John Frey afastou-se um pouco do leito e sentou-se numa cadeira próxima, completamente esgotado. Tinha o rosto coberto de suor, os olhos brilhantes e a respiração entrecortada.
Passara duas horas de terrível tensão. Tivera de fazer um grande esforço para dominar os nervos, mas, por fim, conseguira-o. Parecia-lhe mentira. Não havia maneira de se convencer.
Mas ali estava a prova: Dick Duff continuava inconsciente na cama, mas o seu pulso tinha agora muito mais vigor. E extraíra-lhe a bala, contivera a hemorragia interna e tinha a ferida fechada e em condições de cicatrizar! Até poderia salvar a vida!
Admitiu que tivera sorte. A bala não alcançara os órgãos digestivos, por verdadeiro milagre. Portanto, o maior perigo residia na perda de sangue e nas possíveis complicações provenientes dos ferimentos internos. Mas sentia-se otimista. Procedera à intervenção cirúrgica com os cinco, sentidos postos no trabalho, sem se recordar de mais nada. Mal começara a operação, tinham batido à porta. Não se dignara ver quem era. Gritara:
— Saiam daqui e deixem-me em paz!
E continuara a operar. Parecera-lhe ouvir a voz do xerife, mas não se importara. Deixara-o cansar-se de bater. Esquecera-se dele e não poderia dizer agora se insistira muito ou pouco. Frey levantou-se a custo e dirigiu-se para onde, deixara a garrafa, antes de começar a operação.
Agora, sim, podia beber. Estava tudo pronto e vencera.
Bebeu um grande golo, que o confortou. Sentia-se outro homem, como se tivesse perdido peso, como se tivesse os membros adormecidos e só sentisse desperta a cabeça.
Aquela operação restituir-lhe-ia o prestigio. As coisas podiam modificar-se agora tanto!
Porque, de repente, descobrira que ainda não era tarde, que ainda estava a tempo de começar vida nova, que não se encontrava irremediavelmente condenado ao abandono. E isso abria-lhe de novo o horizonte, e sentia — pela primeira vez depois de dois anos terríveis — o desejo de exigir à vida um lugar digno.
Recordou-se de Madge e quase não lamentou o incidente ocorrido. E ela perdoar-lhe-ia. A culpa fora toda dos nervos. O importante era poder-se apresentar agora diante dela de forma diferente. Precisava dela. Estimava-a sinceramente, embora nunca se tivesse lembrado de lho demonstrar. Quem era ele? Um bêbedo, um homem que só servia para ser ridicularizado, alguém de quem todos fugiam. O «Doutor Uísque»!
Agora era diferente. Já podia fazer planos. Dick Duff, debaixo das mantas, moveu a cabeça e soltou um leve suspiro. Frey aproximou-se dele, trémulo de alegria. Aquele homem salvar-se-ia!
Que diria o doutor Griffith, quando soubesse? Era agradável pensar nisso. Griffith sempre o tratara com desprezo, o insultara e afrontara. Mas agora...
Com um pano húmido, limpou o suor da testa do ferido e molhou-lhe os lábios com água fresca. Dick Duff lambeu a água e voltou a agitar-se.
Naquele momento bateram à porta. John levantou-se e apressou-se a ir abrir. Agora, sim. Agora, podia receber quem quer que fosse, porque já estava certo do seu triunfo. Oxalá fosse o xerife!
Deu a volta à chave e abriu. Ficou petrificado. No vão da porta, recortado no céu quase negro já, estava um homem. Um homem com o rosto coberto por um lenço e de revólver em punho! Antes que John tivesse tempo de reagir, o mascarado empurrou-o para dentro; entrou e fechou a porta atrás de si.
Nenhum falou. John, porque estava a pensar rapidamente nas consequências que aquela inesperada visita pudesse ter; o outro, porque não tinha nada a dizer. Limitou-se a indicar-lhe com o revólver que passasse à outra divisão, onde estava o ferido.
O caso tornou-se claro para John Frey. Aquele homem tinha de ser um dos sequazes de Dick Duff, que soubera que o seu chefe não morrera e estavam a tentar salvá-lo. Portanto, quereria levá-lo ou verificar se era verdade que tinha possibilidades de se salvar.
John não opôs resistência; entrou no quarto, seguido sempre pelo mascarado, e pararam junto da cama no momento em que Dick Duff voltava a agitar-se e a murmurar qualquer coisa.
— Bom trabalho, doutor — murmurou o desconhecido, com voz fanhosa.
Frey respondeu:
— É quase certo salvar-se. Agora diga-me o que deseja.
O outro percorria o quarto com os olhos velados pela sombra do chapéu de abas largas. Reparou na garrafa de uísque, que estava pouco menos de meia, e estendeu a mão para lhe pegar pelo gargalo. Deu-a a Frey e ordenou-lhe:
— Beba.
John hesitou. Aquilo parecia ridículo.
— Beba — repetiu o mascarado, apontando-lhe o revólver.
Frey bebeu um grande golo.
— Mais — ordenaram-lhe. — Até se acabar.
Era demasiado. Aquilo embriagá-lo-ia.
— Que pretende?
— Já lhe disse. Que a beba inteira. Ou prefere que lho peça de outra forma?
John procurava uma oportunidade, e poderia ser aquela. Depois de acabar com o uísque, ainda poderia manter-se sóbrio uns minutos. Se convencesse o outro de que estava completamente bêbedo... Empinou a garrafa e continuou a beber. Até a despejar.
— Agora — disse-lhe o mascarado — sente-se.
Frey obedeceu. A cabeça começava a toldar-se-lhe e era melhor estar sentado. Foi então que o desconhecido se aproximou da cama, sem o perder de vista, dobrou a almofada sobre o rosto de Dick Duff e sentou-se-lhe em cima. John saltou como se tivesse pisado uma serpente.
— Ouça! --- gritou.
E atirou-se ao outro, ao compreender que pretendia matar Dick Duff. O mascarado empurrou-o violentamente, e John, diminuídas as suas faculdades devido à grande quantidade de álcool que acabava de ingerir, foi de cabeça contra a parede, chocou com ela e caiu no chão.
— Maldito assassino! — gritou. — Não pode fazer isso... Não o pode matar!... Eu salvei-o!
Verificava que tudo quanto ganhara em horas de esforço se ia perder em segundos, e queria evitá-lo, custasse o que custasse. Mas as pernas não o ajudavam, nem os braços, nem a cabeça.
Tardou a levantar-se o que lhe pareceu uma eternidade, e ficou encostado à parede, arquejante. Os seus olhos procuravam o coldre, que devia ter pendurado em qualquer lado.
E o outro continuava sentado em cima da cabeça do ferido, impassível, sem perder Frey de vista. John tentou um último esforço. Atirou-se de novo para a cama, com a ideia de empurrar o desconhecido. Mas tropeçou e voltou a cair de bruços, batendo com a cabeça no pavimento de madeira.
Quando por fim conseguiu levantar-se, já lá não estava o misterioso assassino. A almofada voltara à sua posição normal e o rosto de Dick Duff estava rígido, pálido, contraído. Cambaleando, murmurando palavras ininteligíveis, John aproximou-se da cama e tomou o pulso do salteador. Já não latejava.
Passara duas horas de terrível tensão. Tivera de fazer um grande esforço para dominar os nervos, mas, por fim, conseguira-o. Parecia-lhe mentira. Não havia maneira de se convencer.
Mas ali estava a prova: Dick Duff continuava inconsciente na cama, mas o seu pulso tinha agora muito mais vigor. E extraíra-lhe a bala, contivera a hemorragia interna e tinha a ferida fechada e em condições de cicatrizar! Até poderia salvar a vida!
Admitiu que tivera sorte. A bala não alcançara os órgãos digestivos, por verdadeiro milagre. Portanto, o maior perigo residia na perda de sangue e nas possíveis complicações provenientes dos ferimentos internos. Mas sentia-se otimista. Procedera à intervenção cirúrgica com os cinco, sentidos postos no trabalho, sem se recordar de mais nada. Mal começara a operação, tinham batido à porta. Não se dignara ver quem era. Gritara:
— Saiam daqui e deixem-me em paz!
E continuara a operar. Parecera-lhe ouvir a voz do xerife, mas não se importara. Deixara-o cansar-se de bater. Esquecera-se dele e não poderia dizer agora se insistira muito ou pouco. Frey levantou-se a custo e dirigiu-se para onde, deixara a garrafa, antes de começar a operação.
Agora, sim, podia beber. Estava tudo pronto e vencera.
Bebeu um grande golo, que o confortou. Sentia-se outro homem, como se tivesse perdido peso, como se tivesse os membros adormecidos e só sentisse desperta a cabeça.
Aquela operação restituir-lhe-ia o prestigio. As coisas podiam modificar-se agora tanto!
Porque, de repente, descobrira que ainda não era tarde, que ainda estava a tempo de começar vida nova, que não se encontrava irremediavelmente condenado ao abandono. E isso abria-lhe de novo o horizonte, e sentia — pela primeira vez depois de dois anos terríveis — o desejo de exigir à vida um lugar digno.
Recordou-se de Madge e quase não lamentou o incidente ocorrido. E ela perdoar-lhe-ia. A culpa fora toda dos nervos. O importante era poder-se apresentar agora diante dela de forma diferente. Precisava dela. Estimava-a sinceramente, embora nunca se tivesse lembrado de lho demonstrar. Quem era ele? Um bêbedo, um homem que só servia para ser ridicularizado, alguém de quem todos fugiam. O «Doutor Uísque»!
Agora era diferente. Já podia fazer planos. Dick Duff, debaixo das mantas, moveu a cabeça e soltou um leve suspiro. Frey aproximou-se dele, trémulo de alegria. Aquele homem salvar-se-ia!
Que diria o doutor Griffith, quando soubesse? Era agradável pensar nisso. Griffith sempre o tratara com desprezo, o insultara e afrontara. Mas agora...
Com um pano húmido, limpou o suor da testa do ferido e molhou-lhe os lábios com água fresca. Dick Duff lambeu a água e voltou a agitar-se.
Naquele momento bateram à porta. John levantou-se e apressou-se a ir abrir. Agora, sim. Agora, podia receber quem quer que fosse, porque já estava certo do seu triunfo. Oxalá fosse o xerife!
Deu a volta à chave e abriu. Ficou petrificado. No vão da porta, recortado no céu quase negro já, estava um homem. Um homem com o rosto coberto por um lenço e de revólver em punho! Antes que John tivesse tempo de reagir, o mascarado empurrou-o para dentro; entrou e fechou a porta atrás de si.
Nenhum falou. John, porque estava a pensar rapidamente nas consequências que aquela inesperada visita pudesse ter; o outro, porque não tinha nada a dizer. Limitou-se a indicar-lhe com o revólver que passasse à outra divisão, onde estava o ferido.
O caso tornou-se claro para John Frey. Aquele homem tinha de ser um dos sequazes de Dick Duff, que soubera que o seu chefe não morrera e estavam a tentar salvá-lo. Portanto, quereria levá-lo ou verificar se era verdade que tinha possibilidades de se salvar.
John não opôs resistência; entrou no quarto, seguido sempre pelo mascarado, e pararam junto da cama no momento em que Dick Duff voltava a agitar-se e a murmurar qualquer coisa.
— Bom trabalho, doutor — murmurou o desconhecido, com voz fanhosa.
Frey respondeu:
— É quase certo salvar-se. Agora diga-me o que deseja.
O outro percorria o quarto com os olhos velados pela sombra do chapéu de abas largas. Reparou na garrafa de uísque, que estava pouco menos de meia, e estendeu a mão para lhe pegar pelo gargalo. Deu-a a Frey e ordenou-lhe:
— Beba.
John hesitou. Aquilo parecia ridículo.
— Beba — repetiu o mascarado, apontando-lhe o revólver.
Frey bebeu um grande golo.
— Mais — ordenaram-lhe. — Até se acabar.
Era demasiado. Aquilo embriagá-lo-ia.
— Que pretende?
— Já lhe disse. Que a beba inteira. Ou prefere que lho peça de outra forma?
John procurava uma oportunidade, e poderia ser aquela. Depois de acabar com o uísque, ainda poderia manter-se sóbrio uns minutos. Se convencesse o outro de que estava completamente bêbedo... Empinou a garrafa e continuou a beber. Até a despejar.
— Agora — disse-lhe o mascarado — sente-se.
Frey obedeceu. A cabeça começava a toldar-se-lhe e era melhor estar sentado. Foi então que o desconhecido se aproximou da cama, sem o perder de vista, dobrou a almofada sobre o rosto de Dick Duff e sentou-se-lhe em cima. John saltou como se tivesse pisado uma serpente.
— Ouça! --- gritou.
E atirou-se ao outro, ao compreender que pretendia matar Dick Duff. O mascarado empurrou-o violentamente, e John, diminuídas as suas faculdades devido à grande quantidade de álcool que acabava de ingerir, foi de cabeça contra a parede, chocou com ela e caiu no chão.
— Maldito assassino! — gritou. — Não pode fazer isso... Não o pode matar!... Eu salvei-o!
Verificava que tudo quanto ganhara em horas de esforço se ia perder em segundos, e queria evitá-lo, custasse o que custasse. Mas as pernas não o ajudavam, nem os braços, nem a cabeça.
Tardou a levantar-se o que lhe pareceu uma eternidade, e ficou encostado à parede, arquejante. Os seus olhos procuravam o coldre, que devia ter pendurado em qualquer lado.
E o outro continuava sentado em cima da cabeça do ferido, impassível, sem perder Frey de vista. John tentou um último esforço. Atirou-se de novo para a cama, com a ideia de empurrar o desconhecido. Mas tropeçou e voltou a cair de bruços, batendo com a cabeça no pavimento de madeira.
Quando por fim conseguiu levantar-se, já lá não estava o misterioso assassino. A almofada voltara à sua posição normal e o rosto de Dick Duff estava rígido, pálido, contraído. Cambaleando, murmurando palavras ininteligíveis, John aproximou-se da cama e tomou o pulso do salteador. Já não latejava.
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