sábado, 1 de julho de 2023

ARZ138.04 Integrado numa quadrilha pronta a assaltar

Hank O'Shea removeu as brasas da fogueira, pegou num raminho a arder e aplicou-o à ponta do cigarro. Depois, com um púcaro de café na mão, sentou-se junto, do jovem.

— Este tipo já me insultara na noite anterior—disse. — Dei-lhe uma boa tareia, o que para mim é mais divertido do que dar quatro tiros a um indivíduo, mas não lhe ficou de emenda e no dia seguinte procurou-me.

Hank bebeu um golo de café.

— Admirou-me que me provocasse daquele modo—comentou. — Não tinha reparado no tipo que estava ao pé da coluna. Decerto tinham combinado liquidar-me. — O gigante soltou uma gargalhada. -- Bem vês, camarada, que tivemos de fugir de Stanton a galope. Eles, pelo contrário, só teriam recebido felicitações e palmadinhas nas costas.

— É assim a vida — murmurou Paul, filosoficamente. Depois do que lhe acontecera, já não se admirava de nada.

— Pois é — concordou Hank, acabando de beber o café. Sacudiu o púcaro e pô-lo de lado. — Escuta, camarada, que tencionas fazer agora? Pondo-te a meu lado, colocaste-te numa situação difícil.

— Sim, bem sei. Mas que outra coisa podia fazer? Não gosto de ver matar à traição — respondeu Paul. — Se o caso fosse apenas entre ti e o mineiro, não teria interferido. Cada um deve resolver os seus próprios problemas, não achas?

— Decerto. Mas em Stanton os mineiros são os senhores. A estas horas já exerceram pressão sobre o xerife para que nos persiga.

Paul soltou uma gargalhada amarga.

— De que te ris? — perguntou-lhe Hank, muito admirado.

— Disso, precisamente. Há seis semanas que ando fugido e quando entro numa povoação, onde penso que tudo vai correr bem, meto-me num novo sarilho. Claro que nada disso me importa, mas não deixa de ter graça, não te parece?

Hank esfregou vigorosamente o queixo.

— De modo que já te perseguiam, hem? Seria demasiada curiosidade da minha parte perguntar-te porque andas fugido?

Paul cuspiu desdenhosamente.

— Nada tenho de ocultar — declarou. — Aconteceu-me quase o mesmo que a ti. Um tipo provocou-me para duelo e matei-o. Mas também matei o tipo que se escondera, combinado com ele, para me liquidar à traição. Fui mais rápido do que os dois, em suma.

— Onde foi isso?

—Em Big Creek. O xerife preveniu-me de que me prenderia se não desistisse de me bater, mas eu não podia recusar, como deves compreender.

— Claro. — Hank soltou uma imprecação. — Estas terras estão a tornar-se demasiado civilizadas. Dantes, desde que não se disparasse contra um tipo pelas costas, ninguém se metia com um homem. Agora, tão educados querem ser que metem nojo.

— Sim, e avisaram-me de que me custaria caro, se disparasse. — Paul voltou a rir. — De todas as formas, da mesma maneira teria de fugir; portanto, não tive outro remédio senão enfrentar o tipo. Agora já não provocará, mais ninguém.

—Pois eu estou-te muito agradecido pelo que fizeste a meu favor e gostaria de te retribuir, palavra.

Paul encolheu os ombros.

— Ora! Hoje por ti e amanhã por mim. Esquece isso, Hank.

O gigante assentiu. Ambos permaneceram silenciosos durante uns momentos. Passado um bocado, Hank disse:

— Ouve, Paul, disseste que não tinhas para onde ir...

— É verdade.

— Reparei que manejas bem as armas. Liquidaste o tipo com um só tiro... Eu precisei de quatro e estava a metade da distância. Gostarias de fazer um trabalhinho?

Paul fitou o seu companheiro, com ar pensativo.

—De que espécie, Hank?

O gigante soltou uma gargalhada.

— Oh, é muito simples, verás! Simples e rendoso. O trabalho ideal para um homem que sabe manejar as armas tão bem como tu, Paul.

O corpo do jovem ficou rígido por um momento. Teria o seu encontro com Hank sido um golpe de sorte? Procurou mostrar indiferença.

— Bom, talvez aceite.

— Gostarás, amigo — disse o gigante. — E homens como tu são sempre bem acolhidos entre nós.

— De momento não vejo o menor inconveniente., coisa má? — perguntou com falsa ingenuidade.

Hank soltou uma gargalhada estridente.

— Coisa má!...

— Bateu-lhe nas costas com tal força que esteve quase a derrubá-lo sobre a fogueira.

— Com certeza não pretendes dedicar-te a selar cavalos, hem?

— Homem, eu...

— Não falemos mais nisso, rapaz — disse o gigante. — A verdade é que te estou agradecido por me teres salvado a pele e que simpatizo contigo. Virás comigo a um sítio que eu sei e juntar-te-ás a nós.

— Pelos vistos — comentou Paul, em tom despreocupado — tens outros companheiros.

— Claro. Há coisas que um homem só não pode fazer, Paul. Mas saberás o resto no momento oportuno. Agora, o importante é vires comigo, não é assim?

— Decerto. — Paul sorriu. — Também simpatizei contigo.

— Então, toca a dormir que já é tarde — decretou Hank. — Amanhã, ao romper do dia, pôr-nos-emos a caminho. Não nos podemos demorar muito; o tempo escasseia.

Uns minutos mais tarde, os homens estavam envoltos nas mantas. Paul tardou bastante a adormecer. Os seus pensa-mentos concentraram-se no seu novo companheiro de aventuras. Seria da quadrilha de Cochrane? Se fosse, dera um grande passo para conseguir a sua reabilitação. E quando tudo tivesse terminado... Linda estaria no fim da viagem.

 

 

*

 

Puseram-se a caminho antes de nascer o sol. Cavalgaram rapidamente, sem pararem mais do que o indispensável para não esgotarem as montadas.

A viagem durou três dias. Hank conduziu-o por uns despenhadeiros desconhecidos e tão intrincados que era necessário ser um bom conhecedor do terreno para seguir sempre o caminho devido.

Passado esse tempo, Hank meteu-se por um estreito barranco, de paredes a pique e quase todo coberto de espessa vegetação, o que, juntamente com a sinuosidade do traçado, tornava difícil a visão a mais de quinze ou vinte metros de distância.

Percorreram o desfiladeiro durante cinco minutos. De súbito, o caminho alargou-se, formou uma espécie de praceta circular, de trinta ou quarenta metros de largura, mas de paredes igualmente a pique, encostadas a uma das quais havia várias cabanas de troncos.

Também se via uma cavalariça meio coberta, destinada a albergar os cavalos, e num dos lados divisou uma fonte natural que caía sobre um pequeno tanque de poucos metros de largura. A água sobrante corria depois para o barranco por onde tinham vindo, único acesso àquele lugar.

Vários homens saíram das cabanas ao vê-los chegar, todos eles armados com carabinas e revólveres, segundo as suas preferências. Paul não pôde deixar de estremecer ao ver a catadura daqueles indivíduos.

— Olá, rapazes! — gritou o gigante. — Noticias, trago notícias! Desmontou agilmente. — Desce, Paul — disse.

O jovem obedeceu. Os homens aproximaram-se deles. Eram sete ou oito, Sujos, desmazelados, mal-encarados, e observaram-no com evidente curiosidade.

— Quem é esse tipo, Hank? — perguntou um dos indi-víduos, um tipo enfermiço, com a Cara tão amarela como a de um ictério, de pómulos proeminente e dentes podres.

— O meu amigo Paul Myers — respondeu o gigante. — Meu amigo e um novo membro da quadrilha. Paul, apresento-te os teus companheiros: Hobbins, Duke, Fiatsholt, Leland, Storrner, Branican e Rude. Rapazes, este é Paul.

— Quem o admitiu na quadrilha? — perguntou o primeiro que falara e que dava pelo nome de Leland.

— Eu — respondeu Hank, sem hesitar. — Durkin morreu no último golpe e era preciso preencher a sua vaga, não?

—O chefe já sabe?

— Que importa isso agora? — resmungou o gigante. — Ouve, Leland, não faças tantas perguntas. Estás aqui para obedecer e basta. Entendido.

Mas o indivíduo demonstrou que não se atemorizava com a presença física do gigante.

— Escuta, Hank: que esse tipo seja ou não teu amigo pouco me importa. Se não foi aceite pelo chefe, não entrará para a quadrilha. Percebeste?

Paul compreendeu sem demora que Leland podia ser um perigoso adversário. Usava o revólver muito baixo e os seus olhos brilhavam cruelmente. Considerou-o imediatamente como um homem para o qual a vida humana nada valia. Hank rangeu os dentes.

— Estás a abusar, Leland. Paul ficará. Estou certo de que o chefe aprovará a minha- decisão, quando souber. E não se fala mais nisto!

Leland hesitou uns instantes. Mordeu os lábios e consultou com a vista os seus companheiros. Por fim, resolveu-se a falar de novo.

— Dizer que esse tipo vai ficar aqui, connosco, é fácil. Dás como certo que o chefe aprovará a tua decisão. Mas já contaste com o resto da quadrilha? Nem sequer te lembraste de nos consultar antes de admitires um novo membro.

— Era preciso que o fizesse? — redarguiu Hank, sarcasticamente. — Escuta, Paul é o tipo mais rápido que já vi a manejar os revólveres. Queres que lhe diga que te faça uma demonstração?

— Não preciso de demonstrações — resmungou Leland. —  A única coisa que sei é que aqui estorva e que não queremos curiosos nem intrometidos na quadrilha. E como estorva, vou tirá-lo do caminho imediatamente.

Paul fora, até àquele momento, testemunha de. certo modo desinteressada da conversa. Mas nos últimos instantes notara que o tom de voz de Leland se tornara mais estridente, e que nele havia uma inegável nota de ameaça. Portanto, o gesto do bandido, ao deitar a mão ao revólver, não o apanhou desprevenido.

Quando Leland empunhou a arma, viu-se de repente com a mão vazia, no mesmo tempo que soava um forte estampido, cujos ecos se repercutiram nas paredes do desfiladeiro.

Paul disse para consigo que era preciso dar-se a conhecer e fazer-se respeitar. Aqueles homens que tinha diante de si não conheciam outra lei além da da força física. Tinha de lhes demonstrar que era tão duro como eles e mais ainda. Sem dar tempo ao seu antagonista de se recompor, saltou sobre ele. Não quis ferir os dedos; poderia ser perigoso mais tarde, se tivesse de manejar as armas. Moveu o braço direito e bateu no queixo de Leland com a base do punho e a coronha do revólver. Ouviu-se um estalido seco e o indivíduo tombou no solo sem sentidos. Depois virou o revólver para os outros seis indivíduos.

— Vim aqui com propósitos de paz e para ser um dos vossos — disse em tom firme. — Não provocarei ninguém, mas também não permitirei que me provoquem. Entendido?

Houve uns momentos de silêncio. Depois, um doe bandidos encolheu os ombros e disse:

— Bom, rapaz, isso é contigo e com Hank. Pela minha parte, não vejo inconveniente em que substituas Durkin. — Fitou o gigante. — Tu assumes a responsabilidade, não é isso?

— Justamente — respondeu Hank. — Deixem-me entender com o chefe e garanto-lhes que Paul bem depressa fará esquecer Durkin. — Deitou uma vista de olhos ao corpo de Leland. — Espero que isto tenha serviço de lição a esse imbecil... e a vocês também. E agora vamos tomar qualquer coisa. Tenho novidades. E muito interessantes! — concluiu o gigante, com uma gargalhada estentórea, que lhe sacudiu o corpo de alto a baixo.

Entraram numa cabana, a maior de todas, mobilada de modo bastante rústico. Em dois dos lados da mesa havia beliches de duas camas, cujos colchões deitavam um cheiro que repugnou a Paul. No centro, um grande aquecedor de ferro, com uma chaminé que sala por cima da porta, e, perto da mesa, vários bancos de madeira muito toscos.

— Sentem-se, rapazes — disse Hank. — Como lhes declarei antes, trago noticias. Mas antes de falar deixem--me desentupir a garganta. Onde está o uísque?

Um dos bandidos, um zarolho repelente, chamado Duke, trouxe um garrafão forrado de pano grosso. Hank pegou na vasilha e, depois de a destapar, colocou-a na curva do braço direito e levantou-a. Bebeu sonoramente e, quando terminou, passou-o a Paul. Este bebeu, dissimulando o nojo que sentia. Hank arrotou com estrépito.

— Tinha uma sede! — comentou. E acto contínuo tirou um papel dobrado da algibeira da camisa e desdobrou-o em cima da mesa. — Vejam rapazes, o chefe mandou-me o plano do nosso próximo golpe.

Paul fixou a sua atenção no plano, que estava traçado a lápis e com poucos pormenores, mas suficientes.

— Black Bear é uma cidade muito sossegada. Que eu saiba, jamais se verificou lá nada de especial. — Hank soltou uma gargalhadinha de desprezo. — Basta dizer que os homens andam desarmados pela rua, para terem uma ideia da espécie de gente que vive nessa povoação. A última vez que passei por lá, o xerife tinha a estrela enferrujada. Isto diz tudo.

 «Bem — prosseguiu o gigante — nestas condições, o assalto ao banco será coisa f6cil. Não nos esperam, nem por sombras, de modo que antes de darem por isso já estaremos fora da cidade. Dentro de duas semanas receberão uma importante remessa de dinheiro. Nós apareceremos e apoderar-nos-emos das notas, sem outro trabalho além de mostrar os dentes.»

— E se nos esperam? — perguntou ingenuamente um dos bandidos, um tal Flatsholt.

— Estúpido! Vais dizer-lho tu? — increpou-o Hank. — Escutem todos: isto vai ser tão fácil como beber um golo deste garrafão — e bebeu um grande golo, de facto. Depois de limpar os lábios com as costas da mão, continuou: — Hobbins, Duke e Leland esperarão à salda de Black Bear, para cobrir a nossa retirada. Ao banco iremos tu, Flatsholt, Stormer, Branican, Rude, eu e o nosso novo companheiro. Paul e Rude ficarão cá fora, com os cavalos preparados. Os restantes entraremos no banco e daremos o assalto.

Branican coçou a cabeça.

— Escuta, pode ser que em Black Bear sejam tão pacíficos como dizes, mas se formos os seis ao mesmo tempo, suspeitarão. Algum pode dar o alarme e... bom, não andarão armados pelas ruas, mas todos devem ter uma carabina ou um revólver em casa, estou certo disso.

— Bem sei. E o chefe também. Por isso deu instruções bem claras para se fazer o trabalho. Escutem: «A dez milhas de Black Bear dividir-nos-emos em quatro grupos. Hobbins, Duke e Leland formarão um e ficarão um pouco para trás. Flatsholt e Stormer darão urna volta e entrarão na cidade pelo oeste. Deixarão os cavalos defronte do «Odeon». É este «saloon» que está aqui — indicou-o com o dedo na planta.

«Branican e eu entraremos pelo sul. Os nossos cavalos ficarão em frente do armazém de um tal Atbury.

«Rude e Paul irão pelo norte. Desmontarão diante do escritório do xerife, para o caso de este querer intervir. Enquanto um fica a vigiar, o outro reunirá os cavalos defronte do banco. O banco está a vinte passos do escritório do xerife e a meio da distância entre o «saloon» e o armazém mencionado. Antes de nos separarmos, combinaremos a hora de actuar, embora o façamos assim que abrirem, isto é, às oito da manhã, quando as pessoas estão ainda entontecidas pelo sono da noite anterior. Em geral, os assaltos efetuam-se depois do meio-dia, com sol forte e as pessoas dentro de suas casas, mas em Black Bear têm o vicio de não dormir a sesta, de modo que a hora indicada é a melhor. Entendidos?»

Paul escutou atentamente as explicações de Hank. Era evidente que teria de fazer parte da quadrilha assaltante, porque, a julgar pelo que estava a ver, não lhe seria possível avisar Raymond. Esperava, no entanto, que o assalto se realizasse sem efusão de sangue. De contrário, disse para consigo, apesar da reabilitação por que lutava, nunca mais poderia olhar para a sua cara.

Depois das explicações de Hank, sobreveio uma pequena discussão. Debateram-se alguns pontos que pareciam fracos e o plano ficou pronto. Hank disse:

— Faltam ainda duas semanas, rapazes. De modo, que sobra tempo para concretizar mais pormenores, se for preciso. Agora...

Hank calou-se de repente. A porta acabava de se abrir bruscamente, o que atraiu a atenção de todos os presentes. No mesmo instante, Paul sentiu que se lhe gelava o sangue nas veias.

Leland estava no limiar, com todo um lado da cara coberto de sangue. As suas pernas vacilavam, mas a mão que sustinha o revólver cujo cano apontava ao jovem, ameaçadoramente, permanecia firme como uma, rocha.

— Vou-te matar, filho de uma cadela! — anunciou com voz ominosa.

 

 

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