Era uma espécie de nuvem negra que se lhe pusera diante dos olhos. Mais dentro: no cérebro. Em vez de se comporem, iriam as coisas de mal a pior?
A sua conversa com Daniels pusera-o de um humor dos demónios. Já não era só a obsessão do povo; tinha de resolver a sua delicada situação perante os amigos de Dick Duff e, para cúmulo, de enfrentar a suspeita do xerife de que podia ser verdade ele estar de posse do dinheiro do assalto. Quer dizer: com um bocadinho de pouca sorte, acabariam por o acusar do assassínio de Duff.
Furioso como poucas vezes se sentira na sua vida, John Frey deixou para trás o escritório do xerife e encaminhou-se, manquejando, para o meio da rua.
Não via ninguém. Não lhe importava se o seguiam ou não. Só uma coisa se gravara na sua cabeça: reconstituir as andanças de Dick Duff, desde que deixara o Banco até ser encontrado, horas depois, sem sentidos nem dinheiro. Mas aquilo devia ser um sonho, uma coisa que não lhe era permitida, como se todas as forças do universo se tivessem congregado para o impedir de demonstrar a sua inocência.
Apenas andara uns metros pelo meio da rua, quando um homem se lhe pôs diante, com um cigarro na mão.
—Dá-me lume, por favor?
John não o conhecia, nem tinha vontade de atender nenhum pedido.
— Não tenho — respondeu bruscamente.
Mas quando tentou seguir o seu caminho, notou que o seguravam por um braço.
— Tem — insistiu o homem. — Dê-me lume, ou dar-lho-ei eu com o meu revólver... E não faça barulho.
Frey verificou que, efetivamente, aquele homem apoiava a mão direita na coronha do revólver, embora de forma que não se visse do passeio. Enquanto tirava os fósforos da algibeira, o desconhecido disse-lhe, em voz baixa e rápida:
— Está vigiado, doutor. Siga pela rua adiante até à saída da povoação. Se tentar mudar de rumo, fritamo-lo.
Acendeu o cigarro na chama que lhe ofereciam e afastou-se a endireitar o chapéu. John, indeciso, olhou rapidamente à sua volta, e viu Dean Kennedy e o seu companheiro de cara de cavalo, um em cada passeio, em atitude aborrecida. Observavam-no e a sua maneira de olhar não era muito amistosa. John sentiu que o sangue lhe fervia nas veias.
Decididamente, o seu propósito de lutar sozinho contra a adversidade era uma loucura. Só o levaria a um sítio: ao cemitério. Não tinha outro remédio senão obedecer, se não queria que o matassem ali mesmo, como um cão raivoso.
Recomeçou a andar, rua fora. Dean Kennedy e os seus dois amigos também se puseram em andamento, pelos passeios, sem o perderem de vista. John virou a cabeça e verificou que o que lhe pedira lume vinha atrás dele, a cavalo. Tinham-no encurralado. Se tentasse fazer-lhes frente, matá-lo-iam irremissivelmente. Mas se continuasse a andar, até aos subúrbios? Decerto também não lhe aconteceria coisa melhor.
Kennedy e os seus amigos tinham-no visto sair do escritório do xerife, a seguir à sua conversa com ele. Era lógico que tivessem decidido intervir. Ia a pensar numa saída, quando uma voz lhe gritou do passeio:
— Olá, doutor!
Ao virar-se, viu a figura elegante do doutor Griffith, parado à beira do alpendre.
Richard Griffith era um homem dos seus quarenta anos, magro e pálido, de rosto seco e anguloso. Só os olhos pareciam ter vida, uma vida pouco cordial, sem dúvida. John parou diante dele e suportou o seu olhar irónico.
— Começava a admirar-me de que você não viesse também dizer-me qualquer coisa — murmurou com profundo desprezo. — Não quer juntar um pouco de lenha à fogueira, doutor Griffith?
O outro empertigou-se.
— Não preciso de o queimar, Frey — redarguiu. — Você amontoou a lenha sozinho, ao meter-se no que não devia.
— A que se refere?
— Que você opere um homem, é como se operasse um camponês qualquer. Felizmente, retiraram-lhe a licença. Isso evitará muitas coisas desagradáveis.
Ia-se juntando gente à volta deles. John olhou à sua volta, até encontrar Dean Kennedy e os seus amigos. Não o perdiam de vista, mas hesitavam em tomar uma resolução. Talvez fosse uma boa oportunidade de se livrar deles. Frey resolveu não desperdiçar a possibilidade. Virou--se para o colega e disse-lhe em tom mordaz:
— Teve muita sorte em não estar em Los Alamos, doutor.
Estas palavras surtiram o efeito desejado.
—Quer dizer que também me teria embriagado? -gritou Griffith.
— Não. Quero dizer que assim se livrou de mentir.
— De mentir?...
— Sim. Se você tivesse podido examinar o cadáver de Dick Duff, teria verificado que a operação fora perfeitamente feita e que ele morreu de asfixia.
— Eu vi o cadáver antes de o enterrarem, «doutor» — redarguiu Griffith. — E, para sua infelicidade, examinei o que você fizera. Portanto, não invente desculpas tolas. Tinha os intestinos perfurados pelo bisturi. Morreu devido a isso.
Frey ficou petrificado. Seria possível que fosse tão cínico que se elevasse à custa de o enterrar a ele? Cheio de raiva, John redarguiu:
— Não o julgava capaz de semelhante baixeza, Griffith. É difícil ser-se pior. Por que mente?
O médico estremeceu dos pés à cabeça e a cor subiu-lhe às faces.
— Tome cuidado com o que diz! — gritou. — Ninguém acredita nas suas calúnias e expõe-se a...
—A quê, doutor? Tenciona pedir-me explicações? Não, não acredito. Para isso é preciso ser valente, e você nunca o foi.
— Frey!
—Não tente fingir-se ofendido. Um homem valente luta cara a cara e não com maldades como essas. Por que não confessa que eu não matei Dick Duff?
— Porque mentiria.
John observou os rostos ameaçadores que o rodeavam e encolheu os ombros.
— Você joga com vantagem, Griffith — comentou. — Sei que tenho só cartas más. Pode ser que, se desenterrar o cadáver, encontre os intestinos perfurados pelo bisturi, efetivamente; mas disso pedir-lhe-ei explicações em devido tempo... e talvez não demore muito.
Griffith replicou-lhe com um gesto cheio de desprezo.
— O melhor que pode fazer é ir para onde não o conheçam, Frey — disse-lhe. — Não procure complicações, porque elas não lhe faltam.
— Isso é o que pretendo, precisamente.
Dean Kennedy afastou-se do grupo de curiosos e dirigiu-se para o «Doutor Uísque» com um sorriso inocente nos lábios.
— Vamos, não discutam — disse em tom apaziguador. — Não está certo que a ciência se trate tão mal diante dos profanos. Venha comigo. Ofereço-lhe uma bebida.
E segurou-o por um braço e afastou-o bruscamente do grupo. Frey não opôs resistência. Entre todos aqueles homens, nem um só era seu amigo. Todos, cada um por seu motivo, estavam contra ele. De que lhe serviria acusar alguém ou tentar empregar a força? Os outros pensariam que tudo era produto do seu mau humor e ajudariam os amigos de Duff, considerando-os vítimas.
Kennedy levou-o para um «saloon» próximo e os seus amigos apressaram-se a segui-los de perto.
— Não gostaria de estar na sua pele, doutor — comentou o jovem, enquanto se aproximavam do balcão. — Por todos os lados lhe chovem preocupações, hem? Claro que é você quem as arranja. Por exemplo, por que foi visitar o xerife depois de falar comigo? Não me diga que lhe fez uma visita de cumprimentos...
— Fui contar-lhe o que tínhamos conversado — confessou John. —E acreditou-o?
— Não sei.
—Por que o fez? Para se livrar de nós?
— Não é agradável sentir-me ameaçado.
—Há uma boa solução para isso: diga-me onde está o dinheiro.
—Não ouviu o doutor Griffith? O seu amigo Duff morreu na operação, porque eu lhe cravei um bisturi no ventre, devido à minha bebedeira. Não me pôde dizer nada.
— Eu não acredito no doutor Griffith. Disse aquilo para se livrar de si. No fim de contas, foi um concorrente dele.
— Você só acredita no que lhe convém.
— Exatamente.
— Pois então perde o tempo. Não sei onde está o dinheiro. Já lho disse.
—E eu ainda não lhe disse uma coisa, Frey: mais depressa o matarei do que consentirei que se ria de mim.
—Não o fará, enquanto suspeitar que eu sei onde estão os quinze mil dólares. E se se convencer de que não o sei, para que me há-de matar?
Kennedy sorriu.
—Talvez por casmurrice — redarguiu.
John disse-lhe:
— Proponho-lhe um acordo, Kennedy: já que a lei se recusa a ajudar-me, não deve ser grande crime pactuar com um delinquente.
— Que acordo é esse?
—Ajude-me a encontrar o mascarado. Com isso, eu recuperarei o meu prestigio e
você o seu dinheiro. Não quero nem um dólar.
Kennedy olhou-o fixamente durante alguns segundos.
— Você é um tipo singular, doutor — comentou. — Acabará por me convencer de que esse misterioso mascarado existe.
— Não perderia nada se acreditasse, garanto-lhe. Pense você se algum dos seus amigos podia ter visto Dick Duff, depois do assalto e antes de o xerife o encontrar. Isso dar-nos-ia...
—Nenhum dos meus rapazes o viu. Estiveram sempre comigo.
— Então, foi outra pessoa estranha quem o encontrou moribundo, lhe tirou o dinheiro e lhe fechou a boca, quando suspeitou que ele se pudesse salvar. Quer dizer, Duff poderia denunciá-lo, se se salvasse.
—Hum... — resmungou Kennedy, pensativo.
O da cara de cavalo, que os escutava, observou:
— Não te deixes intrujar, Dean. Este tipo o que quer é pregar-nos a partida.
John virou-se para ele e comentou:
— Não creio que você vá longe, Kennedy, com mulas em vez de homens. Quem pediu a opinião deste idiota?
O da cara de cavalo corou até às orelhas, apertou os punhos e deu um passo ameaçador para John.
— Vou cortar-lhe a língua! — exclamou.
Mas quando fez menção de lhe dar um murro, John desviou-se agilmente para um lado e atravessou-lhe a cara com a bengala. Foi coisa de um segundo. O amigo de Kennedy cambaleou para trás e caiu de costas contra uma mesa, rugindo de dor e de raiva. Antes de cair por completo, ainda no ar, o tipo deitou a mão ao revólver e virou-se para Frey. Mas este, rápido como um raio, puxou do seu e disparou. O da cara de cavalo soltou um grito de dor, largou o revólver e agarrou a mão direita com a esquerda.
O outro sequaz, o que lhe pedira lume na rua, acudiu ao companheiro, vindo a correr da porta, como um búfalo.
— Quieto! — gritou-lhe Kennedy.
Mas como não se detivesse, ele mesmo lhe meteu uma rasteira, no momento em que passava a seu lado para se atirar pelas costas contra John Frey. Caiu, rebolou pelo chão e foi parar junto do cara de cavalo. Dean Kennedy pôs-se diante deles, muito sério.
—Basta de zaragatas! Ouviram-me? Vão buscar os cavalos, depressa, e levem-nos para o beco. Toca a andar.
Os outros dois, ainda que contrariados, obedeceram--lhe, deitando olhares assassinos ao «Doutor Uísque». Kennedy aproximou-se do balcão e disse:
— De acordo, doutor. Vou acreditá-lo. Procuraremos juntos esse mascarado. Mas vamos depressa, antes que apareça gente, por causa dos tiros. Pelas traseiras há uma saída.
John seguiu-o sem fazer comentários.
A sua conversa com Daniels pusera-o de um humor dos demónios. Já não era só a obsessão do povo; tinha de resolver a sua delicada situação perante os amigos de Dick Duff e, para cúmulo, de enfrentar a suspeita do xerife de que podia ser verdade ele estar de posse do dinheiro do assalto. Quer dizer: com um bocadinho de pouca sorte, acabariam por o acusar do assassínio de Duff.
Furioso como poucas vezes se sentira na sua vida, John Frey deixou para trás o escritório do xerife e encaminhou-se, manquejando, para o meio da rua.
Não via ninguém. Não lhe importava se o seguiam ou não. Só uma coisa se gravara na sua cabeça: reconstituir as andanças de Dick Duff, desde que deixara o Banco até ser encontrado, horas depois, sem sentidos nem dinheiro. Mas aquilo devia ser um sonho, uma coisa que não lhe era permitida, como se todas as forças do universo se tivessem congregado para o impedir de demonstrar a sua inocência.
Apenas andara uns metros pelo meio da rua, quando um homem se lhe pôs diante, com um cigarro na mão.
—Dá-me lume, por favor?
John não o conhecia, nem tinha vontade de atender nenhum pedido.
— Não tenho — respondeu bruscamente.
Mas quando tentou seguir o seu caminho, notou que o seguravam por um braço.
— Tem — insistiu o homem. — Dê-me lume, ou dar-lho-ei eu com o meu revólver... E não faça barulho.
Frey verificou que, efetivamente, aquele homem apoiava a mão direita na coronha do revólver, embora de forma que não se visse do passeio. Enquanto tirava os fósforos da algibeira, o desconhecido disse-lhe, em voz baixa e rápida:
— Está vigiado, doutor. Siga pela rua adiante até à saída da povoação. Se tentar mudar de rumo, fritamo-lo.
Acendeu o cigarro na chama que lhe ofereciam e afastou-se a endireitar o chapéu. John, indeciso, olhou rapidamente à sua volta, e viu Dean Kennedy e o seu companheiro de cara de cavalo, um em cada passeio, em atitude aborrecida. Observavam-no e a sua maneira de olhar não era muito amistosa. John sentiu que o sangue lhe fervia nas veias.
Decididamente, o seu propósito de lutar sozinho contra a adversidade era uma loucura. Só o levaria a um sítio: ao cemitério. Não tinha outro remédio senão obedecer, se não queria que o matassem ali mesmo, como um cão raivoso.
Recomeçou a andar, rua fora. Dean Kennedy e os seus dois amigos também se puseram em andamento, pelos passeios, sem o perderem de vista. John virou a cabeça e verificou que o que lhe pedira lume vinha atrás dele, a cavalo. Tinham-no encurralado. Se tentasse fazer-lhes frente, matá-lo-iam irremissivelmente. Mas se continuasse a andar, até aos subúrbios? Decerto também não lhe aconteceria coisa melhor.
Kennedy e os seus amigos tinham-no visto sair do escritório do xerife, a seguir à sua conversa com ele. Era lógico que tivessem decidido intervir. Ia a pensar numa saída, quando uma voz lhe gritou do passeio:
— Olá, doutor!
Ao virar-se, viu a figura elegante do doutor Griffith, parado à beira do alpendre.
Richard Griffith era um homem dos seus quarenta anos, magro e pálido, de rosto seco e anguloso. Só os olhos pareciam ter vida, uma vida pouco cordial, sem dúvida. John parou diante dele e suportou o seu olhar irónico.
— Começava a admirar-me de que você não viesse também dizer-me qualquer coisa — murmurou com profundo desprezo. — Não quer juntar um pouco de lenha à fogueira, doutor Griffith?
O outro empertigou-se.
— Não preciso de o queimar, Frey — redarguiu. — Você amontoou a lenha sozinho, ao meter-se no que não devia.
— A que se refere?
— Que você opere um homem, é como se operasse um camponês qualquer. Felizmente, retiraram-lhe a licença. Isso evitará muitas coisas desagradáveis.
Ia-se juntando gente à volta deles. John olhou à sua volta, até encontrar Dean Kennedy e os seus amigos. Não o perdiam de vista, mas hesitavam em tomar uma resolução. Talvez fosse uma boa oportunidade de se livrar deles. Frey resolveu não desperdiçar a possibilidade. Virou--se para o colega e disse-lhe em tom mordaz:
— Teve muita sorte em não estar em Los Alamos, doutor.
Estas palavras surtiram o efeito desejado.
—Quer dizer que também me teria embriagado? -gritou Griffith.
— Não. Quero dizer que assim se livrou de mentir.
— De mentir?...
— Sim. Se você tivesse podido examinar o cadáver de Dick Duff, teria verificado que a operação fora perfeitamente feita e que ele morreu de asfixia.
— Eu vi o cadáver antes de o enterrarem, «doutor» — redarguiu Griffith. — E, para sua infelicidade, examinei o que você fizera. Portanto, não invente desculpas tolas. Tinha os intestinos perfurados pelo bisturi. Morreu devido a isso.
Frey ficou petrificado. Seria possível que fosse tão cínico que se elevasse à custa de o enterrar a ele? Cheio de raiva, John redarguiu:
— Não o julgava capaz de semelhante baixeza, Griffith. É difícil ser-se pior. Por que mente?
O médico estremeceu dos pés à cabeça e a cor subiu-lhe às faces.
— Tome cuidado com o que diz! — gritou. — Ninguém acredita nas suas calúnias e expõe-se a...
—A quê, doutor? Tenciona pedir-me explicações? Não, não acredito. Para isso é preciso ser valente, e você nunca o foi.
— Frey!
—Não tente fingir-se ofendido. Um homem valente luta cara a cara e não com maldades como essas. Por que não confessa que eu não matei Dick Duff?
— Porque mentiria.
John observou os rostos ameaçadores que o rodeavam e encolheu os ombros.
— Você joga com vantagem, Griffith — comentou. — Sei que tenho só cartas más. Pode ser que, se desenterrar o cadáver, encontre os intestinos perfurados pelo bisturi, efetivamente; mas disso pedir-lhe-ei explicações em devido tempo... e talvez não demore muito.
Griffith replicou-lhe com um gesto cheio de desprezo.
— O melhor que pode fazer é ir para onde não o conheçam, Frey — disse-lhe. — Não procure complicações, porque elas não lhe faltam.
— Isso é o que pretendo, precisamente.
Dean Kennedy afastou-se do grupo de curiosos e dirigiu-se para o «Doutor Uísque» com um sorriso inocente nos lábios.
— Vamos, não discutam — disse em tom apaziguador. — Não está certo que a ciência se trate tão mal diante dos profanos. Venha comigo. Ofereço-lhe uma bebida.
E segurou-o por um braço e afastou-o bruscamente do grupo. Frey não opôs resistência. Entre todos aqueles homens, nem um só era seu amigo. Todos, cada um por seu motivo, estavam contra ele. De que lhe serviria acusar alguém ou tentar empregar a força? Os outros pensariam que tudo era produto do seu mau humor e ajudariam os amigos de Duff, considerando-os vítimas.
Kennedy levou-o para um «saloon» próximo e os seus amigos apressaram-se a segui-los de perto.
— Não gostaria de estar na sua pele, doutor — comentou o jovem, enquanto se aproximavam do balcão. — Por todos os lados lhe chovem preocupações, hem? Claro que é você quem as arranja. Por exemplo, por que foi visitar o xerife depois de falar comigo? Não me diga que lhe fez uma visita de cumprimentos...
— Fui contar-lhe o que tínhamos conversado — confessou John. —E acreditou-o?
— Não sei.
—Por que o fez? Para se livrar de nós?
— Não é agradável sentir-me ameaçado.
—Há uma boa solução para isso: diga-me onde está o dinheiro.
—Não ouviu o doutor Griffith? O seu amigo Duff morreu na operação, porque eu lhe cravei um bisturi no ventre, devido à minha bebedeira. Não me pôde dizer nada.
— Eu não acredito no doutor Griffith. Disse aquilo para se livrar de si. No fim de contas, foi um concorrente dele.
— Você só acredita no que lhe convém.
— Exatamente.
— Pois então perde o tempo. Não sei onde está o dinheiro. Já lho disse.
—E eu ainda não lhe disse uma coisa, Frey: mais depressa o matarei do que consentirei que se ria de mim.
—Não o fará, enquanto suspeitar que eu sei onde estão os quinze mil dólares. E se se convencer de que não o sei, para que me há-de matar?
Kennedy sorriu.
—Talvez por casmurrice — redarguiu.
John disse-lhe:
— Proponho-lhe um acordo, Kennedy: já que a lei se recusa a ajudar-me, não deve ser grande crime pactuar com um delinquente.
— Que acordo é esse?
—Ajude-me a encontrar o mascarado. Com isso, eu recuperarei o meu prestigio e
você o seu dinheiro. Não quero nem um dólar.
Kennedy olhou-o fixamente durante alguns segundos.
— Você é um tipo singular, doutor — comentou. — Acabará por me convencer de que esse misterioso mascarado existe.
— Não perderia nada se acreditasse, garanto-lhe. Pense você se algum dos seus amigos podia ter visto Dick Duff, depois do assalto e antes de o xerife o encontrar. Isso dar-nos-ia...
—Nenhum dos meus rapazes o viu. Estiveram sempre comigo.
— Então, foi outra pessoa estranha quem o encontrou moribundo, lhe tirou o dinheiro e lhe fechou a boca, quando suspeitou que ele se pudesse salvar. Quer dizer, Duff poderia denunciá-lo, se se salvasse.
—Hum... — resmungou Kennedy, pensativo.
O da cara de cavalo, que os escutava, observou:
— Não te deixes intrujar, Dean. Este tipo o que quer é pregar-nos a partida.
John virou-se para ele e comentou:
— Não creio que você vá longe, Kennedy, com mulas em vez de homens. Quem pediu a opinião deste idiota?
O da cara de cavalo corou até às orelhas, apertou os punhos e deu um passo ameaçador para John.
— Vou cortar-lhe a língua! — exclamou.
Mas quando fez menção de lhe dar um murro, John desviou-se agilmente para um lado e atravessou-lhe a cara com a bengala. Foi coisa de um segundo. O amigo de Kennedy cambaleou para trás e caiu de costas contra uma mesa, rugindo de dor e de raiva. Antes de cair por completo, ainda no ar, o tipo deitou a mão ao revólver e virou-se para Frey. Mas este, rápido como um raio, puxou do seu e disparou. O da cara de cavalo soltou um grito de dor, largou o revólver e agarrou a mão direita com a esquerda.
O outro sequaz, o que lhe pedira lume na rua, acudiu ao companheiro, vindo a correr da porta, como um búfalo.
— Quieto! — gritou-lhe Kennedy.
Mas como não se detivesse, ele mesmo lhe meteu uma rasteira, no momento em que passava a seu lado para se atirar pelas costas contra John Frey. Caiu, rebolou pelo chão e foi parar junto do cara de cavalo. Dean Kennedy pôs-se diante deles, muito sério.
—Basta de zaragatas! Ouviram-me? Vão buscar os cavalos, depressa, e levem-nos para o beco. Toca a andar.
Os outros dois, ainda que contrariados, obedeceram--lhe, deitando olhares assassinos ao «Doutor Uísque». Kennedy aproximou-se do balcão e disse:
— De acordo, doutor. Vou acreditá-lo. Procuraremos juntos esse mascarado. Mas vamos depressa, antes que apareça gente, por causa dos tiros. Pelas traseiras há uma saída.
John seguiu-o sem fazer comentários.
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