Aproximadamente à mesma hora que Katie estava de regresso a sua casa, no alpendre do rancho «Breed», em Concho, Dester entrava no «Rich Saloon», em Holbrook. Uma mulher jovem, loira, cujo corpo ondulante dançava ao andar, cortou-lhe a passagem.
— Grande tratante — disse raivosamente em voz baixa, embora todos os seus clientes a vissem sorrir como dando as boas-vindas ao jovem. — Tinhas-me dito que entre ti e Elinor não havia nada.
Dester correspondeu com um sorriso, murmurando entre dentes:
— Mas se foi Elinor que quis comprometer-se, para obrigar-me a casar com ela.
A mulher dirigiu-se a uma mesa ocupada por algumas personagens importantes, enquanto o jovem correspondia com sinais a palavras de felicitação que lhe dirigiam por ter saído airosamente do golpe dos três «sujos pistoleiros».
— Eu sempre o disse — afirmou um homem maduro, respirando poder e abundância. — Os cavalheiros não se fazem, nascem; embora o dinheiro ajude também a fazer homens nobres. Não pensa como eu, Dester?
— Exatamente como você, juiz Oyster, mas...
O recém-chegado fingiu não reparar que as cabeças dos clientes se tinham voltado para ele e todos os ouvidos estavam pendentes das suas palavras. Um sujeito mal posto, sentado a um canto, sorriu sinistramente e Dester notou-o. Tratava-se de Dave, mau de nascença, que só respirava bem quando procedia mal. Interrompeu o juiz com um gesto.
— Está resvalando pela encosta, juiz Oyster. Interrompeu-me quando ia a dizer que se pode ser pobre como um rato e nobre como um príncipe europeu.
— Não me negarás que o dinheiro é a origem de uma nova aristocracia no nosso país e que o dinheiro só o ganham os que o sabem gastar?
Ser contrário ao rico juiz do distrito, cujo rancho, segundo se dizia, possuía trinta mil cabeças de gado vacum, era como criar a sua inimizade. Dester não vacilou em contrariá-lo. Havia muito tempo que se sabia odiado por aquele homem ambicioso, mau, de baixos sentimentos e ruim.
— Hoje mesmo conheci uma jovem simples, sem bens de fortuna, cujo conceito de honra é muito superior — agora aludia à irmã do rancheiro Leroy Bantam e todos notaram a quem se dirigia —a qualquer das nossas mais espaventosas damas.
— Impossível. O que resvala pela encosta e vai dar com o nariz no fundo, és tu, rapaz.
— Um segundo, juiz — Dester estava consciente de que as suas palavras iriam ter o efeito de urna bomba. — O mesmo posso dizer de um negro que conheci, que se mostrou ser um homem nobre, leal, fiel, um verdadeiro cavalheiro de cor...
A bomba rebentou, provocando um clamor de tempestade nunca ouvido até então no «Rich Saloon».
As linhas corretas, firmes, como talhadas em pedra do rosto do jovem não se alteraram. Deixou que a multidão desafogasse a seu bel-prazer e quando o clamor começou a diminuir enfrentou de novo o sangrento juiz, que tinha uma dupla papada lustrosa, o qual disse em altos gritos:
— Vejam a maneira de pensar de Dester Bon. Tinha razões para suspeitar de ti, rapaz.
— Sempre lhe disse — aludiu o primeiro do coro de aduladores: — Dester não pode negar que os assuntos não vão muito bem no rancho de seu pai em Concho.
— Se o deixamos falar, não tardará em dizer-nos que um negro tem os mesmos direitos que um branco.
— Não estranharia que propusesse esse negro, de quem falou, para xerife nas próximas eleições.
Não podia dizer-se que o filho de Marvis estava contente por ser o protagonista daquela cena, a única do género que tinha tido como cenário o luxuoso «Rich Saloon», no qual só tinham entrada os ricos, e por conceção especial o vagabundo Dave, que era um servidor do juiz e nos bocados livres do rancheiro Shelton Harmon, outro ambicioso e grande concorrente do «Rich Saloon».
Dirigiu-se para a porta em passos lentos, abriu a cortina e deitou uma olhadela para o exterior, intensamente iluminado junto à entrada, mas na penumbra cinco ou seis metros mais longe. Sorria quando se voltou para os clientes da casa e olhou os mais próximos dele, entre os quais figurava o juiz.
— A minha casa está à venda, amigos. Também estão os meus quadros, as minhas carruagens, os meus cavalos de raça... Não, estes irão comigo.
Levantou um lado da cortina, e observou o efeito que as suas palavras acabavam de produzir na multidão, e acrescentou com infinito desprezo:
— Até este momento vivi como todos vós: isto é, tenho sido um parasita, embora como desculpa possa alegar a minha ignorância da verdadeira situação do rancho de meu pai. Não acreditam? Não me interessa — conteve, com um sinal de mão, os que o iam interromper. — Estarei dois ou três dias mais em minha casa. Mas agora, se alguns se consideram ofendidos pelas minhas palavras, já sabem onde penso passar ao sair daqui. Até sempre.
Dirigiu-se para a margem do Little Colorado, cujas águas deslizavam suavemente até à linha fronteiriça. Dester repassou mentalmente a sua vida até àquele momento, enquanto se internava por um estrado, cujas primeiras casas eram lambidas pelas sujas águas do rio.
— Porque me terá o meu pai deixado viver na crença de que a nossa fortuna era pouco menos que inesgotável? — murmurou. «Porque nunca fizeste esta pergunta até este momento», respondeu a si próprio. — Mas, pai — voltou a murmurar, — ainda que sejas o melhor homem que existe no Mundo, não devias permitir...
Os seus pensamentos foram interrompidos. Quatro homens, elegantemente vestidos, avançavam para ele com os corpos debilmente iluminados pela escassa luz da Lua.
— Viemos pedir-te explicações, Dester — começou por dizer um. —E perguntamos como te arranjarás para continuar a viver como um homem de honra, quando tenhas apanhado uma tareia.
—O meu conselho, Dester, é que dês um tiro na cabeça aqui mesmo.
Na confusão das suas ideias, Dester gostou do que se estava a passar; era uma consequência lógica das suas palavras pronunciadas por ele no «Rich Saloon».
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