terça-feira, 3 de junho de 2014

PAS314. A vingança do «Jaguar»


Da Alta Califórnia, o juiz Reddish obtinha, de vez em quando, gado vacum e cavalar. Cedia-o a crédito aos colonos do vale Fadner e, com o tempo, o juiz viria a dispor de um manancial de riqueza que nunca cessaria de brotar.
O que Lester predissera aos colonos era uma realidade e alguns começaram a dar conta disso, quando já era demasiado tarde. Os seus ranchos sempre tinham um buraco que tapar, as colheitas não davam o rendimento que se esperava e, desse modo, as dívidas nunca acabavam.
A gente que se encarregava da condução do gado compunha-se de tipos sem escrúpulos, a maioria devedores do juiz Reddish, que os havia livrado da cadeia ou da forca, com o fim de ter servidores incondicionais.
Tudo tinha andado muito bem, até que um dia...

Fadner teve o primeiro aviso. Uma das suas caravanas procedentes da costa fora assaltada por uns desconhecidos. Não souberam se eram brancos ou peles-vermelhas, porque o assalto foi de noite e com tal sigilo, que só ao render da guarda perceberam que as sentinelas haviam sido atacadas até ficarem na inconsciência, e depois amordaçadas.
Dado a sinal de alarme, exploraram os arredores. Depois examinaram o carro. E só notaram a falta de umas espingardas e de uma caixa grande de cartuchos.
— Bandidos isolados... Não tem a menor importância — disseram, não querendo pensar o pior.
Aquele aviso ainda não tinha assinatura. O segundo, sim. Mas este aviso afetou os interesses de Johnny Reddish.
Faltava um par de jornadas para que os que conduziam a manada de gado vacum e um reduzido número de cavalos, todos de excelentes castas, atingissem os cimos confinantes com o vale Fadner, quando inopinadamente, ao enfiar por uma apertada e profunda mina, dos interstícios das rochas começaram a sair tiros.
O alvo dos tiros era precisamente o troço do comboio que separava o grupo de cavalos e as reses.
A coluna ficou rapidamente separada. As reses, apavoradas, lançaram-se, com o bramido de uma torrente, pelo caminho, fora, arrastando, aqueles que as conduziam. Os cavalos, pelo contrário, retrocederam. Saindo da mina, lançaram-se em campo aberto.
Tudo foi sucedendo a uma velocidade desusada, surgindo, a cada segundo, uma surpresa. Os condutores do gado intentaram primeiro, repelir o ataque, depois conter as reses e por fim os cavalos.
Apenas conseguiram perder uns instantes decisivos. Muitos caíram das montadas, atravessados por balas ou feridos com flechas.
Por fim, não tiveram outro recurso senão fugir. Mas já era demasiado tarde. Os que intentaram escapar pelo sítio em que haviam saído os cavalos, mal pisaram campo livre, viram-se rodeados por cavaleiros índios que, lançando terroríficos alaridos, os foram abatendo com o arco, com o «tomahawk» ou com armas de fogo...
Os que seguiram o mesmo caminho que o gado vacum tiveram que avançar torneando toda uma cadeia de obstáculos criados pelas rochas ou reses abatidas. Os tiros, os mugidos, o bater das ferraduras nas rochas, as pragas ou os gritos de agonia, povoavam a mina de um espantoso pesadelo.
Os cavaleiros que optaram por seguir as reses decidiram, cheios de pânico, retroceder. Em cada greta parecia alojar-se um índio.
Três cavaleiros conseguiram escapar do local por onde haviam saído os cavalos. Um deles era Ginley, um indivíduo que tinha uma profunda cicatriz na face esquerda e era o chefe da condução.
Lá fora viram-se em seguida assediados por alguns índios de rosto pintada. Largaram as armas e desceram das montadas.
À esquerda de onde se encontravam viam-se alguns cavalos, que Ginley e os que iam com ele reconheceram como seus.
Por trás das rochas soou um grito de terror. Em seguida, uma voz tranquila, excessivamente fria:
— Não vou matar-te...
Voltou a ouvir-se um grito. Para aquele sítio os conduziram os índios, ameaçando-os com as suas armas. Os três indivíduos avançavam com passo vacilante.

De súbito, de trás de uma rocha viram sair um homem alto que envergava um trajo de pele de gamo, o rosto untado com barro vermelho, mas sem os traços que os demais ostentavam.

Ginley, apesar do aturdimento que sentia, percebeu que aquele indivíduo não era pele-vermelha e que aquela pintura era mais uma máscara que um símbolo de guerra.
O indivíduo levava algo na mão direita, que Ginley não pôde distinguir bem. De súbito, agarrou um dos que o acompanhavam, com um arranco lhe abria o fato na parte do peito e, antes de o outro o poder evitar, movia rapidamente o braço, direito, de cima para baixo, como a dar-lhe u empurrão ou a vibrar-lhe uma punhalada.
O companheiro de Ginley soltou um grito, mais por medo, que pela dor que sentia. O da cara untada mostrou a sua branca dentadura, numa muda espantosa risada.
 --Não é tanto o mal! — disse com aquela sua voz glacial, que tanto impressionava. — Ou preferem que os meus companheiros façam a escalpelização?
Ante a horrível alusão, Ginley soltou um bramido. O homem de rosto untado, Lester Daley; voltou a rir em silêncio.
— Não posso consentir que matem homens desarmados... Para isso fiz-lhes crer que isto é para vocês pior que a morte. Mostrem o peito...
Na mão direita tinha uma garra de jaguar. As suas unhas encolhidas estavam manchadas de, sangue.
Os indivíduos obedeceram, pondo o peito a descoberto, embora com medo. Lester moveu o braço duas vezes, de cima abaixo. Em seguida, sobre os peitos peludos apareceram uns riscos sangrentos.
— Tu eras o chefe? — perguntou a Ginley.
Este assentiu, com mais medo que nunca, receando que a sua condição destacada redundasse em seu prejuízo.
— Entrega isto ao juiz Reddish — e deu-lhe a garra de jaguar.
Ginley pegou nela, tremendo.
— Sigam para a frente!
— Matar-nos-ão — gemeu um dos indivíduos.
— Levem o peito descoberto. Esses traços da garra são o vosso salvo-conduto...
— Levamos os cavalos?
— Isso não. Nem os que andam à solta por aqui... Talvez possam arranjar algum pelo caminho... Têm uma hora para se afastar daqui...
Ginley, os dois indivíduos que o acompanharam, mais outros dois que saíram detrás do rochedo, não fizeram repetir a ordem. Com andamento apressado, afastaram-se.
A cada minuto encontravam um motivo de pânico. A cada instante surgia um pele-vermelha, que de faca na mão esquartejava algumas das reses abatidas.
Sentiam a todo o momento sobre eles olhares de um brilho selvagem. Esperavam, a cada passo, sentir penetrar nas costas uma daquelas facas, lançadas com destreza.
Mas os índios permaneciam quietos à sua passagem, com o olhar fixo no peito de cada branco.
Ao certificar-se de que aqueles arranhões produzidos pelas unhas mortas do jaguar tinham o efeito de um salvo-conduto, quando chegaram a um sítio em que se encontraram sozinhos, parecendo-lhes pouco profundas as feridas, foram passando a garra uns pelos outros, para se arranharem com mais força...
Com os peitos sangrando saíram da mina. Mas então já não se cruzaram com índios. Todos haviam convergido para a outra saída, alguns levando à rédea cavalos da gente de Ginley.
Na parte em que ficara Lester, reinava a maior catividade, perseguindo-se os cavalos em liberdade e caçando-os a laço...
A meio da tarde, Lester deu par terminada a tarefa e, fazendo o inventário, verificou que dispunha agora de mais cavalos que homens para os montar, um bom montão de armas e carne com que alimentar o seu pequeno exército e também as gentes que ficavam nos altos cumes, muitas milhas para o Oeste...
Apresaram um bom número de reses que melhor poderiam resistir a uma marcha rápida e empreenderam o caminho do acampamento «omaha».
(Coleção Bisonte, nº 62)

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