terça-feira, 27 de setembro de 2016

BUF101. Epílogo. O último rebelde

Maxwell cumpriu a sua palavra e Ronald regressou ao vale, totalmente absolvido, três meses depois da sua partida; mas, antes de ele voltar, já havia sido aberto aos colonos o território dos «araphaoes».
Chester, ajudado por Patt, Hards, Colbert e Willmore, já restabelecido dos ferimentos recebidos na luta, haviam feito a demarcação de todo o amplo vale.
Havia ali terreno para dois formosos ranchos, que exigiriam servidores, pois que as suas próprias vertentes se encarregavam de evitar a fuga das reses, e a água que corria ao centro assegurava férteis pastos em todas as estações.
Quando Ronald regressou, construíram duas vivendas iguais sob a sua competente direção.
Escusado será dizer que uma foi ocupada por Chester e June, que contraíram matrimónio logo que o major voltou, e a outra por Ronald e sua esposa, pois voltou casado com a rapariga do Sul, que o esperou durante os largos anos da guerra.
Quanto a Patt e Hards procuravam-se constantemente, pois não podiam estar um sem o outro, embora não parecesse que se estimavam, porque era rara a vez que se encontravam que não surgisse uma discussão pela coisa mais insignificante, e propinavam-se uma senhora tareia. Depois, faziam solenemente as pazes... até à próxima vez que se encontravam.
Chester tentou tirar-lhes aquele mau costume, mas Ronald dissuadiu-o disso, enquanto brincava com os louros caracóis do seu sobrinho, sentados à sombra do alpendre do rancho «O Último Rebelde».
— Deixa que eles se esmurrem quanto lhes apeteça, Chester. No fim de contas, se eles se divertem assim... para que privá-los desse «doce» entretenimento?

BUF101. Cap IX. Dois cavalheiros da União

Chester e June partiram a galope para o vale, apenas deixaram a cabana que servia de refúgio à quadrilha de Mulder.
Cavalgavam silenciosos, tirando o máximo rendimento dos seus cavalos, vendo com bem notável aflição que a noite não tardaria a descer sobre eles, obrigando-os a diminuir o andamento das suas montadas.
Breve a escuridão foi completa e Chester pôs o seu cavalo a passo.
— É inútil prosseguir — disse ele à rapariga. Com esta escuridão arriscamo-nos a despenhar-nos por algum barranco.
— Podemos seguir a passo — sugeriu June.
— Não conheço bem estas paragens e talvez nos perdêssemos, o que nos atrasaria mais ainda. O mais prudente será acamparmos aqui mesmo.
June aceitou a sugestão de má vontade, pois iam perder um tempo precioso, que resultaria em maior perigo para a segurança dos homens que se encontravam no vale, mas, perante o inevitável, não teve muito mais remédio que resignar-se.
A noite passou lentamente, sem que nenhum deles pudesse conciliar o sono, assaltados por tenebrosos pensamentos. Já teria começado o ataque? Apanhariam os índios o major e os seus homens, acabando com eles antes que conseguissem lá chegar e ajudá-los na defesa?
De qualquer forma, pensava Chester, pouco poderiam fazer quatro homens contra aquela turba de peles-vermelhas, ansiosos por se apoderarem dos tesouros com que Smilin os havia deslumbrado.
Antes que amanhecesse, já se haviam posto outra vez a caminho, aumentando a velocidade da marcha, à medida que a luz do dia vinha rompendo.
Galoparam durante umas três horas, até que, finalmente, o bosque situado perto do vale surgiu a seus olhos.
— Depressa, June! Os índios estão a atacá-los! Corramos em seu auxílio!
Os cavalos devoravam o terreno a uma velocidade suicida, e o bosque parecia voar ao seu encontro.
Os tiros sucediam-se cada vez mais perto.
De súbito, as detonações cessaram, quando já alcançavam o limite do bosque. Um impressionante silêncio rodeou os jovens.
— Deixaram de disparar — murmurou Chester, enquanto penetravam no bosque, mas absteve-se de manifestar o que pensava daquela interrupção.
Olhou June de soslaio e viu-a empalidecer. Possivelmente, também a assaltavam as mesmas ideias sinistras. Ao saírem do bosque, a rapariga apertou nervosamente o braço de Chester.
— Olha, Chester!... — exclamou com os olhos dilatados pelo horror. — Uma coluna de fumo sobe do fundo do vale! Largaram fogo à casa! Meu pobre irmão!...
A sua voz quebrou-se num soluço angustioso.
— Acalma-te, June. Isso não quer dizer que não estejam vivos — encorajou-a ele, embora a sua voz soasse a falso. — Vamos descer.
Mas, nesse instante, as vibrantes notas de um clarim ordenando a carga, rasgavam aquele silêncio opressivo, de mau presságio. June ergueu a cabeça, nos lindos olhos azuis uma luz de esperança.
— São soldados! — gritou Chester, excitado. — Nem tudo está perdido! Vamos!
Do alto da coluna saiu uma aluvião de soldados que se precipitavam pela vertente oposta, muito mais ao Sul donde eles se encontravam.
Logo em seguida, quando os dois jovens desciam ao fundo do vale, avançando com perigosa velocidade pela estreita senda cingida ao longo da parede, passaram debaixo deles alguns peles-vermelhas que fugiam, perseguidos de longe pelos soldados.
— Deus queira que tenham chegado a tempo — murmurou June, presa de terrível ansiedade
De repente, Chester divisou dois homens que subiam pela estreita senda por onde eles desciam. Deteve o cavalo e June fez o mesmo.
— Devem ser os homens de Smilin — disse Chester, apontando os cavaleiros. — Parece que trazem muita pressa. Bem, não podemos passar todos ao mesmo tempo num caminho tão estreito.
— Retrocedamos — alvitrou June.
— Retroceder? Nada disso! — replicou o rapaz. — Smilin, ou quem quer que sejam os que sobem, vão ver-se de caras comigo aqui mesmo.
-- Não faças isso, Chester! São dois contra ti e podem muito bem matar-te.
Chester simulou não a ouvir. Calmamente, desmontou e entregou a June as rédeas do seu cavalo. Só então, disse:
— Sim, poderão, mas também pode acontecer o contrário: — E acrescentou. — Afasta-te um pouco e não te preocupes. Vou esperá-los aqui.
— Oh! Chester! Mas que necessidade há de te expores a esse perigo?
— Não é tão grande como se te afigura. Em primeiro lugar, ainda não nos viram; em segundo, tenho a vantagem de lutar a pé. Afasta-te, June. Eles já se aproximam.
Efetivamente, os dois homens tomaram a recta da senda e prosseguiram na retirada a bom passo... para se encontrarem com Chester, que se havia adiantado para eles e os aguardava a pé firme no meio do caminho.
Smilin e Benson estacaram as montadas, surpreendidos pela presença daquele homem que lhes obstruía a fuga, mas não tardaram a reagir e investiram com os cavalos para ele.
— Ah! Maldito! És tu...? Agora vais pagã--las todas! — rugiu Smilin.
Mas Chester estava prevenido, esperando aquela arremetida. Dos seus revólveres saíram oito balas, em menos tempo que leva a dizer-se.
Os projéteis caíram como uma chuvada sobre os bandidos e seus cavalos. Os foragidos oscilaram nas selas, ao receberem nos corpos aquela saraivada de balas, e o cavalo de Mulder, que se encontrava na parte de dentro do apertado caminho, encabritou-se, soltando um relincho de dor ao sentir-se ferido, empurrando a montada de Benson para o precipício.
Homens e cavalos, numa mistura confusa, foram projetados no ar, juntando-se os gritos e imprecações dos bandidos aos agudos relinchos das cavalgaduras.
O vale ficou mergulhado num silêncio profundo, só quebrado pelo rumor longínquo dos soldados que continuavam perseguindo os índios, e o crepitar do incêndio que devorava a casa.
Chester e June prosseguiram o seu caminho e pouco depois encontravam-se em frente da casa, pasto das chamas que a lambiam por todos os lados, transformando-a numa imensa fogueira, que elevava ao céu as suas línguas de fogo.
Na esplanada em frente, encontraram Ronald conversando com dois homens, um dos quais envergava o uniforme azul de capitão do Exército da União. No outro, Chester reconheceu Maxwell Hattin, o Delegado do Governo no território «Araphaoe».
Atrás de Chester, Patt e Colbert prodigalizavam os seus cuidados a Willmore, estendido no chão sobre uma manta. Patt tinha a cabeça ligada, e Hards, junto de Wilmore, ocupava-se em colocar-lhe uma ligadura numa perna.
Chester e June chegaram junto do grupo e a rapariga lançou-se nos braços do irmão, que a estreitou fortemente contra o peito, comovido.
— Oh! Ronald! Julguei que nunca mais tornava a ver-te — soluçou June, enquanto lágrimas de alegria lhe rolavam pelas faces.
— Como estás vendo, felizmente, enganaste-te, June.
A jovem voltou-se para os dois homens que conversavam com seu irmão.
— Muito agradecida pelo vosso auxílio. Se não fossem os senhores...
Interrompeu-se a o ver as expressões carregadas daqueles dois homens.
— Olá, Maxwell! — saudou Chester, adiantando-se para o delegado. — Como está?
— Que grande surpresa, Bruce! Que faz você por aqui? — perguntou Maxwell estreitando a mão que Chester lhe estendia.
O rapaz explicou as razões por que ali se encontrava, informando-o também acerca do seu encontro com Smilin e seus resultados, assim como da completa liquidação da quadrilha que aquele foragido acaudilhava.
— Bem — continuou Maxwell, dirigindo-se a Ronald — espero que nos explique a sua presença aqui e o motivo por que ergueu aqui esta edificação sem a devida autorização. Não sabe que isto aqui é já território dos índios «araphaoes» ?
— Sim, sei — replicou Ronald com firmeza.
— Então, por que o fez? Quem é o senhor?
June olhou o irmão angustiada.
— Sou... — principiou Ronald a dizer.
— Não digas, Ronald! — exclamou a rapariga, aflitíssima.
Maxwell e o capitão olharam os dois irmãos com estranheza, suspeitando de que alguma coisa se ocultavam atrás daquela angustiosa exclamação.
O capitão dirigiu-se depois a Ronald.
— O senhor prestou-nos um assinalado serviço, desbaratando esta insurreição dos jovens guerreiros «araphaoes». Melhor dizendo, o seu serviço foi duplo, pois que o seu amigo — indicou Chester com um gesto — liquidou o pior bandido do Texas, segundo disse. Nós estamos muito bem impressionados com o senhor pelo seu feito, mas creio que nos ocultam alguma coisa que devemos saber, e portanto, rogo-lhes que respondam às perguntas que lhes formulou o senhor Maxwell.
— Ia responder quando minha irmã me interrompeu — disse Ronald. — Estou cansado de deambular de lugar em lugar e prefiro entregar--me à benevolência do Governo da União e terminar de uma vez com esta situação.
Ronald proferiu estas palavras dirigindo-se a sua irmã, e agora ia falar para o capitão e Maxwell:
— Senhores, sou Ronald Watterfield, major do Exército da Confederação Sulista, para os senhores o último rebelde. Creio que o vosso Governo pôs a minha cabeça a prémio, por sinal bastante tentador, há que reconhecer. — Fez uma pausa e continuou: — Estabeleci-me aqui, pensando que, finalmente, encontraria a paz de que necessito, mas não sucedeu assim. Estou cansado de lutar e desejo entregar-me. Senhores, sou vosso prisioneiro.
Os dois homens entreolharam-se surpreendidos pelo que acabavam de ouvir. O major Watterfield era o último homem que lhes passaria pela cabeça encontrar naquelas paragens.
O capitão foi o primeiro a reagir. O seu espírito de militar sabia dar o devido valor ao gesto do major. Com a mais expressiva admiração e respeito, estendeu-lhe a mão, dizendo:
— Major Watterfield, permita-me que lhe aperte a mão, que é a de um valente. A guerra colocou-nos frente a frente como adversários, mas tudo isso terminou já. Pode dispor de mim incondicionalmente e prometo-lhe que empregarei toda a minha influência pessoal para conseguir do tribunal que o julgar uma sentença absolutória.
— Muito obrigado — disse Ronald, comovido. — Vejo que ainda há cavalheiros no Exército da União.
— Mais do que o senhor pensa — interveio Maxwell. — Eu também tenho os meus conhecimentos. Hoje mesmo vou redigir um relatório, informando do ocorrido e não pouparei elogios à sua denodada resistência, evitando-nos a perda de muitas vidas, pondo termo, apenas iniciada, a uma luta de morte.
«Se «Nuvem Cinzenta» houvesse alcançado a sua primeira vitória sobre os brancos, todos os «araphaoes» em massa o seguiriam daqui em diante, e além disso, receberia, provavelmente, o auxílio dos «sioux», dos «comanches» e de outras tribos índias. Teriam corrido rios de sangue e seria atrasada por muitos anos a colonização de extensos territórios. Agora, tudo está acabado. «Nuvem Cinzenta» não ousará voltar à sua tribo para suportar o escárnio dos outros, supondo que ele não morreu na luta. Tudo isto devemos a si, major Watterfield, e apresentei a minha demissão se o Governo de Washington não souber apreciar devidamente o valor do serviço que nos prestou, concedendo-lhe o indulto.
— Oh! Senhor! — exclamou June, com os olhos arrasados de lágrimas esperançosas. — Isso é muito mais do que poderíamos esperar. Não nos faça conceber demasiadas ilusões.
— Menina — interveio o capitão. — O senhor Maxwell não fala por falar. Se ele o diz é porque tem probabilidades de o conseguir.
— Congratulo-me muitíssimo, Ronald — disse Chester, estendendo-lhe a mão.
— Obrigado, Chester. Quererás cuidar de June durante a minha ausência?
— Naturalmente! — respondeu o jovem. E apressou-se a acrescentar. — Bem... se ela quiser!
— Sabes bem que não desejo outra coisa — afirmou June, colocando-se a seu lado, enquanto Maxwell e o capitão sorriam compreensivos.
— Ouça, Maxwell. Como chegaram tanto a tempo?
— Havia uns dias que andávamos a espiar os movimentos de «Nuvem Cinzenta» e de alguns dos seus guerreiros, mas não conseguimos observar nada de concreto senão ontem à tarde. Um dos meus vigias foi dar-me a notícia de que uns sessenta «araphaoes» com «Nuvem Cinzenta» à cabeça, haviam partido da tribo, enfeitados com penas de guerra, apesar dos conselhos dos anciães. Demorámos um pouco a reunir as forças para lhes seguir o rasto, mas por fim consegui-mos com o resultado que você pôde observar.
Naquele momento, um sargento acercou-se do grupo e perfilou-se em frente do capitão.
— Às suas ordens, meu capitão — disse. — Recolhemos os cadáveres de trinta e oito índios e dois brancos. Além disso, há alguns selvagens feridos e outros prisioneiros.
— Obrigado, sargento. Que montem os homens e regressem ao acampamento. Eu não tardarei a segui-los. Boa razia, major — continuou, dirigindo-se a Ronald. — Depois desta derrota os «araphaoes» não voltarão a recorrer à força. Vá-mos, Maxwell? Major, quando quiser...
Ronald abraçou a irmã, mas nos olhos de ambos já não havia o desespero por aquela despedida, que teria sido trágica se «Risonho» Mulder houvesse logrado os seus propósitos, mas refletiam a esperança que as palavras de Maxwell e do capitão haviam levado aos seus corações.
Depois, o major despediu-se de Chester, abraçando-o efusivamente.
Patt, Hards e Colbert, que só haviam percebido metade da conversação entre os quatro homens, pegaram nas suas armas para impedir a partida do major, mas este conteve-lhes os ímpetos, explicando-lhes a promessa de Maxwell e com isto se acalmaram os três leais servidores, aos quais o major estreitou as mãos, profundamente emocionado.
Depois montou o cavalo que Colbert havia preparado por ordem sua e afastou-se ladeado por Maxwell e o capitão, agitando um braço no ar numa despedida, antes de desaparecer pelo meio das árvores.
Quando o perderam de vista, Chester enlaçou June pela cintura, e ambos, com a felicidade refletida nos rostos, se afastaram em direção à casa, totalmente destruída pelo voraz incêndio. Tudo se havia solucionado satisfatoriamente. Se Maxwell cumprisse a sua palavra, Ronald em breve voltaria, livre de toda e qualquer perseguição.
— Bom, Hards — disse Patt, coçando a cabeça. — Parece-me que chegou a hora de também nós fazermos as pazes. Não te parece?
— Creio que tens razão. Mas julgo que o major fez mal em se ir embora. Aqueles tipos do Norte são uns falsos. Nós poderíamos muito bem tê-lo defendido e...
— ...e agora estarias em cima de uma nuvem cor-de-rosa, tocando harpa. Ou não havias dado conta de que tinhas atrás de ti mais de vinte soldados?
— Pois sim, mas apesar disso...
— Hards, continuo a pensar que és o tipo mais casmurro que tenho visto na minha vida. Porque gostas tanto de ser espírito de contradição?
— Talvez para não estar de acordo com um porco como tu, Patt. Queres repetir isso de casmurro?
— Se não estivesses ferido, repetia isso e muito mais.
— Tu também estás ferido, e portanto, a coisa está igualada. — Então, não tenho nenhum inconveniente em repetir-te que és um casmurro, se tu repetires isso de porco.
— És um porco, Patt! — regougou Hards, façanhudo. — O maior porco do mundo!
— E tu és um casmurro, «Cara Dura»! — replicou Patt plantando-se-lhe na frente, em atitude hostil.
— E vou dar-te uma sova. Sinto muito, porque te estimo, mas...
— E eu vou dar-te outra. Manejas a espingarda como ninguém, mas não posso consentir que me insultes!
Investiram um contra o outro, incitados pelos gritos de Colbert e dos débeis sorrisos de Willmore. Durante meia hora esmurraram-se à grande, mimoseando-se com socos, pontapés, terríveis cabeçadas que ressoavam nos corpos dos dois colossos, os quais resfolgavam como duas baleias fora de água.
Patt sangrava de uma sobrancelha e Hards do nariz. Por fim estatelaram-se no chão, confundidos num estreito abraço, e depois de rolarem várias vezes, forcejando, ficaram estendidos de barriga para o ar, um para cada lado, sem quase poderem mover-se extenuados pelo esforço empregado e pelos socos recebidos e descarregados.
Mas os seus temperamentos indomáveis ainda os impeliam a não se darem por vencidos, querendo cada um ser o último a descarregar o golpe final, pelo que, de vez em quando, um deles levantava o braço e deixava-o cair amolecido sobre o peito do adversário, acompanhando aquele arremedo de soco com um lindíssimo vocabulário de frases «amáveis».
— Ouve... Patt... parece-me que somos... uns idio... tas — disse por fim Hards, sentando-se no chão e levando a mão ao nariz para limpar o sangue.
— Também... creio... o mesmo... que tu... Hards — respondeu Patt entrecortadamente, limpando com um lenço a sobrancelha ferida.
— Estamos sempre... de acordo em tudo...
— Claro que sim... Hards... em tudo — replicou Patt, sentando-se em frente do seu antagonista.
— Então... porque... nos batemos?
Patt coçou a cabeça, sem saber que dizer.
— Não sei... não sei... Será porque és um casmurro...
— Não comeces outra vez, Patt! Se retiras isso, também eu retiro o de porco, valeu?
— Valeu! Venha de lá essa mão!
— Amigos?
— Para sempre!
Estreitaram-se as mãos, mas naquele apertão de amizade imorredoira empregou cada um deles toda a sua força, a ver qual fazia mais mal um ao outro.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

BUF101. Cap VIII. O assalto

O bonacheirão do Patt demorou-se mais do que havia calculado na pousada e não lhe foi possível empreender o regresso antes de bem entrada a tarde.
Com as maiores precauções, aproximou-se do lugar onde havia deixado o seu amigo, mas não o encontrou. Cheio de ansiedade perscrutou o bosque, oculto atrás das rochas, mas não apercebeu o menor ruído nem o mais leve movimento.
— Devem ter partido — disse para consigo.
Coçou a cabeça, gesto muito habitual nele, sempre que se sentia perplexo, sem saber que partido tomar, quando os seus olhos se pousaram no papel que Chester lhe havia deixado.
O forte de Patt não era precisamente a leitura e decorreu um bom pedaço antes que conseguisse decifrar o que Chester havia escrito. Quando tal foi possível, dispôs-se a obedecer às ordens do seu amigo e montou a cavalo, seguindo-lhe a pista.
Mas tudo aquilo encerrava mais dificuldades do que parecia, porque a noite começava a cair e era impossível seguir-lhe o rasto na obscuridade.
— Dormirei aqui e partirei ao amanhecer — decidiu.
Devorou num abrir e fechar de olhos uma frugal ceia, após o que, deitou-se de barriga para o ar em cima da manta que estendeu no chão, adormecendo em seguida.
Não pôde saber exatamente o tempo que permaneceu dormindo, porque, de repente, foi despertado por um rumor confuso que parecia vir do bosque.
— Que será isto? — perguntou-se.
Colou o ouvido à terra e apercebeu o ruído de numerosos cascos de cavalos chocando com o solo atapetado de relva.
— São cavalos... — murmurou. — Muitos cavalos que se aproximam nesta direção.
O barulho tornava-se cada vez mais distinto, e, de súbito, vários cavaleiros saíram do bosque. As suas silhuetas, recortadas à luz do luar, semelhavam uma aparição fantasmagórica.
— São índios... — murmurou Patt. — Que virão aqui fazer?
Alguns deles desmontaram e acercaram-se furtivamente da beira do vale, espreitando atentamente para o fundo.
Até o emperrado cérebro de Patt percebeu as intenções dos bandidos.
— Vão atacar os lá de baixo... — suspeitou Patt. -- Quando darão começo à festa? Certamente, esperarão que amanheça. Oh! Se estivesse aqui Chester!
Aquilo resultava muito complicado para ele, pois encontrava-se perante um dilema que não sabia como resolver. Devia descer ao vale para prevenir o major da presença dos índios e ajudá-lo a repelir o ataque, ou partir ao encontro de Chester, para o pôr ao corrente do que se estava passando e evitar que ele fosse meter-se na boca do lobo?
Por fim, a sua amizade inclinou-o para o lado do rapaz, tanto mais que não conhecia bem o caminho, que só por três ou quatro vezes havia percorrido, e sempre acompanhado de Chester, e parecia-lhe muito arriscado tentar a descida, cruzando o planalto a descoberto, povoado de índios vigilantes.
As horas passavam lentas e enervantes, até que, por fim, surgiu a madrugada. Mal romperam os primeiros clarões da aurora, os selvagens puseram-se em marcha e iniciaram a descida ao vale em fila indiana.
Patt pôde distinguir-lhes os rostos pintalgados bem como as penas de guerra e contou sessenta cavaleiros. Outros cinco homens fechavam a horda, mas estes últimos eram brancos, o que fez Patt soltar uma exclamação.
— Que me enforquem, se tudo isto não é obra do «Risonho» Mulder... O traidor, o canalha! O renegado!...
O eco de uma detonação interrompeu-lhe a enfiada de insultos.
— Quem terá disparado? — perguntou-se com estranheza.
De repente, no seu esconso cérebro fez-se luz.
A sentinela! Nem se lembrava disso!
Ao primeiro tiro seguiu-se outro e logo vários mais, que soaram distintamente na límpida atmosfera da manhã.
Patt viu que os índios vacilavam nas suas selas e que os seus cavalos saíam da fila, correndo à desfilada pela planície fora.
— Com estes tiros os do vale já devem estar de sobreaviso — disse Patt para consigo. — Portanto, o que tenho a fazer é ir em busca de Chester.
Os selvagens lançaram-se numa carreira desenfreada para o vale, mas a estreita senda que descia ao fundo não permitia a passagem a mais de dois cavaleiros a par, pelo que, durante um bocado, estiveram expostos aos disparos da sentinela, que os via descer, do seu posto de observação, situado uns cem metros para além do ponto em que principiava o apertado atalho.
Patt montou a cavalo e já se dispunha a partir, quando viu que uns oito ou dez índios se destacavam do grupo ainda a descoberto no planalto, e corriam velozmente para o que disparava.
Soaram mais dois tiros e outros dois índios dos que se haviam separado do grupo caíram por terra.
Quem quer que fosse o que disparava, manejava a espingarda com uma perícia admirável, pois era raro o tiro que falhava, apesar da escassa claridade, causando numerosas baixas entre os índios.
Mas o perigo acercava-se dele a passos largos. Os índios deixaram os cavalos ao amparo rochas na base do monte onde estava emboscada a sentinela e principiaram a rastejar para a posição ocupada pelo invisível atirador, enquanto o grosso da tropa prosseguia a descida para o vale.
— Aquele está em maus lençóis — murmurou Patt. — E é pena, porque é um tiro valente. Será o meu amigo «Cara Dura»? Bem, parece-me que devo ajudá-lo um pouco. De qualquer forma, Chester terá de passar por aqui e terei empo de o avisar.
Esporeou o cavalo e lançou-se a galope por entre a fileira de árvores, até ficar situado a uns cem metros do morro.
Uma exclamação se lhe escapou dos lábios. A curta distância, jaziam dois selvagens, derrubados pelo fogo devastador do homem postado lá em cima, mas os restantes continuavam subindo, ocultando-os com as rochas que abundavam na ladeira. Outro tiro foi disparado do alto do morro e outro índio se retesou, abriu os braços e foi rolando até cair no sopé, morto.
Mas os outros índios continuaram o seu avanço. Encontravam-se já a escassos metros da sentinela e preparavam-se para se lançar sobre ele. Patt desmontou, emboscou-se atrás de uma árvore, apontou cuidadosamente a sua espingarda ao que lhe ficava mais perto e disparou. O selvagem deu um salto formidável e tombou no chão sem vida. Patt disparou rapidamente mais duas vezes a outro índio, que foi fazer companhia ao primeiro pelo território das caçadas eternas.
Compreendendo que estavam metidos entre dois fogos, os outros seis atacantes que restavam com vida empreenderam uma fuga desordenada, mas só quatro conseguiram alcançar os seus cavalos e reunir-se ao grosso da guerrilha. Os outros dois ficaram na ladeira, derrubados pelos tiros certeiros de Patt e da sentinela.
O hercúleo Patt montou a cavalo e de uma galopada chegou ao cimo do morro, onde se encontrou com Hards. Este baixou a espingarda ao reconhecer o homem que se aproximava.
— Caramba, és tu? — exclamou Patt, descendo do cavalo. — És um barra no manejo da espingarda!
— Olha que tu também não és nada manco! Chegaste no momento mais oportuno para mim. Quem diabo são esses índios?
— «Araphaoes» — disse Patt, lacónico. —Smilin incitou-os contra a gente do vale.
Hards expeliu uma praga e o seu rosto tornou-se sombrio.
— Já devem estar lá em baixo — murmurou. — Os meus tiros devem ter prevenido o major, mas tivemos pouca sorte.
— Porquê?
— Se tivessem vindo um pouco mais tarde, teriam feito a viagem em vão porque não encontrariam ninguém em casa. Quando subi aqui antes do amanhecer, deixei o major preparando--se para ir em busca de sua irmã. Ontem à tarde, como ela não houvesse regressado do seu passeio, explorámos o bosque e encontrámos vestígios de um acampamento. Logo calculámos que Smilin a havia raptado, mas já descia a noite e tivemos de voltar para casa, esperando pelo dia seguinte para sairmos em busca dela. Pobre menina June!
— Não te preocupes muito por ela. O meu amigo presenciou a sua captura e foi atrás de Smilin. Não voltará sem ela. Garanto-te, porque o conheço bem.
— Isso tranquiliza-me um pouco — disse Hards. — Escuta!
Do fundo do vale soaram detonações isoladas, que, gradualmente se transformaram num tiroteio cerrado.
— Que fazemos, «Cara Dura»?
— Eu vou lá para baixo ajudar. E tu?
— Não sei que faça... Devia ficar aqui para prevenir Chester quando ele chegar.
— Se ele vier, logo ouvirá os tiros. Acho que deves acompanhar-me. Ambos sabemos manejar bem a espingarda e o nosso auxílio será precioso lá em baixo.
O tiroteio prosseguia no fundo do vale, indicando que o major e os dois homens que o acompanhavam sabiam defender-se, mas era evidente que a sua resistência não podia prolongar-se por muito tempo, se não recebiam ajuda.,
— Creio que tens razão uma vez, Hards —condescendeu Patt. Vamos. Mas conste que o, facto de te ajudar agora não quer dizer que eu haja renunciado a liquidar a murros essa continha que ainda temos pendente.
Montados no cavalo de Patt, empreenderam a descida os dois antagonistas do murro.
*
Rompia a manhã quando o major Watterfield terminava os preparativos para partir em busca de sua irmã. Estava seguro de que aquela proeza era obra de Smilin e lamentava haver deixado sair sua irmã, mas já não tinha remédio.
Passeava em frente da casa, esperando com impaciência que Willmore trouxesse os cavalos, quando uma detonação lhe chegou nitidamente aos ouvidos.
— Vêm aí alguém... — murmurou. — Deus queira que sejam Chester e Patt.
Nada desejava mais naquele momento que ver aparecer os dois simpáticos e resolutos rapazes. Habituados à luta e à vida de campo, os dois amigos saberiam seguir o rasto dos raptores de sua irmã e seriam uma apreciável ajuda na luta.
Mas o tiro que ouvira foi seguido de outros mais.
— Isto não é um simples aviso — pensou Ronald. — Hards deve estar disparando contra alguém, lá de cima.
Ouviram-se novas detonações e de súbito chegou-lhe aos ouvidos o rumor que se foi acentuando até se tornar perfeitamente audível.
— Cavalos... — murmurou. E devem ser muitos, a julgar pelo tropel. Willmore! Colbert! Venham depressa! — chamou, dirigindo-se para casa.
Os dois homens apareceram imediatamente.
Lá em cima continuavam a soar tiros a par do tropel dos cavalos que se aproximavam cada vez mais, embora as árvores ocultassem da vista a senda que descia ao vale.
— Hards está lutando lá em cima! — disse Ronald. — E muitos cavalos se dirigem para aqui. Vamos para dentro de casa.
Os três penetraram na edificação, dispostos a defender-se até ao último instante.
— Fechem bem as portas e janelas e vamos para o andar alto. Devem ter acabado com Hards, porque já não o oiço disparar. Pobre rapaz!
Trancaram as portas e janelas do piso inferior e subiram ao de cima, onde a defesa seria mais fácil.
No entanto, Ronald não alimentava grandes ilusões. O inimigo que se acercava era muito numeroso, a julgar pelo ruído multiplicado das patas dos cavalos.
Os três agacharam-se atrás das janelas, na parte fronteira da casa, aguardando o ataque. Finalmente, os índios detiveram-se a curta distância da casa, e, ocultando-se com as árvores, desmontaram e principiaram a avançar.
Da casa não saía o menor rumor, o que animou os selvagens que se lançaram para a frente de peito descoberto, julgando-a fácil presa.
— São índios...! — exclamou Ronald, adivinhando a verdade. — Aquele infame! Duro com eles, rapazes!
Três espingardas vomitaram fogo e três «araphaoes» caíram por terra. Os restantes procuraram refúgio atras das árvores, mas, antes que pudessem chegar até elas, soou outra descarga e mais três índios ficaram estendidos sem vida, junto ao poço.
Perante aquela encarniçada defesa com que não contavam, os selvagens vacilaram. Depois, atendendo às ordens que Smilin ditava do bosque, começaram a deslizar cautelosamente por entre as árvores para ambos os lados da casa.
Ronald apercebeu-se imediatamente da manobra. Os índios pretendiam cercar a casa, procurando o ponto mais vulnerável para se lançarem ao assalto.
— Willmore! — ordenou o major. — Vai vigiar o lado direito. E tu, Colbert, o esquerdo. Eu fico aqui. Pela parte traseira nada podemos fazer, pois que as árvores chegam até à casa, mas será conveniente deitar uma olhadela por ali de vez em quando. Não poupem munições e atirem a matar!
A luta generalizou-se, e o major como os seus homens defendiam-se heroicamente.
Mas os índios haviam dado conta do reduzido número de homens que defendiam a casa e investiam com maior fúria. Por duas vezes tentaram o assalto, atacando em massa, apoiados pelos atiradores emboscados na espessura, mas em qualquer das tentativas foram rechaçados com sensíveis baixas.
A estes ataques seguiu-se uma trégua angustiosa. O silêncio era opressivo e não pressagiava nada bom.
— Que estarão a tramar agora? — perguntou-se Ronald, enquanto observava atentamente o bosque para não se deixar surpreender. Sabia alguma coisa das manhas dos índios e não duvidava de que aquele silêncio era consequência do que estariam magicando para os obrigar a abandonar a casa.
Breve saiu de incertezas. De repente, surgiram do bosque dois diabos vermelhos, montados em osso nos seus velozes cavalos, e arremessaram--se a galope para a casa, tentando transpor a pequena esplanada que se estendia em frente da casa.
Ronald disparou rapidamente a espingarda e derrubou dois índios, antes que os quatro restantes atingissem a parede e se refugiassem debaixo do alpendre. Segundos depois, o barulho procedente dali indicava a Ronald que os selvagens tentavam arrombar a porta a golpes de machado.
Um homem branco deixou-se ver entre as árvores. Ronald reconheceu um dos que acompanhavam «Risonho» Mulder na primeira vez que o bandoleiro se apresentou no vale.
Apontando cuidadosamente, disparou e Stid abriu os braços para tombar ferido de morte. Logo em seguida, Ronald fixou toda a sua atenção nos que se encontravam debaixo do alpendre, vibrando violentas machadadas na porta.
— Willmore! — chamou pelo homem que apareceu em seguida. — Estão alguns índios debaixo do alpendre, tentando derrubar a porta. Vigia tu aqui, enquanto eu vou ver se lhes dou uma surpresa.
Desceu ao piso inferior e com todas as precauções aproximou-se de uma das janelas situadas uma em cada lado da entrada. Lentamente, fez correr o fecho e entreabriu as madeiras, espreitando pela abertura.
Um sorriso lhe distendeu os lábios. Na sua frente tinha quatro índios golpeando afanosa mente a porta, na qual já haviam conseguido abrir uma brecha.
Ronald apontou o revólver através da fresta e disparou rapidamente. Um índio caiu com a cabeça atravessada por uma bala, enquanto outro se afastava, soltando uivos de dor, sendo caçado a poucos passos por um tiro de Willmore.
Das árvores foi disparada uma carga cerrada, que estralejou contra a janela. Algumas balas perfuraram a madeira e zuniram ao redor de Ronald, que fechou novamente a janela e foi colocar-se junto à porta principal, que cedia aos embates dos outros índios, que não desistiam do seu intento.
Um dos selvagens espreitou pela brecha recentemente aberta e caiu com o crânio perfurado por um projétil. O outro desviou-se para um lado, não se atrevendo a entrar, mas o perigo maior desencadeava-se por outro lado, sobre os defensores da vivenda.
Os selvagens, incitados por Smilin, que presenciava a luta com a raiva pintada no rosto, em face da resistência do major, aperceberam--se de que ninguém disparava do lado antes defendido por Willmore. Conseguindo aproximar-se da casa, deitaram a baixo uma janela e principiaram a deslizar para o interior da casa.
Ronald encontrou-se de súbito com dois índios que saiam de um quarto e disparou o seu revólver. Um deles caiu redondamente, mas o outro conseguiu dar meia volta e entrar novamente no quarto, fechando a porta atrás de si, enquanto o major permanecia a pé firme no vestíbulo, com um revólver em cada mão, vigiando atentamente as duas portas.
— Olha, Hards! — disse Patt, enquanto desciam ao fundo do vale. — Parece que os índios estão entrando em casa por aquela janela.
— Parece que sim... Pára aqui o cavalo.
Desceram da montada, e logo os dois se dedicaram a caçar quantos selvagens se aproximavam da janela.
O tiroteio prosseguia. Colbert defendia bem o seu lado, mas apesar da terrível mortandade que a enérgica resistência dos sitiados lhes havia ocasionado, os índios persistiam nos seus ataques. Ainda eram muito numerosos e, além disso, estavam cegos pela ira, ao verificar que a empresa não resultava tão fácil como eles haviam suposto.
— Temos de entrar em casa, Patt — disse Hards.
— Isso é muito simples. Se os índios pretendiam entrar por aquela janela, nós também o podemos fazer, a não ser que tenhas medo...
— Se não tive medo de me enfrentar com um selvagem como tu, menos o terei agora — replicou Hards.
— Se te atreves a chamar-me selvagem outra vez... — ameaçou Patt.
— Outra vez e mil vezes mais! — retorquiu Hards, refilão. — Quando liquidarmos esses animais, vou fazer-te em papinhas.
— Isso é o que depois, veremos. Agora, vamos ao que importa mais.
Desviaram-se do atalho e deslizaram por entre as árvores. Na frente deles, alguns índios vigiavam a casa, preparando-se para um novo assalto. Parte deles, numa veloz corrida, foram postar-se junto à janela aberta.
— Duro com eles, Patt! — exclamou Hards, saltando do cavalo.
As duas espingardas soaram simultaneamente e dois índios do grupo que tentava entrar ficaram tombados no chão.
Patt largou a sua arma e lançou-se para a janela, disparando os dois revólveres, seguido de Hards. Outro índio foi atingido com alguns tiros nas costas, no momento em que saltava o parapeito e caiu para dentro de casa.
Os dois gigantes projetaram-se pela janela aberta como dois bólides humanos e foram cair no meio de outros índios que se encontravam lá dentro.
Um deles brandiu um machado em frente do rosto de Patt, mas este aplicou-lhe um soberbo soco que o tombou com um gemido rouco. Os outros lançaram-se como uma tromba sobre os recém-chegados. Os revólveres detonaram no estreito espaço e mais selvagens caíram no chão, ensanguentados.
No entanto, Patt e Hards estavam rodeados de uma turba de demónios vermelhos, lutando desesperadamente, enquanto pela janela aberta entravam mais índios.
Teriam passa do por um mau bocado, se Ronald, ao perceber a luta que ali se travava, não houvesse aberto a porta: e, ao ver o perigo que corriam os dois gigantes, começou a disparar sobre a matula de índios que os rodeava.
— Hards! Patt! — exclamou. — Venham para aqui! Depressa!
Protegidos pelos tiros do major, que semeavam a confusão e a morte entre os índios, em duas largas passadas venceram o espaço que os separava da porta do quarto e juntaram-se a Ronald no corredor.
Pela porta de entrada, começaram a entrar peles-vermelhas. A espingarda de Willmore não soava lá em cima, devendo estar ferido ou talvez morto.
Os três homens romperam fogo contra os novos intrusos, enquanto recuavam para a escada que conduzia ao piso superior.
Colbert apareceu no patamar, disparando também contra a massa de assaltantes que invadia já o andar baixo, e os três conseguiram chegar junto dele sem dificuldade, enquanto as flechas e alguns tiros mal dirigidos sibilavam junto às suas cabeças.
— Vamos lá para cima! É preciso defender a escada antes que subam!
Um homem branco surgiu no vão da porta, mas, vendo o perigo, tentou retroceder, o que era já tarde, e recebeu no peito a descarga de quatro armas que o haviam tomado como objetivo.
Smilin estava pagando por um preço muito elevado a captura do major.
Os quatro homens continuaram a recuar até ao andar superior sem deixarem de disparar. Willmore estava gravemente ferido no peito. Retiraram-no da linha de fogo e organizaram novamente a defesa, dispostos a morrer matando, pois não lhes restava a menor esperança de receberem qualquer auxílio.
O piso de baixo estava cheio de selvagens, mas não fizeram a menor tentativa de ataque para galgarem a escada. •
— Não me agrada nada esta calma... — murmurou o major. — É sinal de que estão a tramar alguma das suas manobras.
Breve teve a resposta. Pelo vão da porta principiou a entrar uma nuvem de fumo, que se tornava cada vez mais densa.
Smilin havia ordenado que lançassem fogo à casa para obrigar os sitiados a desalojá-la. Depois de pegarem fogo aos móveis e cortinas, os índios abandonaram a casa e refugiaram-se no meio das árvores, perseguidos pelos tiros dos sitiados, para, emboscados na espessura, aguardarem que o fogo obrigasse os seus denodados defensores a abandonar a casa.
O fogo foi tomando incremento. O calor era já insuportável, quase tanto como o fumo que invadia o piso superior, asfixiando os homens que ali se encontravam.
— Creio que não vamos ter mais remédio que sair, se não queremos morrer torriscados — disse Ronald. — Vamos, Colbert! Carrega com Willmore. Vamos tentar sair pela parte de trás.
Era um recurso desesperado, mas não tinham outra alternativa. Acercaram-se das janelas traseiras, mas uma descarga 'cerrada saudou a sua aparição, advertindo-os de que Smilin não havia descuidado aquele ponto.
— Estamos perdidos — murmurou Patt.
Os quatro homens entreolharam-se com expressões sombrias. O fumo sufocava-os, fazendo-os tossir e chorar. Era verdadeiramente angustioso aguardar ali a morte, obrigados a permanecer inativos, imobilizados pelas chamas que não tardariam a fazê-los sair para o ar livre, para serem caçados como coelhos.
— Vamos tentar uma saída! — exclamou Hards. Ao menos, morreremos matando e não assados neste forno, miseravelmente!
Mas não tiveram de se expor àquela morte tão certa, porque naquele momento, o som estridente de um clarim rasgou os ares e perceberam entre o crepitar das chamas o confuso tropel dos índios fugindo em debandada, perante a inesperada presença de um batalhão de soldados.

domingo, 25 de setembro de 2016

BUF101. Cap VII. Conjura sinistra

Mulder e os seus homens prosseguiram a jornada sem se aperceberem da sistemática perseguição de que eram objeto por parte de Chester Bruce.
Este aplicava os seus cinco sentidos em não ser descoberto, nem perder o rasto dos foragidos, pois que lhe era muito querida a pessoa de June Watterfield, para se descuidar por um só segundo.
Durante quatro horas percorreram planícies e colinas em suave declive, até que, pouco a pouco, começaram a encontrar terreno mais acidentado.
Mulder não ocultava a satisfação que lhe causava a captura da jovem e lançava-lhe frequentemente cobiçosos olhares. O seu êxito fora completo. Um ás de ouros lhe viera às mãos naquela jogada e pensava tirar dele todo o partido possível.
Os cavalos desceram uma íngreme vertente e encontraram-se numa estreita faixa de terreno liso, salpicado de árvores, castanheiros e carvalhos na maior parte, para além do qual deslizava a mansa corrente de um riacho.
Aos seus olhos surgiu uma cabana de grandes dimensões, rodeada de árvores, junto ao rio.
Meia milha atrás deles, Chester também a viu. Pensou que, finalmente, haviam chegado ao termo da viagem e não se enganou.
Em frente da casa, viam-se alguns cavalos-amarrados à barra, mas não se distinguia vestígios de pessoa alguma. O jovem observou com atenção, procurando captar todos os pormenores da situação.
O grupo acercou-se da cabana. Antes de ali chegarem, um homem com uma espingarda saiu de entre as árvores e dirigiu-se a Mulder, com quem trocou algumas palavras. Depois, voltou ao seu posto de vigilância, enquanto Smilin e os outros se encaminhavam para a cabana.
Com a entrada dos foragidos na casa, tudo em volta ficou novamente deserto, e Chester dispôs-se a entrar em ação.
Resguardando-se com as árvores, avançou cautelosamente, procurando não ser visto pelo homem que vigiava fora da cabana. Fora uma sorte que ele saísse ao encontro de Smilin, denunciando assim a sua presença no meio das árvores, pois, de contrário, talvez nem houvesse reparado nele.
A uns duzentos metros da casa, Chester demorou-se um bom pedaço a observar com curiosidade os cavalos que ali se encontravam e não pôde conter uma exclamação de assombro:
— Mas... aqueles cavalos são índios... — murmurou. — Que farão aqui?
A ideia que de repente lhe passou pelo cérebro fê-lo estremecer.
— Aquele maldito renegado será capaz de lançar os índios contra homens da sua própria raça? — perguntou-se.
A resposta foi afirmativa, pois o que ouvira contar de Smilin Mulder era de molde a julgá-lo capaz de todas as canalhices imagináveis.
Dispôs-se a alcançar uma janela e deitar uma vista de olhos para o interior da cabana. Não ignorava o perigo a que se expunha, mas não tinha mais remédio que correr o risco.
Tinha de proceder rapidamente, porque não só a vida de June como a de todos os homens que se encontravam na casa do vale dependiam da sua decisão, e cada minuto que deixava passar inativo tornava mais iminente a ameaça que pendia sobre todos eles.
Encontrava-se agachado atrás de um corpulento castanheiro. Dez metros adiante um grosso carvalho oferecia-lhe mais uma etapa na sua progressão para a cabana. Olhou em roda e, não vendo nem sombra da sentinela, lançou-se à carreira para a outra árvore.
Estava prestes a alcançá-la quando os seus pés tropeçaram numa raiz que sobressaía à flor da terra e estendeu-se ao comprido atrás da árvore que tentava atingir. A sua cabeça chocou violentamente com a rija madeira da árvore e ficou estendido atrás dela sem sentidos, impossibilitado para atuar quando mais necessária se tornava a sua intervenção.
Ao ver os pequenos cavalos índios amarrados à barra, Mulder pensou que já haviam chegado «Nuvem Cinzenta» e os seus guerreiros, e preparou-se para enfrentar aquela espinhosa entrevista.
Dentro da cabana, Alex falava com seis índios «araphaoes» de formidável aspeto. Todos eles se apresentavam nus da cintura para cima, mostrando os imponentes dorsos de cor bronzeada.
Quando Mulder entrou, seguido dos seus homens, levando no meio deles a desmoralizada June, levantaram-se dos seus lugares, e a rapariga viu pousados nela os olhos cobiçosos dos índios.
Mulder dirigiu-se a um deles, que pelo seu aspeto parecia ser o chefe, e estreitou-lhe a mão, ao mesmo tempo que as mais hipócritas palavras de saudação lhe saíam dos lábios.
— Que Manitu te conceda sempre a vitória e te proporcione excelentes caçadas, «Nuvem Cinzenta» — disse, no idioma índio.
— E que a ti te dê longa vida, irmão «rosto--pálido». Para que mandaste chamar-me? — perguntou sem rodeios o formidável índio, sem que a expressão do seu rosto denotasse a menor curiosidade.
— Quero proporcionar-te os meios de te vingares dos brancos que invadiram as tuas terras, mas, rogo, grande chefe, que aguardes um momento. Stid, leva a rapariga para o outro quarto.
O bandido empurrou June para o outro extremo da casa e fê-la entrar num desmantelado quarto, fechando logo a porta à chave.
June caiu de bruços no sujo catre, soltando entrecortados soluços, por saber que estava prisioneira de Mulder e que ele ia lançar os índios contra seu irmão. Tudo estava perdido para eles!
Ergueu-se, fazendo um esforço para se serenar e colou o ouvido à porta, mas não conseguiu apurar nada, porque a conversação entre Smilin e os índios era travada no dialeto dos «ara-phaoes», linguagem que ela desconhecia.
Naquele momento, Mulder falava, tentando dar às palavras o tom de sinceridade necessário para dissipar os receios dos índios.
A sua voz era convincente e persuasiva, e os selvagens escutavam-no com crescente atenção, trocando entre eles olhares cheios de cobiça ao escutar a vantajosa oferta que o foragido lhes propunha.
Mulder acabou de falar. «Nuvem Cinzenta» olhou-o uns instantes, pensativo, e depois perguntou:
— Como podemos saber que nos disseste a verdade?
— Já sabes que dos meus lábios nunca sai a mentira, «Nuvem Cinzenta» — mentiu Mulder cinicamente.
— Se são teus irmãos de raça, porque desejas a morte deles? — inquiriu o astuto índio, olhando-o com um desprezo que não fez a menor mossa no foragido.
— Os meus irmãos são os «araphaoes», que sempre me trataram melhor que os «rostos-páli-dos» — replicou Mulder, e não mentia ao dizer isto, embora se guardasse bem de explicar a origem do mau trato recebido dos brancos.
«Nuvem Cinzenta» cogitou uns instantes.
— Ti muito arriscado o que me propões — disse por fim. — Tenho de contar com os anciães.
-- Não to aconselho, irmão — replicou rapidamente Smilin. Os velhos são demasiado prudentes. Na realidade, são como as mulheres, invejosas da força dos jovens guerreiros, e tentarão dissuadir-te para te tirarem o mérito e a fama que alcançarás com a tua façanha. Convém que caias imediatamente sobre eles com os teus valorosos guerreiros e os aniquiles. Isso servirá de prevenção para os outros «rostos-pálidos» que querem vir roubar as tuas terras.
Fez-se um prolongado silêncio. «Nuvem Cinzenta» olhou os seus guerreiros que fizeram sinais de aprovação, em resposta à sua muda solicitação de conselho.
— Todos alcançarão glória e proveito. Todo o povo «araphaoe» cantará o valor de «Nuvem Cinzenta» e os seus guerreiros. Além disso — prosseguiu Mulder para acabar de os convencer — eles têm em casa água de fogo em abundância. Aqui, os olhos dos índios brilharam e dos seus lábios saíram guinchos de aprovação.
— Como se tudo isto fosse pouco, também há muitas espingardas que lhes serão muito úteis na luta que se aproxima.
Nos olhos de «Nuvem Cinzenta» lia-se a indecisão. Por um lado, impelia-o a cobiça para o chorudo saque com que Mulder tentava deslumbrá-lo, mas por outro retinha-o a obediência devida aos anciães da tribo.
Se houvesse ali alguém que o aconselhasse a não aceitar, ele não aceitaria, mas quando mais uma vez consultou os seus guerreiros com o olhar, leu nos seus olhos a decisão, acompanhada de gestos aprobatórios, para que aceitasse, e já não vacilou mais.
O canalha do Mulder havia conseguido os seus propósitos e assim lançava a morte mais horrorosa contra os seus próprios irmãos de raça, para satisfazer a sua cobiça e sede de vingança.
«Nuvem Cinzenta» pôs-se de pé de um salto, interrompendo a arenga de Mulder. Naquele instante, estava verdadeiramente imponente.
— Basta! — gritou com voz de trovão. — Com isso há mais que suficiente. «Nuvem Cinzenta» demonstrará que é o mais valente guerreiro «araphaoe». Quantos homens lá estão?
— Seis — respondeu Mulder, sorrindo triunfante.
«Nuvem Cinzenta» sorriu também, mas o seu sorriso era desdenhoso e sarcástico o tom da sua voz ao perguntar:
— E para arrancar apenas seis cabeleiras, necessitas da nossa ajuda?
— São apenas seis homens, mas que se defenderão com a ferocidade das feras da floresta, «Nuvem Cinzenta». Vai dar-lhes muito trabalho conseguir as suas cabeleiras; a um deles, porém, não devem causar o menor dano, mas simplesmente entregar-mo a mim, imponho essa condição. O resto dos homens e tudo o que houver dentro de casa será o vosso despojo de guerra.
Os índios estalaram em gritos agudos, estridentes, jubilosos pela fácil presa que Mulder punha ao seu alcance.
— Como saberemos qual é esse homem?
— Nós não fugimos ao perigo, «Nuvem Cinzenta». Iremos também para vos ajudar e logo te indicaremos quem é.
— E não reclamarás parte do saque? — perguntou «Nuvem Cinzenta» receoso.
— Juro-te que não. Contentamo-nos com o homem. Com quantos guerreiros podes contar?
«Nuvem Cinzenta» mostrou a Mulder seis vezes os dedos das duas mãos.
— Sessenta? Serão mais que suficientes. Onde estão eles?
— Na aldeia. Mas posso levá-los comigo antes do sol-posto.
— Magnífico. Vai buscá-los, procurando que os anciães não se apercebam da sua partida e fiquem emboscados na espessura que fica do lado do precipício. Eu e os meus homens iremos reunir-nos a ti amanhã, de madrugada — terminou Mulder, levantando-se. — «Nuvem Cinzenta», insisto em que os velhos não devem saber antes do assunto arrumado. Poderia estragar o teu triunfo.
— Descansa, irmão — replicou o selvagem com olhar torvo. — Os mais valentes guerreiros de sangue fervente estão a meu lado, ansiosos de luta e vingança. Os que estão com os velhos são cobardes que não ousarão opor-se a nós. Eu lhes demonstrarei que sou um verdadeiro chefe «araphaoe».
— Em todo o caso, faz o possível para que eles não o saibam. É o melhor.
— Que Manitu te cubra de riquezas — disse cerimoniosamente «Nuvem Cinzenta». — Não faltes ao combinado.
— Tranquiliza-te, «Nuvem Cinzenta. Não faltarei.
Os índios abandonaram a cabana. Mulder acompanhou-os à porta e ali se despediu deles, estreitando-lhes as mãos. Depois, voltou-se para os seus homens, quando reentravam na cabana.
— Estão vendo como tudo resultou fácil? — disse, satisfeitíssimo. — Eles farão o trabalho e nós estaremos lá apenas para prender o major. Cautela, não se exponham muito. Os sessenta índios executarão a tarefa por nós.
June estremeceu ao escutar esta cínica declaração.
— Canalha! Infame! Renegado! — murmurou entre dentes, horrorizada com a tragédia que se aproximava.
— Tu, Alex — prosseguiu Mulder — ficarás aqui com Oxton. Não estás em condições de lutar com esse braço ferido. Está bem atento, não se escape a rapariga, pois isso estragaria todos os meus planos e já sabes o que isso significaria para ti... — o tom ameaçador das suas palavras e o seu sinistro sorriso foram bastante eloquentes.
— Para que queres Watterfield vivo? — inquiriu Alex.
O rosto de Mulder ensombrou-se.
— Quero que ele saiba que a irmã está em meu poder. Vingarei a morte de Jeff e de Massey, dizendo-lhe o que vou fazer dela depois de o entregar às autoridades — disse, com a voz embargada pela emoção de tão retumbante triunfo.
Alex estremeceu. Apesar de já estar curtido no crime, não aprovava o procedimento de Mulder. Uma coisa é roubar os incautos e despachá-los limpamente para o outro mundo com um tiro certeiro, e outra muito diferente é lançar os índios sobre um punhado de brancos, e além disso maltratar uma mulher da forma que Mulder pensava fazer com a pobre prisioneira.
— Por Deus, Smilin! — disse, com voz rouca. — Não deves fazer isso...
Mulder voltou-se para ele, como se o houvesse picado uma víbora e agarrou-o pela camisa.
-- Porque não? — gritou. — Claro que farei! E o que não estiver de acordo, que o diga antes de começarmos a faina...
Passeou o olhar pelos rostos dos seus homens, que baixaram os olhos acobardados.
— Então, estamos de acordo, não? Nesse caso, vamos andando. Vou mandar-te Oxton para aqui – acrescentou, dirigindo-se a Alex. — E toma tento, não se escape a rapariga, porque te custará a vida. Entendido? Já sabes que comigo não se brinca.
Saiu da cabana com os homens que o haviam acompanhado até ali, enquanto June se deixava cair para cima do catre, desalentada, implorando a Deus o auxílio que parecia ter-lhe negado.
*
Quando Chester recobrou o conhecimento e se viu naquela paragem desconhecida para ele, demorou uns minutos a recordar a missão que o havia levado ali.
Teve a impressão de que tudo andava às voltas e sentia a cabeça doer-lhe, terrivelmente. Apalpou um grande inchaço na fronte mas não havia sangue. A recordação do que lhe tinha acontecido foi penetrando gradualmente no seu cérebro, e então ergueu-se repentinamente.
— Grande Deus! — exclamou. — Perdi um tempo precioso!
Sentado no chão, olhou ao seu redor, sem ver ninguém, mas os cavalos continuavam no mesmo sítio. Este facto tranquilizou-o pois indicava que ninguém havia partido da cabana.
Ocultando-se atrás do tronco da árvore, pôs-se de pé, mas logo teve de se sentar, porque a pernas recusavam-se a Sustentá-lo. Descanso um bom bocado até que se levantou de novo, agora sentindo-se melhor. Aquela pancada roubara-lhe faculdades momentaneamente, mas não podia esperar mais para se refazer, porque cada minuto que June passava em poder de Mulder aumentava o perigo para ela.
Ajustando o cinturão com os dois revólveres, preparou-se para fazer uma corrida até uma outra árvore próxima, mas, de súbito, lançou-se outra vez ao chão, ao ver aparecerem vários índios à porta da cabana, seguidos de Mulder, que se despediu deles estreitando-lhes a mão.
«Que pacto infame terão selado aqueles apertos de mão ?» — interrogou-se Chester.
Os índios passaram a escassos metros do seu esconderijo, falando animadamente.
«São «araphaoes» — disse para si o jovem. — Não levam as cores de guerra, mas, ou me engano muito ou não tardarão a pintá-las, e isso deve ser obra daquele chacal.
Quando os perdeu de vista, concentrou novamente ia sua atenção na casa. Duas curtas corridas de árvore em árvore situaram-no a cinquenta metros da cabana, e donde se encontrava: voltou a observar minuciosamente.
«Quantos homens haverá lá dentro? — interrogou-se. — Cinco vim eu seguindo. A sentinela e pelo menos um ou dois que já deviam estar dentro da cabana, perfazem sete ou oito. Parece-me mais prudente esperar que chegue Patt antes de começar a função. Confio em que ele terá visto o papel que lhe deixei com as indicações do caminho que segui, e portanto, não deve tardar.
A porta da cabana apareceu Mulder, seguido dos quatro homens que o haviam acompanhado até ali. Com grande alegria, viu que montavam os seus cavalos e se afastavam daqueles lugares. A jovem não ia com eles pois o cavalo dela permanecia à porta e isto queria dizer que June continuava lá dentro.
«A isto chama-se ter sorte — murmurou Chester. — Se os meus cálculos não falham, devem ter lá ficado três homens, no máximo. Mas, onde estará a sentinela?».
Como que respondendo àquela pergunta, o homem saiu de entre as árvores e encaminhou-se para casa; fumando tranquilamente. Chester agachou-se, esperando que passasse perto dele, para pôr em prática o seu plano.
Estava firmemente resolvido a resgatar June das mãos daqueles facínoras. Três homens não representavam para ele um obstáculo invencível, tendo do seu lado o fator surpresa.
Oxton passou por ele descuidadamente. Evitando fazer o menor ruído, Chester endireitou-se, e numa corrida rápida transpôs a distância que os separava, levando na mão direita um revólver seguro pelo cano.
O leve rumor dos seus passos fez Oxton voltar a cabeça, mas já era tarde para se esquivar ao revólver de Chester, que lhe caiu na cabeça como um pesado maço, colocando-o fora de combate.
Sem se preocupar mais com aquele, Chester correu para a casa. Já perto da porta, avançou com precaução, ao mesmo tempo que cobria com o revólver a janela próxima, na previsão de que alguém assomasse e descobrisse a sua presença.
No interior da casa não havia mais que um homem, de costas voltadas para a porta, fumando como um desesperado. Percebendo-lhe a tranquilidade e que além disso tinha o braço esquerdo ao peito, o rapaz felicitou-se por tão feliz circunstância.
— Mãos ao alto! Depressa! — troou a sua voz, ao mesmo tempo que irrompia na cabana.
Alex voltou-se rapidamente, surpreendido por aquela intimação que não esperava. Os seus olhos exteriorizaram o ódio mais feroz ao encontrar-se em frente do homem que o havia atingido no braço e ergueu o que tinha são.
Chester aproximou-se dele, contornando a grande mesa colocada ao meio da casa, e desarmou-o.
— Onde está a menina? --- perguntou logo em tom ameaçador.
— Se tanto te interessa saber, procura-a, amiguinho.
— Oiça... — ia dizer Chester, mas foi interrompido pela voz de June, vinda da outra dependência, através da porta fechada, pronunciando o seu nome.
— Chester! Chester! Estou aqui encerrada!
O rapaz dirigiu-se para a porta donde vinha a voz, imprudência que Alex aproveitou para se lançar sobre ele, ao mesmo tempo que chamava pelo seu companheiro em altos gritos.
O tiro de Chester cortou-lhe os intentos. Ao sentir-se ferido, Alex mudou de direção, encaminhando-se para a porta, mas, antes de dar quatro passos, caiu pesadamente no chão.
Chester inclinou-se sobre ele.
— Está morto — murmurou.
Guardou o revólver e avançou para a porta do quarto onde June estava prisioneira. A chave via-se na fechadura e Chester fê-la girar.
— Levante esses braços! — intimou alguém nas suas costas.
A ordem deixou Chester petrificado e não teve mais remédio que erguer as mãos, olhando para trás por cima do ombro.
Enquadrado no limiar da porta, estava Oxton, apoiando-se vacilante à ombreira, apontando-lhe um revólver.
— Volte-se! — ordenou o homem e Chester obedeceu.
— Bem... — prosseguiu Oxton. Creio que se inverteram os termos e que o caçador foi caçado.
O seu olhar percorreu a casa e deteve-se no corpo sem vida do seu companheiro.
— Você matou Alex, hem? Pois... isto vai Custar-lhe caro.
Chester estava como sobre brasas. O que menos lhe importava naquele momento era o revólver que Oxton lhe apontava, pensando apenas na atitude que June adotaria. Estaria ela apercebendo-se da situação? Que aconteceria, se ela se descontrolasse e irrompesse junto deles, visto que a porta já não estava fechada à chave? Nem quis imaginar o que Oxton faria...
Felizmente, parecia que June havia dado conta da brusca troca de papéis, pois que do quarto onde ela se encontrava não saía o menor ruído.
Oxton avançou para o rapaz, que cobria com as costas a porta do quarto ocupado por June.
— Você matou Alex — repetiu o bandido. -- Bem, bem. Levante-o e deponha-o sobre a mesa. E olho com o que faz, hem?
Chester avançou para o corpo sem vida de Alex, verificando com alegria que assim obrigava Oxton a girar à roda para não o perder de vista, e, deste modo, o bandido ficava de costas para a porta do quarto contíguo.
Com grande trabalho, levantou do chão o cadáver do outro meliante, até à altura da mesa onde o colocou. Depois, olhou para além de Oxton e percebeu que a outra porta se entreabria ligeiramente e que os olhos de June espreitavam a cena por uma estreita fresta.
Tornava-se necessário ganhar tempo é impedir que Oxton se movesse de onde estava.
Os seus olhos vaguearam* por toda a casa e pousaram-se sobre uma velha manta caída a poucos passos.
— Quer que o tape? — perguntou, indicando a manta com um gesto de cabeça.
— Tape-o, sim, mas cuidado, não faça tolices.
Chester baixou-se para pegar na manta e deitou-a por cima do cadáver, demorando-se o mais possível a ajeitá-la.
— Já está bem! — gritou Oxton.
— Que vai fazer comigo? — perguntou o rapaz, olhando a porta, que June abria lentamente, de mansinho. Cada segundo parecia-lhe uma eternidade.
— Creio que vou matá-lo — disse Oxton muito simplesmente.
Chester quase não o ouviu, toda a sua atenção concentrada naquela porta que se abria centímetro a centímetro. Se por fatalidade os gonzos guinchavam, a rapariga estaria irremediavelmente perdida, pois que o bandido não hesitaria em desfechar sobre ela ao sentir-se ameaçado por aquele lado.
— Creio que você não fará isso — replicou Chester.
— Porquê? — sorriu o outro. — Quem mo vai impedir?
Chester não pôde dizer-lhe que o impediria June, que já avançava para ele, segurando firmemente na mão direita, presa pelo gargalo, uma garrafa cheia de água — Não terá tempo... — sorriu Chester.
— Que quer você dizer? — perguntou Oxton, intrigado.
— Isto!... — exclamou June atrás dele, ao mesmo tempo que lhe descarregava na cabeça uma formidável pancada.
A garrafa partiu-se em mil pedaços e a água que continha derramou-se no chão, salpicando-a também a ela. Oxton tombou feito num novelo, pela segunda vez em dez minutos, e só então toda a coragem e energia da rapariga se esvaíram, refugiando-se soluçante nos braços que Chester lhe estendia.
— Oh! Chester! — exclamou, com voz entrecortada. — Julguei que não virias, e depois, quando esse patife te ameaçou, convenci-me de que tudo estava perdido.
— És a mulher mais corajosa do mundo, June. Passei por um bocado horrível, pensando que não te aperceberias do que se estava passando.
Beijou-a e ela pareceu tranquilizar-se um pouco.
— Bem, salvaste-me a vida — disse ele.
— A tua e a minha, Chester. Se tu fosses morto, que seria de mim?
O jovem abraçou-a novamente e logo voltou à realidade.
— Haverá mais homens por aqui? — perguntou.
— Creio que não. Oh! Chester! É horrível o que aquele malfeitor planeou! Vai lançar os índios contra o meu irmão!
E referiu tudo quanto havia escutado. O rosto do rapaz ensombrou-se ao ouvi-la.
— Eu já calculava que ele faria uma canalhice como essa ou outra semelhante. Vamos, June! Não há tempo a perder!
Saíram ambos da cabana e montaram o cavalo de June até ao lugar onde Chester havia deixado o seu. Pouco depois, os dois jovens galopavam desenfreadamente em direção ao vale.
 

sábado, 24 de setembro de 2016

BUF101. Cap VI. June tem um encontro

No dia seguinte, Chester e Patt empreenderam o regresso ao «Belo Texas».
Embora a paisagem em nada houvesse mudado, o jovem achava-a mais formosa que a contemplada pelos seus olhos no dia anterior.
June amava-o e isto fazia que o dia fosse mais luminoso para ele, inundando o seu coração de alegria.
Patt cavalgava a seu lado assobiando uma canção ligeira, que sala dos seus lábios totalmente deturpada. De vez em quando olhava Chester de soslaio e sorria.
De súbito, interrompeu o concerto para perguntar:
— Que tal te correram as coisas ontem, Chester?
— A que coisas te referes?
— A rapariga. Sabes isso sobejamente. Pela cara que trazes, creio que tudo caminhou sobre rodas, não?
Chester sorriu.
— Sim... Foi tudo bem. Na realidade, foi melhor do que eu esperava.
— Sempre tens uma sorte! — suspirou Patt.
Chester não respondeu.
Meteram os cavalos a galope curto e em pouco mais de duas horas haviam percorrido metade do caminho. Acabavam de subir ao cimo de uma ligeira vertente, da qual se dominava uma grande extensão de terreno, quando divisaram no longe uma grande nuvem de pó que avançava velozmente em direção a eles. Chester foi o primeiro a vê-la e refreou o seu cavalo. Patt fez o mesmo.
— Quem serão aqueles? — perguntou o gigante ao seu amigo.
A pergunta ficou sem resposta, pois que Chester tinha a vista fixa no grupo que se acercava, sem conseguir distinguir de quem se tratava, apesar do seu invejável alcance visual.
Por entre a nuvem de poeira eram já visíveis as silhuetas de cinco homens a cavalo.
— Depressa, Patt! Escondamo-nos atrás dessas rochas! Não me agrada a direção que essa gente leva e gostaria de saber quem são antes que nos vejam.
Um enorme penedo situado a um lado do caminho oferecia-lhes um excelente esconderijo, atrás do qual os dois amigos se refugiaram, ficando assim ocultos à vista dos que se acercavam.
«Risonho» Mulder, acompanhado dos seus quatro amigos, passou perto deles, sem se aperceber de que ali estavam escondidos dois dos homens aos quais devia o seu tremendo fracasso do dia anterior.
Chester conteve a custo uma exclamação de surpresa ao ver Smilin e os seus homens.
— Estás a ver, Patt? — perguntou, quando eles passaram. Sim, creio que esses tipos voltam ao vale.
— Não me parece. São apenas cinco. Da pri-meira vez eram nove e fracassaram. Quando Mul-der lá voltar será com todas as vantagens da sua parte.
— Tens razão, mas não percebo... ?
— Temos de vigiar esses homens, Patt. Mulder deve querer arrancar a espinha de ontem, e sabe Deus o que andará a tramar.
O gigante coçou a cabeça. Aquilo era superior ao seu curto entendimento, e sempre que se en-contrava perante uma situação demasiado com-plicada, deixava que Chester magicasse por ele.
— Bem, então, tu dirás o que temos a fazer…
— Vamos atrás deles 'e veremos quais são as suas intenções. Atuaremos conforme o que eles façam.
Seguiram o grupo que os precedia, aproveitando as rochas e aglomerados de árvores que encontravam, e ao cabo de uma hora de boa marcha Mulder deixou o caminho que conduzia ao vale em linha recta e desviou-se para a esquerda.
— Para onde irá ele? — perguntou Chester.
— Olha, Chester! — exclamou Patt, passado um pedaço. — Agora embrenha-se no bosque e corta para a direita.
— Pois claro! — disse o rapaz, dando uma palmada na testa. — Aproxima-se da garganta, seguindo o caminho do bosque. Assim, evita ser visto pela sentinela do major, sempre vigilante lá em cima. Mulder não é nada tolo, mas que pretenderá?
Com as maiores precauções continuaram a marcha por entre as árvores, até que chegaram a um ponto em que era muito arriscado prosseguir, sem que o ruído das patas dos cavalos denunciasse a sua presença aos homens que perseguiam.
Chester deteve o cavalo e Patt imitou-o.
— Toma tu as rédeas, Patt — disse, enquanto desmontava. — Espera-me aqui. Vou ver o que eles fazem. Daqui a pouco faz-me qualquer sinal para que eu possa voltar sem dificuldade.
Entregou as rédeas ao amigo e caminhou a pé em seguimento de Mulder e dos seus homens, guiando-se pelo rasto que os cavalos iam deixando na espessura.
Teria percorrido escassamente meia milha, quando as árvores começaram a rarear, e pouco mais além divisou a planície que se estendia entre o bosque e a beira do precipício.
Ouviu rumor de vozes à sua direita e deitou-se no chão, arrastando-se para aquele lado, sem fazer o menor ruído, até que alcançou uma pequena clareira do bosque.
Mulder e os seus homens estavam ali, preparando-se para acampar. Agachado atrás de uns matagais que cresciam no meio de corpulentos carvalhos, Chester pôde ver perfeitamente que despojavam os cavalos das selas, enquanto um deles começava a partir lenha.
Aos seus ouvidos chegavam distintamente os golpes vibrados pelo machado numa árvore e logo o rumor da conversa sustentada pelos foragidos entre si, enquanto um deles acendia a fogueira, mas não conseguiu perceber o que diziam. Gostaria imenso de saber de que falavam, mas era muito exposto acercar-se mais e retrocedeu com a maior precaução.
Quando calculou que não podia ser ouvido, pôs-se de pé e correu para o sítio onde havia deixado o seu amigo com os cavalos.
O crocitar de um corvo chegou-lhe aos ouvidos.
«Deve ser o Patt» pensou.
Guiado por estes sinais, chegou junto do amigo.
— Descobriste alguma coisa, Chester?
— O suficiente para imaginar o resto res-pondeu o rapaz. — Os tipos acamparam aqui perto.
— Para quê?
— De duas, uma. Ou querem vigiar o vale para impedir que alguém saia dele, enquanto não recebam os reforços que os outros devem ter ido buscar, ou espreitam uma ocasião propícia para os atacar, aproveitando a ausência de alguns deles.
Patt coçou a cabeça confuso.
— Podíamos cair-lhe em cima e liquidá-los antes que eles dessem por isso. Hem, Chester? Que te parece?
O rapaz cogitou uns instantes e, por fim, en-carou o amigo.
— Não — disse. — Tenho um plano melhor. Vamos nós vigiá-los a eles. Não será difícil, pois não tomaram grandes precauções, julgando que ninguém os seguira até aqui. Vamos!
Montou a cavalo e, seguido de Patt, dobrou para a esquerda até lhe parecer que estavam a suficiente distância dos homens de Mulder, para poderem caminhar sem serem descobertos. Então, seguiram em frente até à fileira de árvores, meia milha mais acima do lugar onde os bandidos estavam acampados.
Mesmo no limite do bosque, erguiam-se algumas rochas isoladas, atrás das quais detiveram as montadas.
— Magnífico, Patt. Aqui poderemos' ocultar--nos e observá-los sem que eles se apercebam.
Deixaram os cavalos junto às árvores e acercaram-se das rochas, arrastando-se, e ali, ergueram-se para perscrutar.
A clareira estava completamente deserta, não se notando o menor movimento, mas isto não constituiu uma surpresa para Chester, porque já o esperava. Os seus olhos percorreram atentamente a última linha de árvores. Em princípio não viu nada, mas logo um ligeiro movimento lhe chamou a atenção, denunciando o lugar onde se encontrava o homem que vigiava a clareira, sentado no chão, encostado a uma árvore, que o ocultava quase completamente.
Chester não via mais que parte dos ombros e dos braços, mas bastou-lhe para se certificar de que um dos homens de Mulder vigiava o caminho que constituía a única saída do vale por aquele lado.
— Já vi o bastante — disse Chester. Retiremo-nos daqui.
Saíram detrás das rochas e, já outra vez junto dos cavalos, Chester falou para Patt:
— Se temos de ficar aqui, um de nós tem de voltar ao «Belo Texas» a buscar provisões. Creio que deves ir tu, Patt, e portanto, quanto mais depressa partires, melhor. Já sabes voltar, não é assim?
— Pois claro — respondeu o gigante.
— Então, larga-te rápido... e não demores mais que o tempo imprescindível. Traz o mais necessário para acamparmos quatro ou cinco dias. Tens dinheiro?
— Devo ter o suficiente. Bom, até à vista e não te arrisques excessivamente.
Montou a cavalo e partiu, enquanto Chester se preparava para acampar atrás das rochas.
*
June dispôs-se a dar o seu habitual passeio a cavalo. Estava já acomodada na sela, e a sua esplêndida figura de amazona resplandecia ao alegre sol da manhã, quando seu irmão apareceu à porta da casa. Acercou-se, sorrindo encantado àquela bela estampa.
— Vais passear, June?
A jovem limitou-se a fazer um gesto afirmativo.
— Necessitas de estar só, hem? — tornou o major, com um brilho malicioso nos seus olhos cinzentos, que fez ruborizar June.
— Como adivinhaste? — perguntou ela, por sua vez.
— Bem... li nos livros que quando uma pessoa está enamorada, procura a solidão...
— Oh! Ronald! Não sei como...
— Mas, querida, até um cego veria o que diziam os teus olhos, quando ontem te despediste dele... E, com certeza, Hards também notou o mesmo. Não é assim, Hards?
O gigantesco barbudo que segurava as rédeas do cavalo sorriu com evidente embaraço, coçou uma orelha, olhou June e pousou os olhos no chão para dizer:
— Bem... menina June... a verdade é que não disfarça bem...
— Oh!... — exclamou a rapariga. E tomando apressadamente as rédeas das mãos de Hards, ocultou a sua perturbação numa rápida fuga.
— Tem cuidado, June! — gritou-lhe o irmão. -- Não te afastes demasiado!
A rapariga subiu o vale para o Norte, até um lugar onde as paredes da colina já não eram tão verticais, depois torceu à direita e subiu a íngreme encosta, até que alcançou o extremo do planalto.
Penetrou no bosque, apeou-se do cavalo e foi sentar-se no grosso tronco duma árvore tombada, distraindo-se a meditar no seu amor por Chester, um sentimento que se sobrepunha a qualquer outra sensação.
Tudo sucedera tão rapidamente, que não tivera tempo para pensar, nem sequer sabia de Chester mais do que ele quisera dizer-lhe. Mas, afinal, que importava?
Desde o dia em que dele recebera o primeiro auxílio, quando a caravana fora atacada pelos sequazes de «Risonho» Mulder, sabia que aquele rapaz viria a significar para ela muito mais que um encontro casual, e não se havia enganado.
Amava-o com toda a alma e o saber-se correspondida proporcionava-lhe uma grande alegria, convidando-a a cantar.
Ergueu os olhos do chão e o trinado que já lhe saía da garganta transformou-se numa exclamação de medo e assombro.
Na sua frente, encostado ao tronco de uma árvore, estava Mulder em pessoa, olhando-a com um sorriso de mofa nos seus lábios delgados.
June ficou paralisada pelo terror ao considerar a situação. Aquele homem poderia utilizá-la para obrigar seu irmão a entregar-se.
Agora compreendia quanta fora imprudente, afastando-se de casa depois do incidente do dia anterior. Olhou para todos os lados, mas não vislumbrou ninguém pelas proximidades, além de Mulder, e a esperança tranquilizou-a um pouco, pensando que talvez tivesse uma oportunidade para fazer uso do seu pequeno revólver, aproveitando uma distração do foragido.
Mulder avançou para ela, mirando-a descaradamente dos pés à cabeça, com gestos de aprovação.
— Belo, belo! — disse, sem perder o sorriso trocista. De modo que nos encontramos outra vez...
June levantou-se do tronco em que estava sentada e deu meia volta no intuito de deitar a correr, mas Mulder lançou-se sobre ela e prendeu-lhe fortemente um pulso com a sua manápula.
— Quieta, pombinha... — disse. — Vamos dar um passeiozinho os dois. O azar não havia de estar sempre contra mim.
Os olhos da rapariga destilaram desprezo.
— Largue-me, seu canalha! — exclamou.
Mulder acentuou a pressão da sua garra no pulso de June. A rapariga levantou rapidamente a mão direita e pespegou-lhe uma bofetada na cara. Mulder soltou um rugido de raiva e apertou-a fortemente nos braços.
June debateu-se furiosamente, tentando libertar-se daqueles braços de ferro, mas Smilin estreitou ainda mais o abraço, apertando-a até quase a deixar sem respiração.
O rosto do bandido era mais repulsivo que nunca, descomposto pela fúria de que estava possuído.
— Desta vez vais pagar bem caro, ouviste? — murmurou, arrastando as sílabas, os olhos injetados de sangue. Pensava deixar-te livre em troca do teu irmão, mas agora já não o farei, percebes? Entrego-o a ele e a ti só te deixarei quando estiveres feita num farrapo que nem um mendigo quererá tocar, Benson! Stid! — chamou.
Os dois homens saíram detrás de uns arbustos onde se ocultavam.
— Segurem-na bem — ordenou Smilin. — Tivemos mais sorte do que eu esperava e vamos partir imediatamente. Agora tenho todos os trunfos na mão e serei eu o último a rir.
Arrastaram a rapariga para o acampamento, seguidos de Mulder, que conduzia o cavalo de June pela brida. Chegados ali, arremessaram violentamente a jovem para o chão e prepararam-se para deixar aqueles lugares.
Como que mergulhada num horrível pesadelo, June assistiu aos preparativos da partida. Mas só uma coisa viu claramente: que seu irmão se entregaria a Mulder, apenas este lhe dissesse que a tinha em seu poder.
Lágrimas de amargura lhe subiram aos olhos ao pensar que, afinal, todos os seus esforços para fugir ao cativeiro tinham sido inúteis e que, por fim, seu irmão seria preso, e que ela seria a isca empregada pelos captores.
O seu pensamento voou para Chester.
«Se ele soubesse disto — murmurou tristemente — não hesitaria em correr em meu auxílio».
E a esperança de que Chester e Patt não deixariam de vir em seu socorro, animou-a um pouco.
«Oh! Meu Deus! Mas como hão-de saber para onde me levam?» — e de novo o desalento se apoderou dela.
June nem por sombras podia imaginar que naquele momento Chester, oculto entre o arvoredo, presenciava a sua tortura, esperando o instante propício para intervir.
A voz de Smilin pareceu a June vinda de muito longe quando lhe ordenou que montasse a cavalo.
— Se promete não fazer tolices, prometo não a amarrar, mas à menor tentativa de fuga não terei contemplações. Andando. Rapazes, vamos! Temos de chegar ao acampamento o mais breve possível. Alex espera-nos para levar a cabo a segunda parte do programa.
— E que programa! Hem, Mulder? — disse Benson.
Os outros dois Meliantes coroaram aquela insinuação com grosseiras gargalhadas.
Quando deixaram o bosque, Benson e Stid colocaram-se à cabeça, seguidos de Mulder e June. Crown e Willmore fechavam o cortejo...
Duas lágrimas rolaram pelas faces de June ao pensar no fracasso de todos os seus planos para se esconder com seu irmão, e o seu pensamento voou outra vez para Chester, pedindo a Deus que o seu auxílio chegasse a tempo.
*
Atrás das rochas que o ocultavam da vista dos bandidos, Chester não desviava a atenção do homem que vigiava a clareira.
Havia já duas horas que Patt tinha partido a fim de comprar alimentos para poderem acampar ali, e durante todo este tempo Chester não havia deixado de vigiar.
De súbito, o homem levantou-se, olhou ao longe, protegendo os olhos com a mão e depois penetrou apressadamente na espessura.
— Que terá ele visto ? — perguntou-se.
Olhou com atenção. No outro extremo do bosque acercava-se um cavaleiro. A distância, não conseguiu ver quem era, até que o sol fez rebrilhar a loira cabeleira de June.
— Grande Deus! — exclamou Chester. — É June! E vem só!
Num instante, passou-lhe pelo cérebro o proveito que Mulder podia tirar da situação. Exigiria a entrega imediata do major em troca da irmã, e Chester não duvidou de que Ronald se entregaria logo à prisão, para que June não ficasse nem mais um minuto nas garras daquele chacal.
Era seguro que a jovem havia sido descoberta e mais seguro ainda que Mulder não deixaria escapar aquela oportunidade de se vingar do major e de passagem embolsar os 10 000 dólares. Saiu de entre as rochas, e, com infinitas precauções, aproximou-se do acampamento de Mulder.
June estava já a cavalo, e Chester podia distinguir o seu belo rosto abatido pela dor. Jurou a si próprio que Mulder pagaria bem caro cada uma das lágrimas que lhe rolavam pelas faces.
Esteve tentado a sair da espessura de revólver em punho e cair sobre os bandidos, disparando velozmente sobre eles. A surpresa proporcionar-lhe-ia certas vantagens, mas o receio de que disparassem contra June, quando se vissem perdidos, conteve-lhe os ímpetos.
«Terei de os seguir — pensou — e esperarei a ocasião propícia para cair sobre eles. Oh! Se Patt estivesse aqui!».
O seu amigo não tardaria a chegar, estava certo disso, mas ele é que não podia esperar. Tinha de seguir os bandidos se não queria perder-lhes a pista, e, assim, todas as possibilidades de salvar June.
Voltou às rochas, selou o cavalo, pensando em como indicaria a Patt o caminho que havia seguido.
Puxou por um bloco-notas do bolso da camisa, arrancou uma folha e escreveu rapidamente umas linhas. Depois, colocou o papel escrito debaixo de uma pedra, mas bem visível, montou a cavalo e lançou-se em perseguição de Mulder e dos outros foragidos, que naquele momento abandonavam o bosque, lançando-se a galope pela pradaria ondulante, levando June prisioneira.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

BUF101. Cap V. Um homem amargurado e outro feliz

— Caramba! Caramba! — exclamou Smilin, ao ver aparecer Ronald. — Com que então, é o major, hem?
— Eu próprio. Que quer você? — inquiriu Ronald, sem perder a serenidade.
— Ganhar a recompensa que oferecem por si. A menos que...
— A menos o quê...?
— Que me entregue a importância equivalente...
Chester olhou o major de soslaio e viu-o morder o lábio inferior, pensativo.
— Não faça isso, Watterfield — disse, sem se voltar. — Dentro de dois dias ele estaria aqui outra vez a pedir-lhe mais.
— Tu calas-te! — ordenou Smilin.
— E tu levanta bem os braços ou faço-te voar essa cabeça de furão — advertiu Chester. — Sabe o que eu faria, no seu lugar, Watterfield? Não deixaria que nenhum deles saísse deste vale com vida. Assim, eliminaria todo o perigo.
Nos olhos de Smilin e seus sequazes pintou--se o mais vivo terror ao escutarem a sugestão de Chester ao major, mas, não obstante, Smilin permitiu-se perguntar:
— Que supões possam fazer dois contra oito?
— E que te faz supor que somos dois? — perguntou o major. — Dá graças a Deus por eu não aceitar a sugestão do meu amigo, porque, de contrário, nem um de vós sairia vivo daqui. Estão cercados pelos meus homens.
Os olhos amedrontados dos foragidos perscrutaram em todas as direções, mas não conseguiram ver ninguém.
— Basta de palrar, Smilin — disse Jeff. — Não vês que tudo isso é garganta? Acabemos com isto de uma vez e não façamos caso das suas bravatas.
O revólver de Chester cuspiu fogo sobre Alex, que conseguira empunhar o seu, esfacelando-lhe o ombro direito. O grito de dor que o bandido soltou confundiu-se com o crepitar de várias armas de fogo dentre a espessura, perdendo-se no ar o projétil que ia destinado a Chester. June soltou um grito de horror, que se sobrepôs ao uivo de dor de Smilin ao sentir-se ferido.
— Bem altos esses braços! — gritou o major, em cuja mão direita surgiu um pequeno revólver. — Bem os avisei de que estavam cercados, e portanto, não deitem a ninguém as culpas do que lhes está acontecendo.
Os sobreviventes levantaram os braços, exceto Alex e Smilin, que apenas conseguiram erguer o que não estava ferido.
— Hards! — chamou o major.
«Cara Dura» saiu dentre uns canaviais empunhando decididamente uma espingarda.
— Colbert!
Outro homem desceu de uma árvore e quedou-se a olhar o grupo com um revólver na mão.
— Wilmore!
Um terceiro homem, também armado, surgiu da espessura.
— Patt! — chamou Chester por sua vez.
O gigante apareceu a uma esquina da casa, com um revólver em cada mão. O major voltou-se para o surpreendido Smilin, dizendo:
— Bem, as forças estão equilibradas. Continuam pensando que poderão levar-me à força?
— Agora não, major. Vejo que ainda não esqueceu os seus tempos de estratega no Exército do Sul. Desta vez perco — grunhiu Smilin com voz torva, enquanto o ódio mais feroz se retratava no seu repulsivo semblante.
— Então — acrescentou Ronald — faça-me o obséquio de me livrar da sua ascorosa presença. Colbert... Wilmore — concluiu com ironia. — Os senhores retiram-se. Acompanhem-nos, para que não se percam no caminho...
Os bandidos voltaram garupas e empreenderam a retirada, perdendo-se na espessura com as orelhas murchas, vigiados pelos dois homens do major.
Este voltou-se para Chester.
— Permita-me que lhe expresse o meu reconhecimento por quanto fez por nós — disse. — Agora que o meu segredo está descoberto, quero agradecer-lhe pessoalmente.
— Major, lutei na guerra a seu lado e continuarei consigo enquanto precisar de mim.
— Mais uma vez obrigado, senhor Bruce — respondeu Ronald. — Mas eles já vão bem escarmentados e não creio que levem vontade de voltar.
— Não penso assim, major. Fez mal em deixá-los partir. Devíamos tê-los abatido todos quando se iniciou o tiroteio. «Risonho» Mulder não desmerece a sua fama de perigoso bandoleiro, e a derrota que sofreu agora deixou-o furioso. Por isso ele voltará, pode crer. Dez mil dólares é uma negaça muito tentadora para um homem que, além disso, só pensará em tirar a desforra.
— Talvez tenha razão — concordou o major passando a mão pelo queixo, pensativo. — Mas, seja como for, afeiçoei-me a este lugar e não penso abandoná-lo. Reforçaremos a vigilância e...
— Mas não pode ficar assim toda a vida — protestou Chester. — Escute, major. Estou disposto a ajudá-lo. Conheço todo este Estado palmo a palmo e poderia conduzi-lo até à fronteira mexicana. Uma vez ali, já nada teria a temer.
— E deixaria aqui a minha... June?
— Ela pode ir também. O senhor tem três homens. Com Patt, o senhor e eu, seremos seis decididos a tudo. Não há ninguém que possa impedir-nos de chegar à fronteira.
— Não quero expô-los a tanto perigo. Não tenho direito a fazer isso. Em todo o caso, se não tiver mais remédio, tomarei a sua oferta em consideração. Prometo-lhe. — E, mudando o tom da voz, o major perguntou: — Quer aceitar a nossa hospitalidade por esta noite?
Chester assentiu. O major ofereceu o seu braço a June, que, por sua vez, num gesto espontâneo, se apoiou no braço de Chester, e os três dirigiram-se para casa, enquanto June se interrogava sobre qual a razão por que se sentia tão segura e protegida junto daquele homem que mal conhecia.
Patt e Hards viram o pequeno grupo afastar-se e penetrar em casa.
— Formam um belo par, hem? — comentou Patt, contemplando-os com embevecimento.
— Sim, o meu amo e a menina June formam um belo par — replicou Hards.
— Não me referia ao teu amo, mas sim ao meu amigo.
— Queres dizer que... Bem... não há dúvida de que se portou como um valente e bem a merece.
— Ouve «Cara Dura». A qual deles atiraste tu? — perguntou Patt.
— Ao que empunhava o revólver — respondeu Hards. Apontou com um gesto o corpo sem vida de Jeff estendido no chão a seu lado e prosseguiu: -- Ali está, e bem morto.
— Tu? Não, homem! Eu também lhe apontei e tenho a certeza de não haver errado o tiro.
— Vamos, tu tens visões. Crês que com um revólver lhe podias ter acertado daquela distância? Foi a minha espingarda que o atingiu, tenho a certeza.
— Pois eu digo-te que não. Eu faço alvo a essa distância e a mais ainda. Mas... com todos os diabos! Tu e eu vamos passar a vida a discutir? Digo-te que fui eu quem o matou! Vamos lá ver.
Curvaram-se para o corpo inerte do bandido e examinaram atentamente os ferimentos. Patt soltou um assobio de surpresa.
— Transformámos-lhe a cabeça num ralador, «Cara Dura». O teu projétil atravessou-o de lado a lado, e o meu da frente para trás.
— Ainda bem que ao menos uma vez estamos de acordo — disse Hards, endireitando-se. Patt quedou-se uns instantes pensativo.
De súbito, veio-lhe à mente uma contenda não terminada.
— Ouve lá. Não achas que temos agora ocasião de liquidar aquela continha...
— Como queiras. Já sabes que não tenho medo de ti. Lamento muito, porque principio a simpatizar contigo.
— O mesmo me acontece a mim. Mas não temos mais remédio que lutar, «Cara Dura». Sinto que me caem as lágrimas só de pensar nisso, mas não gosto de deixar as coisas meio feitas.
— Por que esperas então? Aqui tens os meus amorosos braços, ansiosos por te espapaçarem a murros.
Patt lançou-se a ele. Hards esperou-o a pé firme e os dois colossos caíram por terra, confundidos num estreito abraço. Forcejaram durante alguns minutos, e os terríveis socos que se propinavam ressoavam na tranquilidade do entardecer, acompanhados do mais escolhido repertório de insultos que jamais se ouvira no Texas. Por fim, conseguiram pôr-se de pé, e Patt logrou colocar um formidável soco no queixo do seu adversário.
— Sinto muito, Hards... — disse Patt — mas escapou-se-me a mão...
Hards cambaleou, os olhos turvaram-se-lhe e caiu para trás junto ao poço onde ficou imóvel. Patt precipitou-se para ele, assustado pela sua imobilidade, e, ajoelhando-se a seu lado, ergueu-o um pouco.
— Querem ver que o matei...? — murmurou. — Sempre sou um selvagem! Hards! Hards! Acorda! Sou o teu velho amigo Patt! Não estejas assim, homem... Desperta, faz-me esse favor... — o tom da sua voz era suplicante.
Hards soltou um suspiro e os seus olhos entreabriram-se.
— Creio que te deixei sem sentidos — desculpou-se Patt.
— Deixa-te de presunções — murmurou Hards com voz rouca. — Tu nunca conseguirias fazer semelhante coisa. É que ao cair fui contra o poço...
Patt olhou-o boquiaberto.
— Sempre és muito casmurro! — grunhiu. — Merecias ser texano. Tens já bastante ou queres mais?
— Por hoje já está bem, não te parece, Patt? Mas prepara-te, porque amanhã... Interrompeu-se, ao perder de novo os sentidos. Patt carregou-o trabalhosamente ao ombro e tomou o caminho da casa.
Chester não se havia enganado ao imaginar o estado de espírito de «Risonho» Mulder. O bandido estava realmente furioso. Nunca, em toda a sua vida de sucessivas façanhas, alguém o havia humilhado daquela maneira perante os seus homens.
Enquanto cavalgava, afastando-se da casa branca, seguido dos seus acólitos, ruminava mil planos de vingança. E como se isto fosse pouco, o sonho dos 10 000 dólares continuava de pé, incitando-o a não pôr de parte os seus propósitos de conseguir a captura do major, vivo ou morto.
Tão absorvido estava nos seus pensamentos, que não sentia a dor produzida pelo ferimento no braço esquerdo, que levava ao peito, suspenso por um lenço. Um sorriso de sinistra satisfação lhe distendeu os lábios.
— Já achei, Alex! — falou para o outro ferido que cavalgava a seu lado. — Já encontrei o meio de nos apoderarmos desse tipo sem o menor risco da nossa parte.
— Como?
— Vou lançar sobre eles os índios. E depois de eles consumarem a proeza, apoderamo-nos da rapariga e do major. Cedo-lhes a recompensa a vocês, mas a rapariga quero-a para mim.
— Por minha parte não há inconveniente, mas terás de contar com os outros.
— Farão o que eu lhes ordenar. Vai com Oxton ao acampamento dos índios e arranja-me uma entrevista com «Nuvem Cinzenta» para daqui a três ou quatro dias. Beery, Benson, Crown e Stid ficarão comigo.
— Que pensas fazer?
-- Vigiar. A rapariga costuma sair a passeio a cavalo pelas imediações do vale, conforme vocês disseram. Talvez tenha ocasião de me apoderar dela o que nos facilitará a tarefa. Mas, quer o consiga quer não, daqui a quatro dias vou ter com vocês ao acampamento. Faz o possível para que «Nuvem Cinzenta» esteja lá nessa altura. Boa jogada vou preparar-lhes. Assim aprenderão que não se pode brincar impunemente com Smilin Mulder.
Não tardaram a chegar ao «Belo Texas» e enquanto Oxton e Alex prosseguiam o seu caminho, depois de este tratar a ferida no ombro, Smilin ocupou-se em comprar no armazém os víveres e utensílios necessários para acampar perto do vale, com o objetivo de não perder de vista os seus habitantes.
*
A luz branca do luar, as árvores do bosque assemelhavam-se a espectros. Em todo o vale, reinava um profundo silêncio.
Sentados junto ao pórtico, June e Chester conversavam em voz baixa, como que receosos de quebrar o majestoso silêncio da noite. Havia já um bom pedaço que o major se tinha retirado para repousar, adivinhando os pensamentos dos dois jovens, que se encontravam sós, sem mais testemunhas que a lua cheia iluminando o cenário com a sua luz pálida, vogando num céu pontilhado de estrelas.
Chester já não podia ocultar a si próprio que amava June com loucura. Daria tudo para poder confessar-lhe o seu amor, mas continha-o o respeito devido ao major. Chegara demasiado tarde, e, assim, teria de se conformar com admirá-la em silêncio e lutar por ambos.
— Crê que aqueles homens voltarão? — perguntou ela a Chester, subitamente.
Ele notou o rubor que invadiu a jovem ao perceber o seu olhar fixo nela e amaldiçoou-se intimamente por se haver deixado surpreender.
— Estou quase seguro disso — murmurou ele, procurando dar firmeza à voz. — Smilin voltará, mas dessa vez virá bem reforçado para não sofrer outro fracasso.
— Meu Deus! Que poderemos fazer?
— Deve persuadir o major para que aceite a minha proposta e daqui a doze ou catorze dias estarão a salvo no México — respondeu Chester.
— Persuadi-lo! Vê-se bem que não conhece Ronald. Ele apenas fará o que quiser, como sempre o fez. No entanto, devo reconhecer que ele é muito sensato e procede sempre em harmonia com o mais conveniente, mas não quererá expô-los a qualquer perigo.
— Mas não há perigo algum! — protestou Chester. — O perigo está em permanecer aqui, sempre com esta ameaça pendente sobre as vossas cabeças. É isto que deve fazer ver a seu marido.
June pousou nele os seus belos olhos azuis com estranheza.
— Meu marido...?
— Sim, o major — respondeu Chester. Aos seus ouvidos soou a gargalhada argentina que a rapariga soltou. — Ronald, meu marido! Essa tem muita graça. Julgou realmente, que ele fosse meu esposo? — perguntou, sem deixar de rir.
— Sim, julguei... — afirmou Chester, entre confundido e mal disposto.
— Mas se Ronald é meu irmão!
O rumor da brisa que agitava a folhagem das árvores transformou-se de repente em harmoniosa sinfonia para Chester.
Contemplou o céu estrelado e pareceu-lhe que a lua lhe sorria. Ronald não era o marido... era irmão... Nunca nenhuma outra palavra havia soado tão maravilhosamente aos seus ouvidos.
— Eu... pensei que... — balbuciou. — Bem... esse facto não muda em nada o aspeto da questão — replicou com voz mais firme. — Insisto em que seu irmão deve partir.
— Comigo? — perguntou ela.
Mas Chester estava tão confuso com a recente revelação, que não percebeu o tom travesso da voz da jovem.
— Não sei... — disse ele, já vacilante. — Primeiro, pensava que o seu dever era segui-lo para onde quer que ele fosse, mas agora...
Interrompeu-se, mas June obrigou-o a prosseguir.
— Agora, o quê? — interrogou, com centelhas gaiatas nos seus brilhantes olhos azuis.
— Agora, depende de si — concluiu Chester.
— Qual é a sua opinião?
Chester apertou as mãos nervosamente. Sentia impulsos de lhe dizer quanto a 'amava, mas considerando que não devia abusar da situação, conteve-se.
— Confesso que não sei — respondeu por fim. — Por Deus, não me martirize mais!
Pelos lábios da jovem vagueou um sorriso, adivinhando a luta que se travava na alma do rapaz, entre os seus desejos e o seu cavalheirismo.
-- Vou eu responder por si, Chester.
— Não, não diga nada! — cortou ele, com voz rouca.
— Sim, vou dizer. Você não quer que eu parta, não é verdade? — mas a frase de June era mais afirmativa que interrogativa.
— Sim, é certo — murmurou ele, olhando-a docemente.
— Não acha que é uma razão poderosa para que eu permaneça aqui? — inquiriu June, baixando os olhos.
Chester quedou-se uns instantes imobilizado pelo que acabava de ouvir, mas logo os seus olhos se iluminaram de alegria. A melodia da brisa por entre o arvoredo pareceu envolvê-lo por completo, e, sem saber como, encontrou-se com os lábios de June unidos aos seus num longo beijo apaixonado.