Entraram em Big Creek por sítios diferentes, divididos em dois grupos. Hank e Branican formavam um e Rude e Paul outro.
O coração de Paul Mayers apertou-se quando voltou a ver os edifícios familiares da povoação. Havia apenas três meses que fugira dali e aquele breve espaço de tempo parecia-lhe uma eternidade, como se desde o dia em que travara o duelo com Wander tivessem passado cem anos. Mas não, só tinham passado três meses, pouco mais de doze semanas. E desde então modificara-se tanto o rumo da sua vida...
Confiou na sua barba espessa para não se reconhecido. Por outro lado, cavalgava com a cabeça inclinada, dando a sensação de ser um cavaleiro fatigado por uma longa caminhada. Deste modo evitava as probabilidades de ser reconhecido.
Admirou-se do pouco movimento que reinava àquela hora em Big Creek; mas fazia bastante calor e atribuiu-o a isso. Longe ainda, vindo pelo outro lado da rua, divisavam-se dois cavaleiros. Pelo canto do olho, Paul olhou à direita e à esquerda.
Uma súbita apreensão assaltou-lhe o espírito. Viam-se alguns indivíduos em atitude confiada, mas nem uma só mulher, nem uma s6 criança. Isso era muito singular.
— Rude — chamou em voz baixa.
— Que é? — respondeu o outro, no mesmo tom.
— Parece-me que nos armaram uma ratoeira.
— Tolices!
—Não digas isso. Há muito pouca gente na rua. Repara bem, não se vê nem uma mulher nem uma criança e apenas se veem meia dúzia de tipos.
— Serão os que nos vão cobrir a retirada.
— E onde estão os seus cavalos? Por que é de supor que depois de nos protegerem não ficarão aqui, não é verdade?
As palavras do jovem impressionaram Rude. Este ergueu a cabeça e olhou para a direita e para a esquerda.
— Talvez tenhas razão — murmurou. — Direi a Hank.
O mascarado disfarçara a voz. Seria alguém conhecido, de Big Creek, que se desejava desfazer dele? —pensou Paul. E que melhor meio de o conseguir do que frustrando, mediante aviso prévio, o assalto ao Banco?
Receoso, olhou à sua volta e sentiu uma súbita apreensão no espírito. O estômago contraiu-se-lhe de repente. Que espécie de ratoeira lhes teria preparado?
O silêncio era quase absoluto. Tão absoluto como certo dia, três meses atrás. Porquê aquele silêncio? Não era natural em Big Creek.
— Fujamos, Rude — disse. — Armaram-nos uma ratoeira. Sou de Big Creek e esta tranquilidade não me agrada nada.
— Já é tarde e, além disso, o chefe nunca nos enganou. Por que havia de nos enganar agora?
O jovem não quis explicar ao seu companheiro as razões pelas quais acreditava na existência de uma armadilha. Não o acreditaria e, por outro lado, já era tarde; estavam a chegar ao Banco.
Desmontaram.
Hank e Branican desmontaram também.
— Hank — disse Paul — o chefe armou-nos uma ratoeira. Vamo-nos embora.
— Estás louco — resmungou o gigante.
Hank, Branican e Rude entraram resolutamente no Banco. Paul hesitou um segundo. Talvez lhe salvasse a vida essa hesitação. Um instante depois de os bandidos transporem o limiar da porta, ouviu-se uma descarga cerrada. O estampido dos disparos soou ensurdecedoramente.
Alguém soltou um grito de dor. Paul atirou-se para cima do cavalo. No mesmo momento, outros atiradores emboscados começaram a disparar. Um ferro em brase atravessou-lhe o ombro esquerdo e fê-lo girar sobre si mesmo com terrível violência. Uma segunda bala feriu-o numa perna. Caiu ao solo.
Dentro do Banco ouvia-se um tiroteio furioso, que cessou quase acto contínuo. Estendido no chão, a sangrar pelas feridas recebidas, Paul não podia fazer nada para se defender, exceto permanecer imóvel, como morto, para afastar de si a atenção dos atiradores postados nos edifícios fronteiros.
Alguém saiu do Banco a recuar, ao mesmo tempo que disparava ensurdecedoramente os revólveres. Hank soltava bramidos aterradores, que chegavam a dominar o fragor dos tiros. Mas eram muitos a disparar contra ele.
A despeito da sua prodigiosa vitalidade, acabou por cair no chão, junto de Paul, com o rosto quase encostado ao do jovem. Os dois olharam-se uns instantes.
— Ti... tinhas razão — arquejou o gigante. — Esse bastardo... atraiçoou-nos...
De repente, os olhos rodaram-lhe agonicamente nas órbitas. Soltou um ronco horrível, inclinou a cabeça para um lado e morreu. Então, o silêncio que sucedera ao fragor do tiroteio quebrou-se. Começaram a ouvir-se gritos e correrias. As pessoas saíram do Banco e dos edifícios fronteiros.
Paul continuou imóvel. As feridas doíam-lhe horrivelmente, mas não se atrevia a mexer uma só pestana, com medo de receber um tiro de algum exaltado. Sentiu que o rodeavam. Umas mãos ansiosas revistaram-no. De repente, soou uma voz.
— Está aqui um vivo! — Enforquemo-lo! — gritou alguém.
— Quietos todos! — vociferou um. — É meu prisioneiro a partir de agora, e o primeiro que lhe toque pode considerar-se morto.
Aliviado, Paul reconheceu a voz caraterística do xerife Houligan. Depois apoderou-se dele um desmaio que o afastou com a sua consoladora escuridão de quanto o rodeava.
*
Abriu os olhos muito mais tarde e verificou que estava numa divisão fechada por uma grade sólida. E não teve, a menor dúvida de que se encontrava na cadeia de Big Creek.
Isto não o preocupou demasiado. Sabia que não corria perigo. As suas feridas preocupavam-no mais, de momento. Verificou que tinha o peito completamente ligado, assim como a coxa esquerda. A dor das feridas voltou, embora consideravelmente atenuada. Permaneceu muito tempo mergulhado numa espécie de torpor, causado pela perda de sangue. Só muito mais tarde ouviu vozes humanas.
— Como está o ferido? — perguntou o xerife.
— Quieto e calado — respondeu um, que Paul calculou seria um dos guardas da cadeia.
— Está bem. Abre, vou ver se posso falar com ele um momento.
Paul ouviu o ranger de uma chave na fechadura. Soaram uns passos pesados. Houligan caminhava sempre assim. Um momento depois, Paul tinha diante de si o xerife de Big Creek. Os dois homens olharam-se em silêncio.
— Bem — disse Houligan —, a verdade, Paul Myers, é que nunca esperei vê-lo nessa situação.
— Portanto — murmurou o jovem —, reconheceu-me?
— Custou-nos um pouco — respondeu o xerife. — Provavelmente, não o teríamos reconhecido até você mesmo nos dizer o seu nome. Mas a sua cara não figurava em nenhum cartaz de recompensa. Por isso, lembrei-me de o barbear enquanto estava desmaiado e imagine a surpresa que tivemos todos quando vimos que se tratava de si!
Paul levou instintivamente a mão à cara. Até então não notara que lhe tinham cortado a barba espessa que lhe cobrira o rosto durante três meses. Mas não foi isto o que lhe chamou a atenção e sim uma das frases pronunciadas pelo xerife. A sua cara não figurava em nenhum cartaz de recompensa! Como era possível tal coisa? Já não se tratava do frustrado assalto ao Banco, mas sim das mortes que cometera em Big Creek.
— Ouça — perguntou —, não publicou éditos de reclamação contra mim?
— Não — respondeu Houligan.
Paul fitou o seu interlocutor como se este tivesse endoidecido de repente.
— Está certo do que diz, xerife?
— Homem — respondeu o interpelado —, se eu não o sei, quem diabo o sabe? Não, não fiz nenhuma reclamação contra si.
A cabeça de Paul era um torvelinho.
— Mas eu matei duas pessoas, não pode ter esquecido o caso, xerife.
— Refere-se ao dia em que teve o duelo com Wander?
— Claro.
Houligan abanou a cabeça.
— Nesse dia não morreu ninguém, Myers. O jovem sentiu que o invadia uma intensa fraqueza. Portanto, a sua fuga fora inútil. Cometera um acto estéril, até mesmo estúpido... o qual o levara três meses mais tarde a uma situação deveras comprometida. Quis continuar a falar, mas de súbito a imagem do xerife diminuiu rapidamente e acabou por se esconder atrás de uma espessa cortina de trevas.
Acordou no dia seguinte, quando lhe estavam a renovar os pensos. Houligan assistia ao curativo e um ajudante estava à porta da cela com uma espingarda de dois canos.
— Curar-se-á depressa — disse o médico. — As feridas estão bem e as balas atravessaram a carne. Dentro de duas semanas estará pronto para o julgamento.
— Uma boa notícia, doutor — respondeu o xerife, fitando o jovem intencionalmente.
Paul não quis falar na presença do médico. Este terminou o curativo e depois cobriu as feridas com pensos limpos.
— Dêem-lhe de comer. Perdeu sangue e precisa de o recuperar.
— Pois sim, doutor. O médico guardou as suas coisas na maleta e retirou-se.
Houligan deu uma ordem ao ajudante.
— Pete, vai ao restaurante e encomenda uma boa refeição para o prisioneiro.
— Sim, chefe.
O comissário saiu e deixou-os sós. Com toda a calma, Houligan sentou-se num banco próximo e enrolou um cigarro, que colocou nos lábios do ferido. Acendeu-lho e Paul aspirou o fumo com grande prazer.
— Obrigado, xerife.
— No que posso, gosto de ser humano com os tipos que tenho à minha guarda, Myers. Você cometeu um crime grave, mas nem por isso deixa de ser um homem. Embora — acrescentou, preguiçosamente — se tenha metido num grave aperto.
— Deixemos isso de momento, Houligan — disse o jovem. — Primeiro quero falar consigo de outras coisas.
— Continue.
— Ontem disse que não matei ninguém. Explique-se.
— Wander recebeu um tiro de raspão na testa, que o deixou sem sentidos. Recompôs-se depressa.
—E você não fez nada contra ele?
— Sim, Submeti-o a julgamento, mas o juiz contentou-se com aplicar-lhe uma multa de mil dólares por ter alterado a ordem. Mais ou menos o castigo que teria imposto a você se não tivesse fugido.
— Mas Wander tinha um cúmplice postado numa janela. Eu disparei contra ele, Houligan.
Os olhos do xerife fitaram-no, cintilantes.
— Está a laborar num erro, num gravíssimo erro, Myers. Wander não tinha nenhum cúmplice. A.... pessoa que estava com uma carabina à janela era Linda Garrison.
Paul ficou sem fôlego.
— Linda?... Não é possível! — gritou.
— Sim.
— Meu Deus! E eu matei-a, matei-a... ---repetiu jovem, exasperado.
Houligan abanou a cabeça. — Não. Teve sorte, Myers. A menina Garrison foi gravemente ferida, mas sobreviveu.
Paul sentia a cabeça num torvelinho.
— Meu Deus, sinto-me enlouquecer! Xerife, pelo que mais estime, conte-me de uma vez o que sucedeu!
— A menina Garrison cometeu uma imprudência, é verdade, mas não queria disparar contra si. Postara-se à janela levada pelo amor que sentia por si, disposta a matar Wander. Mas Você não lhe deu tempo. Antecipou-se e...
O cigarro tremeu convulsivamente na mão de Paul.
— Nunca, nunca mo perdoarei! — murmurou. — Pobre Linda. Estou certo de que nem me quer ver, não é verdade?
— Nisso não está você muito longe da realidade, Myers — Houligan soltou uma gargalhada áspera. — As mulheres... bom, nem o próprio diabo as entende. Primeiro quis matar Wander e agora vai casar com ele. Compreende isto, Myers?
— Não — murmurou Paul, abatido pela notícia.
— Sim. E o casamento celebrar-se-á dentro de três semanas, mais ou menos.
— Houligan — exclamou ele, repentinamente —, diga-me que isso não é certo, diga-me que não é verdade, pelo que mais queira! Linda amava-me. Em três meses, uma mulher não pode mudar tão de súbito de sentimentos; isso é materialmente impossível.
— Se é ou não impossível — Houligan encolheu os ombros — não sei. Mas o que sei, positivamente, é que a menina Garrison e Kent Wander contrairão matrimónio dentro de três semanas.
Paul atirou o cigarro para um canto. Depois cobriu os olhos com a mão sã. Permaneceu em silêncio, que Houligan respeitou, durante uns minutos. Por fim, tirou a mão dos olhos e fitou o xerife.
— Houligan — exclamou —, tenho de lhe dizer uma coisa!
— Está bem, fale. Escuto-o. Verdadeiramente, gostaria de fazer qualquer coisa para o ajudar, mas, com toda a sinceridade, acho difícil, muito difícil.
O ajudante veio naquele momento com a comida. Ajudado pelo próprio xerife, Paul sentou-se na cama e começou a comer.
— Diga a Pete que nos deixe sós. Que fique, se quiser, a vigiar a entrada, mas que não ouça o que tenho de lhe dizer, xerife.
— Pois sim.
Paul bebeu um grande golo de café. Depois começou a comer e, entretanto, falou atabalhoadamente.
— Quando fugi da cidade, um homem encontrou-me a vinte milhas daqui, naquela mesma noite, Houligan. Era uma agente do Governo. Prometeu reabilitar-se se o ajudasse a destruir a quadrilha de Cochrane. Excetuando eu e Cochrane, ninguém mais resta vivo da quadrilha. Todos os outros morreram.
— Sim, bem sei. Aqueles três bandidos pereceram no assalto ao Banco.
— Seis mais morreram em anteriores ocasiões, Houligan. A quadrilha foi destruída por completo..., mas o seu chefe ainda anda à solta. Bom, eu vi-o uma vez, embora, não o soubesse reconhecer, porque trazia o rosto coberto com um lenço. Mas isso é o menos, agora. O interessante é encontrar o homem que me propôs converter-me, aparentemente, em bandido. Você examinou o meu revólver depois do assalto?
— Claro que sim e não encontrei sinais de ter sido disparado recentemente. Mas isso não prova grande coisa, Myers; pode-se alegar que não lhe demos tempo.
— Disso falaremos em melhor ocasião, Houligan. Agora, o que me interessa é que você procure o agente do Governo, para que ele venha aqui ilibar-me. Não consegui dar com Cochrane, porém, diabos, consegui destruir a quadrilha e isso vale muito. Se Cochrane quiser organizar outra quadrilha, levar-lhe-á tempo e talvez não se atreva a fazê-lo. Por favor, Houligan, procure esse homem. Juro-lhe que é verdade quanto lhe disse. Você conhece-me há anos e sabe que não me meteria em semelhante sarilho se não houvesse unia razão muito poderosa...
«O agente disse-me que se fosse preciso roubar o poderia fazer, mas que procurasse não derramar sangue. Tomei parte no assalto ao Banco de Black Bear. Deixei um aviso ao xerife daquela localidade, em consequência do qual pereceram muitos membros da quadrilha. Telegrafe a esse xerife; podemos comparar a minha letra com a do bilhete que lhe deixei escrito. Esta pode ser uma prova da minha inocência. A outra..., — Fez uma pausa. — O agente do Governo chama-se Mark Raymond. No Governo do estado devem saber dizer-lhe onde está. Dar-lhe-ei ainda a contrassenha telegráfica que me mandou usar em caso de urgência...
— Você disse Mark Raymond, Myers?
— Sim, é esse o seu nome. Ou, pelo menos, o que me deu quando nos encontrámos na mesma noite da minha fuga de Big Creek.
Houligan abanou a cabeça pesarosamente.
— Lamento, Myers, mas tenho de lhe dar uma má noticia. Os três bandidos morreram no assalto, mas mataram um dos nossos. Precisamente, Mark Raymond.
Paul sentiu que o mundo se lhe desmoronava em cima. Mark Raymond morto! O único que conhecia o seu segredo, a única pessoa que o podia livrar da perigosíssima situação em que se encontrava!
E, de súbito, sentiu uma cólera irreprimível contra o morto. Gostaria de estar são e de ter Raymond vivo diante de si, para lhe dar uma boa tareia. Raymond sabia perfeitamente, quando o induzira a aceitar aquele papel, que Wander e Linda estavam vivos, que não tinham morrido. Mas era-lhe necessário, para levar avante os seus planos, que ele acreditasse na morte de ambos, isto é, na morte de Wander e do que supunha seu cúmplice e que depois se verificara ser Linda. E pela mesma razão compreendia agora que não podia ter visto nenhum cartaz em Black Bear, porque não fora publicada contra ele nenhuma reclamação.
Raymond morto!
Pôs a bandeja de lado. Perdera de repente o apetite,
— Houligan, juro-lhe que quanto disse é verdade.
O xerife abanou a cabeça.
— A sua história parece-me inverosímil, para lhe ser franco.
— Mas é verdadeira — insistiu ele.
— Pessoalmente, sinto-me inclinado a acreditá-lo, Myers. Mas não é a mim que tem de convencer da sua história e sim aos jurados.
— Aos jurados! — repetiu ele, estremecendo.
— Sim, e bastante sorte teve em que o arrancasse das garras de alguns exaltados que o queriam linchar mesmo à porta do Banco. Durante uns segundos, Paul olhou o xerife fixamente.
— Houligan — perguntou com voz rouca —, diga-me: qual é a pena que, em sua opinião me podem impor?
— Morreu um agente da lei — respondeu Houligan, com voz inexpressiva. — Você fazia parte da quadrilha, Myers. Se não consegue demonstrar a veracidade das suas afirmações, Condená-lo-ão à morte.
Dito isto, o xerife pôs-se em pé e saiu da cela.
Sem comentários:
Enviar um comentário