terça-feira, 12 de junho de 2018

BUF166.13 Perseguição implacável

Um derradeiro e desesperado esforço, instintivo, estranho à sua vontade, foi o que fez Madge levantar os braços no momento em que a escada lhe fugia debaixo dos pés. E como estava à beira do buraco superior, os seus dedos enclavinharam-se ali e ficou pendurada no vácuo.
Claro que não poderia ficar muito tempo naquela posição, se não fosse a coluna de madeira que se erguia junto do buraco, um grosso tronco de pinho, no qual tinham sido pregadas grossas escápulas, para prender cordas e peles.
Antes que Griffith, que se afastara para que a escada lhe não caísse em cima, pudesse aperceber-se do que se passava, Madge encontrou uma das escápulas debaixo dos pés e firmou-se nela para se içar.
A sua Juventude e o seu nervosismo fizeram o resto. Num segundo, a rapariga trepou para a plataforma e desapareceu, de roldão, por cima do tecto.
A rapidez com que Richard Griffith disparou foi insuficiente. Ele não esperava aquilo. Ao ver Madge pendurada na ponta dos dedos, considerou como certo que só mudaria de posição para cair. Mas enganou-se. Uma cólera infinita ofuscou-lhe o cérebro, ao ouvir os passos rápidos da rapariga, correndo pela parte superior do celeiro.
Resmungando pragas e ameaças, correu para a divisão anterior da enorme cavalariça, onde vira outra escada. Mas quando quis alcançá-la, viu que esta se agitava, movida por mão invisível.
Madge, de cima, tentava retirá-la também, para evitar que Griffith subisse. Deitou a correr com todas as suas forças e galgou os primeiros degraus. Através do buraco do tecto viu Madge agarrada aos compridos troncos verticais. A rapariga ficou imóvel, ao notar na escada o peso brusco do seu perseguidor. Olharam-se em silêncio um segundo. Ela, pálida e aterrada; ele, triunfante.
A mão direita do médico, que continuava a empunhar o revólver, largou a escada para se dirigir, para cima. Madge deitou a correr e desapareceu do buraco antes de lhe dar tempo de disparar. E não esperou, para ver se subia ou não. A sua única salvação estava em encontrar uma saída ou em pedir socorro. Mas não devia haver ninguém por ali. Todos os homens que se encontravam àquela hora na povoação tinham ido com o xerife atrás de Dean Kennedy e dos seus amigos.
Madge correu quanto pôde ao longo daquela espécie de desvão, até que deparou com uma parede sem porta. Por ali não havia nada! O sangue gelou-se-lhe nas veias. Os passos de Richard Griffith aproximavam-se de momento a momento. A única salda era uma espécie de claraboia, aberta no telhado... Não podia escolher. Madge amontoou uns caixotes e alcançou o buraco. Dava diretamente para o telhado.
O esforço e a excitação nervosa faziam-na suar por todos os poros do corpo. Estava fatigada, arquejante. Mas era preciso não desfalecer. Cravando os cotovelos no telhado, arrastando-se contra a borda, conseguiu trepar até à superfície. O ar livre pareceu dar-lhe nova coragem. Mas os passos do doutor Griffith soavam cada vez mais perto.
Com o perigo de lhe escorregar um pé na superfície inclinada do telhado, Madge começou a trepar em direção ao topo, com o fim de descer do outro lado. Quando estava a chegar, ouviu o galope de um cavalo, que se aproximava pela rua, e uma voz forte gritar:
— Madge! Madge! Onde estás?
Era John! A rapariga sentiu que os olhos se lhe inundavam de lágrimas. Uma sensação agridoce percorreu-lhe o corpo e fê-la estremecer. Mal pôde responder:
-- Aqui, John! Depressa! Querem matar-me!
— Madge! — repetiu Frey, que a ouvira. — Onde estás?
Ela ia a responder-lhe, quando a voz lhe morreu na garganta. No buraco por onde alcançara o telhado, aparecera o rosto transtornado e pálido do doutor Griffith.
Madge reparou nos seus olhos carregados de ódio, de desespero, e toda a sua alegria de momentos antes se converteu em terror. Sobretudo, ao ver a boca negra do revólver, implacavelmente apontado para ela. Um grito lancinante fugiu-lhe da alma, e deitou a correr de novo, pelo telhado, em direção ao topo.
 Griffith apertou o gatilho. Madge sentiu que uma brasa lhe queimava as costas e as entranhas. Parou bruscamente. Cambaleou e quis continuar a correr e gritar. Mas nada no seu corpo correspondeu à sua vontade. Uma sombra espessa envolveu--lhe o cérebro, dobraram-se-lhe as pernas e rolou pelo telhado, a caminho do abismo. Quando perdeu o contacto com a superfície do telhado e caiu no vácuo, Madge já não sentia nada. Nem medo, nem esperança.
A primeira angustiosa chamada de Madge, levou John a refrear bruscamente o cavalo e a olhar com nervosismo para todos os lados. Não podia precisar de onde viera a voz. Mas o grito da rapariga e o tiro, indicaram--lhe o caminho a seguir.
Raivosamente, de revólver em punho, John desmontou junto do enorme estábulo e entrou como uma tromba no beco que o atravessava.
— Madge! — gritou. — Madge!
Mas ninguém lhe respondeu. A voz parecera-lhe vir de cima; portanto, correu para a primeira escada que encontrou e subiu ao piso superior. Mas ainda não chegara a meio, quando ouviu passos precipitados que se afastavam por debaixo.
— Madge! — repetiu.
Os passos detiveram-se um instante, hesitaram e puseram-se de novo em andamento, mais depressa ainda. John saltou para o chão e deitou a correr naquela direção. Havia uma porta. Abriu-a de repente e, quando ia a atravessá-la, um pensamento instintivo fê-lo desviar--se para um lado, ao mesmo tempo que duas balas se cravavam junto da sua cabeça.
O <<Doutor Uísque» disparou às cegas contra o seu agressor e deslizou para uma janela que dava para a rua. Era tarde, porque os passos do doutor Griffith lhe fizeram compreender que ele pensara o mesmo, um momento antes. Devia ter saltado por outra janela e corria pela rua fora.
John chegou ao grande curral a tempo de o ver virar a esquina da travessa em forma de túnel. Chegou a tempo de disparar contra ele, mas não a tempo de o atingir.
Resolvido a não o deixar tomar vantagem, Frey correu em sua perseguição. Mas ao passar junto de um grande monte de esterco algo o fez deter-se, como se tivesse chocado contra uma parede invisível: em cima do estrume estava qualquer coisa. O corpo desarticulado, imóvel, de Madge!
John sentiu uma angústia terrível, que lhe subia do estômago e o enchia de frio.
— Madge! — murmurou.
E, esquecendo-se de tudo o resto, trepou ansiosamente pelo estrume, até se ajoelhar a seu lado. A rapariga tinha o rosto profundamente pálido e contraído. Rígido. E as costas cobertas de sangue e esterco.
— Madge! — voltou a sussurrar John, apertando-a delicadamente ao peito. --Por que te escolheram a ti? Por que tiveste de pagar tu?
Sentia uma dor insuportável dentro do peito. Estava desesperado. Desajeitadamente, tomou-lhe o pulso. Ainda batia, embora muito frouxamente. John não sabia que fazer. Sentia-se como se o mundo inteiro lhe tivesse caído em cima da cabeça.
E de súbito o ódio, um furor insuportável apoderou-se dele.
—Pagarás isto! — rugiu. — Juro-te que pagarás!
Tomou-a nos braços e dirigiu-se com ela para a travessa. Naquele momento, ouviu ruído de correrias, de vozes que se aproximavam. Quando chegou à rua, encontrou Bill Daniels, o velho Sidway, Thorne e um numeroso grupo de gente, que vinham para ele. Sidway adiantou-se, trémulo.
— Que lhe aconteceu? Madge! Que lhe aconteceu?
Os outros rodearam-nos em silêncio.
— Levem-na para casa — disse John, com voz rouca. — Ainda não está morta. Eu irei logo que possa.
— Onde está o doutor Griffith? — perguntou-lhe Daniels, enquanto o corpulento Thorne tomava nos seus braços de urso o corpo da jovem.
John respondeu:
— Vou trazer-lho sem demora.
E correu para o cavalo. Daniels tinha a testa coberta de sangue, mas parecia completamente senhor de si. Tentou retê-lo.
— Espere! Eu vou buscá-lo. Madge...
No entanto, não conseguiu nada. John não o ouvia. Montou de um salto a cavalo e partiu a galope pela travessa. Eles não tinham cavalos. Daniels disse aos outros:
— Dois de vocês acompanhem o senhor Sidway. Os restantes venham comigo.
Richard Griffith morava perto do estábulo. Tinha alugada uma casita de um só piso, nos subúrbios, junto da colina onde se erguera a cabana de John Frey. Portanto, este demorou apenas um minuto a chegar diante da casa, e viu um cavalo selado à porta. Não teve tempo de desmontar, porque Richard Griffith apareceu no limiar quando John detinha o cavalo. Trazia um saco de couro na mão e estava tão pálido e transtornado como um cadáver. Ao ver Frey, ficou imóvel, indeciso. O seu rosto exprimiu claramente o temor que o dominava.
John desmontou lentamente. Tinha os olhos carregados de ódio e de repulsa. A distância que os separava era demasiada para utilizar o revólver. Por isso, começou a aproximar-se, devagar, com os braços pendentes ao longo do corpo, rígido.
— Felicito-o, Griffith — murmurou roucamente. — Você jogou uma cartada quase perfeita.
Griffith passou a língua pelos lábios ressequidos e engoliu em seco. Tinha medo.
— Oiça, Frey... — murmurou. — Tenho aqui muito dinheiro... Podemos reparti-lo.
Como única resposta, John tirou o revólver e destravou-o. Continuou a avançar. Griffith, num gesto instintivo, puxou também do seu e disparou contra John. Mas não acertou no alvo e começou a retroceder.
— Tenho quinze mil dólares! — repetiu assustado. — Podemos fugir juntos...
Um tiro de John desarmou-o. Atrás deles ouvia-se o ruído que faziam o xerife e os seus acompanhantes, correndo naquela direção.
— Já não há remédio, Griffith. Vou matá-lo. Por cobarde e por bandido. Por indesejável... Fui muito estúpido em não ter adivinhado que o mascarado tinha de ser você.
Já estavam a distância de tiro. Griffith, assustado, atirou o saco para o chão.
— Estou desarmado — disse. — Não me pode matar.
John parou e rangeu os dentes.
— Cobarde! — rugiu. — Pegue outra vez nesse revólver!
Mas Griffith, como única resposta, levantou os braços e negou com a cabeça.
—Estou desarmado! — repetiu.
John não podia disparar assim contra ele. E a raiva ofuscava-lhe o cérebro. Naquele momento, Daniels e os seus companheiros apareceram na rua.
— Quieto, Frey! — gritou-lhe o xerife.
John virou a cabeça para eles e procurou acalmar-se. Mas nesse instante, Griffith viu a sua oportunidade de fugir. Os três vinham a pé e ele tinha cavalo. Assim que John lhe virou as costas, atirou-se como um louco ao revólver que tinha aos pés. Daniels gritou:
— Cuidado!
E o Doutor Uísque» mal teve tempo de se virar e de disparar. Griffith já empunhara a arma. Mas largou-a como se se queimasse, soltou um grito de medo, contorceu-se no ar e caiu de bruços.

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