— Nada é eterno neste mundo, Denton.
—É o que dizem.
— E eu faço parte do mundo.
— Pois claro.
O rancheiro Marvin Bon deixou-se cair no banco de madeira instalado à direita da entrada da sua casa do rancho «Breed», o único rancho de criação de cavalos de Concho, Arizona.
— Cansado? — perguntou-lhe o seu sócio, capataz e amigo Denton Tante.
— Estou arrebentado.
— Ainda não começou o dia de trabalho.
—E estranhas que as pernas já não tenham a ligeireza de então?
Tirou o chapéu, enxugando o suor do bronzeado rosto. Denton, que conhecia Marvis desde há dez anos, refletiu antes de responder, contemplando o branquíssimo cabelo do seu amigo, o qual, pouco depois, brilharia graças ao sol que subia do Oriente, então o seu tom prateado dava reflexos dourados.
«Quarenta e oito anos é o fim da juventude, é a plenitude de um homem, mas ainda está muito longe da velhice — pensou. O que vai minando esta natureza de ferro não tem nada a ver com os anos».
— Tem quarenta e oito anos... — começou.
— E tu tens quarenta e sete — disse Marvin, sorrindo com troça —. Não é o que queres dizer?
— Tu o disseste.
Uma jovem morena, de cabelos negros e olhos cinzentos, os quais se abriram muito e se assombraram ao ver o rancheiro sentado, aproximou-se dos dois homens. Aproximou-se primeiro do capataz e depois do rancheiro, e depois de os beijar olhou para este. Uma larga franja alaranjada que ia aumentando, adquirindo uma viveza que obrigava a semicerrar os olhos.
— Vamos ter um ótimo dia — observou desnecessariamente, pois que do mês de Julho, no Arizona, junto à fronteira do Novo México, não era de esperar outra coisa.
—Jim!
Natie olhou para os dois homens.
— Perderam a língua, hem! — apontou para a casa da qual acabara de sair, fronteira com a vivenda do rancheiro —. O pequeno-almoço está na mesa, não o deixem arrefecer. Eu vou ao galinheiro. Que pensarão as galinhas quando me virem entrar na capoeira tão cedo?
Quando já tinha dado dois ou três passos em direção da capoeira, voltou-se de repente, encarando com o capataz e em seguida com o rancheiro.
— Pode repetir-me o que acabo de dizer, pai?... E você, tio Marvis?
Os dois amigos olharam-se entre si, e voltaram-se no mesmo tempo para a jovem.
— Disseste que vai estar um bom dia — respondeu Denton.
— Perguntaste-nos se dormimos bem — disse Marvis.
Ela ameaçou-os com o dedo, meneou a cabeça e afastou-se sem fazer novos comentários em voz alta, embora murmurando:
— Mas não ouviram mais nada?
— Katie é urna boa filha — afirmou secamente o rancheiro, enquanto a jovem se afastava.
— Pois é — replicou o capataz —. Mas há outras filhas e outros filhos que não têm nada a invejá-la. Perguntou-me como serei eu o como serão os outros pais, pois um bom pai tem direito a que os seus filhos sejam bons.
— Estás muito seguro do que dizes?
— Um homem nunca pode dizer que está certo de nada.
Denton aproveitou a ocasião quando viu um grupo de vaqueiros sair do barracão, encaminhando-se para o prado, onde a erva crescia livremente.
— Os rapazes já estão prontos. Deixo-te, Marvis.
O capataz, sua filha, todos os «cowboys» do «Breed» e quase todos os habitantes de Concho estavam certos de que Marvis Bon se estava matando por causa do filho. Mas o mais chocante e extraordinário do caso era que Dester, o filho do rancheiro, ignorava-o em absoluto.
Katie aguardava o seu pai atrás de um dos barracões de madeira no caminho central do rancho.
— Pai!...
— Maldição!...
O capataz teve um sobressalto. O seu corpo estava no rancho, mas os seus pensamentos estavam ocupados em alguém que se encontrava a quarenta milhas de distância.
— Desde quando te ocultas com os comanches, rapariga? Pregaste-me um susto de morte. Ela não se deu por achada.
— Pai, tenho de fazer algumas compras em Holbrook.
— Em Holbrook? Na cidade encontras o mesmo que na capital. A capital é muito longe daqui, e eu preciso de todos os rapazes, filha.
— Levarei o negro.
— O cozinheiro precisa dele.
— Irei sozinha.
— Preciso de ti aqui...
— De qualquer maneira irei, pai. Estarei de regresso ao cair da tarde.
Denton cuspiu por um canto da boca, que era uma forma como qualquer outra de mostrar o seu nervosismo.
— Está bem! Leva o negro, logo que os outros saiam para o campo...
— Preciso de dinheiro, pai.
Denton nunca acedia às boas ao primeiro pedido da sua filha, mas nunca lhe negava nada. Mas desta vez pôs-se sério.
— Lamento, pequena. Já sabes como estão as coisas. O «Breed» precisa de muito dinheiro, mas... — fez uma pausa, olhou para a esquerda e viu que o rancheiro continuava sentado na cadeira, com a cabeça inclinada, que parecia um velho — mas gasta-se muito mais do que entra. Maldito seja o meu coração!
— Está bem, pai! Vou ao meu mealheiro, onde guardo as minhas economias.
— Mealheiro? As minhas economias cabem na palma da mão. Bem, leva o negro e não te esqueças de regressar... Ou casa-te com um ricaço de Holbrook e não regresses mais.
Pai e filha não mencionaram sobre a causa do dinheiro. Marvis arruinava-se por causa do seu filho, mas Denton, que era o seu melhor amigo, não recebia nenhum salário nem fazia suprimentos para a sua participação no «Breed».
Katie fez uma coisa estranha ao separar-se do seu pai. Recuou um bom bocado em direção ao espaçoso estábulo, mas um pouco antes de chegar à porta deteve-se e virou para a esquerda como se quisesse passar despercebida a alguém. Deteve-se de repente, afogando um grito quando uma mão forte, vinda de um musculoso e comprido braço, a agarrou.
— Olá, boneca!
— Deixa-me.
— Sim, pequena. Mas antes dá-me um beijo.
Sentiu-se atraída por uma força irresistível, enquanto a outra mão, de um cavaleiro loiro, alto, atraente, um soberbo tipo de homem, lhe rodeava os ombros.
— Gritarei, Edw! — exclamou ela.
—Fá-lo e todos saberão que estás louca por mim, que sou um morto de fama que não tem mais fortuna que o seu tipo e o seu rosto.
Na luta, os grossos lábios do cavaleiro uniram-se aos da jovem, que em seguida a largou.
— Besta! Bruto! Miserável!
— Casa-te comigo e deixarei de ser, tudo isso que dizes, Serei como veludo para ti.
— Preferia a morte a casar-me contigo, canalha!
Um negro de estatura média, frio, de lábios volumosos e olhos saídos, tocou suavemente no ombro do suposto «cowboy», o qual se voltou rapidamente.
Todo o impulso do corpo do negro foi transmitido ao seu punho, o qual partiu como uma flecha contra os grossos lábios do branco. Edw não recuou perante a força do soco, mas sacudiu a cabeça e lançou-se sobre o negro, dando início a uma luta tão violenta como silenciosa. Absalon, o ajudante de Peter Nash, o cozinheiro branco do «Breed» e criado do dono, sabia que seria enforcado no caso de ser descoberto, lutando com um branco; Edw sabia que, se o capataz e proprietário do rancho de cavalos soubesse que tinha beijado a sua filha, ninguém no mundo o salvaria de morrer com um tiro no coração.
Katie queria evitar que o negro fosse linchado e seu pai se visse na necessidade de matar um homem. O vaqueiro acometeu de punhos fechados sobre o negro, lançando um golpe terrível, mas este esquivou-se, golpeando o estômago do seu adversário enquanto retrocedia.
Os dois lutadores abraçaram-se. O branco, descendente dos primeiros europeus que pisaram a terra americana, tinha os dedos esfacelados e dispunha-se a apertar o pescoço com ânsia assassina.
O outro, descendente dos negros africanos que haviam lutado durante gerações contra as feras e os elementos da selva africana, sorveu o sangue que lhe saía do nariz e converteu-se num verdadeiro selvagem.
— Deus todo-poderoso! — exclamou a jovem.
Os dois lutadores abraçaram-se, rolando no chão, golpeando-se e mordendo-se como dois tigres no meio do silêncio mortal. Edw conseguiu colocar-se por cima, agarrou pelas orelhas de Absalon e, levantando-lhe a cabeça do chão, arrastou-o até uma esquina de madeira, dispondo-se a bater-lhe.
— Assassino!
Katie chegou ao pé dos dois adversários no momento oportuno de impedir que a cabeça do homem de cor fosse desfazer-se contra a saliência de madeira. Conseguiu da forma mais estranha, quase para rir, como só as mulheres sabem fazer, quase sempre com êxito, nas investidas dos seus inimigos; fez parede a Edw no mesmo instante em que Denton gritava no alpendre:
— Absalon! Maldito Absalon! Onde ocultas a tua negra e porca cabeça?
Os lutadores afrouxaram o abraço mortal, pondo-se imediatamente de pé, e enquanto o negro se dirigia para o alpendre, o branco retrocedia, ameaçando-o com o punho.
— Canalha! — insultou a jovem, separando-se de Edw — Qualquer dia, quando menos penses, contarei tudo a meu pai, que te matará.
— Porque não contas hoje mesmo, Katie? — sorriu o vaqueiro, enquanto limpava o sangue dos lábios.
Definitivamente, as coisas não iam bem no «Breed» de Concho.
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