O assalto ao Banco de Black Bear foi ridiculamente fácil. Cada um dos participantes aprendera de memória as instruções e executou-as pontualmente, tal como o planeara Hank, seguindo — Paul não tinha a menor dúvida disso — as ordens de Cochrane.
O jovem ficou diante do escritório do xerife, muito ocupado, aparentemente, a enrolar um cigarro. Mas a sua vista penetrante não perdia um só dos movimentos dos habitantes da cidade.
Rude foi recolhendo os cavalos. Tranquilamente, sem mostrar o menor sintoma de emoção, reuniu todos e colocou-os diante do banco como se fosse o empregado de alguma cavalariça.
Fora da cidade tinham ficado Hobbins e Duke, para lhes cobrir a retirada se se produzisse alguma reação por parte dos cidadãos de Black Bear.
A hora combinada, e aos pares, os restantes iniciaram o assalto.
Por fim, Paul acabou de enrolar o cigarro. Com calma, colocou-se junto da porta do escritório do xerife. O agente da Lei não dera por nada. Mas quis a sua sorte que naquele momento se lembrasse de sair ã rua. Antes de se aperceber do que lhe acontecia, encontrou-se com o cano de um revólver encostado a um flanco.
Ninguém notou o gesto de Paul, porque usara a mão esquerda e tapara-a com o chapéu que segurava com a outra. O xerife estremeceu fortemente, mas não disse nada.
— Entre — ordenou-lhe Paul. Ambos entraram no escritório.
Imediatamente, Paul moveu a mão armada e o xerife tombou no solo sem sentidos. Saiu sem se precipitar.
Do outro lado da rua, Rude estivera a observá-lo. Paul fez um sinal dissimulado com a mão, significativo de que tudo corria bem. Rude assentiu brevemente. Instantes depois, Hank e os outros saíram do banco, carregados com o produto do roubo.
Montaram a cavalo e partiram a todo o galope. O povo começou a suspeitar de qualquer coisa. Um empregado do banco veio à porta e lançou um grito:
—Ladrões! Roubaram-nos!
Um dos bandidos, nervoso, sem dúvida, virou-se no cavalo e disparou um tiro que foi acertar na ombreira da porta. O empregado meteu-se para dentro a toda a pressa.
— Aí vai, Paul! — gritou o gigante.
Hank trazia o cavalo do jovem pelas rédeas. Paul fletiu as pernas e dispôs-se a saltar. O pelotão passou em tromba por diante dele. Paul correu breves instante paralelamente à montada e agarrou-se com ambas as mãos à maçaneta da sela. Depois, pendurou-se na mesma e, juntando ambos os pés, deu um salto e montou.
Hank deu um berro de alegria ao ver a ação do jovem. Levantou o revólver acima da cabeça e começou aos tiros, ao mesmo tempo que gritava como um energúmeno. A sua vitalidade transbordante tinha de encontrar alguma saída.
Quando os espantados cidadãos de Black Bear quiseram reagir, os assaltantes estavam já muito longe e era impossível alcançá-los. Alguns deles foram procurar o xerife, dispostos a pedir-lhe explicações acerca dos motivos pelos quais não interviera para evitar o assalto. A sua surpresa foi enorme quando o encontraram estendido, inconsciente, no meio do escritório.
Chamado a toda a pressa o médico, este reanimou o xerife. O agente da lei contou então o que lhe sucedera e prometeu castigar duramente o bandido que se atrevera a bater-lhe na cabeça. Foi muito mais tarde, ao ficar sozinho, que reparou num papel dobrado que estava no meio da secretária.
Cheio de curiosidade, pegou-lhe e desdobrou-o. Com olhos espantados, leu as palavras que estavam escritas no papel e que eram as seguintes:
Na Cova dos Corvos, nos montes Dentshill. Vá imediatamente à estação dos telégrafos e diga ao operador estas palavras: Susan Hayes. Ele sabe o que deve fazer.
O xerife não era tolo e compreendeu acto contínuo que o homem que lhe batera tinha de ser, por força, um agente do Governo.
Sem perder um minuto, correu a fazer o que lhe ordenavam, esquecido já do seu ressentimento contra o indivíduo que o «adormecera» com o cano do revólver e deixara estendido no solo.
Entrou na estação dos telégrafos como uma tromba. O operador pôs-se em pé ao vê-lo aparecer.
— Sam, como está? Soube do que lhe sucedeu. Esses tipos...:
—Deixa-te agora de comentário, Adam. —O xerife tomou fôlego e depois, ansioso de verificar a verdade, pronunciou as duas palavras recomendadas: — Susan Hayes.
O telegrafista abriu os olhos como pratos. Olhou o xerife com espanto, durante uns momentos, e depois, de repente, deu meia-volta e sentou-se diante do manipulador de morse, que começou a manejar com louco frenesim.
O xerife esperou que o telegrafista acabasse de transmitir a mensagem. Quando viu que esta terminara, perguntou:
— Adam, que significam essas duas palavras?
O telegrafista respondeu:
— Não sei. Não faço a menor ideia, Sam.
— O quê?! Vamos, Adam, não brinques comigo...
— Juro-lhe, Sam. A única coisa que sei é que há tempos recebemos uma ordem para quando alguém pronunciasse esse nome diante de nós. A ordem consistia em expedir um telegrama para determinada direção da capital do estado. Estou a quebrar as normas ao dizer-lhe isto, Sam, garanto-lhe, mas ao mesmo tempo sei que é boa pessoa e que não me descobrirá diante dos meus superiores. Como chegou essa chave no seu conhecimento?
O xerife acariciou o sítio onde recebera a pancada de Paul.
— Favor por favor, Adam. Um dos assaltantes era homem do Governo. Deveria guardar-lhe rancor, mas a única coisa que possa fazer neste momento é desejar-lhe muita sorte. — E abanando a cabeça acrescentou: — É preciso ser muito valente para se meter no meio de semelhante quadrilha. Eu não seria capaz disso, garanto-te, Adam.
*
Estendido preguiçosamente ao sol, Paul viu por debaixo do chapéu aproximar-se a rapariga. Esta encheu o balde no tanque e dispunha-se a retirar-se quando o jovem a chamou.
— Susan.
Ela virou-se acto contínuo. Paul sentou-se no chão.
— Venha cá, quer?
Susan mostrou-se um tanto renitente.
— Venha, não seja criança. Ou está zangada comigo?
— Não — respondeu a rapariga, secamente.
Paul pôs-se em pé de um salto.
— Acho-o aborrecida, Susan. Diga-me porquê, quer?
— Você tomou pelo caminho da perdição, Paul, e isso não me agrada.
—Deveras? Sinto muito! — respondeu ele, zombeteiramente. — E é você quem me censura, você que serve e cuida de bandidos?
— O meu caso é diferente — disse ela, de má vontade.
— Não tanto como julga. Se agora nos prendessem, considerá-la-iam nossa cúmplice. E pode ter a certeza de que apanharia uns anitos de cadeia.
— Contudo, eu não faço nenhum mal. Não roubo, não assassino...
— Mas aproveita-se dos nossos roubos e dos nossos assassínios.
O rosto da rapariga tingiu-se de carmim.
— Seria melhor acabar com esta conversa, não acha?
— Isso compete-lhe a si decidir, Susan. Não fui eu quem a começou.
Susan olhou-o de frente.
— Vou-lhe dar um conselho, Paul. Aceite-o enquanto está a tempo. Fuja. Parta quanto antes. Parta ou arrepender-se-á.
O jovem captou uma evidente nota de gravidade na voz de Susan. Quis pedir-lhe um esclarecimento, mas ela retirou-se rapidamente.
Ao entardecer, Hank chamou-o.
— Escuta, Paul: amanhã de manhã, tu e eu sairemos daqui.
— Aonde vamos?
— Temos de entregar ao chefe a sua parte do assalto
— Ainda não me entregaste a minha, mas isso não é coisa que me preocupe, Hank. A quanto ascende a parte do chefe?
— A metade do roubo. O resto é para nós.
Paul esfregou o queixo. Depois, pôs as mãos nas ancas e, avançando ligeiramente o pé esquerdo, olhou o seu interlocutor.
— Ouve, Hank, metade parece-me um pouco excessivo. Não és da minha opinião?
— Vamos, Paul, não te metas em sarilhos...
— Escuta, Hank — interrompeu-o o jovem. — Tu e eu somos bons amigos. Eu aprecio-te e creio que a ti acontece o mesmo em relação a mim. Portanto, suponho que podemos falar com toda a clareza. Não aconteceria tal coisa se fosses como um desses tipos da quadrilha, mas tu és um homem propicio ao diálogo, um homem com quem se pode discutir, sem medo de receber um tiro, compreendes?
— Compreendo -- disse o gigante, um tanto secamente. — Ande queres chegar com tanto' rodeio?
— Simplesmente a que cinquenta por cento me parece excessivo. Demónio, o assalto rendeu-nos trinta mil dólares! Quinze mil para ele e quinze mil para oito pessoas, não, para nove, se contarmos com Susan. Divide e verás o que te resta.
Hank suspirou.
— Sempre foi assim, rapaz...
— Claro. Nós corremos os riscos e ele só tem de estender a mão para receber quinze mil dólares. E verdade que planeia os golpes e que obtém informações acerca dos lugares onde mais convém realizar os assaltos, mas que perigos corre ele? Nem sequer o de uma denúncia da nossa parte, porque que provas poderíamos apresentar (é um exemplo, claro) de que ele é nosso chefe? E em troca disso recebe, nesta ocasião, como prova do nosso fervoroso agradecimento, a bonita quantia de quinze mil dólares. Não, Hank, isso não me parece justo, para dizer a verdade.
O gigante fitou-o uns instantes, fixamente.
— Escuta, Paul: se fosse outro que me dissesse isso, já lhe teria metido quatro balas na porca da barriga. Embora me tenhas salvo a vida em Stanton, eu salvei-te a ti aqui, quando o bastardo do Leland te quis crivar de balas. Poderia dizer que estarmos pagos, mas não é assim; ainda me considero em dívida para contigo. Eu lutava contra dois e tu apenas contra um. Esta é a diferença. E por isso mesmo te digo que esqueças o que acabas de dizer. Cinquenta por cento são para o chefe e não se fala mais nisso. Amanhã acompanhar-me-ás para lhos levar. Mais nada.
Paul encolheu os ombros.
— Está bem. Também comigo acontece o mesmo. A outro não toleraria uma divisão tão arbitrária do roube. Mas tu és Hank, um amigo meu e— acrescentou com um amplo sorriso — com os amigos tem-se sempre um pouco de benevolência.
Bateu-lhe no braço, num gesto efusivo.
—Bom, vou tomar um pouco de café. Até logo.
Deu meia-volta e dirigiu-se para a cabana onde se alojava a rapariga e que, além disso, servia de cozinha. Bateu à porta e esperou.
— Quem é? — perguntou a jovem.
—Eu, Susan.
—Um momento, por favor.
Susan apareceu minutos depois, a abotoar o vestido, e olhou-o com ar suspicaz.
— Tem um pouco de café?
— Vou ver. Creio que sobrou algum do pequeno-almoço. Aquecê-lo-ei num instante.
— Obrigado.
Enquanto ela acendia o lume, Paul enrolou um cigarro. Encostado à ombreira, olhou para a esquerda e para a direita e verificou que o lugar estava completamente deserto. Os bandidos encontravam-se dentro da cabana grande, a jogar antecipadamente às cartas a sua parte no roupo. Sem se mexer do seu lugar, Paul disse:
— Susan, aproxime-se; preciso de lhe falar. Depressa, não perca tempo.
Ela aproximou-se, com um ar de estranheza no rosto belo.
— Que é, Paul?
— Escute, quero prestar-lhe um favor. À noite, quando todos dormirem, reúna as suas coisas e fuja. Fuja depressa, antes que seja demasiado tarde.
— Não o entendo, Paul — murmurou ela, muito intrigada. — Porque hei-de fugir daqui se me sinto tão bem?
— Dentro de um dia ou dois, talvez menos, ninguém se encontrará bem aqui. As forças da Lei vão assaltar esta guarida e pode imaginar o que farão a quantos se encontrarem neste lugar.
Ela tapou a boca e conteve a custo um gemido.
— Meu Deus! Como sabe isso, Paul?
— Tenho fundados motivos para o saber, Susan. Lembra-se de que há dias lhe falei acerca de um tal Mark Raymond, um amigo meu?
— Sim — respondeu ela, com os lábios apertados.
— Você conhece-o, não é verdade?
Susan hesitou. Em vez de responder, fez uma pergunta:
—Porque quer saber isso, Paul?
— Escute, vou descobrir as minhas cartas. Talvez você seja fiel a esses bandidos e me denuncie, mas correr o risco. Julgo-a boa pessoa e espero que se saiba calar. Acerto?
— Esperarei até o escutar, antes de tomar uma decisão, Paul,
— Primeiro: é ou não verdade que conhece Raymond?
— É — respondeu ela, após breve hesitação.
—Ele deu-me o seu nome para o empregar como contrassenha. Disse-me que era de uma prima sua.
— A mãe dele e a minha foram irmãs, é verdade.
—E você tem estado todo este tempo com os bandidos, sem suspeitarem do papel que desempenha?
— Como vê — sorriu ela, melancolicamente. — Não se pode dizer que tenha sido muito feliz, não acha? A minha única missão consistia em averiguar a identidade de Cochrane, mas, até agora, não consegui nada positivo. Hank é o único que a conhece, mas é ferozmente fiel a Cochrane e não diz nada.
— Sim, não há dúvida de que é muito leal com os amigos — murmurou Paul, distraidamente, recordando a conversa que tivera momentos antes com o gigante. —Calculo que Cochrane deve viver debaixo de uma identidade suposta, não lhe parece?
— É o que penso, mas, repito, até agora não tive ensejo de o verificar, Paul.
— Amanhã vou com Hank entregar a Cochrane a sua parte do assalto. Possivelmente, receberemos ordens para outro. O pior, ou o melhor, conforme o modo de ver, é que esse assalto não se dará já.
— Porquê?
— Coube-me vigiar o xerife de Black Bear. Quando o «adormeci» com um golpe, deixei-lhe em cima da secretária um bilhete indicando-lhe o nosso esconderijo e dizendo-lhe que se pusesse em contacto com o operador dos telégrafos e lhe desse a chave que Raymond e eu combinámos. Estou certo de que as forças da Lei não tardarão muito a vir aqui. Se a encontrarem, correrá sério perigo, Susan. Por isso lhe digo que se vá embora quanto antes.
Ela abanou a cabeça.
— Não, seria suspeito, Paul disse. — Ficarei aqui. Se os agentes vierem, entregar-me-ei. Raymond tirar-me-á de apuros. E a si também, descanse... Bom, vou servir-lhe o café; já está quente.
Paul estranhou a súbita interrupção da rapariga: mas, olhando ao longe, viu que Hank estava à porta da cabana grande, a observá-los com ar admirado.
Susan voltou com a chávena de café, que ele tomou rapidamente. Ao terminar, sorriu.
— Obrigado, Susan. Até logo.
— Até logo, Paul.
Os temores dó jovem confirmaram-se plenamente. Ainda não amanhecera quando um pelotão de cavaleiros irrompeu com violência no lugar, a disparar freneticamente as suas armas.
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