sábado, 28 de junho de 2014

PAS338. Uma fera prestes a devorá-la


Chris Hodges estava muito nervosa. Cada vez que recordava aquele corpo estendido, selvaticamente golpeado até expirar, enquanto ela incitava o assassino, um estremecimento de medo assaltava-a. Apesar de ignorar concretamente aquilo que receava, a noite tinha contribuído para acentuar o terror, como se as trevas se pudessem materializar numa fera cruel, sem forma nem cor, prestes a devorá-la.
Tinha despertado algumas vezes, durante a noite, mas naquele momento estava certa de não ter sonhado aquele ranger da porta do jardim. Escutou. Só se ouviam os roncos de seu tio Clem, na divisão contígua. Não podia contar com ele, pois não despertaria nem com um tiro de canhão.
Chris tentou destrinçar o silêncio e desta vez teve a certeza da ocorrência dum rangido na porta das traseiras que dava para os currais. Um dos cavalos relinchou inquieto no estábulo. Chris, receosa, levantou-se envergando unicamente uma ténue combinação sobre o formoso corpo. Abriu uma gaveta donde extraiu um revólver 40, que empunhou. Mais confiante, sentindo o contacto frio da arma, espreitou à varanda. Sob a luz das estrelas somente vislumbrou os contornos vagos do curral e a silhueta agitada de um cavalo pouco tranquilo.
Chris Hodges apertou o dedo sobre o gatilho, levantando lentamente o percutor. Saiu do quarto avançando pelo corredor até à escada de acesso ao piso inferior. A obscuridade e o silêncio inquietante enervaram-na. O perigo escondia-se em qualquer canto.
Disposta a dormir sossegadamente o resto da noite, confortada com a recordação das carícias sensuais de Benjamim O'Malley, depois da morte de Harry, Chris desceu os degraus, empunhando o revólver. Percorreu todas as divisões sem encontrar nada de suspeito. Finalmente, penetrou na cozinha situada na ala mais afastada da casa.
Pressentiu, imediatamente, que o perigo era latente. Uma fração de segundo depois a porta fechava-se atrás de si e um vulto comprido, caiu sobre ela, algemando a mão com a pistola, como uma garra feroz, que em breve a impeliu a largar a arma. Em seguida, a sua face estremecia debaixo de uma série de bofetadas secas e duras. Friamente, aturdindo-a e não a deixando gritar, o vulto continuava esbofeteando-a enquanto o sangue corria pela sua boca e nariz.
Quando a soltaram, ela estrebuchou contra a parede, ofegante, com as pupilas dilatadas, e a camisa suja de sangue. O punho que a apertava implacavelmente esfarrapou-lhe a roupa e atraiu-a violentamente. Uma voz, sussurrante, fria e cruel, perguntou:
— Quem foi, maldita? Quem matou Harry?... Quem matou meu irmão ?
Os cabelos de Chris eriçaram-se. O conhecimento do seu agressor colocou-a em estado de pânico. Fess Dobson! Havia qualquer pormenor naquele homem que sempre a havia atemorizado, como se ele não fosse o rancheiro pacífico respeitado por todos em «Cuenca». Gemeu, balbuciante, mas foi novamente, impiedosamente, golpeado no rosto e no pescoço.
Largando-a por uns momentos, ela caiu contra a parede, mas logo Fess, agarrando-a pela roupa destroçada, alçou-a brutalmente e repetindo em voz monótona e gelada:
— Quem, Chris, quem foi...? Se não confessas, mato-te!
Ela pressentiu que se não falasse, ele cumpriria a promessa. De rompante, principiou a relatar tudo, evitando uma ou outra saraivada de socos.
— Foi Ben... Benjamim O'Malley... Eu não queria... mas ele… estava como louco... Foi… à porta do bar. Eles discutiram e...
Fess largou-a violentamente. Chris procurou equilibrar-se, mas caiu aparatosamente, quase desmaiada. O agressor noturno saiu da cozinha e cruzou o corredor, fazendo chiar a porta do curral. Chris- ergueu-se, soluçando, enquanto apalpava a boca tumefacta e o nariz ensanguentado.
— Maldito... — soluçou, rancorosa. — Maldito. Hás-de pagá-lo caro... Muito caro...
Apelando para as últimas energias pôs-se em pé e foi-se vestir apressadamente. Devia avisar Ben O'Malley do sucedido.
(Coleção Califórnia, nº 5)

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