sábado, 22 de julho de 2023

CLF052.06 Se o xerife não serve os aristocratas, abate-se o xerife

O juiz Oyster tinha recebido uma grave ferida no seu amor próprio.

Uma das piores coisas que pode acontecer a um homem orgulhoso era a ferida no seu amor próprio, ferida sem sangue em si, mas que bastante sangue tinha custado aos seus homens. O representante da Lei de Holbrook foi a primeira vítima do rancoroso juiz e riquíssimo rancheiro.

O xerife Joe Poterson levantou-se da cama mal-humorado no dia seguinte à partida de Dester.

— E quem é o juiz Oyster para mandar-me chamar tão cedo? — perguntou a sua mulher, a quem queria muito embora tentasse demonstrar o contrário.

— Não sabes? — replicou ela — É milionário, juiz do condado, o homem mais orgulhoso, um malvado, que não está bem se não mandar dar a morte a nenhum desgraçado cheio de fome e que tenha roubado um pão.

— Pois que o enforquem!

O representante da lei estendeu-se na cama, voltou-se para a parede e quis continuar a dormir, mas a sua mulher não o deixou.

— Levanta-te, marido! Um xerife é um homem que recebe o seu ordenado, para que a sua mulher lhe possa pôr a mesa três ou quatro vezes por dia, e o teu mandato está quase a terminar.

—E tu também terminarás se continuas!...

O xerife Peterson sentou-se na beira da cama, mascando algumas palavras enquanto punha os pés no chão.

— Esse é o vocabulário que aprendeste na escola, Joe?

— Vai para o diabo com o teu puritanismo, mulher. Já estou farto do cargo, do juiz, de todos os que o rodeiam e desta cidade de hipócritas orgulhosos, soberbos, ricaços que não sabem ler e se julgam o rei Artur.

Apesar das suas palavras, o representante da lei levantou-se da cama e depois de lavar-se apressadamente saiu de casa sem tomar o mais pequeno golo de café. Dez minutos mais tarde chegava à sumptuosa vivenda do juiz Oyster e franziu o sobrolho ao ver cinco cavalos seguros pelas rédeas por um vaqueiro baixinho e tão mal-humorado como o próprio xerife.

— Há reunião de caciques para enforcar algum desgraçado, Rush?

— Parece que sim, xerife. Embora julgue que Dester Bon não seja nenhum desgraçado.

— Quêêêê?

O xerife deteve-se quando tinha subido já cinco degraus da escada.

— Repete o que disseste, Rush.

— Digo que — se não ficaste surdo — que ouvi dizer que iam procurar o senhor Dester. Mas não diga aí dentro que eu o disse, xerife.

Este subiu lentamente os degraus que lhe faltavam para atingir a porta.

— O assunto de Dester está claro — murmurou — Desafiaram-no, defendeu-se e conseguiu matar os seus atacantes...

Um novo olhar aos cavalos seguros pelo vaqueiro permitiu-lhe reconhecê-los.

— Isto complica-se — comentou.

Entrou na casa com ar decidido, simulando um enfado que já tinha desaparecido.

— Não teria sido mais correto visitar-me no meu gabinete em pleno dia, juiz Oyster? Aqui estou sem ter bebido um golo de café. Que diabo se passa?

Os personagens que estavam sentados em volta da mesa da confortável sala de estar da casa do juiz tinham mais cara de estarem a velar um morto do que outra coisa. Em silêncio, o juiz apontou uma cadeira junto da mesa, em cima da qual estavam biscoitos e um jarro com cerveja.

— Sirva-se — disse aclarando a voz —. Quando tenha comido falaremos e tomaremos uma resolução.

O xerife não tinha apetite e dispunha-se a declinar o convite, mas pensando melhor, tirou dois biscoitos e começou a comer e a pensar. O primeiro fê-lo maquinalmente e o segundo concentrado.

Acabou de comer sem que nenhum dos presentes lhe dirigisse palavra, e recusou a caixa de charutos que lhe ofereceu o dono da casa.

— Obrigado, mas prefiro um dos meus.

Exalou uma longa fumaça e olhou para os quatro homens, companheiros do juiz.

— Deve tratar-se de um assunto muito sério para vê-los reunidos aqui a esta hora, amigos. Ainda não ouvi nenhum galo cantar.

— Trata-se de um assunto de morte!

— A justiça está do nosso lado! Agora falta saber o que diz o representante da lei.

— Que diz você, Peterson?

— Todos nós votamos em você!... E será o xerife eleito se estiver de acordo connosco.

O juiz aguardou quinze a vinte segundos, até que considerou que o xerife tinha pensado no que acabava de ouvir.

— Trata-se de Dester — esclareceu.

Peterson concordou, demonstrando que o tinha compreendido desde o primeiro momento.

— De que lado está, Peterson?

— Você deve pôr-se do lado da justiça: eu estou do lado da lei como sempre, juiz.

— Hum! Não digo que não, mas... Hum! Começamos mal.

 *

Jesse Lopes, pai de James, de quase setenta anos, disse soluçando:

— Era toda a minha esperança, Peterson!

Don Wotron, pai de Leonard, de cinquenta anos, cordial, disse pelo seu colega e amigo:

— Jesse refere-se a seu filho James crispou os punhos. E eu digo que Leonard era também o meu único filho, uma joia de homem, toda a ilusão da minha vida.

Shelton Harmon, pai de Howard, de cinquenta e cinco anos, mau, cruel e vingativo, deu murros no braço do sofá em que estava sentado.

— Mataremos Dester Bon, embora toda a gente se ponha contra nós, Peterson. Meta isto na cabeça e ajude-nos a consegui-lo.

Por fim, Vernon Laird, o último dos rancheiros que continuava a viver no rancho, mas — como tinha feito Marvis — quis que os seus filhos vivessem como verdadeiros aristocratas na capital, que era o mais jovem de todos, ladrou mais do que falou:

— Ninguém, absolutamente ninguém no mundo evitará que matemos Dester Bon.

O juiz voltou a tossir.

— Esta reunião é de cavalheiros, amigos. Não desejava lembrá-lo a nenhum de vocês — medindo as suas palavras, não pôde suster o olhar irónico do rancheiro Shelton.

Desejava mais do que nenhum a morte, até há momentos desejada, do distinto cavalheiro Dester Bon; mas queria dar a impressão de que não desejava ser arrastado por pais loucos de dor pela morte dos seus filhos.

— Nós pertencemos à classe de homens que enriquecem para que os seus filhos gozem das suas riquezas -- interveio pela segunda vez o ancião Jesse, olhando o xerife — e desejamos saber até que pontos legais podemos ir para matar esse assassino da juventude do nosso distrito.

Peterson pôs-se de pé e meneou a cabeça. Nenhum, Jesse Lopes! Dester defendeu-se contra o ataque de quatro homens, e se mexerem neste assunto nenhum ficará bem visto, sem contar que a memória dos mortos fica desonrada.

— Nós o mataremos! — gritou Shelton, pondo-se igualmente de pé.

Os quatro rancheiros e o juiz teriam esbofeteado o xerife quando este se riu, mas contiveram-se. Três deles o fizeram por prudência ou cobardia, os outros dois pelas rígidas palavras do representante da lei, e este não vinha ajudá-los.

— Amigos: esquecem que os vossos filhos eram jovens e fortes e morreram ao enfrentar-se com esse jovem? Se pensares com calma, verão as coisas tal como são na realidade — recordou-lhe o xerife.

— Mandá-lo-emos matar! — rugiu agora Shelton. — Já está tudo falado e não fica nada por dizer. Vá-se embora.

Peterson disse para si que tinha chegado o momento de voltar para a cama para fazer a digestão do pequeno-almoço e aguardar o aparecimento do sol. À luz do dia aqueles obcecados veriam as coisas com mais clareza.

— E depois se entenderão comigo, que é como quem diz com a lei! — disse a gritar, em resposta às palavras de Shelton, enquanto se encaminhava para a saída.

O juiz atalhou:

— É a sua última palavra, Peterson? Pense com calma.

— A última palavra di-la-á a corda, se a Dester ocorrer alguma desgraça, Oyster!

O vaqueiro Rush olhou compassivamente o xerife quando este passou a seu lado à saída de casa. Deixou que este desaparecesse na esquina e então soltou um assobio.

— É uma pena! — disse — O xerife Peterson não era mau tipo.

O representante da lei tinha de passar pela margem do rio para regressar a sua casa. Diminuiu o passo à medida que avançava e refletia.

— Creio que me meteram num lindo sarilho. Eles têm a culpa. Dester Bon demonstrou ser o que ele juiz nunca conseguirá ser: um grande senhor... Isto é, um aristocrata da nova geração!

Um homem estendido no meio do caminho interrompeu os pensamentos do xerife.

— Levanta-te, grande imbecil! — disse este, sacudindo-o. — Queres cair à água, bêbado?... Ah! És tu?

O homem pôs-se de pé com suspeitosa rapidez, agitando uma mão e olhando para o xerife.

— Se disparam, rapazes, matam-nos aos dois — fez observar aos imaginários indivíduos situados detrás do representante da lei.

Peterson voltou-se com rapidez, mas o movimento do falso bêbado foi mais rápido que o seu, golpeando-o com fúria selvagem na nuca com a coronha do revólver.

O xerife soltou um gemido, enquanto o indivíduo repetia o golpe e o empurrava para a água, dizendo:

— Todos julgarão que os golpes na nuca foram feitos ao chocar contra alguma rocha ao cair no rio. Joe Peterson caiu ao rio, afundando-se e formando bolhas na superfície, e o autor da agressão permaneceu no local dois ou três minutos sem deixar de olhar o rio.

— Bom — disse por fim — voltará à superfície, mas já como cadáver.

Olhou em todas as direções e sorriu sinistramente.

— Não há nada como ter amigos entre os poderosos — mastigou entre dentes —. Agora é viver, que a vida são quatro dias!

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