No dia seguinte à sua chegada a Concho, que era um escaldante domingo capaz de derreter quem se expusesse ao sol, Pierce franziu as sobranceias ao observar pelo canto do olho que um grupo de «cowboys» o contemplava enquanto ele passava a escova pelo sedoso pelo do «Cash».
— Ah, bem! — disse, olhando para os puros-sangues. — É a primeira vez que veem dois puros-sangues de ascendência francesa.
Mas um dos «cowboys» curvou-se diante de um dos seus companheiros, enquanto tirava o chapéu, como lhe tinham garantido faziam em tempos passados os nobres europeus.
— Permite-me, senhor rei? — inquiriu, acentuando a voz.
— Grande besta! Não sabes que ao rei se chama alteza?
— Ignorante! — interveio um terceiro cavaleiro. —Ao rei chama-se majestade, e quando se descobre beija-se-lhe os pés.
— Beijas os pés a este porco?
— Não, asno, ao rei.
Pierce deitou a escova ao chão e voltou-se, com as pupilas brilhantes. As suas palavras pareceram-se muito com as que anos atrás empregava no Sul.
— Olá, cambada de garotos, pés sujos e piolhosos! Estão a rir-se de um veterano que, antes de vocês nascerem, já tinha morto uma dúzia de pistoleiros famosos!
— Com isto? — perguntou um dos provocadores apontando a escova.
— Com isto, porco! — Pierce deu uma palmada na coronha do seu «Colt».
— Com isso, avô dos pistoleiros! Esse revólver não tem cano. Leva-o no coldre para impressionar.
Ao último que acabava de falar uniram-se vários outros, aumentando o coro dos insultos contra o seco personagem que tinha cometido o imperdoável erro de mostrar-se distante, ferindo o trato dos cavaleiros.
— Marquês de teatro!
— Morto de fome, armado em cavaleiro!
Pierce já não aguentou mais e demonstrou que o seu revólver possuía um cano comprido alimentado com grossas balas de chumbo. Despejou o tambor do revólver sobre os chapéus de uns e dos pés de outros, fazendo-os enrugar numa vergonhosa fuga, rindo por fim a grandes gargalhadas enquanto carregava de novo o revólver.
Katie, alta, esbelta, vestida de vermelho, e com a boca aberta, ocultava-se no vão da entrada do estábulo.
— Amigo! — disse levantando a voz. — Imagina que estamos numa reunião de caciques em Holbrook? Isto é um rancho de cavalos, tratados por homens, não fantoches que só servem para exibirem-se.
O homem das mil profissões e larga história não soube que responder. Uma mulher, sobretudo se era uma mulher belíssima como aquela que o olhava com uns olhos grandes, valentes e sobretudo formosos, podia insultar um homem sem que este tivesse direito de defender-se. Tão-pouco se defendeu Dester, que disse detrás da jovem, fazendo com que esta estremecesse:
— Vamos, vamos, Pierce. Não vais discutir com uma senhora?!
Katie voltou-se bruscamente,
— Não sou uma senhora, mas sim uma mulher, uma rapariga sem complicações.
Dester não se intimidou.
— E muito formosa, se me permite dizê-lo; notei isso quando a vi em Holbrook.
Katie sentiu que a sua zanga se desvanecia como fumo levado pelo vento.
— Não disse nada a meu pai nem ao tio Marvis — murmurou.
— Nem eu tão-pouco. Não penso dizer que você me visitou. — O jovem olhou para Pierce: — Ouviste? Tu não conheces Katie, que é a filha única do nosso capataz. Nunca a tinhas visto até chegar aqui.
— Certo de que não, patrão. É a primeira vez que a vejo.
— Bem.
Os dois afastaram-se do estábulo. Caminhavam lado a lado, observando-se pelo canto do olho, não encontrando mais nada que dizer. Os vaqueiros, entretanto, tinham parado a certa distância dos estábulos, comentando o sucedido.
— Será verdade que os marqueses são tipos terríveis?
Bill, o simpático «cowboy» amigo de Absalon, interveio na conversação de um modo que agradou a todos os seus companheiros.
— Nada, capataz! — gritou falando com Denton, que de longe perguntou o que tinha acontecido. — Disparou-se-me o, revólver sem querer.
— Sem querer dou-te eu o que estás a pedir qualquer dial...
O pai de Katie empregou uma expressão dura para dar mais força às suas ameaças. Entretanto, Katie e Dester paravam a curta distância da casa principal.
—Como se divertem os homens e as mulheres em Concho, Katie? — perguntou de repente o jovem. — Dançam, falam, namoram... Como, em toda a parte, suponho eu.
— Sim.
— E... tem par para esta tarde?
Dester estranhou que ela se pusesse rígida e deixasse de o olhar. Katie estava olhando para Olga, surpreendentemente bela, atrativa e excitante, que acabava de transpor a porta de entrada do «Breed» e deteve-se, passando a mão pela comprida e sedosa cabeleira loira.
— Embora não soe a música do «Dancing-Saloon», agora vão buscá-la para dançar. Deixo-o... Deixo-o em boas mãos — disse Katie num repente.
Dester examinou o corpo, flexível e juvenil da jovem enquanto ela se afastava para sua casa sem se voltar uma única vez.
— Vai ser difícil fazer farinha com essa mulher —mastigou. — Que terá querido dizer?
— Procure a sorte noutro lado, amigo — murmurou uma voz feminina.
Voltou-se de repente, levando a mão ao chapéu negro e sorrindo levemente.
— Menina Olga Collins?
— Olá! Falaram-lhe de mim?
— Sim, muito. Não é a menina que acabo de mencionar?
-- Para servi-lo, senhor Dester Bon... Não lhe parece que faríamos melhor tratar-nos por Olga e Dester?... Ou será que os convencionalismos lho proíbem? Confesso que a mim me encantam os tratamentos familiares.
Marvis, ante a surpresa de seu filho, esteve muito longe de empregar boas maneiras ao dizer em gritos:
— Olga! Que espera para entrar em casa?
O jovem meneou a cabeça no momento em que Denton, procedente do fundo do terraço, se aproximava da casa com um sorriso brincalhão nos lábios. Olga dirigiu-se para casa, não fazendo nada para ocultar a sua contrariedade.
--Que dizíamos de boas maneiras, Dester? —disse baixinho o pai de Katie. —Depois apontou com insistência o polegar: — Entra tu também, rapaz. Interessa-te escutar o que vão dizer o teu pai e Olga. Que me escalpem se te minto!
Já dentro de casa, Marvis, sentado na sua secretária de trabalho, cabeça erguida e pupilas brilhantes, deu começo à comédia que tinha preparado desde o dia anterior:
— Porque não me empresta mais dez mil dólares, Olga? — começou.
A loira crispou os punhos, aproximando-se da mesa e esquecendo-se, ao que parecia, da presença dos outros homens.
— Este rancho passará para meu poder hoje mesmo se antes das quatro horas não tenha liquidado a sua dívida para comigo, Marvis! O dinheiro que emprestei era meu, meu! e meu pai está à margem da questão.
— Tem compaixão de mim, mulher. Os homens devem ajudar-se uns aos outros. Hoje por mim, amanhã por ti...
— Os nossos pastos tocam-se! Julga que vou deixar perder a oportunidade de ser dona do «Breed», agora que se me apresenta a ocasião legal de o fazer? Ou paga os trinta mil dólares antes das quatro...
Marvis suplicava, mas o seu olhar, as suas maneiras, a cómoda posição do corpo, apoiando-se agora na cadeira de amplas costas, fizeram compreender a seu filho o que se propunha fazer.
«Até ao último latir do meu coração agradecerei a Katie a sua decisão de ir-me visitar», pensou Dester.
— Compadece-te da minha situação, Olga! — prosseguiu o rancheiro. — Empresta-me mais dez mil dólares e pagar-te-ei tudo quando o meu filho...
— Não te emprestaria nem mais um centavo, embora disso dependesse a minha vida, Marvis. Acabou-se tudo para você. Paguei em metal sonante a parte de Denton e meu pai e eu iremos para Holbrook. Não esteve ali o seu filho até agora?... Viverei como uma rainha e casarei com o homem que eu queira.
Marvis pôs-se de pé.
— Grandíssima bruxa! Assina este papel e devolve-me o que eu assinei. Fá-lo em seguida ou ponho-te daqui para fora a pontapés!
Olga recuou, empalidecendo e sentindo a necessidade de sentar-se, tal era o temor que tinha sentido nas pernas. Dester recordou de repente os seus princípios. Nunca tinha depreciado tanto, nem tão de repente, ninguém como aquela mulher de imponente beleza. Mas, que importavam os seus sentimentos quando estava em jogo aquilo que significava a base sobre a qual tinha sustentado a sua existência até a uns quantos dias em que, afortunadamente, uma mulher, uma simples mulher, lhe tinha tirado a venda dos olhos?
— Sente-se, pequena — disse, aproximando uma cadeira a Olga.
Disse «pequena» no mesmo tom que havia menos de uma semana tinha dito: «Elinor, és uma estúpida, Lenery. Uma senhora não procederia como fez ela».
Olga tirou um papel do decote do seu vestido e brandiu-o com fúria, enquanto derrubava a cadeira. Os seus dentes rangeram, crispou os punhos e enraivecia por momentos.
— Não assinarei nada nem lhe entregarei este papel enquanto não me pague.
Marvis, que na tarde anterior tinha conseguido que o Banco Concho lhe fizesse a transferência do cheque que lhe tinha dado o seu filho, abriu a gaveta da secretária:
—Aqui tens o teu dinheiro!...
Dester levantou a mão interrompendo-o:
—É necessário que empregues essa palavra que têm na ponta da língua? Faz como eu. Pensa o pior e não digas o resto.
Depois de assinar o documento que Marvis lhe pôs à frente, entregando-lhe em troca o papel assinado por ele, Olga pegou no dinheiro, contou-o com rapidez e dirigiu-se para a saída, mas o corpulento Denton barrou-lhe a passagem:
— Antes de sair para sempre deste rancho, Olga — bramou o capataz —, vais ouvir-me, que não tenho nenhum filho educado na capital para travar-me a língua...
Dester tapou os ouvidos, dirigiu-se para uma janela e deixou que o capataz fizesse o gosto ao dedo. Quando se voltou, a jovem tinha saído e os dois sócios olharam-se e desataram a rir às gargalhadas. Continuavam ainda a rir quando o jovem saiu da sala, transpôs o terraço e começou a dizer ao chegar ao meio, vendo Katie apoiada na cerca da sua vivenda, grande, confortável, de certas pretensões:
— Não consegui par para dançar, Katie. Terei tão má sorte que alguém, com mais méritos do que eu, que não tenho nenhum, me deixe sem par?
A linda morena, que tinha presenciado a saída de Olga, sentindo uma grande angústia ao vê-la, escutou o eco das gargalhadas dos dois veteranos e meneou a cabeça.
— Se uma rapariga sensata, pobre, inculta, sem atrativos lhe serve...
Sem comentários:
Enviar um comentário