sexta-feira, 27 de junho de 2014

PAS335. Agredido sem piedade perante os olhos da traiçoeira namorada


A única rua de «Plata», extensa e larga, parecia ter ficado acabrunhada. Alguém gritou a Harry, com ar de desprezo:
— Vês, rapaz? Tudo isto por teu irmão vender o rancho! Maldito cobarde!
Harry reagiu, querendo enfrentar Webber encarou-o com pouca simpatia. Compreendeu que se replicasse, serviria de bode expiatório à ira de toda a população. Harry cerrou os punhos e desceu a rua. Chegavam a ele as palavras clamorosas e doridas de Wilson, proferidas da sela do seu cavalo:
— Assassinaram Redfem! Mataram o pobre Ike! Esses porcos dos O'Malley...
Harry sentia-se confuso. Tudo aquilo era estranho; se Refilem não vendesse, não havia razão para matá-lo daquele modo, incendiando as casas. As pessoas civilizadas não atuam assim. Pensou numa frase de seu irmão, Fess, mostrando as armas que havia pendurado na parede, como adorno: «o povo desta região ainda não está completamente civilizado. Têm instintos de feras. Sabes porque procuro um local calmo? Para não ser obrigado a matar como meio de sobrevivência. Matando por necessidade de ser o mais forte, para que não o derrubem, é algo de terrível. Tenta não saberes nunca. Esta é uma terra muito cruel, irmão...»
Muito cruel... Sim, era a palavra exata. Era cruel matar Redfem, era cruel culpá-los de uma situação que não tinham provocado. Ou talvez sim? Recordou a súplica violenta de Redfem, na noite anterior: «Pode trazer consequências muito graves. A mim, a Criswold... a você mesmo talvez». As consequências já tinham surgido. Onde terminariam? Suspirou. Ao menos, eles abandonavam «Cuenca». Certamente diriam que era por medo. Mas que lhes importariam as opiniões alheias? Lembrou-se de Chris. Que diria ela de tudo isto? Pensaria o mesmo que os outros...
Rapidamente encontrou-se no extremo do povoado, onde estava o único bar de «Plata». Uma casa isolada, de madeira e estuque, em um amplo alpendre, duas portas, uma para a rua e outra para o campo, com dois troncos redondos onde se prendiam os cavalos. Harry pensou que era uma boa ocasião para beber um trago de Whisky. Necessitava tomá-lo. A notícia da morte de Redfem tinha-lhe causado um vazio no estômago. Um vazio que era preciso encher de qualquer modo. Ele nunca bebia, pois a sua saúde não era estável, desde que começara a padecer do coração.
Entrou. Não estava quase ninguém. Sentado numa das mesas, um desconhecido deleitava-se com uma garrafa de genebra, bebendo pelo próprio gargalo. O dono do bar, Owen, olhou-o surpreendido.
— Olá! — disse. — Tu és o irmão de Dobson, não és? Que procuras?
— Um trago.
— Deveras? Julguei que não bebias.
— Por vezes faz falta um bom trago, amigo. Ouvi dizer que mataram Ike Redfem e...
— Diabo, não!— os olhos do homem manifestavam surpresa. — Redfem! Quem terá sido?
— Dizem que foram os O'Malley, mas não estou certo -- relanceou o olhar e fixou o copo que Owen tinha diante, e a garrafa semicheia de licor cor de âmbar. Ê whisky?
Encheu o copo e bebeu-o dum trago. As lágrimas rebentaram-lhe nos olhos e pareceu-lhe que uma brasa ardente lhe trespassou a garganta e os intestinos. Mas pouco a pouco a sensação extinguiu-se. Nem sequer tossira. O taberneiro sorriu.
— Rapaz valente— recolheu a garrafa. — Já tomaste o suficiente para lenitivo de um desgosto ou de um susto. Não te aconselho a repetir. Harry agradeceu-lhe com um olhar, pousou uma moeda sobre o balcão, e despedindo-se do desconhecido, saiu do bar pela porta que dava para o campo. Se não tivesse saído por ali é provável que nada tivesse acontecido. Tudo teria seguido um rumo diferente, mas Harry Dobson preferiu aquela porta e o destino traçou-se inexoravelmente...
Ao pisar o pórtico de tábuas descoloridas pelo sol e pela chuva, sentiu como que uma corrente de ar gelado, agitando-lhe o corpo. Fazia calor, mas o frio penetrou--lhe até aos ossos, um zumbido soou-lhe nas orelhas e sentiu o seu fraco coração vibrar no interior do peito, como um tambor descompassado. Luzes vermelhas faiscaram diante dos seus olhos desmesuradamente abertos, incrédulos e horrorizados, fixados no par.
Chris Hodger lançou um grito, deslizando dos braços ávidos de Benjamim O'Malley, o sardento arruivado, ao mesmo tempo que tentava compor o decote e alinhar os cabelos revoltos.
— Ben, está quieto! — gemeu, lutando para se libertar do homem.
— Odeio-te!...
— Mas, querida, não te entendo — replicou Benjamim. — Se acabaste de dizer-me...
— Não, Harry, não é o que tu pensas — implorou ela, ligeiramente pálida, regressando do sítio onde tinham estado a beijar-se.
Benjamim encarou-o. Harry apercebeu-se imediatamente que os seus rostos refletiam a mentira. Chris deixou-se beijar, complacente e satisfeita. Os olhos claros de Benjamim eram duas lanças agudas e tenazes, cravadas nele.
— Olha, o jovem Romeu! – disse com um sorriso alvar.— Que cena…
— Maldita — Gritou Harry, olhando-a com asco, desprezo e ódio. – Isto é a tua fidelidade e carinho? Que estúpido fui! E eu que não acreditei…
— Harry....
— Cala-te— dirigiu-se furiosamente até Ben. — E você é feito da mesma lama que ela. Sabia que era minha noiva, pelo menos até há meio minuto… e entretanto encontravam-se furtivamente. Há quanto tempo dura esta farsa, Chris?
Aproximou-se e esbofeteou-a violentamente. Chris, gemendo, estremeceu... Ben, rápido, duro, interveio. Apertou-lhe o ombro ferreamente e atraiu-o.
— Não me toque! — rugiu Harry. — Ou pretende matar-me como ao pobre Redfem, cobarde!

Ben O'Malley empalideceu, e rapidamente apartou-se, como se quisesse furtar-se à briga. Harry, confiante, prosseguiu com as imprecações:
— Não me voltarás a encontrar, Chris, embora creia que isto pouco te custe. O meu irmão bem te avaliava, assim como todos os outros. Era demasiado leal... Aggh!
Gritou de dor ao levar com o cano da arma de Benjamim, na orelha direita. Dobrou-se ante o terrível impacto, começando a brotar sangue no ponto da pancada. Chris recobrou o sangue frio enquanto Benjamim encarando furiosamente o rapaz indefeso, que ia desmaiando, lançava-lhe um pontapé selvagem nas maxilas e outro no peito.
-- Assim, Ben, assim! — exclamou, rudemente a morena Chris com a expressão flamejante de ira. — Esse imberbe, estúpido e bobo, insultou-me... Força, Ben, bate-lhe, demonstra, que és um homem!
Ben, incitado por ela, não necessitou de mais nenhum encorajamento. Com o revólver agora empunhado pelo cano, ao pontapé, cravando as esporas e as sólidas botas no juvenil e frágil corpo inerte, continuou exteriorizando o seu ódio feroz sobre o homem tombado...

(Coleção Califórnia, nº 5)

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