Dester tratava o seu pai com respeito e carinho. Sempre lhe tinham inspirado respeito os homens que com o seu esforço tinham conseguido fortuna, coisa para a qual ele se sentia incapaz.
Marvis tratava o seu filho como um ser superdotado, um dos raros possuidores de ainda mais rara habilidade de sobressair dos demais, graças aos seus dotes pessoais, uma cultura adquirida com o estudo, a leitura e trato com homens e mulheres mais destacados.
— Eles estão formando a aristocracia do dinheiro, que é a única que podem formar os americanos — disse por fim.
Não tinha sabido que pensar, e naquele momento estava pensando no seu filho, quando um dos vaqueiros que tinha sido contra Edw, entrou como uma flecha no interior da grande habitação do «Breed».
— Patrão! Patrão! Trago grandes notícias! São notícias capazes de levantar um morto.
Era Bill, seco, de estatura mediana, feio e simpático, que se deteve ao ver que o rancheiro se levantava da mesa e o interrogava com o olhar.
— Que grandes notícias são essas, Bill? Mas antes de falar respira. Vieste a correr, rapaz?
— Não, patrão! É que galopei a toda a brida. Sabe quem acaba de chegar e deu o merecido castigo a Edw Sou, salvando Absalon de ser enforcado?
— Sabê-lo-ei quando mo disseres.
— O seu filho Dester; Que me matem se já alguma vez vi um tipo tão arrogante como ele.
A visita do rancheiro que era Olga, filha do dono do «Mum Rancho» (rancho batizado ironicamente pelo irónico John Collins com a onomatopeia do mugido do gado bovino), que até aquele momento tinha estado sentada em frente do pai de Dester, sentiu uma estranha alegria ao ver o abatimento do seu vizinho e pôs-se de pé. A sua entoação foi mordaz ao dizer:
— Acabaram-se as preocupações para você, Marvis. O seu filho resolverá os seus problemas... menos um.
Marvis era um homem acabado, mas não até ao ponto de deixar sem resposta as palavras mordazes da jovem.
— Deixe que eu e o meu filho salvamos os nossos problemas, Olga.
— Não são só os seus. Eu continuo à espera... —depois olhou para o vaqueiro Bill. — Continuaremos a nossa conversa em outro momento, Marvis.
A alegria desapareceu do semblante do «cowboy». As dificuldades económicas por que atravessava o «Breed» não eram novidade para ninguém em Concho. O rancheiro pareceu esquecer a presença da formosa mulher, alta, loira, cujo vestido cor-de-rosa, cingido ao corpo, fazia ressaltar os seus contornos de mulher jovem, sugestiva.
— Terá vindo em carruagem, Bill — disse, referindo-se a seu filho.
— Com o que deve valer o cavalo que monta seu filho, patrão — replicou Bill, de novo animado no seu semblante —, podiam comprar-se dez carruagens de luxo. E não digo nada do penca negro do «mister» que o acompanha. Juraria que se trata de um duque, desses que dizem que há na Europa.
— Sim. E que dizes que se passou com Edw?
— Quase nada.
Bill explicou com todos os detalhes, garantindo que era a primeira vez que via dar uma tareia num homem sem cansar-se, insultá-lo e perder a serenidade.
— Tinha de ver para acreditar, patrão — terminou —. Unicamente faltou que usassem os revólveres.
O cavaleiro saiu de casa e a formosa Olga encarou o rancheiro.
— São trinta mil dólares, Marvis. Se não recebo o dinheiro antes de vinte e quatro horas, este rancho passará para meu poder.
— Não sou o único proprietário de...
— Isso é coisa sua — cortou a jovem.
O homem encolheu os ombros.
— É o teu pai que te ordenou que me digas tudo isso, pequena?
— Sabe muito bem que o meu pai é incapaz de o fazer. Sou eu, a herdeira do «Mum Rancho», que o dirige. Basta de palavreado, e pague o que deve!
No terraço do rancho os «cowboys» falavam em voz alta, comentando o que haviam visto na cidade. De repente fez-se silêncio e a bem modelada voz de Dester inquiriu:
— Avisaram o meu pai, amigos?
— Sim... sim, senhor. Mas o patrão tem visitas —disse Bill, franzindo as sobrancelhas ao pensar em Olga.
Esta foi a primeira a sair de casa. Ninguém ignorava que a rica herdeira tinha delírios de grandeza, não obstante o qual eram muitos os que garantiam que a tinham visto passear na escuridão com Edw Sou, embora ninguém fosse capaz de o dizer em voz alta.
John Collins era um brigão e de pouca cultura, mas era um selvagem em tudo quanto se referisse ao bom nome de sua filha. Dester descobriu-se ao ver a esplêndida mulher, a qual olhou, coquete, o branco cavalo, saindo de casa, passando junto da jovem e limitando-se a inclinar a cabeça em gesto de saudação.
Segundos depois, pai e filho apertaram as mãos, entrando em casa, quando o jovem ordenou:
— Trata de «Cask» e «Boast», Pierce.
— Sim, patrão; logo que estes bons rapazes me digam onde são os estábulos.
A pai e filho se juntou Denton, a quem ofereceu a mão sem cordialidade quando Marvis os apresentou.
— Incomodo? — perguntou o capataz.
— Disse-te alguma vez que incomodas? — replicou Marvis em tom zangado.
— Não. De contrário agora não estaríamos falando.
Dester voltou a pensar em Katie, aquela jovem tão formosa e tão atrevida, graças a quem a sua vida tinha mudado de rumo. Os olhos cinzentos do homem, embora não possuíssem os salpicas dourados de sua filha, recordaram-lhe a sua entrevista com ela em Holbrook.
O rancheiro explicou, depois de uns instantes de luta consigo próprio:
— Nunca te falei a respeito disto, filho; mas chegou o momento de saberes que há dez anos me associei com Deston... Ninguém te terá soprado ao ouvido esta notícia?
Dester julgou conveniente mentir.
— Não, nunca.
Não lhe passou despercebido o amargo sorriso do seu progenitor.
— Claro; a tua vida em Holbrook, tão cheia de acontecimentos sociais, as personagens com que te relacionas, as tuas ocupações...
— Não me ocupava em nada, pai. E para mal, na capital, há três advogados e ninguém me fez ver a necessidade de abrir cartório.
— Claro, claro — Marvis inclinou a cabeça, sentando-se numa cadeira.
Denton procurou um canto onde encostar-se, mas desistiu de o fazer, deixando-se cair também numa cadeira e olhando para o soalho, os quadros que tinha contemplado dezenas de vezes. Por fim cravou os olhos no artístico estucado do tecto. O ritmo do coração de Dester aumentou ao examinar o branquíssimo cabelo do rancheiro.
— Envelhece, pai — observou.
Denton ergueu a cabeça como o tivessem insultado!
— E enterrá-lo-emos qualquer dia, rapaz. Nenhum corpo pode resistir ao que o seu pai faz.
— Seu?
O capataz sorriu ironicamente.
— Certo, tu... Ou terei de tratá-lo por você?
— Peço-lhe que me trate por tu, Denton.
— Obrigado. Dizias que tu não estás ao corrente das expressões que usam os homens sem instrução, os vaqueiros que trabalham de sol a sol e às vezes estendemos o trabalho de noites seguidas.
O jovem não replicou nem correspondeu ao triste sorriso que lhe dirigiu o seu pai como se lhe dissesse: «O meu sócio é boa pessoa, mas não cuida da linguagem». Mas primeiro pensou-o e segundos depois disse algo que despertou o interesse dos dois homens. Marvis pegou no papel que o seu filho lhe oferecia, embora não o olhasse até que o jovem tivesse falado.
— Quanto pagou pela nossa casa em Holbrook, pai?
— Paguei-o com o dinheiro da tua mãe, rapaz. O dinheiro que ela te deixou ao morrer.
— Sim; mas, quanto pagou pela casa?
— Vinte mil dólares. A tua mãe queria que vivesses como um grande senhor. Quanto te queria. As mães... Bom, já sabes melhor do que eu o que são as mães. — Leia e diga se está de acordo, pai — disse Dester, apontando o papel. Apenas mal passou a vista pelo papel, Marvis levantou-se como se tivesse sido picado por uma vespa.
— Que é isto, filho?
— Oh, vendi a casa e pus o dinheiro no Banco em nosso nome. Vêm-lhe mal estes trinta e cinco mil dólares?
— E tu? — exclamou o homem.
— Psch! Eu pensei que chegou a hora de aprender o ofício de criador de cavalos. Percebo muito de cavalos, mas nem uma só palavra da sua criação. -- Olhou nos olhos o pai de Katie. — Aceita-me, amigo? Posso ficar definitivamente aqui.
— Com alma e vida, rapaz. Com alma, beijos e coração.
E Denton cuspiu a larga distância.
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