segunda-feira, 23 de junho de 2014

PAS330. O homem que já não sabia dançar


Estava calor no interior. Os violinistas marcavam o compasso, com os pés, e um vaqueiro abraçado ao seu banjo, cantava gravemente. Uma mão tocou-lhe no ombro, e voltando-se contemplou o sorridente semblante de Nora.
-- Alegra-me que tenhas vindo, Desmond. Gostava muito de dançar esta valsa contigo. Convidas-me?
— Se alguma vez soube dançar, já o esqueci -- disse ele, lentamente.
Ele viu uma cintilação de receio nos olhos femininos. E suspirando ela murmurou:
-- Cometeste um erro. O primeiro... Um homem que soube dançar, nunca o esquece.
— Talvez não te queira ter nos meus braços, demasiado próxima. Talvez tenha medo de recomeçar alguma coisa... que não possa terminar.
-- Gostaria de te acreditar, Desmond. Há recordações que um homem não pode matar, ainda que o tente.
— Dás-me a honra desta valsa, Nora?
Nora deixou-se enlaçar, com os lábios trémulos. Ele dançava tropegamente, e muito mal. Ela guiou-o. Nos seus olhos brilhava uma cintilação de confusão e surpresa.
-- Não sei. Pensei que eras Desmond ao ver-te pela primeira vez depois de cinco anos. Mudaste. Mas, até onde pode um homem mudar? Dantes dançavas de outra maneira. A tua voz é mais rouca, os teus olhos não olham da mesma maneira... Mas pode ser que então eu te visse diferente, ou nunca conhecesse o verdadeiro Desmond Hunter.
A música parou. Durante uns segundos ele continuou a abraçá-la... Por fim, ela sorriu:
-- Vamos lá fora, Desmond.
Saíram para o exterior, de cuja penumbra vieram vários homens a correr para o lugar onde dois indivíduos estavam emaranhados em luta. Havia no ar uma suave fragância primaveril.
Ou eram os cabelos de Nora? Segurou-a pelos ombros, atraindo-a para si. Ela sorriu ambiguamente:
-- Outro erro, Desmond. O Dcsmond que eu conheci nunca foi tão direto. Tu és quase brutal. Não existe nenhuma brandura em ti.
— Em cinco anos tudo muda. Não me respondeste, Nora.
-- Creio que, por fim, me decidi. Vim aqui esta noite para te dizer que o que existiu entre nós... morreu. Falei com o advogado Owens sobre a anulação do nosso casamento.
-- Devo dizer o que sinto, Nora?
Ele afastou-a com as feições endurecidas:
-- Agora... não tens a menor parecença com Desmond Hunter.
Prendeu-a pelos braços.
-- Não, não o sou! Disseste que nunca me conheceste... Mas, queres conhecer um homem como eu?
— Estás a aleijar-me.
Ele continuou a prendê-la pelos braços. Atraiu-a rudemente, sentindo contra o seu corpo a turgente debilidade, e os seus lábios procuraram os dela. O seu beijo apaixonado encontrou resposta, e ela rodeou-lhe o pescoço amorosamente.
Ele separou-se bruscamente, resfolgando com ânsia. Nora permaneceu erguida com os olhos fechados, com as pálpebras a tremerem.
-- Desmond... — sussurrou ela.
E avançou para ficar entre os seus braços, rosto erguido, os lábios entreabertos. Um beijo de ávida e mútua paixão os uniu. Foi ela agora que se separou, e ele disse lentamente:
-- Não tenho direito de beijar-te...
-- Mas beijaste-me — sussurrou Nora. E nenhuma mulher pode odiar um homem apaixonado. Estou desconcertada... Não posso pensar com clareza. Nem sequer sei o que digo...
-- Terás que te ir acostumando, Nora. Devemos começar de novo, como… se nunca nos tivéssemos conhecido, como se fôssemos estranhos...
--Assim o desejas, Desmond?
-- Assim tem de ser. Estão a tocar outra valsa, senhora Hunter. Concede-me a honra desta dança?
Sorrindo, extasiada, ela fez uma reverência:
-- Encanta-me aceitar, Sr. Hunter.
Entraram e ela, enlaçada, sorria feliz. Ele encontrou-se a dançar com facilidade, com um íntimo contentamento que nunca tinha sentido antes.
Alguns pares deixaram de dançar ao serem empurrados. E uma figura de gigante, rindo, aproximou-se. Curt Wilmot estava evidentemente bêbado. Gritou:
— Vim para dançar com esta linda boneca! Afasta-te, franganote!
Uma mulher guinchou:
-- Cuidado! Wilmot traz pistola!
Curt Wilmot empurrou brutalmente Desmond, que ouviu Nora gritar.
Desmond Hunter escorregou no piso encerado, e caiu de joelhos. A gargalhada de Wilmot ressoou ruidosa, enquanto enlaçava Nora. Desmond levantou-se. Com o rosto pálido, e os olhos chamejantes, ansiosos por matar, avançou para Wilmot. Viu então Steve Clarke de lado, sorrindo mordazmente.
Desmond Hunter deteve-se.
Não podia cometer um erro que o podia levar à forca. Não era já uma simples luta com Curt Wilmot, mas uma luta para a morte contra um homem que estava à espera duma ocasião para o ver no patíbulo.
Chet Garvin mataria Curt Wilmot. Mas Desmond Hunter esperaria até que não pudesse evitá-lo. Permaneceu quieto.
Curt Wilmot riu triunfalmente. Desmond olhava para Nora. Viu-a surpreendida, humilhada, desdenhosa... E, de súbito, abandonou a sala, correndo... Houve murmúrios.
Desmond Hunter caminhando lentamente dirigiu-se para a saída. Estendeu o papel com o número e recebeu o seu chapéu e o cinto de pistoleiro.
(Coleção Califórnia, nº 3)

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