últimas vontades do senhor Juan Rode Crazy, vosso parente, falecido na semana passada, no seu rancho de Cayanosa.
Juan interrompeu-o, impaciente:
— Não compreendo nada disto... sou o único filho de Rode e parece-me que não é necessário...
— Deixe-me ler o testamento, jovem. Foi devidamente escrito e registado. E completamente legal. E, para mais, muito curto. Assim, vamos terminar num momento. –
Desdobrou o documento e, com voz de tonalidade inexpressiva, pôs-se a lê-lo.
Eu, Juan Rode Crazy, filho de Marcus e Lídia, morador no vale de Cayanosa, a oeste de Pecos, encontrando-me no pleno uso das minhas faculdades mentais, com perfeito conhecimento do que faço e crendo proceder com justiça, deixo todas as minhas propriedades, o meu rancho de Cayanosa com todas as suas terras, ganadarias. edifícios, águas e direitos de pasto, a participação nas propriedades comuns do vale, nos gados não marcados, as quantias em dinheiro depositadas em Bancos, assim como os créditos e quantias pendentes, a pagar pelos meus devedores, e quantas bens possam corresponder-me no futuro, ou me pertençam, embora não indicados neste testamento...
— Apresse-se, advogado. Dizia você que era curto? - exclamou Juan, nervoso.
— Estou a terminar. Oiçam com atenção.
Embora não indicados neste testamento, ao meu único parente...
— Eu sou o único parente. Acabe de uma vez! — voltou Juan a interromper. — Terminarei, se você me deixar, jovem — replicou o advogado, aborrecido, voltando a ler:
... ao meu único parente, a senhora Marta Albin, minha prima carnal. A todos os outros, deixei de os considerar como tal, por causa dos seus erros e loucuras.
Juan pôs-se de pé, de um salto, gritando, com veemência:
— Isso é falso! Tudo isso é falso, advogado!
O advogado Jordan levantou a cabeça, olhando maldosamente para ele.
—Você está a insultar-me, Juan. Limitei-me, apenas, a ler o testamento do seu pai, que é completamente legal, repito. O seu pai resolveu deserdá-lo completamente e você deve saber quais foram as causas dessa decisão. Parece-me que... que foi tudo por causa dessa mulher com quem você se casou. Dessa mexicana...
Juan disse, com raiva, ao mesmo tempo que punha a filha no chão:
— Cuidado, advogado! Cuidado com o que diz! Não foi por causa dela, mas sim, por causa dessa bruxa que só por vergonha não se está a rir! — interrompeu Juan, apontando para Marta. — Por causa dessa maldita ambiciosa, que lhe envenenou o espirito! Agora é que eu me apercebo de tudo!
Marta Albin levantou-se, rindo-se sem dissimulação.
— Demasiado tarde, Juan! Continua com a tua mexicana, mas não voltes a aproximar-te do meu rancho, do rancho de Cayanosa, porque todos os homens têm ordem para disparar sobre ti!
Juan levantou a mão, para a esbofetear. O filho de Marta saltou do lugar, gritando:
— Não toque na minha mãe, ou matá-lo-ei!
A voz aguda do rapaz acabou de enlouquecer Juan Rode, que se sentia dominado por uma raiva intensa, desmedida. O rancor e o ódio cegavam-no, impedindo-o de ver a expressão angustiada da mulher e o susto que toda aquela cena causara à filha. Furioso, baixou a mão, sem tocar em Marta. Todavia, sacou rapidamente de um revólver, engatilhando-o com um rápido golpe do polegar. O advogado Jordan, entrincheirado atrás da secretária, vociferava: '
— Acalmem-se, todos! Guarde esse revólver, Rode, não seja doído!
Juan Rode não escutava ninguém. Levantando a arma, apontou-a para Marta Albin, enquanto gritava:
— Ladrões, bandidos! Matá-los-ei a todos!
Quando ia. disparar, Carmen, sua mulher, correu desesperadamente para ele. Ouviu-se uma detonação, logo seguida de uni grito de mulher. Depois, breves momentos de silêncio. Juan Rode olhava com assombro para a mulher, a qual, agarrada a ele, fechava os olhos, a pouco e pouco. Contemplava, aparvalhado, a mancha de sangue que começava a espalhar-se na blusa dela. Carmen Rode murmurou, com esforço:
— Juan!...
Já sem forças, largou-o e deslizou lentamente para o chão. Marta Albin gritou, desvairada, sobrepondo-se ao choro agudo da criança:
— Mataste a tua mulher! Assassino! Mataste-a!
Juan Rode continuava a olhar para Carmen, atónito. Empalidecera e parecia prestes a desmaiar. Porém, os gritos de Marta agitaram-no, como autênticas pancadas. De súbito, o seu rosto avermelhou-se e Juan sentiu-se como se lhe tivessem colocado uma luz intensa e estonteante diante dos olhos. A mancha de sangue continuava a alastrar pelas roupas de Carmen, não o deixando ver mais nada...
Marta deu-se conta do que ia suceder, mas era demasiado tarde para escapar. Juan disparava de novo a arma, até se lhe esgotarem as munições. Acto continuo, puxou pelo outro revólver e continuou a fazer fogo, até esvaziar o tambor, uma vez mais. Marta e o filho foram os primeiros a tombar, alcançados por vários projéteis. A filha de Marta, gritando de horror, procurou escapar, mas tropeçou numa cadeira e caiu.
— Não dispares! Não dispares, Juan! — suplicou, enquanto procurava levantar-se.
Conseguiu pôr-se de pé e, de um salto, chegar junto da porta. No momento em que agarrava a maçaneta, o chumbo escaldante, disparado por Juan, atingiu-a nas costas. A jovem caiu para a frente, com um grito de dor, ao sentir que lhe faltavam as forças e a vida lhe fugia.
— Juan! Que fizeste, Juan?... — murmurou, antes de morrer.
O advogado Jordan escudara-se, suplicante, por detrás da secretária. Quando Juan se voltou para ele, uniu as mãos, como pedindo piedade. Juan não disse nada, limitando-se a fitá-lo.
O advogado foi-se inclinando para diante, para ver se conseguia alcançar a arma que tinha na gaveta. Vendo que não lhe podia chegar, deixou-se cair de joelhos, num gesto rápido e imprevisto, procurando proteger o corpo com o madeiramento da secretária. Juan disparou, então, quase sem olhar nem apontar. Fez fogo na direção da secretária. O primeiro projétil enterrou-se no grosso tampo. O segundo atravessou o fino espaldar da cadeira e alcançou Jordan.
O advogado, ao sentir-se ferido, levantou-se, de um salto, gritando e praguejando, ao mesmo tempo Juan voltou a premir o gatilho e a bala, desta vez, perfurou a garganta do advogado, que caiu em cima da secretária, definitivamente emudecido.
Juan Rode aspirou o ar, com força. O odor da pólvora quase não lhe permitia respirar. Na rua, ouviam-se vozes e passos. No escritório, ouviam-se, apenas, os soluços da filha de Rode, abraçada ao cadáver da desditosa mãe. Juan inclinou-se para a filha, dizendo, com voz rouca:
— Vamos, filhita. Vamo-nos daqui.
Ela olhou-o com uma expressão quase serena e, contendo os soluços, exclamou:
— Tu mataste a minha mamã! Foste tu próprio quem a matou! Mataste-a! Mataste-a!
Juan Rode levantou a menina, que voltara a chorar. Apertando-a contra o peito, murmurou:
— Fui... Não sei como. Foi tudo uma loucura. Vamo-nos daqui, imediatamente, minha pequenina.
Correu até ao vestíbulo. Ao sair, encontrou-se com um grupo de pessoas que acudiam aos tiros. Um homem perguntou-lhe:
— O que foi esse tiroteio, Juan? Que se passou?
Juan afastou-o com violência, atirando-o ao chão, Tinha a carruagem parada em frente da porta do advogado. Pôs a menina no assento e saltou também, enquanto os curiosos entravam na casa e iam encontrar um espantoso e sangrento quadro. No momento em que Juan pegava nas rédeas, alguém saiu de casa, gritando:
— Matou o advogado e mais um montão de gente! Detenham esse selvagem! Que não escape!
Juan Rode sacudiu as rédeas, lançando o cavalo à desfilada. Com a mão esquerda agarrava a filha, para que não caísse e, assim, saíram do povoado. O carro saltava nas irregularidades do caminho. Juan Rode' incitava constantemente o cavalo. A menina chorava.
Anoitecia. Em Cayonosa, não muito longe do rancho dos Rode, um carro cheio de pó deteve-se em frente de uma casa, pouco mais que uma cabana, que ficava junto do rio Pecos. Um homem saiu da casa, atraído pelo barulho provocado e perguntou, num murmúrio, ao reconhecer o recém--chegado:
— Juan, que te aconteceu?
Juan Rode saltou para o solo e, depois de olhar para filha, que continuava no assento, acercou-se do homem.
— Não te posso explicar, Trenton. É uma história 1 muito longa, muito complicada e muito... absurda. Só te direi que a minha mulher está morta e eu...
Trenton interrompeu-o:
— Entra, Juan. Como tu vens!...
Juan recusou o convite:
— Não posso, Trenton. Em breve saberás o que sucedeu. Eu... matei várias pessoas. Procuram-me e perseguem-me e não vão desistir com facilidade. É preciso que eu saia do Estado. Tenho, porém, o problema da menina...
Trenton, que vivia da caça e da pesca e, por certo, muito pobremente, olhou para a pequena, triste e preocupado.
— Afirmas que mataste... Juan, não posso acreditar no que dizes!
— Trenton, por favor, quero que tu e a tua mulher cuidem da Carmencita. Diz-me que o farás.
— Claro, homem! Podes deixá-la aqui, por uns dias. Eu...
— Não, Trenton. Será por muito tempo, talvez por muitos anos. Garanto-te que te mandarei dinheiro. Todo o que puder arranjar! Mandarei dinheiro para ela e para vocês, mas tens de me ajudar. Não conheço ninguém aqui e não posso confiar em desconhecidos. E também não posso levá-la comigo, porque ignoro o que me espera...
Trenton estava indeciso, mas a mulher que, entretanto, saíra da cabana e se aproximara do carro, interveio, com voz carinhosa:
— Vem, minha querida. Ficarás connosco. Não se vive mal aqui. Há muito que ver, muito por onde passear... Não é verdade que queres ficar?
A menina concordou, sem dificuldade, deixando que a senhora Trenton lhe pegasse ao colo. A mulher foi levá-la a Juan.
— Dá um beijo ao teu pai. Ele há-de voltar, dentro de pouco tempo.
— Não quero que volte, não quero vê-lo mais!
— Que dizes, menina? — riu-se a senhora Trenton. —Estás aborrecida por ele não ficar agora contigo? As meninas bonitas...
— Não quero que volte! Ele matou a minha mãe! Eu vi-o disparar o revólver. Eu vi-o matar a minha mãe e não quero que ele volte!
A senhora Trenton deixou de sorrir e olhou, assustada, para Juan Rode. Ele recuou, dizendo, apressadamente:
— Mandar-lhes-ei dinheiro. E nunca esquecerei o que fazem por mim, neste momento. Agora, tenho de me ir embora.
Com visível esforço, acrescentou:
— Devem estar quase a chegar os homens de Pecos que me perseguem. Adeus, Carmencita...
A menina virou a cabeça, para não o ver, enquanto a senhora Trenton começava a chorar.
Juan, desesperado, saltou para o carro e, agitando furiosamente as rédeas, chicoteou o cavalo, ao mesmo tempo que gritava:
— Vamos! Rápido! O cavalo, assustado, atirou-se para a frente e Juan Rode, que acabava de se converter num assassino, pouco tempo antes, desapareceu, envolto numa nuvem de poeira, pela margem do Pecos. As lágrimas que deslizavam pelas suas faces secaram rapidamente. Os seus olhos não tardaram a ficar secos e brilhantes, chispantes de ódio e de loucura.
— Já chegaram os Rode?
— Já. Estão todos lá dentro, senhor Jordan.
Jordan tossiu, abriu a porta do seu gabinete e olhou para as pessoas que lá se encontravam. Num lado, estavam Marta e os seus dois filhos, ela sentada numa poltrona, eles de pé. No outro lado, sentava-se Carmen, a formosa mexicana e, junto dela, o carrancudo Juan Rode, que tinha a filha sobre os joelhos. Foi Juan quem primeiro falou:
— Fez-nos esperar demasiado, senhor Jordan.
— Acalme-se, Rode. O seu pai não era o meu único cliente e tenho outros assuntos a atender. Ah! Dou-lhe os meus pêsames, pela morte do seu pai.
Marta resmungou, enervada:
— Deixe-se de cumprimentos e acabemos, de uma vez, advogado!
Jordan sentou-se na sua cadeira, do outro lado da secretária, deitando um olhar agudo a todos os presentes.
Voltou a tossir, abriu a pasta de cabedal negro e retirou dela um maço de papéis atados.
— Chamei-os, para lhes dar a conhecer as últimas vontades do senhor Juan Rode Crazy, vosso parente, falecido na semana passada, no seu rancho de Cayanosa.
Juan interrompeu-o, impaciente:
— Não compreendo nada disto... sou o único filho de Rode e parece-me que não é necessário...
— Deixe-me ler o testamento, jovem. Foi devidamente escrito e registado. E completamente legal. E, para mais, muito curto. Assim, vamos terminar num momento. –
Desdobrou o documento e, com voz de tonalidade inexpressiva, pôs-se a lê-lo.
Eu, Juan Rode Crazy, filho de Marcus e Lídia, morador no vale de Cayanosa, a oeste de Pecos, encontrando-me no pleno uso das minhas faculdades mentais, com perfeito conhecimento do que faço e crendo proceder com justiça, deixo todas as minhas propriedades, o meu rancho de Cayanosa com todas as suas terras, ganadarias. edifícios, águas e direitos de pasto, a participação nas propriedades comuns do vale, nos gados não marcados, as quantias em dinheiro depositadas em Bancos, assim como os créditos e quantias pendentes, a pagar pelos meus devedores, e quantas bens possam corresponder-me no futuro, ou me pertençam, embora não indicados neste testamento...
— Apresse-se, advogado. Dizia você que era curto? - exclamou Juan, nervoso.
— Estou a terminar. Oiçam com atenção.
Embora não indicados neste testamento, ao meu único parente...
— Eu sou o único parente. Acabe de uma vez! — voltou Juan a interromper. — Terminarei, se você me deixar, jovem — replicou o advogado, aborrecido, voltando a ler:
... ao meu único parente, a senhora Marta Albin, minha prima carnal. A todos os outros, deixei de os considerar como tal, por causa dos seus erros e loucuras.
Juan pôs-se de pé, de um salto, gritando, com veemência:
— Isso é falso! Tudo isso é falso, advogado!
O advogado Jordan levantou a cabeça, olhando maldosamente para ele.
—Você está a insultar-me, Juan. Limitei-me, apenas, a ler o testamento do seu pai, que é completamente legal, repito. O seu pai resolveu deserdá-lo completamente e você deve saber quais foram as causas dessa decisão. Parece-me que... que foi tudo por causa dessa mulher com quem você se casou. Dessa mexicana...
Juan disse, com raiva, ao mesmo tempo que punha a filha no chão:
— Cuidado, advogado! Cuidado com o que diz! Não foi por causa dela, mas sim, por causa dessa bruxa que só por vergonha não se está a rir! — interrompeu Juan, apontando para Marta. — Por causa dessa maldita ambiciosa, que lhe envenenou o espirito! Agora é que eu me apercebo de tudo!
Marta Albin levantou-se, rindo-se sem dissimulação.
— Demasiado tarde, Juan! Continua com a tua mexicana, mas não voltes a aproximar-te do meu rancho, do rancho de Cayanosa, porque todos os homens têm ordem para disparar sobre ti!
Juan levantou a mão, para a esbofetear. O filho de Marta saltou do lugar, gritando:
— Não toque na minha mãe, ou matá-lo-ei!
A voz aguda do rapaz acabou de enlouquecer Juan Rode, que se sentia dominado por uma raiva intensa, desmedida. O rancor e o ódio cegavam-no, impedindo-o de ver a expressão angustiada da mulher e o susto que toda aquela cena causara à filha. Furioso, baixou a mão, sem tocar em Marta. Todavia, sacou rapidamente de um revólver, engatilhando-o com um rápido golpe do polegar. O advogado Jordan, entrincheirado atrás da secretária, vociferava: '
— Acalmem-se, todos! Guarde esse revólver, Rode, não seja doído!
Juan Rode não escutava ninguém. Levantando a arma, apontou-a para Marta Albin, enquanto gritava:
— Ladrões, bandidos! Matá-los-ei a todos!
Quando ia. disparar, Carmen, sua mulher, correu desesperadamente para ele. Ouviu-se uma detonação, logo seguida de uni grito de mulher. Depois, breves momentos de silêncio. Juan Rode olhava com assombro para a mulher, a qual, agarrada a ele, fechava os olhos, a pouco e pouco. Contemplava, aparvalhado, a mancha de sangue que começava a espalhar-se na blusa dela. Carmen Rode murmurou, com esforço:
— Juan!...
Já sem forças, largou-o e deslizou lentamente para o chão. Marta Albin gritou, desvairada, sobrepondo-se ao choro agudo da criança:
— Mataste a tua mulher! Assassino! Mataste-a!
Juan Rode continuava a olhar para Carmen, atónito. Empalidecera e parecia prestes a desmaiar. Porém, os gritos de Marta agitaram-no, como autênticas pancadas. De súbito, o seu rosto avermelhou-se e Juan sentiu-se como se lhe tivessem colocado uma luz intensa e estonteante diante dos olhos. A mancha de sangue continuava a alastrar pelas roupas de Carmen, não o deixando ver mais nada...
Marta deu-se conta do que ia suceder, mas era demasiado tarde para escapar. Juan disparava de novo a arma, até se lhe esgotarem as munições. Acto continuo, puxou pelo outro revólver e continuou a fazer fogo, até esvaziar o tambor, uma vez mais. Marta e o filho foram os primeiros a tombar, alcançados por vários projéteis. A filha de Marta, gritando de horror, procurou escapar, mas tropeçou numa cadeira e caiu.
— Não dispares! Não dispares, Juan! — suplicou, enquanto procurava levantar-se.
Conseguiu pôr-se de pé e, de um salto, chegar junto da porta. No momento em que agarrava a maçaneta, o chumbo escaldante, disparado por Juan, atingiu-a nas costas. A jovem caiu para a frente, com um grito de dor, ao sentir que lhe faltavam as forças e a vida lhe fugia.
— Juan! Que fizeste, Juan?... — murmurou, antes de morrer.
O advogado Jordan escudara-se, suplicante, por detrás da secretária. Quando Juan se voltou para ele, uniu as mãos, como pedindo piedade. Juan não disse nada, limitando-se a fitá-lo.
O advogado foi-se inclinando para diante, para ver se conseguia alcançar a arma que tinha na gaveta. Vendo que não lhe podia chegar, deixou-se cair de joelhos, num gesto rápido e imprevisto, procurando proteger o corpo com o madeiramento da secretária. Juan disparou, então, quase sem olhar nem apontar. Fez fogo na direção da secretária. O primeiro projétil enterrou-se no grosso tampo. O segundo atravessou o fino espaldar da cadeira e alcançou Jordan.
O advogado, ao sentir-se ferido, levantou-se, de um salto, gritando e praguejando, ao mesmo tempo Juan voltou a premir o gatilho e a bala, desta vez, perfurou a garganta do advogado, que caiu em cima da secretária, definitivamente emudecido.
Juan Rode aspirou o ar, com força. O odor da pólvora quase não lhe permitia respirar. Na rua, ouviam-se vozes e passos. No escritório, ouviam-se, apenas, os soluços da filha de Rode, abraçada ao cadáver da desditosa mãe. Juan inclinou-se para a filha, dizendo, com voz rouca:
— Vamos, filhita. Vamo-nos daqui.
Ela olhou-o com uma expressão quase serena e, contendo os soluços, exclamou:
— Tu mataste a minha mamã! Foste tu próprio quem a matou! Mataste-a! Mataste-a!
Juan Rode levantou a menina, que voltara a chorar. Apertando-a contra o peito, murmurou:
— Fui... Não sei como. Foi tudo uma loucura. Vamo-nos daqui, imediatamente, minha pequenina.
Correu até ao vestíbulo. Ao sair, encontrou-se com um grupo de pessoas que acudiam aos tiros. Um homem perguntou-lhe:
— O que foi esse tiroteio, Juan? Que se passou?
Juan afastou-o com violência, atirando-o ao chão, Tinha a carruagem parada em frente da porta do advogado. Pôs a menina no assento e saltou também, enquanto os curiosos entravam na casa e iam encontrar um espantoso e sangrento quadro. No momento em que Juan pegava nas rédeas, alguém saiu de casa, gritando:
— Matou o advogado e mais um montão de gente! Detenham esse selvagem! Que não escape!
Juan Rode sacudiu as rédeas, lançando o cavalo à desfilada. Com a mão esquerda agarrava a filha, para que não caísse e, assim, saíram do povoado. O carro saltava nas irregularidades do caminho. Juan Rode' incitava constantemente o cavalo. A menina chorava.
Anoitecia. Em Cayonosa, não muito longe do rancho dos Rode, um carro cheio de pó deteve-se em frente de uma casa, pouco mais que uma cabana, que ficava junto do rio Pecos. Um homem saiu da casa, atraído pelo barulho provocado e perguntou, num murmúrio, ao reconhecer o recém--chegado:
— Juan, que te aconteceu?
Juan Rode saltou para o solo e, depois de olhar para filha, que continuava no assento, acercou-se do homem.
— Não te posso explicar, Trenton. É uma história 1 muito longa, muito complicada e muito... absurda. Só te direi que a minha mulher está morta e eu...
Trenton interrompeu-o:
— Entra, Juan. Como tu vens!...
Juan recusou o convite:
— Não posso, Trenton. Em breve saberás o que sucedeu. Eu... matei várias pessoas. Procuram-me e perseguem-me e não vão desistir com facilidade. É preciso que eu saia do Estado. Tenho, porém, o problema da menina...
Trenton, que vivia da caça e da pesca e, por certo, muito pobremente, olhou para a pequena, triste e preocupado.
— Afirmas que mataste... Juan, não posso acreditar no que dizes!
— Trenton, por favor, quero que tu e a tua mulher cuidem da Carmencita. Diz-me que o farás.
— Claro, homem! Podes deixá-la aqui, por uns dias. Eu...
— Não, Trenton. Será por muito tempo, talvez por muitos anos. Garanto-te que te mandarei dinheiro. Todo o que puder arranjar! Mandarei dinheiro para ela e para vocês, mas tens de me ajudar. Não conheço ninguém aqui e não posso confiar em desconhecidos. E também não posso levá-la comigo, porque ignoro o que me espera...
Trenton estava indeciso, mas a mulher que, entretanto, saíra da cabana e se aproximara do carro, interveio, com voz carinhosa:
— Vem, minha querida. Ficarás connosco. Não se vive mal aqui. Há muito que ver, muito por onde passear... Não é verdade que queres ficar?
A menina concordou, sem dificuldade, deixando que a senhora Trenton lhe pegasse ao colo. A mulher foi levá-la a Juan.
— Dá um beijo ao teu pai. Ele há-de voltar, dentro de pouco tempo.
— Não quero que volte, não quero vê-lo mais!
— Que dizes, menina? — riu-se a senhora Trenton. —Estás aborrecida por ele não ficar agora contigo? As meninas bonitas...
— Não quero que volte! Ele matou a minha mãe! Eu vi-o disparar o revólver. Eu vi-o matar a minha mãe e não quero que ele volte!
A senhora Trenton deixou de sorrir e olhou, assustada, para Juan Rode. Ele recuou, dizendo, apressadamente:
— Mandar-lhes-ei dinheiro. E nunca esquecerei o que fazem por mim, neste momento. Agora, tenho de me ir embora.
Com visível esforço, acrescentou:
— Devem estar quase a chegar os homens de Pecos que me perseguem. Adeus, Carmencita...
A menina virou a cabeça, para não o ver, enquanto a senhora Trenton começava a chorar.
Juan, desesperado, saltou para o carro e, agitando furiosamente as rédeas, chicoteou o cavalo, ao mesmo tempo que gritava:
— Vamos! Rápido! O cavalo, assustado, atirou-se para a frente e Juan Rode, que acabava de se converter num assassino, pouco tempo antes, desapareceu, envolto numa nuvem de poeira, pela margem do Pecos. As lágrimas que deslizavam pelas suas faces secaram rapidamente. Os seus olhos não tardaram a ficar secos e brilhantes, chispantes de ódio e de loucura.
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