segunda-feira, 31 de julho de 2023

CLF052.15 A morte do cavaleiro Dester

Nas altas esferas da capital do distrito a partida de Dester Bon tinha produzido quase tanta sensação como as suas intervenções com o revólver ou como a desaparição do xerife Peterson, a propósito do qual circulavam os rumores mais estranhos.

As últimas notícias a respeito do misterioso personagem não podiam ser mais contraditórias: tinha sido morto a tiro por uns foragidos; em desafio com o pistoleiro Dave; por vaqueiros do «Breed» de Concho. Onde terminava a verdade e começava a mentirá?

Devido a isto a presença do xerife Peterson e Dester, ladeados pelo ajudante do primeiro e pelo criado do segundo, despertou uma curiosidade poucas vezes igualada. E à curiosidade seguiram-se os comentários do costume.

— Quem foi o embusteiro que garantiu que o xerife tinha morrido?

— E que me dizem de Dester Bon?

— Isso pergunto eu. Nunca vi tão gordo e com tanta saúde o xerife. E quanto ao senhor Dester aí o têm vestido de vaqueiro, mais jovem e elegante do que nunca.

— E não dizem nada de Pierce, amigos?

— Quem será esse ajudante do xerife, tão sério com cara de poucos amigos?

Os comentários terminaram quando um dos comissários do representante da Lei saiu do meio de um grupo de curiosos e se aproximou do seu superior, cumprimentando-o alegremente, conversando em voz baixa.

— Como vão as coisas, Harry?

— Na mesma como lhe mandei dizer na carta, xerife. Alegro-me vê-lo em...

— E a minha mulher?

—O que deve imaginar; com desejos loucos de vê-lo, muitos mais do que quem nós sabemos. Os porcos e cobardes orgulhosos!

— Vai dizer à minha mulher que arranje almoço para quatro, Harry, e diz-lhe que me encontro bem.

— Ed e eu não temos nada que fazer agora. Julgo que seria melhor que os acompanhássemos. Diz-se que os rancheiros vão efetuar uma reunião no «Rich Saloon» ou em casa do juiz, e garantem que lutam entre eles.

— Não. Vai a minha casa e dá o recado a minha mulher e regressa ao escritório. Consta-me que os tigres perderam as garras.

— Assim nos dizem, alguém que viu partir da capital uma pandilha de cobardes, os quais segundo se disse, deviam impedir o regresso do senhor Dester.

— Hum! Alguma coisa há nisso. Agora vai avisar a minha mulher e deixa-te do que se diz, garante-se, julga-se e se supõe.

Os quatro cavaleiros prosseguiram a marcha, atravessando a povoação em direção ao «Rich Saloon» que naquele momento devia estar muito concorrido pela fina-flor nata da aristocracia de Holbrook.

O grupo deteve-se ao chegar a curta distância do luxuoso estabelecimento e o comissário e Pierce encarregaram-se de atar as rédeas dos quadrúpedes às barras.

Duas mulheres, colocadas ambas de cada lado de um homem com o olhar recto e fixo, davam a impressão de terem estado a esperar a chegada dos expedicionários. As mulheres eram Elinor e Mary, loiras, esculturais; o homem era o rancheiro Leroy. A primeira soltou um grito:

— Basil!

O herdeiro de um dos melhores ranchos dos arredores da capital, acudiu à chamada, detendo-se no umbral e segurando pelos braços a irmã de Leroy. No rosto de Dester formaram-se pequenas rugas.

— «Vamos ter de aturar importunos» — murmurou.

Mas a pouco e pouco as rugas desapareceram e o azul das suas pupilas iluminaram-se com algo parecido com um sorriso. Mary, a dona do «Rich Saloon», avançou, apoiando-se no braço direito de Leroy.

— Bem-vindo, Dester! — saudou o rancheiro. ---Esperavas que te ia receber de punhal nos dentes e espumando de raiva? Não, rapaz. Tive tempo de saber a fundo as coisas e refletir. Conheces coisa melhor do que refletir?

— Sim, amigo; actuar com retidão depois de ter pensado com a cabeça no seu devido lugar. Para mais, ao fazê-lo, damos uma prova de boa educação.

Mary interveio com orgulho, acariciando o irmão de Elinor com um tímido movimento das suas compridas pestanas.

— Leroy e eu vamo-nos casar dentro em breve. Não nos dás os parabéns, Dester?

— Do fundo do coração, Mary. Desejo-lhes todas as felicidades do mundo.

Agora tocou a vez a Elinor de levantar a cabeça e acariciar de forma bem feminina o seu par, um magnífico exemplar de homem. As suas palavras foram quase tão orgulhosas como a sua entoação.

— Basil e eu casamo-nos no mesmo dia que Leroy e Mary. Lamento o sucedido, mas entre Basil e tu, prefiro ficar com ele. Poderás perdoar-me, Dester?

— Com toda a minha alma. Que sejam muito felizes.

Os dois pares dispunham-se a entrar no estabelecimento, mas antes Mary maneou a cabeça para dizer friamente:

— Não queres dar-te ao incómodo de entrar...

— Vim à procura de alguém, Mary.

— Por isso mesmo. No «Rich Saloon» não encontrarás os que procuras. Os cavalheiros que frequentam a minha casa souberam algo de outros... homens, e fizeram-lhes ver a conveniência de não voltarem a pôr os pés aqui. Já conheces as regras do «Rich Saloon»; abrir as portas aos cavalheiros e fechá-las aos tratantes.

A mulher acrescentou algo referente à alegria que sentia de voltar a ver o xerife Peterson, que respondeu amavelmente, embora quando o fez, já os seus companheiros tinham dado meia-volta e dirigiam-se para os cavalos que estavam do outro lado da rua.

O representante da lei disse no momento em que chegavam por altura da casa do juiz Oyster:

— Temi pela tua integridade quando vi essas duas beldades juntas, Dester. Santo Deus, que sorte tiveste.

O jovem soltou um suspiro.

— Eu que o diga. Leroy e Basil são dois portentos de homens! Peterson riu de troça.

— Tu não tinhas nada que ver com Elinor e Mary. Não é verdade, amigo?

Piscou um olho enquanto olhava para o jovem, ante a reprovação de Pierce, que achou excessiva a liberdade. Dester olhou para o representante da lei sem pestanejar.

— Pois claro que não, xerife.

— Claro, claro. Nem um beijo, nem nada, o que se disse nada tinha fundamento. Acredito-o, acredito-o!

— Jesus! — murmurou Pierce.

Considerava uma falta de tacto imperdoável os gestos e as palavras do xerife.

Dester olhou para a frente, ocultando o sorriso que tinha nos lábios.

— Nada, meu amigo. E no fim e ao cabo, no pior dos casos, que é um beijo?

— Nada, absolutamente nada, rapaz! — concordou ironicamente Peterson.

De casa do juiz saíram três homens que foram descendo os degraus, tendo o cuidado de levar as mãos o mais afastadas possíveis.

— Abri os olhos, amigos! — advertiu o xerife em voz baixa. — O sarilho começa agora.

Don Watson, Jesse Lopes e Vernon Laird contemplaram em silêncio os quatro cavaleiros que desmontavam em silêncio, tendo Pierce tomado conta dos cavalos e os atado na barra do outro lado da rua. Regressou para juntar-se ao grupo quando o rancheiro Vernon, o mais violento dos três, dizia em voz alta:

— Sempre te odiámos, Dester; mas por fim compreendemos que a culpa não foi toda tua quando mataste os nossos rapazes.

O jovem esperou que os outros dois dessem a sua opinião. O que falou a seguir foi o ancião Jesse:

— Se é verdade que decidiste viver no rancho de teu pai e não te voltamos a ver por aqui, procuraremos esquecer-te, Dester. Que Deus te amaldiçoe por teres morto os nossos filhos! Mas...

Os recém-chegados observavam como os três rancheiros estavam a ponto de desaparecerem por uma travessa. Foi então quando Don Watson se voltou um só instante para dizer com honradez, interrompendo o ancião:

— Odiar-te-ei toda a vida por teres morto o meu filho, Dester; mas agora sabemos que quem os mandou para a morte foram o juiz Oyste e o rancheiro Shelton... Os porcos confessaram, e pediram a nossa ajuda quando souberam que tinhas chegado à cidade acompanhado pelo xerife e já não tinham pistoleiros que se atrevessem a fazer-te frente. Agora diz-lhe respeito a si, Peterson. Acredite-nos sem ser preciso jurar que nada tivemos com o atentado de que foi vítima; e igualmente no que te diz respeito.

— Acredito, Don! — exclamou o representante da lei. — Juro que esses bandidos não escaparão, agora que sei que a justiça...

Ao ver que os rancheiros desapareciam calou-se, pretendendo adiantar-se ao jovem, mas este estendeu o braço.

— Eu sou o mais interessado em entrar nesta casa, xerife. Dá-me licença?

— Não. Não se trata de nós, mas sim da Lei; e agora que sei que não me atacam pelas costas...

Uma chuva de balas que partiu da vivenda do juiz, cortou as últimas palavras do xerife que caiu no chão. O comissário Olin e Pierce não se saíram melhor. Este último, que acabava de dar um salto para passar à frente do seu amo, soltou um gemido de dor.

Dester lançou-se ao chão, tendo os olhos muito abertos e imóveis fixos na entrada da casa.

Jay Oyster, pesado e torpe, empunhando um revólver com a mão a tremer, protegia-se com o corpo de Shelton que avançava para os quatro homens caídos com um sorriso de maldade e empunhando com mão firme um comprido «Colt».

— Examine-os, juiz, e não seja cobarde — disse Shelton, olhando para os caídos.

— Morto! Por fim livrámo-nos deste pesadelo, Shelton, meu amigo!

— Sim, sim; sou tão seu amigo como queira, mas examine-os!

— Não vê que estão mortos? O maldito Dester Bon...

Mudou o revólver para a outra mão e inclinou-se in momento em que Dester dava um salto e se punha em pé, empurrando o juiz, que chocou contra o seu cúmplice, caindo ambos ao chão, disparando-se o revólver de Shelton atingindo a bala o corpo de Olin que não fez nenhum movimento. O jovem encarou os dois homens.

— Levantem-se e empunhem as...

Shelton quis apertar o gatilho, mas a bala do «Colt de Dester entrou-lhe pelo olho direito. O jovem não mudou de entoação ao ver que o juiz voltava a empunhar o revólver, aconselhou-o:

— Faça uso dele, Jay Oyster. Chegou a hora e...

O Juiz obedeceu; quis fazer uso da arma, mas o seu desejo não passou de um intento. O «seis tiros» de Dester disparou duas novas balas, uma delas direita ao coração e outra à cabeça do seu inimigo. Pierce, de joelhos, e tentando levantar-se, sem conseguir, desistiu:

— Senhor; deu-me um ataque de sono. Dá-me licença que me estenda aqui mesmo?

Dester sentiu uma inexplicável alegria ao ver onde era a mancha vermelha, no lado direito, junto às costas do seu fiel servidor.

— Dorme, Pierce. Ah! Antes de adormeceres, quero dizer-te que continuas a ser o capataz do «Breed».

— Muito obrigado, senhor. E agora, se me dá licença vou dormir... — inclinou a cabeça e desmaiou.

O comissário Olin foi morto, o xerife Peterson proclamou em altos gritos que a sua ferida não era grave, e que a dava por muito bem recebida por saber que o juiz e Shelton estavam mortos.

Enquanto a rua se enchia de homens dispostos a prestar ajuda aos feridos, e a mulher do xerife se lançava nos braços do seu marido, Dester apontou para o negro e orgulhoso «Boast» e disse a dois voluntários que tinham tomado conta de Pierce:

— Esse é o cavalo do meu amigo Pierce. Dentro de uns dias, quando esteja em condições de cavalgar, coloquem-no na sela e digam-lhe que tem uma receção à sua chegada.

Tinha já montado no «Cark» e um dos que levavam o criado inquiriu alegremente ao ver que a ferida deste não oferecia gravidade:

— A quem montamos, senhor Dester? O cavalo às costas de Pierce, ou Pierce no lombo do cavalo?

— Pierce decidirá, rapazes. E agora vou dizer-lhes uma coisa, antes de me ir embora. Sabem o que quer dizer Concho em espanhol?... Não? Bom, eu explico. Quere dizer o fim, ou o términus de uma coisa. Ao chegar a Concho, o cavaleiro Dester terá morrido e no mesmo instante nascerá o rancheiro Dester, o homem mais feliz do mundo, porque terá conseguido ser o marido da mulher mais valente, mais sedutora e mais bela que existe. Adeus, rapazes!

Enquanto o vermelho «Cark» cortava o vento como se compreendesse que o seu dono tinha urgência de chegar a alguma parte, Pierce despertou do seu desmaio e começou a descobrir-se.

— Que fazes, amigo? — inquiriu um dos que tinha acorrido em seu socorro.

— Não vês? Descubro-me.

— Sim, mas com este sol...

— Que tem isso? Todos nós devemos tirar o chapéu ao saudarmos um cavalheiro. Pode algum de vocês dizer-me se conheceram um cavalheiro como o meu amo?

— E chamou-me amigo! Na verdade, não estou a sonhar?

Eram muitos os que contemplavam a figura de Dester, elegante, esbelto, sem sofrer o mais leve prejuízo na sua magnífica figura de grande senhor com o desenfreado galope do seu cavalo de raça.

— É um cavalheiro dos pés à cabeça.

Pronunciadas estas palavras, Pierce inclinou a cabeça e desmaiou.

Dester bem disposto, galopava a caminho da felicidade, que tinha um nome feminino: Katie! a mulher que tornou possível que ele deixasse de ser um grande senhor inútil à comunidade.

 

 

 

FIM

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