No mesmo lugar onde doze anos antes se encontrava a cabana dos Trenton, existia agora uma magnífica casa de pedra, rodeada de um pequeno jardim. A propriedade dos Trenton tinha-se modificado muito, assim como os seus donos. Aqueles doze anos tinham-nos convertido em duas pessoas de boa apresentação e bem vestidas. E também os tinham envelhecido, naturalmente...
Em Cayanosa, todos se perguntavam sobre as possíveis causas do repentino esplendor dos Trenton, que tinham abandonado totalmente o trabalho. No entanto, só o banqueiro de Pecos sabia a verdade.
Os Trenton recebiam dinheiro, todos os meses. O dinheiro procedia de diferentes partes do Texas e nunca mencionava o nome da pessoa que o enviava. E o banqueiro calava-se, por dever profissional. Por isso, as pessoas de Cayonosa murmuravam muito. Diziam que os Trenton tinham descoberto uma mina e alguns, mais imaginativos, asseguravam:
— Quase apostaria que, um dia, se acabará por descobrir que Trenton é, nem mais nem menos, o famoso Tom, «El Toro», esse bandido que anda a meter no bolso todo o dinheiro do Texas!
— Não sejas idiota! Trenton jamais abandonou a casa. As suas viagens mais longas são ao povoado. Anda sempre agarrado às fraldas da mulher e da sua filha! Esse tipo tem um tesouro escondido! Ou encontrou uma boa «maquia» enterrada e vai-a gastando, pouco a pouco.
Os Trenton podiam parecer misteriosos, mas não incomodavam ninguém. Não recebiam visitas e, por isso, ninguém pôde notar que, no princípio daquele Verão, Trenton demorou muito a regressar de uma das suas saídas de casa, mostrando--se mais nervoso do que habitualmente; E os seus olhos estavam permanentemente húmidos... Trenton ficava horas e horas sentado no jardim, olhando para o rio. Clara, sua mulher, dizia-lhe:
— Acabas por adoecer! Faz alguma coisa, vai cuidar da horta.
Trenton não lhe replicava. Apenas amanhecia, sentava-se na cadeira. As vezes dizia à mulher:
— Tenho muito medo; Clara...
— Não somos culpados de nada! Tens de meter bem isso na cabeça! E ele terás de compreender...
— Um homem como ele?
Ao meio-dia, Trenton pôs-se de pé, olhando fixamente para o caminho. Sem voltar a cabeça, disse à mulher.
— Clara! Já aí vem! Estamos perdidos...
A mulher apareceu à porta e perguntou:
— Vem sozinho?
— Parece-me que sim. Dizem que anda sempre só. Meu Deus! Que havemos de lhe dizer?
— Já combinámos tudo. Não te ponhas nervoso. Trata de sorrir.
Trenton fez uma careta. Um homem a cavalo aproximava-se. Era muito corpulento. Cobria-se com um chapéu de vaqueiro de aba curta, e vestia um colete de pele negra, sobre uma camisa roxa.
O cavalo que ele montava era magnífico, mas estava completamente coberto de pó, da caminhada, que devia ter sido longa. O homem desmontou. Prendendo as rédeas do cavalo, acercou-se da casa. A sua expressão era fechada, mostrando ligeiro cansaço. Cumprimentou:
—Olá, Trenton.
Trenton fez o possível para sorrir.
— Juan! Que alegria! Finalmente, vieste visitar-nos, depois de doze anos de ausência. Quando nos anunciaste a tua visita, eu...
— Não pude vir antes. Onde está?
Juan Rode tinha-se convertido num homem de maneiras rudes. Os anos tinham-lhe fixado no rosto uma expressão dura, fazendo desaparecer toda e qualquer sombra de sorriso.
— Quem, Juan?
Juan estendeu a mão e agarrou Trenton pelas roupas, ameaçador.
— Tu sabes muito bem de quem estou a falar! Não posso perder tempo. Onde está a minha filha?
— Claro! Que idiota sou!... Carmen está no povoado. Foi passar o dia com uma amiga. Como não sabíamos quando chegavas... Ela deseja imenso ver-te, podes crer.
— No povoado... Suponho que lhe recomendaram que não falasse a ninguém da minha visita.
— Sem dúvida. Clara irá buscá-la, agora mesmo. Porque tu... não podes aparecer por lá... Juan
Rode entrou em casa e sentou-se numa poltrona.
— Cavalguei durante três dias. Sim, diz à tua mulher que a vá buscar. Tenho de me ir embora, muito brevemente. Tens algo que se coma?
Trenton apressou-se a dizer que sim. Clara foi engatar o cavalo ao carro. Entretanto, Juan examinava a casa e dizia:
— Magnífica casa, Trenton. Não se parece nada com a antiga choça.
Trenton ficou sufocado.
— Na realidade, é tua, Juan. Ou de Carmen, claro... A menina não podia viver naquela cabana. Tu tens sido muito generoso, enviando-nos dinheiro. Construímo-la com ele. Gostas?
Clara Trenton anunciou que se ia embora. O marido quis dizer-lhe algo, mas não se atreveu. A mulher conduziu o carro para Pecos. Estava muito assustada, mas não queria confessá-lo ao marido.
Logo que deixou de avistar a casa, chicoteou o cavalo, obrigando-o a andar o mais depressa possível. Ao chegar a Pecos, deteve-se diante dó edifício do escritório do xerife e quase ia caindo, ao saltar para o chão, com a pressa. Empurrou a porta e entrou no gabinete do xerife, gritando:
— Xerife! Xerife!
Um homem levantou-se de uma cadeira, resmungando:
— Não grite dessa maneira, senhora! O xerife não está em Pecos. Se lhe roubaram a bolsa, eu cuidarei do caso...
— Onde está o xerife? Como poderei encontrá-lo? É necessário que ele venha imediatamente!
— Não voltará antes de dois dias, senhora. Todavia, eu substituo-o, no que for preciso. Que lhe sucedeu?
Clara Trenton sentia-se prestes a enlouquecer.
— Tem de vir a minha casa! Peça ajuda, mas depressa! É preciso que se apresse... ou aquele homem matará o meu marido!
— De que está a falar? Quem é que vai matar o seu marido?
Clara Trenton baixou o tom da voz, para murmurar, com temor:
— Tom «El Toro», o famoso bandido. Essa fera selvagem está em nossa casa, com o meu marido!
Juan Rode acabou de comer. Trenton vigiava-o com ansiedade e, de vez em quando, olhava para fora, na esperança de ver surgir o auxílio que aguardava.
— Bom, Trenton. Creio que ainda não te agradeci por teres cuidado de Carmen. Ariquei-me muito, vindo até aqui, mas já não podia esperar mais tempo para a ver...
— Procuram-te... por estas paragens, Juan?
Juan fez um gesto de desprezo.
— Procuram-me em todo o Texas! Acossam-me, como a uma fera. Sou Tom «El Toro»! Mas pouco me importa! Tudo deixou de me importar, desde aquele maldito dia em que...
Deu um forte murro no tampo da mesa. Trenton estremeceu, assustado. Toda a gente do Texas conhecia a fama de violento de que gozava Tom «El Toro», com os seus tão falados acessos de fúria.
— Acalma-te, Juan — pediu.
Juan sorriu-lhe agradavelmente e levantou-se.
— Quero ver o quarto de Carmen. Como está ela? Parece-se com... a mãe?
Antes de Trenton poder responder, ou dizer alguma coisa, já Juan abria as portas. Entrou, por fim, num quarto.
—É este! Sinto-o, sem precisar que mo digas.
— Sim. Porém...
Juan parecia comovido. Em cima de um dos móveis, viu a fotografia de uma bela jovem, morena. Pegou-lhe.
— Sim, é tão formosa como a mãe — murmurou, com voz rouca. — Vocês têm-lhe comprado bons e belos vestidos, como vos mandei? Não quero que lhe falte nada!
Abriu, com um gesto cheio de entusiasmo, o guarda--fatos... mas encontrou-o vazio! Franziu a testa, sem compreender. Quando se voltou, bruscamente, Trenton notou-lhe as feições subitamente endurecidas.
Sem uma palavra, Juan dirigiu-se para a cama e, agarrando numa ponta da colcha, arrancou-a de cima do leito. Não havia roupas por baixo...
— Que quer isto dizer, Trenton? — perguntou, num grito.. — Explica-me imediatamente o que se passa! Este quarto está cheio de pó, o que quer dizer que já não é usado há muito tempo... Por que me disseste que era o de Carmen?
Trenton abriu a porta, para fugir, sem pronunciar uma única palavra. Juan saltou para ele e agarrou-o pelo pescoço, brutalmente.
— Leva-me ao quarto da minha filha, Trenton! Depressa, antes que eu perca a cabeça por completo!
— O quarto é... é este, Juan. Não tivemos a culpa de nada! Não pudemos impedir... Ela foi-se embora, Juan. Saiu desta casa, por sua vontade!
Juan soltou-o, atirando-o para cima da cama.
— Quando é que ela partiu, Trenton?
Parecia tranquilo, o que deixou Trenton pensativo... «Talvez consiga entretê-lo, até que chegue o xerife. Sim, é possível...»
— Quando é que ela partiu? — insistiu Juan, impaciente. — Foi... há cerca de ano e meio, Juan. Ela é como tu, voluntariosa, violenta. Quando mandaste dizer, pela primeira vez, que tencionavas visitar-nos, ela foi-se embora.
— Imbecil! Não foste capaz de a reter?
Deu um passo na direção de Trenton, que se encolheu, gritando:
— Foi-se embora por tua causa, Juan! Não te queria ver. Partiu porque te odeia! A culpa é tua, não nossa!
Juan agarrou-o com a mão esquerda, esbofeteando-o com a direita.
— Andaste ano e meio a roubar-me, aceitando o dinheiro que eu te mandava, canalha! Até quando te manterias calado, Trenton?
— Larga-me, Juan!
Juan soltou-o, de novo tranquilo, mas a sua calma era ainda mais ameaçadora do que a sua ira...
— Dou-te cinco minutos para me dizeres para onde foi a minha filha.
Trenton fez um gesto de súplica.
— Sim, Juan, mas tens de me prometer...
— Não te prometo nada!
Trenton, que suava copiosamente, murmurou:
— Foi para El Paso. Queria arranjar emprego. Logo que soube onde ela estava, fui buscá-la.. Juro-te, Juan! Fui buscá-la, mas... já era tarde.
Juan estremeceu, antes de perguntar, com voz surda:
— Tarde... para quê?
Trenton, movendo-se lentamente, procurava acercar-se da porta.
— Fui informado de que sé juntara a uma caravana que seguia para a Califórnia. Ao atravessarem o rio, foram assaltados por bandidos da zona da fronteira. O bando de Galluro, um dos piores... Não houve sobreviventes... Não tive coragem para te escrever, a contar o que se tinha passado. Isto é a pura verdade.
Rode encostara-se a uma parede e nem sequer se moveu quando Trenton aproveitou a sua distração para sair do quarto. Trenton respirou, aliviado, quando se encontrou no corredor.
— Já não se devem atrasar — monologou — e ele vai tardar um pouco a recobrar-se do desgosto sofrido. Assim, poderão apanhá-lo quase sem resistência. A recompensa que oferecem pela captura de Tom «El Toro», vivo ou morto, é valiosa e decerto teremos direito a ela!...
Deslocou-se até à porta da casa, olhando ansiosamente para a estrada e esfregando nervosamente as mãos. Não tardou a ouvir o ruído do rodado do carro conduzido por Clara, acompanhado pelo tropear de vários cavalos. «Ei-los que chegam» pensou. Voltou-se e esbarrou com Juan Rode, que se encontrava precisamente atrás dele. Juan empunhava um revólver que lhe apontava, firmemente...
— Aonde foi a tua mulher, Trenton, uma vez que a minha filha não estava em Pecos? Quererás dizer-me o foi ela fazer?...
Trenton sentiu faltar-lhe o ânimo.
— Pois... ela tinha de...
Friamente, Juan interrompeu-o:
— Tinha de me vender, Trenton! Além de tudo quanto me roubaram, ainda querem receber a recompensa. Clara foi a Pecos para denunciar a minha presença!
— Juro-te que não! É possível que o xerife ou qualquer outra pessoa venha com ela, mas por mera casualidade. Asseguro-te que...
—És um miserável, Trenton.
Trenton suplicou:
— Foge, Juan! Ainda tens tempo... Eu entretê-los-ei, mentir-lhes-ei... Prometo-te que...
Juan interrompeu-o, com voz ameaçadoramente suave:
— Durante todos estes anos, cometi muitas violências, Trenton. Nada me importava, uma vez que queria o dinheiro para a minha filha. Tornei-me o alvo de todas as autoridades do Estado. Dizem que sou um selvagem sanguinário. Sabes por que me chamam Tom «El Toro»? Precisamente por me portar como um animal bravio... possível que alguma vez tenha sido selvagem, mas nunca fui um imbecil, Trenton... Sei que, se me fosse embora, lançarias todos quantos aqui aparecessem na minha peugada. És um traidor, Trenton, e eu não gosto de traidores! Por outro lado, permitiste que a minha filha fosse ao encontro da morte, quando te tinhas comprometido a cuidar dela! E eu também não gosto de inúteis, Trenton! Sendo assim...
Trenton quis fugir, gritar. O som do carro e dos animais estava cada vez mais próximo. Juan Rode premiu o gatilho, uma só vez. O projétil penetrou no corpo de Trenton, atravessando-lhe o coração. Trenton caiu, com a boca escancarada e os olhos muito abertos. Juan saiu, para o jardim, correndo.
No momento em que Trenton caia nos degraus da entrada da casa, já morto, Juan Rode escondia-se atrás de uns maciços da vegetação bem cuidada do jardim. Pouco distantes, soaram os gritos de Clara Trenton.
Em Cayanosa, todos se perguntavam sobre as possíveis causas do repentino esplendor dos Trenton, que tinham abandonado totalmente o trabalho. No entanto, só o banqueiro de Pecos sabia a verdade.
Os Trenton recebiam dinheiro, todos os meses. O dinheiro procedia de diferentes partes do Texas e nunca mencionava o nome da pessoa que o enviava. E o banqueiro calava-se, por dever profissional. Por isso, as pessoas de Cayonosa murmuravam muito. Diziam que os Trenton tinham descoberto uma mina e alguns, mais imaginativos, asseguravam:
— Quase apostaria que, um dia, se acabará por descobrir que Trenton é, nem mais nem menos, o famoso Tom, «El Toro», esse bandido que anda a meter no bolso todo o dinheiro do Texas!
— Não sejas idiota! Trenton jamais abandonou a casa. As suas viagens mais longas são ao povoado. Anda sempre agarrado às fraldas da mulher e da sua filha! Esse tipo tem um tesouro escondido! Ou encontrou uma boa «maquia» enterrada e vai-a gastando, pouco a pouco.
Os Trenton podiam parecer misteriosos, mas não incomodavam ninguém. Não recebiam visitas e, por isso, ninguém pôde notar que, no princípio daquele Verão, Trenton demorou muito a regressar de uma das suas saídas de casa, mostrando--se mais nervoso do que habitualmente; E os seus olhos estavam permanentemente húmidos... Trenton ficava horas e horas sentado no jardim, olhando para o rio. Clara, sua mulher, dizia-lhe:
— Acabas por adoecer! Faz alguma coisa, vai cuidar da horta.
Trenton não lhe replicava. Apenas amanhecia, sentava-se na cadeira. As vezes dizia à mulher:
— Tenho muito medo; Clara...
— Não somos culpados de nada! Tens de meter bem isso na cabeça! E ele terás de compreender...
— Um homem como ele?
Ao meio-dia, Trenton pôs-se de pé, olhando fixamente para o caminho. Sem voltar a cabeça, disse à mulher.
— Clara! Já aí vem! Estamos perdidos...
A mulher apareceu à porta e perguntou:
— Vem sozinho?
— Parece-me que sim. Dizem que anda sempre só. Meu Deus! Que havemos de lhe dizer?
— Já combinámos tudo. Não te ponhas nervoso. Trata de sorrir.
Trenton fez uma careta. Um homem a cavalo aproximava-se. Era muito corpulento. Cobria-se com um chapéu de vaqueiro de aba curta, e vestia um colete de pele negra, sobre uma camisa roxa.
O cavalo que ele montava era magnífico, mas estava completamente coberto de pó, da caminhada, que devia ter sido longa. O homem desmontou. Prendendo as rédeas do cavalo, acercou-se da casa. A sua expressão era fechada, mostrando ligeiro cansaço. Cumprimentou:
—Olá, Trenton.
Trenton fez o possível para sorrir.
— Juan! Que alegria! Finalmente, vieste visitar-nos, depois de doze anos de ausência. Quando nos anunciaste a tua visita, eu...
— Não pude vir antes. Onde está?
Juan Rode tinha-se convertido num homem de maneiras rudes. Os anos tinham-lhe fixado no rosto uma expressão dura, fazendo desaparecer toda e qualquer sombra de sorriso.
— Quem, Juan?
Juan estendeu a mão e agarrou Trenton pelas roupas, ameaçador.
— Tu sabes muito bem de quem estou a falar! Não posso perder tempo. Onde está a minha filha?
— Claro! Que idiota sou!... Carmen está no povoado. Foi passar o dia com uma amiga. Como não sabíamos quando chegavas... Ela deseja imenso ver-te, podes crer.
— No povoado... Suponho que lhe recomendaram que não falasse a ninguém da minha visita.
— Sem dúvida. Clara irá buscá-la, agora mesmo. Porque tu... não podes aparecer por lá... Juan
Rode entrou em casa e sentou-se numa poltrona.
— Cavalguei durante três dias. Sim, diz à tua mulher que a vá buscar. Tenho de me ir embora, muito brevemente. Tens algo que se coma?
Trenton apressou-se a dizer que sim. Clara foi engatar o cavalo ao carro. Entretanto, Juan examinava a casa e dizia:
— Magnífica casa, Trenton. Não se parece nada com a antiga choça.
Trenton ficou sufocado.
— Na realidade, é tua, Juan. Ou de Carmen, claro... A menina não podia viver naquela cabana. Tu tens sido muito generoso, enviando-nos dinheiro. Construímo-la com ele. Gostas?
Clara Trenton anunciou que se ia embora. O marido quis dizer-lhe algo, mas não se atreveu. A mulher conduziu o carro para Pecos. Estava muito assustada, mas não queria confessá-lo ao marido.
Logo que deixou de avistar a casa, chicoteou o cavalo, obrigando-o a andar o mais depressa possível. Ao chegar a Pecos, deteve-se diante dó edifício do escritório do xerife e quase ia caindo, ao saltar para o chão, com a pressa. Empurrou a porta e entrou no gabinete do xerife, gritando:
— Xerife! Xerife!
Um homem levantou-se de uma cadeira, resmungando:
— Não grite dessa maneira, senhora! O xerife não está em Pecos. Se lhe roubaram a bolsa, eu cuidarei do caso...
— Onde está o xerife? Como poderei encontrá-lo? É necessário que ele venha imediatamente!
— Não voltará antes de dois dias, senhora. Todavia, eu substituo-o, no que for preciso. Que lhe sucedeu?
Clara Trenton sentia-se prestes a enlouquecer.
— Tem de vir a minha casa! Peça ajuda, mas depressa! É preciso que se apresse... ou aquele homem matará o meu marido!
— De que está a falar? Quem é que vai matar o seu marido?
Clara Trenton baixou o tom da voz, para murmurar, com temor:
— Tom «El Toro», o famoso bandido. Essa fera selvagem está em nossa casa, com o meu marido!
Juan Rode acabou de comer. Trenton vigiava-o com ansiedade e, de vez em quando, olhava para fora, na esperança de ver surgir o auxílio que aguardava.
— Bom, Trenton. Creio que ainda não te agradeci por teres cuidado de Carmen. Ariquei-me muito, vindo até aqui, mas já não podia esperar mais tempo para a ver...
— Procuram-te... por estas paragens, Juan?
Juan fez um gesto de desprezo.
— Procuram-me em todo o Texas! Acossam-me, como a uma fera. Sou Tom «El Toro»! Mas pouco me importa! Tudo deixou de me importar, desde aquele maldito dia em que...
Deu um forte murro no tampo da mesa. Trenton estremeceu, assustado. Toda a gente do Texas conhecia a fama de violento de que gozava Tom «El Toro», com os seus tão falados acessos de fúria.
— Acalma-te, Juan — pediu.
Juan sorriu-lhe agradavelmente e levantou-se.
— Quero ver o quarto de Carmen. Como está ela? Parece-se com... a mãe?
Antes de Trenton poder responder, ou dizer alguma coisa, já Juan abria as portas. Entrou, por fim, num quarto.
—É este! Sinto-o, sem precisar que mo digas.
— Sim. Porém...
Juan parecia comovido. Em cima de um dos móveis, viu a fotografia de uma bela jovem, morena. Pegou-lhe.
— Sim, é tão formosa como a mãe — murmurou, com voz rouca. — Vocês têm-lhe comprado bons e belos vestidos, como vos mandei? Não quero que lhe falte nada!
Abriu, com um gesto cheio de entusiasmo, o guarda--fatos... mas encontrou-o vazio! Franziu a testa, sem compreender. Quando se voltou, bruscamente, Trenton notou-lhe as feições subitamente endurecidas.
Sem uma palavra, Juan dirigiu-se para a cama e, agarrando numa ponta da colcha, arrancou-a de cima do leito. Não havia roupas por baixo...
— Que quer isto dizer, Trenton? — perguntou, num grito.. — Explica-me imediatamente o que se passa! Este quarto está cheio de pó, o que quer dizer que já não é usado há muito tempo... Por que me disseste que era o de Carmen?
Trenton abriu a porta, para fugir, sem pronunciar uma única palavra. Juan saltou para ele e agarrou-o pelo pescoço, brutalmente.
— Leva-me ao quarto da minha filha, Trenton! Depressa, antes que eu perca a cabeça por completo!
— O quarto é... é este, Juan. Não tivemos a culpa de nada! Não pudemos impedir... Ela foi-se embora, Juan. Saiu desta casa, por sua vontade!
Juan soltou-o, atirando-o para cima da cama.
— Quando é que ela partiu, Trenton?
Parecia tranquilo, o que deixou Trenton pensativo... «Talvez consiga entretê-lo, até que chegue o xerife. Sim, é possível...»
— Quando é que ela partiu? — insistiu Juan, impaciente. — Foi... há cerca de ano e meio, Juan. Ela é como tu, voluntariosa, violenta. Quando mandaste dizer, pela primeira vez, que tencionavas visitar-nos, ela foi-se embora.
— Imbecil! Não foste capaz de a reter?
Deu um passo na direção de Trenton, que se encolheu, gritando:
— Foi-se embora por tua causa, Juan! Não te queria ver. Partiu porque te odeia! A culpa é tua, não nossa!
Juan agarrou-o com a mão esquerda, esbofeteando-o com a direita.
— Andaste ano e meio a roubar-me, aceitando o dinheiro que eu te mandava, canalha! Até quando te manterias calado, Trenton?
— Larga-me, Juan!
Juan soltou-o, de novo tranquilo, mas a sua calma era ainda mais ameaçadora do que a sua ira...
— Dou-te cinco minutos para me dizeres para onde foi a minha filha.
Trenton fez um gesto de súplica.
— Sim, Juan, mas tens de me prometer...
— Não te prometo nada!
Trenton, que suava copiosamente, murmurou:
— Foi para El Paso. Queria arranjar emprego. Logo que soube onde ela estava, fui buscá-la.. Juro-te, Juan! Fui buscá-la, mas... já era tarde.
Juan estremeceu, antes de perguntar, com voz surda:
— Tarde... para quê?
Trenton, movendo-se lentamente, procurava acercar-se da porta.
— Fui informado de que sé juntara a uma caravana que seguia para a Califórnia. Ao atravessarem o rio, foram assaltados por bandidos da zona da fronteira. O bando de Galluro, um dos piores... Não houve sobreviventes... Não tive coragem para te escrever, a contar o que se tinha passado. Isto é a pura verdade.
Rode encostara-se a uma parede e nem sequer se moveu quando Trenton aproveitou a sua distração para sair do quarto. Trenton respirou, aliviado, quando se encontrou no corredor.
— Já não se devem atrasar — monologou — e ele vai tardar um pouco a recobrar-se do desgosto sofrido. Assim, poderão apanhá-lo quase sem resistência. A recompensa que oferecem pela captura de Tom «El Toro», vivo ou morto, é valiosa e decerto teremos direito a ela!...
Deslocou-se até à porta da casa, olhando ansiosamente para a estrada e esfregando nervosamente as mãos. Não tardou a ouvir o ruído do rodado do carro conduzido por Clara, acompanhado pelo tropear de vários cavalos. «Ei-los que chegam» pensou. Voltou-se e esbarrou com Juan Rode, que se encontrava precisamente atrás dele. Juan empunhava um revólver que lhe apontava, firmemente...
— Aonde foi a tua mulher, Trenton, uma vez que a minha filha não estava em Pecos? Quererás dizer-me o foi ela fazer?...
Trenton sentiu faltar-lhe o ânimo.
— Pois... ela tinha de...
Friamente, Juan interrompeu-o:
— Tinha de me vender, Trenton! Além de tudo quanto me roubaram, ainda querem receber a recompensa. Clara foi a Pecos para denunciar a minha presença!
— Juro-te que não! É possível que o xerife ou qualquer outra pessoa venha com ela, mas por mera casualidade. Asseguro-te que...
—És um miserável, Trenton.
Trenton suplicou:
— Foge, Juan! Ainda tens tempo... Eu entretê-los-ei, mentir-lhes-ei... Prometo-te que...
Juan interrompeu-o, com voz ameaçadoramente suave:
— Durante todos estes anos, cometi muitas violências, Trenton. Nada me importava, uma vez que queria o dinheiro para a minha filha. Tornei-me o alvo de todas as autoridades do Estado. Dizem que sou um selvagem sanguinário. Sabes por que me chamam Tom «El Toro»? Precisamente por me portar como um animal bravio... possível que alguma vez tenha sido selvagem, mas nunca fui um imbecil, Trenton... Sei que, se me fosse embora, lançarias todos quantos aqui aparecessem na minha peugada. És um traidor, Trenton, e eu não gosto de traidores! Por outro lado, permitiste que a minha filha fosse ao encontro da morte, quando te tinhas comprometido a cuidar dela! E eu também não gosto de inúteis, Trenton! Sendo assim...
Trenton quis fugir, gritar. O som do carro e dos animais estava cada vez mais próximo. Juan Rode premiu o gatilho, uma só vez. O projétil penetrou no corpo de Trenton, atravessando-lhe o coração. Trenton caiu, com a boca escancarada e os olhos muito abertos. Juan saiu, para o jardim, correndo.
No momento em que Trenton caia nos degraus da entrada da casa, já morto, Juan Rode escondia-se atrás de uns maciços da vegetação bem cuidada do jardim. Pouco distantes, soaram os gritos de Clara Trenton.
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