Perplexo, John Frey franziu o sobrolho, com ar de eloquente surpresa. A afirmação de Dean Kennedy deixara-o confuso.
— Buscar os quinze mil dólares? — repetiu, como se não entendesse bem o inglês.
O jovem do blusão de couro preto pôs-se sério.
— Ouça, não faça teatro, doutor — recomeçou. — O seu alibi perante o povo foi perfeito, mas não lhe servirá de nada comigo. Eles contentaram-se com chamar-lhe bêbedo, eu não. Eu quero esse dinheiro.
— Você está mal da cabeça — redarguiu John Frey. — Não sabe o que diz. –
- Se sei! Você reanimou Dick Duff, não é verdade?
— Sim.
— E conseguiu fazê-lo falar.
John exclamou:
— Falar?! Não disse nem uma s6 palavra!
— Quem me garante isso? Eu vi o cadáver. Tinha completamente terminada a operação.
— Claro. Mas que tem a ver...?
-- Se Dick tivesse morrido durante a operação — atalhou Kennedy - -, você não se teria incomodado a terminá-la.
— Não morreu durante a operação, mas sim depois.
— Depois de lhe dizer onde escondera o dinheiro, não? Então matou-o e bebeu essa garrafa de uísque para que todos acreditassem que fizera mal a operação, devido à bebedeira. Muito engenhoso!
John estava atónito. Aquele homem chegara a conclusões que os da povoação não tinham sido capazes de descobrir, mas dirigira-as para uma solução tão má como a primeira. Completamente desorientado, murmurou:
— Ouça: é certo que apanhei a bebedeira depois de terminar a operação e de ligar o ferido, e quando Dick Duff começava a recompor-se. Mas nem chegou a falar, nem eu o matei. Veio um mascarado que...
— Essa história já a ouvi na povoação durante estes dias — atalhou Dean Kennedy, muito seco. -- E nem eles a acreditaram, nem a acredito eu. 2 uma história muito infantil, doutor. Julgava-o pessoa de mais imaginação.
— Sim?...
— Portanto, não insista. Você veio a Los Alamos, embora soubesse a receção que o esperava, para se apoderar do dinheiro e fugir com ele. Mas, isso vai ser-lhe difícil, se não contar comigo. Primeiro, porque os da povoação não o deixarão descansado, e você não está em condições de os enfrentar; segundo, porque eu não o perderei de vista. Portanto, pense. Se me disser onde escondeu Dick a bolsa, dividiremos o dinheiro a meias e eu ajudá-lo-ei a dar uma lição ao povo.
— Perde o seu tempo, amigo — zangou-se John. --Dick Duff não me disse nada e a história do mascarado é verdadeira.
Dean levantou-se devagar e voltou a sorrir com a sua habitual ironia.
— Deixo-lhe todo o dia para pensar, doutor — disse. — Mas procure decidir-se depressa, porque eu tenho muito pouca paciência, e sentiria ter de empregar consigo um procedimento um tanto violento para lhe destravar á língua.
— Perderá o tempo.
— Quem sabe!...
E deu meia volta e saiu do restaurante. O da cara de cavalo seguiu-o imediatamente, depois de dirigir a John um olhar pouco amistoso, que não pressagiava nada de bom. Mal a porta se fechou, Madge, sufocada, saiu da cozinha.
— Quem eram esses homens? — perguntou-lhe.
Ele estava absorto nos seus pensamentos. No entanto, respondeu:
— Chama o xerife, Madge. Parece-me que as coisas se vão complicar por onde eu não esperava.
— Mas...
— Faz o que te digo. Não há tempo agora para explicações.
O avô da rapariga aparecera à porta da cozinha. Quando ela se dispunha a sair, disse:
— Não vás, Madge. Não te metas na sua vida. Já fazemos bastante com dar-lhe de comer. Não quero que a povoação me caia em cima por culpa de um bêbedo.
John dirigiu-lhe um olhar cheio de desprezo. Como a rapariga hesitasse, levantou-se e disse:
— Vou eu próprio.
E pôs umas moedas em cima da mesa e dirigiu-se, com a ajuda da bengala, para a porta. Ao passar junto de Madge, viu a hesitação refletida nos seus olhos. Uma hesitação angustiosa, triste. Estava envergonhada, mas não se decidiu a pôr-se abertamente do seu lado.
Ele compreendia que era muito perigoso para ela decidir-se a tomar o seu partido, estando as coisas como estavam. Por isso, disse-lhe:
— Não te preocupes, Madge. O teu avô tem com certeza razão.
E saiu para a rua. Deparou com a surpresa de se encontrarem ali alguns homens à sua espera. Estavam especados diante da porta, em atitude pouco animadora, e ficaram a olhá-lo com cara de poucos amigos. Um deles trazia a testa ligada. John reconheceu-o como um dos que tinham recebido as suas bengaladas na escada do hotel, na noite anterior. Para o que desse e viesse, pegou na bengala com a mão esquerda e deixou a direita muito perto da cintura. Estava cansado de ser espancado e nada resolvido a consentir que o escarnecessem.
Mas não foi precisa semelhante precaução, porque os outros não tentaram aproximar-se e nem sequer lhe dirigiram a palavra. Limitaram-se a segui-lo, quando John se dirigiu para o escritório do xerife.
Frey ia constrangido. Aquilo humilhava-o e produzia-lhe um mal-estar insuportável. Mas não quis ser ele a começar, para não lhes dar um excelente pretexto para o espancarem. Portanto, procurou dominar-se e seguiu em frente. Mas ao chegar diante do hotel, teve de parar. No meio da rua, de mistura com pó e excrementos de cavalo, encontravam-se diversas peças de vestuário e outros objetos, assim como um saco de viagem vazio.
Subiu-lhe o sangue à cabeça. Sentiu que as têmporas se lhe punham a uma temperatura alarmante e que a sua mão pugnava por agarrar a coronha do revólver. Aquilo era demasiado.
A sua bagagem fora espalhada pela rua, espezinhada. Virou-se para os que o seguiam -- agora bastantes mais do que ao principio. Todos o olhavam fixamente, num desafio mudo. Esperavam que iniciasse a luta.
Recordou-se do misterioso jovem do restaurante e do que lhe dissera. Isso salvou-o, seguramente, Iria permitir que fosse tudo por água abaixo, por não suportar um pouco mais? Não seria melhor esperar o momento em que pudesse demonstrar a todos a verdade tal como se verificara? Claro que sim. Mas se não o conseguisse nunca?... Depois de uma tremenda luta consigo mesmo, conseguiu dominar-se.
A porta do hotel estava fechada e dois homens guardavam o alpendre, diante dela. Agora ser-lhe-ia muito mais difícil ocupar um quarto. Era evidente que tinham resolvido expulsá-lo da povoação, custasse o que custasse, como se se tratasse de um ponto de honra ou de amor-próprio.
John respirou fundo. Resistiriam os seus nervos até ao fim? Talvez rebentassem no momento menos esperado. Mas por ora continuaria a tentar não se dar por achado. Enquanto pudesse, claro. Os outros ficaram muito admirados ao vê-lo seguir o seu caminho sem pronunciar palavra. Esperavam outra coisa. E enfureceu-os a passividade do «Doutor Uísque». Os seus propósitos de lhe darem uma boa tareia, podendo pretextar diante do xerife que ele os provocara primeiro, iam para o diabo. John chegou rapidamente ao escritório do xerife, onde Bill Daniels estava debruçado sobre uns papéis.
— Olá, Frey — admirou-se o xerife.
— Vem dizer-me que resolveu ir-se embora?
— Não, venho dar-lhe outra notícia mais importante, se é que você quer deixar definitivamente de ter os olhos fechados. Acabo de ter uma interessante conversa com um homem chamado Dean Kennedy. Sabe quem é?
— Dean Kennedy?... Esse nome não me é desconhecido, mas não me recordo...
— Era um amigo de Dick Duff.
Daniels interessou-se.
— Sim — disse —, agora me recordo. Telegrafaram-me o seu nome pouco depois do assalto ao Banco. Pelos vistos, era o seu braço direito.
— Pois está em Los Alamos
— Tem a certeza?
-- Ainda não há dez minutos que falei com ele, em casa dos Sidway.
O xerife levantou-se, confuso. Era evidente que lhe parecia inacreditável.
John acrescentou:
— Pelo que me disse, anda à procura dos quinze mil dólares, e julga que eu os tenho. Que lhe faz pensar isto?
O espanto de Daniels subiu de tom. Ficou sem saber que dizer.
— Mas... se ele não os tem. — gaguejou.
— É porque os tem outra pessoa -- completou John, tranquilamente. — Parece-me bem claro.
— Não sou da mesma opinião -- protestou Daniels. — Se Dick Duff escondesse o dinheiro, os seus amigos não tinham motivo nenhum para o matar. Pelo contrário, fariam tudo o que fosse possível para o salvar.
— Bem, e quem nos diz que não o fizeram?
— Não compreende? — impacientou-se Frey. — Se só Duff sabia onde estava o dinheiro e os seus amigos não o mataram, quem era o mascarado e porque o asfixiou com a almofada?
— Isso mesmo lhe pergunto eu, Frey. Acaba de confessar que é absurdo. Como quer que acreditemos na história do misterioso mascarado?
— Não seja casmurro, Daniels. Esse homem existe e tem uma razão de ser: é ele quem está na posse dos quinze mil dólares! Matou Duff para que não o denunciasse.
— Tretas! — resmungou o xerife. — Não sei o que você pretende, mas o mito do mascarado não pega. Talvez eu hesitasse, enquanto pensava que o dinheiro estava nas mãos dos amigos de Duff; mas se eles não o têm, ou os quinze mil dólares estão escondidos nalgum sítio, ou tem-nos você, doutor.
— Eu?
— Não acaba de confessar que Dean Kennedy assim pensa também?
— Sim, mas...
— Não é má ideia, Frey. Você podia ter matado Duff por estar bêbedo e por ser um mau médico, mas também o podia matar para ficar com o dinheiro. Isso justificaria o seu regresso a Los Alamos.
John não pôde conter uma imprecação: Era desesperante a teimosia de toda a gente.
— Vá para o inferno, Daniels! -- gritou. — Julga-me tão estúpido que lhe viesse contar tudo, se fosse eu que tivesse o dinheiro?
— Nunca se sabe porque se fazem as coisas — teimou o xerife.
John procurou acalmar-se.
— Bem — disse —, sejamos sensatos. Eu posso combinar um encontro com Dean Kennedy, e você prende-o. Não andam à procura dele por causa do assalto? Pois ofereço-me para o ajudar a prendê-lo. Do resto, é melhor não falarmos, xerife.
Daniels franziu o sobrolho e aproximou-se devagar da secretária.
— Procurávamos uma explicação para o facto de você me vir contar tudo isso, Frey — murmurou. — Pois bem, já a temos: Dean Kennedy converteu-se numa séria ameaça para você, porque sabe que o dinheiro está nas suas mãos. E você oferece-se para me ajudar a prendê-lo, a fim de se livrar dele e ficar, ainda por cima, como colaborador da lei!
— Irra! — exasperou-se John. — Será possível que você seja tão casmurro, Daniels ?
O xerife encolheu os ombros.
— Não pode negar que seria uma explicação bastante razoável.
— Vá para o diabo! Não penso insistir. Mas não se esqueça que eu lhe ofereci a possibilidade de prender um dos assaltantes, e que você recusou a oferta. Do que fizer Dean Kennedy a partir de agora, só haverá um responsável: você! E garanto-lhe que o denunciarei às autoridades do estado!
— Não se exalte, doutor. Eu não lhe disse que ia fazer isto ou aquilo. Tenho de pensar primeiro. Seria muito lamentável que você zombasse de mim tolamente. Lembre-se que se os amigos de Duff não têm o dinheiro, ainda há esperanças de o recuperar. E não quero perder essa 'possibilidade por me precipitar.
— Perdê-la-á se continuar a julgar que o engano.
— Talvez não.
John apertou os lábios, como se quisesse evitar dizer--lhe algo mais forte. Depois, deu meia volta e dirigiu-se para a porta.
— Pense o tempo que quiser, xerife. Se precisar de mim, procure-me.
Ia a sair, quando, de repente, se virou de novo para Daniels.
— Ah, já me esquecia! Quero fazer uma queixa.
—Uma queixa? Contra quem?
— Contra os que tiraram a minha bagagem do quarto do hotel e a atiraram para a rua. Ou isso está dentro da lei?
— Oiça — resmungou o xerife, constrangido —, já o avisei...
Mas John interrompeu-o:
— Se não proceder contra os culpados, Daniels, informarei disso o governador e o juiz. Faça o que entender. Quero uma indemnização.
E saiu para a rua, deixando o xerife muito preocupado.
— Buscar os quinze mil dólares? — repetiu, como se não entendesse bem o inglês.
O jovem do blusão de couro preto pôs-se sério.
— Ouça, não faça teatro, doutor — recomeçou. — O seu alibi perante o povo foi perfeito, mas não lhe servirá de nada comigo. Eles contentaram-se com chamar-lhe bêbedo, eu não. Eu quero esse dinheiro.
— Você está mal da cabeça — redarguiu John Frey. — Não sabe o que diz. –
- Se sei! Você reanimou Dick Duff, não é verdade?
— Sim.
— E conseguiu fazê-lo falar.
John exclamou:
— Falar?! Não disse nem uma s6 palavra!
— Quem me garante isso? Eu vi o cadáver. Tinha completamente terminada a operação.
— Claro. Mas que tem a ver...?
-- Se Dick tivesse morrido durante a operação — atalhou Kennedy - -, você não se teria incomodado a terminá-la.
— Não morreu durante a operação, mas sim depois.
— Depois de lhe dizer onde escondera o dinheiro, não? Então matou-o e bebeu essa garrafa de uísque para que todos acreditassem que fizera mal a operação, devido à bebedeira. Muito engenhoso!
John estava atónito. Aquele homem chegara a conclusões que os da povoação não tinham sido capazes de descobrir, mas dirigira-as para uma solução tão má como a primeira. Completamente desorientado, murmurou:
— Ouça: é certo que apanhei a bebedeira depois de terminar a operação e de ligar o ferido, e quando Dick Duff começava a recompor-se. Mas nem chegou a falar, nem eu o matei. Veio um mascarado que...
— Essa história já a ouvi na povoação durante estes dias — atalhou Dean Kennedy, muito seco. -- E nem eles a acreditaram, nem a acredito eu. 2 uma história muito infantil, doutor. Julgava-o pessoa de mais imaginação.
— Sim?...
— Portanto, não insista. Você veio a Los Alamos, embora soubesse a receção que o esperava, para se apoderar do dinheiro e fugir com ele. Mas, isso vai ser-lhe difícil, se não contar comigo. Primeiro, porque os da povoação não o deixarão descansado, e você não está em condições de os enfrentar; segundo, porque eu não o perderei de vista. Portanto, pense. Se me disser onde escondeu Dick a bolsa, dividiremos o dinheiro a meias e eu ajudá-lo-ei a dar uma lição ao povo.
— Perde o seu tempo, amigo — zangou-se John. --Dick Duff não me disse nada e a história do mascarado é verdadeira.
Dean levantou-se devagar e voltou a sorrir com a sua habitual ironia.
— Deixo-lhe todo o dia para pensar, doutor — disse. — Mas procure decidir-se depressa, porque eu tenho muito pouca paciência, e sentiria ter de empregar consigo um procedimento um tanto violento para lhe destravar á língua.
— Perderá o tempo.
— Quem sabe!...
E deu meia volta e saiu do restaurante. O da cara de cavalo seguiu-o imediatamente, depois de dirigir a John um olhar pouco amistoso, que não pressagiava nada de bom. Mal a porta se fechou, Madge, sufocada, saiu da cozinha.
— Quem eram esses homens? — perguntou-lhe.
Ele estava absorto nos seus pensamentos. No entanto, respondeu:
— Chama o xerife, Madge. Parece-me que as coisas se vão complicar por onde eu não esperava.
— Mas...
— Faz o que te digo. Não há tempo agora para explicações.
O avô da rapariga aparecera à porta da cozinha. Quando ela se dispunha a sair, disse:
— Não vás, Madge. Não te metas na sua vida. Já fazemos bastante com dar-lhe de comer. Não quero que a povoação me caia em cima por culpa de um bêbedo.
John dirigiu-lhe um olhar cheio de desprezo. Como a rapariga hesitasse, levantou-se e disse:
— Vou eu próprio.
E pôs umas moedas em cima da mesa e dirigiu-se, com a ajuda da bengala, para a porta. Ao passar junto de Madge, viu a hesitação refletida nos seus olhos. Uma hesitação angustiosa, triste. Estava envergonhada, mas não se decidiu a pôr-se abertamente do seu lado.
Ele compreendia que era muito perigoso para ela decidir-se a tomar o seu partido, estando as coisas como estavam. Por isso, disse-lhe:
— Não te preocupes, Madge. O teu avô tem com certeza razão.
E saiu para a rua. Deparou com a surpresa de se encontrarem ali alguns homens à sua espera. Estavam especados diante da porta, em atitude pouco animadora, e ficaram a olhá-lo com cara de poucos amigos. Um deles trazia a testa ligada. John reconheceu-o como um dos que tinham recebido as suas bengaladas na escada do hotel, na noite anterior. Para o que desse e viesse, pegou na bengala com a mão esquerda e deixou a direita muito perto da cintura. Estava cansado de ser espancado e nada resolvido a consentir que o escarnecessem.
Mas não foi precisa semelhante precaução, porque os outros não tentaram aproximar-se e nem sequer lhe dirigiram a palavra. Limitaram-se a segui-lo, quando John se dirigiu para o escritório do xerife.
Frey ia constrangido. Aquilo humilhava-o e produzia-lhe um mal-estar insuportável. Mas não quis ser ele a começar, para não lhes dar um excelente pretexto para o espancarem. Portanto, procurou dominar-se e seguiu em frente. Mas ao chegar diante do hotel, teve de parar. No meio da rua, de mistura com pó e excrementos de cavalo, encontravam-se diversas peças de vestuário e outros objetos, assim como um saco de viagem vazio.
Subiu-lhe o sangue à cabeça. Sentiu que as têmporas se lhe punham a uma temperatura alarmante e que a sua mão pugnava por agarrar a coronha do revólver. Aquilo era demasiado.
A sua bagagem fora espalhada pela rua, espezinhada. Virou-se para os que o seguiam -- agora bastantes mais do que ao principio. Todos o olhavam fixamente, num desafio mudo. Esperavam que iniciasse a luta.
Recordou-se do misterioso jovem do restaurante e do que lhe dissera. Isso salvou-o, seguramente, Iria permitir que fosse tudo por água abaixo, por não suportar um pouco mais? Não seria melhor esperar o momento em que pudesse demonstrar a todos a verdade tal como se verificara? Claro que sim. Mas se não o conseguisse nunca?... Depois de uma tremenda luta consigo mesmo, conseguiu dominar-se.
A porta do hotel estava fechada e dois homens guardavam o alpendre, diante dela. Agora ser-lhe-ia muito mais difícil ocupar um quarto. Era evidente que tinham resolvido expulsá-lo da povoação, custasse o que custasse, como se se tratasse de um ponto de honra ou de amor-próprio.
John respirou fundo. Resistiriam os seus nervos até ao fim? Talvez rebentassem no momento menos esperado. Mas por ora continuaria a tentar não se dar por achado. Enquanto pudesse, claro. Os outros ficaram muito admirados ao vê-lo seguir o seu caminho sem pronunciar palavra. Esperavam outra coisa. E enfureceu-os a passividade do «Doutor Uísque». Os seus propósitos de lhe darem uma boa tareia, podendo pretextar diante do xerife que ele os provocara primeiro, iam para o diabo. John chegou rapidamente ao escritório do xerife, onde Bill Daniels estava debruçado sobre uns papéis.
— Olá, Frey — admirou-se o xerife.
— Vem dizer-me que resolveu ir-se embora?
— Não, venho dar-lhe outra notícia mais importante, se é que você quer deixar definitivamente de ter os olhos fechados. Acabo de ter uma interessante conversa com um homem chamado Dean Kennedy. Sabe quem é?
— Dean Kennedy?... Esse nome não me é desconhecido, mas não me recordo...
— Era um amigo de Dick Duff.
Daniels interessou-se.
— Sim — disse —, agora me recordo. Telegrafaram-me o seu nome pouco depois do assalto ao Banco. Pelos vistos, era o seu braço direito.
— Pois está em Los Alamos
— Tem a certeza?
-- Ainda não há dez minutos que falei com ele, em casa dos Sidway.
O xerife levantou-se, confuso. Era evidente que lhe parecia inacreditável.
John acrescentou:
— Pelo que me disse, anda à procura dos quinze mil dólares, e julga que eu os tenho. Que lhe faz pensar isto?
O espanto de Daniels subiu de tom. Ficou sem saber que dizer.
— Mas... se ele não os tem. — gaguejou.
— É porque os tem outra pessoa -- completou John, tranquilamente. — Parece-me bem claro.
— Não sou da mesma opinião -- protestou Daniels. — Se Dick Duff escondesse o dinheiro, os seus amigos não tinham motivo nenhum para o matar. Pelo contrário, fariam tudo o que fosse possível para o salvar.
— Bem, e quem nos diz que não o fizeram?
— Não compreende? — impacientou-se Frey. — Se só Duff sabia onde estava o dinheiro e os seus amigos não o mataram, quem era o mascarado e porque o asfixiou com a almofada?
— Isso mesmo lhe pergunto eu, Frey. Acaba de confessar que é absurdo. Como quer que acreditemos na história do misterioso mascarado?
— Não seja casmurro, Daniels. Esse homem existe e tem uma razão de ser: é ele quem está na posse dos quinze mil dólares! Matou Duff para que não o denunciasse.
— Tretas! — resmungou o xerife. — Não sei o que você pretende, mas o mito do mascarado não pega. Talvez eu hesitasse, enquanto pensava que o dinheiro estava nas mãos dos amigos de Duff; mas se eles não o têm, ou os quinze mil dólares estão escondidos nalgum sítio, ou tem-nos você, doutor.
— Eu?
— Não acaba de confessar que Dean Kennedy assim pensa também?
— Sim, mas...
— Não é má ideia, Frey. Você podia ter matado Duff por estar bêbedo e por ser um mau médico, mas também o podia matar para ficar com o dinheiro. Isso justificaria o seu regresso a Los Alamos.
John não pôde conter uma imprecação: Era desesperante a teimosia de toda a gente.
— Vá para o inferno, Daniels! -- gritou. — Julga-me tão estúpido que lhe viesse contar tudo, se fosse eu que tivesse o dinheiro?
— Nunca se sabe porque se fazem as coisas — teimou o xerife.
John procurou acalmar-se.
— Bem — disse —, sejamos sensatos. Eu posso combinar um encontro com Dean Kennedy, e você prende-o. Não andam à procura dele por causa do assalto? Pois ofereço-me para o ajudar a prendê-lo. Do resto, é melhor não falarmos, xerife.
Daniels franziu o sobrolho e aproximou-se devagar da secretária.
— Procurávamos uma explicação para o facto de você me vir contar tudo isso, Frey — murmurou. — Pois bem, já a temos: Dean Kennedy converteu-se numa séria ameaça para você, porque sabe que o dinheiro está nas suas mãos. E você oferece-se para me ajudar a prendê-lo, a fim de se livrar dele e ficar, ainda por cima, como colaborador da lei!
— Irra! — exasperou-se John. — Será possível que você seja tão casmurro, Daniels ?
O xerife encolheu os ombros.
— Não pode negar que seria uma explicação bastante razoável.
— Vá para o diabo! Não penso insistir. Mas não se esqueça que eu lhe ofereci a possibilidade de prender um dos assaltantes, e que você recusou a oferta. Do que fizer Dean Kennedy a partir de agora, só haverá um responsável: você! E garanto-lhe que o denunciarei às autoridades do estado!
— Não se exalte, doutor. Eu não lhe disse que ia fazer isto ou aquilo. Tenho de pensar primeiro. Seria muito lamentável que você zombasse de mim tolamente. Lembre-se que se os amigos de Duff não têm o dinheiro, ainda há esperanças de o recuperar. E não quero perder essa 'possibilidade por me precipitar.
— Perdê-la-á se continuar a julgar que o engano.
— Talvez não.
John apertou os lábios, como se quisesse evitar dizer--lhe algo mais forte. Depois, deu meia volta e dirigiu-se para a porta.
— Pense o tempo que quiser, xerife. Se precisar de mim, procure-me.
Ia a sair, quando, de repente, se virou de novo para Daniels.
— Ah, já me esquecia! Quero fazer uma queixa.
—Uma queixa? Contra quem?
— Contra os que tiraram a minha bagagem do quarto do hotel e a atiraram para a rua. Ou isso está dentro da lei?
— Oiça — resmungou o xerife, constrangido —, já o avisei...
Mas John interrompeu-o:
— Se não proceder contra os culpados, Daniels, informarei disso o governador e o juiz. Faça o que entender. Quero uma indemnização.
E saiu para a rua, deixando o xerife muito preocupado.
Sem comentários:
Enviar um comentário