Paul estava já acordado e despido quando ouviu o primeiro disparo.
A sua reação imediata foi precipitar--se em busca das armas. Espreitou pela janela da cabana e divisou uma vintena de cavaleiros, pelo menos, todos eles a fazerem fogo, de maneira encarniçada, contra as cabanas.
Um furacão de balas entrou pela janela e fez retroceder o jovem. Paul acabou de afivelar o cinturão e empunhou os dois revólveres.
Um dos bandidos correu para a janela com uma carabina nas mãos. De repente, parou, girou sobre si mesmo com indescritível violência e caiu ao chão fulminado por meia dúzia de balas ao mesmo tempo.
Começaram a ouvir-se alguns disparos dos bandidos. Os cavaleiros hesitaram momentaneamente. Alguns desmontaram e procuraram refúgio entre as brenhas.
Paul disparou, mas procurando que as suas balas saíssem baixas, com o fim de baterem no chão, entre as patas dos cavalos. Um animal ficou ferido e começou a escoicear de dor. Atirou o cavaleiro ao solo, onde ficou imóvel, devido à pancada sofrida.
Durante uns segundos, o tiroteio manteve-se intensíssimo de ambos os lados. Paul pensou na pouca reflexão daqueles indivíduos ao atacarem-nos de maneira tão desordenada e irracional.
Se ele comandasse os assaltantes, a primeira coisa que teria feito, em lugar de irromper no local como uma partida de índios, seria cercar a parte superior do mesmo. Deste modo, nem um só dos bandidos teria a menor possibilidade de sobrevivência.
O fogo abrandou uns instantes. Num canto da cabana, um dos bandidos, Hobbins, queixava-se monotonamente. O morto era Flatsholt.
Paul pensou na rapariga. Que faria Susan, sozinha na sua cabana?
De repente, sem pensar duas vezes, abriu de chofre a porta e saiu a toda a velocidade, disparando os revólveres com frenesim. Não atirava a acertar, claro, mas os atacantes não o' podiam saber. Uma chuva de balas acompanhou-o.
Paul correu com toda a rapidez que pôde imprimir às pernas, sentindo uma calma estranha, uma tranquilidade da qual não se julgaria capaz dois meses antes.
Em quatro passadas chegou à cabana de Susan. Saltou para a porta e encontrou-a aberta de par em par, com grande surpresa da sua parte. A voz do gigante chegou-lhe aos ouvidos.
— Até que enfim! Julguei que nunca mais vinhas, Paul! E os outros?
O jovem aplicou-se a recarregar os revólveres. — Nas outras cabanas, suponho — respondeu.
Susan estava a um canto, protegida contra as balas por uns sacos de víveres. Olhou-o com medo e Paul procurou infundir-lhe coragem com um sorriso.
Atrás da janela, Hank disparava metodicamente e soltava gritos a cada disparo.
Passada a primeira surpresa, o ardor dos assaltantes arrefecera notavelmente.
— Estás pronto? — perguntou Hank.
— Sim — respondeu o jovem, acabando de colocar o último cartucho no tambor do seu revólver.
— Pois então aproxima-te e protege a retirada dos nossos companheiros. Vamos, depressa!
Paul colocou-se junto da porta. No mesmo instante, Hank fez ressoar o seu poderoso vozeirão:
— Rapazes, aqui, todos, depressa! Paul viu mover-se um indivíduo à entrada do lugar. Disparou o revólver duas vezes, procurando ficar curto. O homem mergulhou no chão sem demora.
— Dispara depressa! — gritou Hank.
Os bandidos abandonavam as outras cabanas e corriam como loucos para aquela, ao mesmo tempo que se defendiam com encarniçamento.
Um deles recebeu duas balas na cabeça, que, lha desfizeram em mil pedaços. Ainda continuou a correr durante uns passos, até que, de repente, caiu como um saco vazio. O morto era Duke.
Hobbins, embaraçado pelo seu ferimento, caiu também. Gritou ruidosamente durante uns momentos, até que uma nutrida salva de balas lhe pós fim à vida.
Stormer, Branican e Rude conseguiram transpor a distância e refugiar-se, indemnes, na cabana. Chegaram arquejantes, suados, com o rosto congestionado pelo esforço.
— Mantenham o fogo! — gritou o gigante. — Tu, Paul, vem e ajuda-me.
O jovem obedeceu, sem saber o que pretendia o gigante. Este conduziu-o para um pesado armário situado quase defronte da porta.
— Ajuda-me! — pediu Hank, começando a arrastar o armário para um lado.
Paul guardou os revólveres. Com esforço, conseguiram que o armário deslizasse cerca de dois metros e deixasse a descoberto a boca negra de um túnel.
De súbito, ouviu-se um gemido.
Stormer retrocedeu com ambas as mãos no peito e uma expressão de agonia, refletida no rosto. As pernas dobraram-se-lhe de repente, cambaleou e por fim caiu de bruços no solo.
— Susan, depressa, entra no túnel! — gritou o gigante.
A rapariga não se fez rogada. Paul olhou para Hank. Este correu para uma prateleira na qual se viam dois candeeiros de petróleo. Acendeu os dois com gestos rápidos e atirou um ao chão. O petróleo inflamou-se acto continuo.
— Fujamos! — gritou.
Mas não se esqueceu de agarrar com uma só mão dois pesados sacos de lona que continham o produto do último assalto.
Alumiados pelo candeeiro que segurava o gigante, correram ao longo do túnel, que dava várias voltas. Atrás deles, o incêndio da cabana protegia-lhes a retirada e dava-lhes o tempo necessário para fugirem com certo descanso.
Ao cabo de um quarto de hora, entreviram uma luz ao longe. A medida que ganhavam terreno, Paul verificou que era a saída do túnel.
Uns minutos mais tarde encontravam-se no exterior, no meio de um terreno tão fragoso e acidentado como jamais vira na sua vida. As rochas e o mato abundavam por toda a parte, de tal modo que ocultavam quase por completo a entrada do túnel.
— Não podemos ficar aqui — disse Hank. Quando se extinguir o incêndio encontrarão a boca do túnel e seguir-nos-ão. — Soltou uma sonora blasfémia e acrescentou: — Fui um estúpido em não prever que nos podia suceder isto um dia. Dois cartuchos de dinamite teriam resolvido esta situação de modo mais favorável para nós.
— Agora é tarde para lamentações — disse Paul, calmamente. — Temos é de fugir daqui. Calculo que dispomos de uma hora. Se nos despacharmos, poderemos estar muito longe antes de esses tipos encontrarem o túnel.
— Tens razão, rapaz -- aprovou o gigante. — Vamos.
Caminharam durante toda a manhã, seguindo Hank docilmente. Paul pôde verificar, pela posição do sol, que estavam a descrever um semicírculo, mas de momento preferiu calar-se acerca do que lhe parecia uma estranha conduta de Hank.
Ao meio-dia divisou um gamo. Sem pensar duas vezes, empunhou um dos revólveres, disparou e fulminou o animal. Hank fitou-o com cólera, no primeiro momento. Depois sorriu.
— Tens razão, rapaz, precisamos de comer qualquer coisa. Raios, estou morto de fome!
Esfolaram o gamo e esquartejaram-no. Branican e Rude encarregaram-se de reunir ramos secos, que não produzissem fumo, a fim de não denunciarem a sua posição. Assado apenas, sem sal, a carne do gamo soube-lhes divinamente e devoraram-na com grande apetite.
Quando terminaram, Hank recostou-se no solo e começou a limpar os dentes com um fósforo.
— Bom, rapazes — disse —, parece que sofremos um golpe dos bons. De quantos compunham a quadrilha só restamos os quatro. Todos os outros morreram.
— Maiores partes caberão a cada um de nós — observou Paul, com despreocupação.
Hank olhou-o de soslaio.
— Preocupa-te muito isso das partes do assalto, rapaz?
— E a ti, não? — replicou o jovem. — Que diabo queres que faça? Desatar a chorar pelos mortos? Eles não o saberiam e quanto a nós... creio que é justo aproveitar-nos do que temos agora.
— Devagar, Paul — redarguiu Hank, olhando atentamente para a rapariga. — Importas-te de falar com clareza de uma vez?
— De modo nenhum. O que gostaria era que me desses a minha parte do roubo. Agora, se não me engano, são cerca de quatro mil dólares. Diabo, bastante tenho passado para não me querer aproveitar do que ganhei tão duramente.
— O roubo será dividido depois de eu falar com o chefe, nem um minuto antes, como sempre. Até lá, esperarás, como todos os demais, Paul.
— Está bem — disse o jovem, em tom contemporizador. — Esperarei..., mas — franziu o sobrolho — quando pensas encontrar-te com o chefe?
— Quando me convier — foi a resposta seca do gigante.
Paul recostou-se no solo.
— Caramba, Hank, parece que estás muito aborrecido Não acho que seja caso para tanto.
— Bom — resmungou Hank —, a verdade é que estou um pouco nervoso. Esses tipos que assaltaram o nosso acampamento...
— Usámo-lo durante quase cinco anos seguidos
disse Branican, de súbito. — Durante todo esse tempo, ninguém nos descobriu o esconderijo. E de súbito, quando menos o esperávamos...
Os olhos de Hank brilharam.
— Que pretendes insinuar, Branican? — perguntou com mau modo.
— Apenas que alguém deu o «sopro». De contrário, ninguém seria capaz de encontrar o local.
Branican sustentava com firmeza o olhar iracundo do gigante.
— Parece-me que te enganas, Branican — disse Hank. — E se não é assim, ao menos tem a bondade de indicar o traidor.
Branican contemplou pensativo a brasa do cigarro que fumava.
— Acho que foi uma coincidência demasiado suspeita que o assalto ao nosso acampamento se verificasse depois da incorporação de Myers na quadrilha.
Paul sentiu que o coração lhe deixava de pulsar por uns instantes.
— Gostaria — disse devagar e com ar de indiferença—que apoiasses as tuas palavras com alguma coisa mais concreta, Branican.
— Não está claro? Cinco anos tranquilos e, de repente, vens tu e atacam-nos. Que diabo que dizer isto? — bramou o bandido, irritado.
Hank fitou o jovem.
— Paul, defende-te.
Este encolheu os ombros.
— Rude pode falar por mim. Íamos juntos e presenciou os meus actos.
— Homem — disse o visado, um pouco hesitante —, é verdade; o xerife saiu e tu mandaste-o para dentro de novo. Isso ninguém o pode negar. Mas...
— Continua, continua, não te interrompas— disse Paul sarcasticamente, embora no seu íntimo soubesse que as palavras de Branican tinham semeado a dúvida no espírito do companheiro.
— Bom — resmungou Rude —, a verdade é que este assalto foi demasiado simples. Não foi preciso disparar contra ninguém, tudo saiu na perfeição...
—E por isso — acrescentou Paul —, eu fiquei para o fim, ainda a pé, quando os outros já galopavam. Segundo a tua forma de pensar, também podia ter dado meia-volta e refugiar-me no escritório do xerife, para lhe dizer aonde vocês pensavam dirigir-se.
— Isso não! — exclamou Branican. — Nós não teríamos, nesse caso, vindo para a Cova dos Corvos; procuraríamos outro lugar para nos escondermos.
— Pelos vistos — acrescentou Paul—, não me viram disparar contra os agentes da lei, durante a emboscada, não é verdade?
— Quantos mataste? — perguntou Branican.
— Contaste os teus mortos? — contra-atacou o jovem.
Branican ficou um pouco confuso. De súbito disse:
—É verdade, meteste o xerife no seu escritório. Mas também podias ter-lhe deixado um bilhete indicando-lhe o nosso esconderijo. Rude, viste o que fez este pássaro dentro do escritório?
— Como diabo querias que visse? Entrou e saiu, mais nada. A mim pareceu-me tudo normal — resmungou Rude. — Mas podia ter feito o que dizes, Branican.
Paul olhou o gigante.
— Não quero acrescentar uma só palavra mais acerca do assunto, Hank. Deixo a solução à tua vontade. Mas — acrescentou com voz tensa —, se alguém persiste em acusar-me de traição à quadrilha, que o faça com o revólver na mão. Já ouvi bastantes parvoíces esta manhã.
Pôs-se em pé e virou as costas ao grupo, com um gesto cheio de indiferença. Procurou um lugar soalheiro e estendeu-se no chão. Cobriu o rosto com o chapéu. Tinha de demonstrar que as imputações de Branican não o afetavam absolutamente nada, mas, ao mesmo tempo, sentia um pânico que com dificuldade podia dominar.
Aqueles tipos não concediam valor algum à vida humana. Os seus actos não se regiam por nenhum código de honra. Para eles, disparar à traição contra uma pessoa era tão simples como para ele disparar contra o gamo que lhes servira de almoço. Se lhes parecesse, meter-lhe-iam quatro balas no corpo, no próprio sítio em que se encontrava, e ficariam na mesma.
Passou um longo momento. Por fim, ouviram-se roncos sonoros. Alguém dormia.
Pouco depois soaram passos. Levantou ligeiramente o chapéu. Era Susan. A rapariga sentou-se no solo, a seu lado, rodeou os joelhos com os braços e apoiou o queixo neles.
—Que tem, Susan?
— Vi o que se passou. A situação complica-se — respondeu ela.
— Qual é a sua opinião?
— Branican conseguiu semear a dúvida entre os seus companheiros. Mais em Rude, sem dúvida.
— Diabo! — exclamou ele, abafadamente. — Dir-se-ia que me viram deixar o bilhete ao xerife.
— No lugar deles, eu também teria pensado o mesmo, Paul — murmurou a rapariga. — Convém que não esqueça em nenhum momento que são espertos, terrivelmente espertos. Não sou muito versada no comportamento de delinquentes, mas há poucas quadrilhas que tenham atuado durante tanto tempo sem serem destruídas. A sua aparição foi sintomática, digamo-lo com toda a clareza.
— A julgar pelas suas palavras, Susan, qualquer diria que me está a aconselhar a fugir.
— Exatamente, é isso que lhe recomendo que faça, Paul. Aproveite agora que estão a dormir os três. Vá-se embora.
A expressão da rapariga quase não se modificara, mas o tom da sua voz era muito agitado.
— Porque quer que me vá embora?
— Por favor — murmurou ela, com voz trémula —, não me faça mais perguntas. Vá, vá-se embora agora, que ainda está a tempo. Despache-se antes que acordem...
— Talvez fosse — respondeu ele intencionalmente —se você me dissesse porque o deseja com tanta veemência.
Ela olhou-o uns instantes. Os seus belos olhos azuis estavam cobertos de lágrimas.
— Paul, não me faça perguntas pessoais — redarguiu. — Não... não lhes poderia responder.
O jovem estremeceu. Não era vaidoso, mas só se fosse idiota não compreenderia que Susan se apaixonara por ele. E Linda? Uma garra gelada apertou-lhe cruelmente o peito. Que faria agora com a sua noiva? Ainda a amava, ainda continuava a querer-lhe com toda a sua alma... e desejava casar com ela quando tudo terminasse. Mas como acabaria aquele maldito caso?
— Paul, aproveite e fuja — insistiu ela.
— Não — respondeu o jovem. — Não me posso ir embora e deixá-la abandonada à sua sorte. Sobretudo, nestas circunstâncias. Talvez se você me acompanhasse... — insinuou.
Ela abanou a cabeça.
— Não, tenho de esperar até descobrir Cochrane. Você já cumpriu a sua missão; a quadrilha está quase completamente destruída. Vá-se embora; eles dormem e não darão por nada...
Paul soltou uma gargalhadinha.
—Julga, de facto, que estão a dormir? Escute, vou fazer uma experiência.
Meio estendido como estava, tirou o cinturão com os revólveres. Depois, pôs-se em pé.
— Um dos três — murmurou — vigia-me. Veja.
Virou as costas à rapariga e começou a caminhar. Apenas dera quatro ou cinco passos, soou um tiro. Susan soltou um grito agudíssimo ao ver o jovem cair de bruços.
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