segunda-feira, 2 de junho de 2014

PAS313. No rasto da mulher ferida


 Apesar da veloz marcha, Lester seguia o rasto dos índios em fuga. Atravessou um profundo barranco, atingiu vários cumes, das quais observou a paisagem. Receara, ao princípio, que Reddish e o seu bando se lançassem atrás dos fugitivos para os liquidarem.

Mas, à medida que o tempo decorria e foi vendo sinais nos sítios onde os índios haviam feito alto, tranquilizou-se. Alguns dos que compunham o grupo iam feridos, porque as paragens eram muito frequentes.

A meio da tarde, seguindo a pista, internou-se num bosque. De súbito, uma flecha cravou-se no tronco de uma árvore junto da qual ia a passar. Compreendeu o aviso e conteve o cavalo. Cinco peles-vermelhas, dois deles jovens, apareceram à sua frente, estes empunhando carabinas, que Lester olhou com muita atenção, pois sabia que na tribo não havia armas de fogo.
Conhecia bem a todos e, sem necessidade de falar, sabia o que por eles passava naqueles momentos. Consideravam-no a ele tão inimigo como aos que tinham ficado no vale. Instavam-no para que voltasse costas e marchasse.
Mas Lester só faria isso em último caso. Demasiado sabia que, se voltasse costas, seria um incitamento para dispararem contra ele.
— Venho por minha mulher.
O mais velho dos cinco estendeu um braço e os dois jovens recuaram. Lester desceu do cavalo aproximou-se, falando-lhes no seu dialeto:
— Continuo a ser vosso amigo! Disse que não respondessem se os provocassem. Mas deram-lhes beber e foi tudo para o diabo...
A curta distância, entre as árvores, divisou duas choças feitas com ramos e pele. Lester encaminhou-se para lá sem se preocupar com os cinco índios.
Só havia mulheres. Todas permaneciam acocoradas, imóveis. Não olharam Lester com ódio, nem tão-pouco com simpatia. Simplesmente indiferentes.
Todas as mulheres jovens tinham qualquer ferimento na cara ou nos braços. Mas Lester não encontrou ali sua mulher.
Quando perguntou por ela, uma mulher velha ergueu um braço e apontou para o interior do bosque. Lester montou o cavalo avançou para lá, até que escureceu demasiado e não pôde seguir o rasto indo a cavalo. Então apeou-se e sobraçando as rédeas, continuou...
Ardia-lhe a testa. Ideias sangrentas, ideias de fogo, se revolviam na sua mente. Imaginou o que acontecera no acampamento. Conhecia de sobra o juiz Reddish. Para ele uma «squaw», uma mulher índia, era menos que um cão. E os que o acompanhavam naquela noite deviam ser da mesma índole
À meia-noite foi atraído pelo brilho de uma fogueira. A poucos passos dela, viu-se rodeado de índios. Todos impassíveis, mas Lester sabia ler naquela impassibilidade.

Acolhiam-no hostilmente. Uma hostilidade a ponto de estalar. Lester permaneceu sereno.
— Minha mulher está aqui?...
Depois de um prolongado silêncio, um índio velho indicou uma tenda próximo da fogueira. O caçador entrou nela.
Lá estava a jovem índia, com o seu rosto de boneca envergonhada, com os olhos cerrados. Tinha o gibão rasgado até à cintura, descobrindo uma ligadura.
Lester inclinou-se para ela e roçou-lhe o rosto com os lábios. Percebeu uma respiração funda e lenta.
Desfez a ligadura e examinou a ferida. Um orifício sangrento brilhou sobre a tersa pele. Era dum ferimento de bala que a atravessara de lado a lado.
Limpou a ferida e ligou-a de novo. Sentado em frente dela com as pernas cruzadas, permaneceu horas e horas.
Ao amanhecer ela abriu os olhos. Durante um bom bocado, os seus olhos cinzentos, inexpressivos, estiveram fixos nos dele, sem que nenhum músculo da cara se movesse.
Mas Lester entendeu aquele olhar. Não havia ressentimento nele. Apenas assombro por ter aparecido a seu lado.
— Que sucedeu? — perguntou o caçador.
— A pele do jaguar... — murmurou ela — tiraram-ma...
Durante mais de uma hora, os olhos da rapariga continuaram semicerrados, fixos no homem branco. Lester só percebeu que ela tinha expirado, porque os olhos perderam o seu brilho.
Depois de a ter enterrado, Lester desapareceu.
Os índios só muitos dias depois voltaram a saber dele.

Quando o tornaram a ver, Lester vinha acompanhado de um chefe índio de uma tribo que pilhava nas proximidades da costa.
— Chegou a hora de mostrar os dentes — disse-lhes o caçador. — Os velhos terão um sítio seguro para se refugiarem. Os jovens virão comigo.
Lester trazia, além do seu cavalo de montar, um de carga. Um avultado e pesado embrulho foi desfeito no meio do círculo que a assembleia formou.
A princípio apareceram muitas peles. Havia algumas de jaguar. Por fim apareceram vários rifles.
— Haverá mais — anunciou Lester. — Mas antes de mais nada precisamos de cavalos...
Naquela mesma noite, os escassos cavalos de que dispunham, montados por gente jovem, empreenderam a rota do Sul. Os outros levantaram o acampamento e dirigiram-se para Oeste, procurando os cumes da costa, onde o chefe índio lhes oferecia hospitalidade.

(Coleção Bisonte, nº 62)

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