Tinha bastado a Dester um olhar em volta dos concorrentes varões da sala de baile para ver que aqueles jovens vestidos com roupas largas, mas limpas, brilhantes e bem penteados os cabelos, e mais brilhantes ainda os olhos ao olharem as jovens que sorriam alvoroçadas na sua frente, formavam parte da humanidade que ele
— «Dizer vaqueiros era dizer sujidade, homens primitivos, desconhecedores dos ensinamentos da civilização.»
— Vaqueiros ou domadores não é tanto como dizer bêbados, vício, violência? Por isso nós, os homens do dia de amanhã, que dirigimos os destinos da União, devemos prepararmo-nos para dar-lhes a réplica.
— «Verdade. Devemos aprender o manejo das armas de fogo para demonstrar aos nossos empregados, vaqueiros e domadores que sabemos impor-nos a eles, não só devido à nossa educação, ensinamentos e cultura, mas também pela força, que é a única lei que eles aceitam.»
Expressões como esta tinha ouvido centenas de vezes no decurso de onze anos, causando-lhe um secreto pesar e revoltando-se interiormente, embora se abstivesse de dizê-lo em voz alta:
«Esses vaqueiros, domadores e peões a quem desprezais, chamando-lhes porcos, palúrdios, bêbados, selvagens, que são senão os forjadores do futuro poderio da União? Graças a eles, dentro de poucos anos o nosso país será o mais rico do mundo.»
Agora tinha ocasião de comprovar que o brilho do olhar daqueles rapazes era natural. Deus tinha criado os homens para que se sentissem atraídos pelas mulheres. Acaso com esta conjetura não se teria feito uma realidade do versículo vinte e oito do capítulo primeiro do livro do Genesis, que diz: «E Deus os abençoou e lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra e sujeitai-a»?
Dester não viu brutalidade nos olhares dos homens, nem maldade nos das mulheres. Viu que eram homens e mulheres tal como os tinha criado o Criador.
«São naturais, sensatos, humildes. São mil vezes melhores que os parasitas de Holbrook. São... São mil vezes melhores do que eu fui até agora» — concluiu.
Katie ao entrar tinha-se dirigido ao lugar reservado às mulheres, de olhar fixo, como se perguntasse se era possível que um homem pudesse mudar como o tinha feito aquele homem que agora vestia roupas simples, mas elegantes, as quais punham em relevo a sua esbelta figura, a correta desproporção entre as suas costas e ombros em relação com a sua cintura estreita, flexível e ágil.
Os músicos atraíram a atenção geral quando se calaram as vozes e as raparigas sorriram. Em seguida deu-se começo ao baile. Dester e Katie avançaram para o meio da sala, olhando-se e sorrindo.
Bastava um olhar, um sorriso para que aqueles pares se pusessem de acordo a respeito da escolha mútua. Em pequeno, aquele local era uma representação da vida. Ele prendeu-a pela cintura em silêncio. O motivo deste silêncio era algo inquietante. Originou um incidente muito pequeno, muito humano, muito natural. E muito sensível!
Dois jovens tinham posto os olhos na mesma rapariga, loira, esbelta, graciosa, a qual se encaminhou, com passo curto e tímido, para o centro da sala. Os rapazes, dois vaqueiros amigos, caminharam, sem pressas, indo ao encontro da filha de Eva. Mas um deles era belo, alto, esbelto, simpático. O seu amigo também era alto, esbelto, mas feio e sardento.
— O que são as coisas! — compadeceu-se Dester.
Katie, que também viu a cena da jovem frágil, que escolheu o vaqueiro mais bonito, deixando ficar no meio da sala o feio, soltou um suspiro.
— Eu teria escolhido Jim — disse.
Katie e Dester deram algumas voltas, não pensando no baile, mas sim nas palavras que acabavam de pronunciar.
— Porquê?
— Que quer?
Interrogaram-se ao mesmo tempo, mas ele cedeu-lhe galantemente a palavra.
— Você primeiro, Katie. Que ia a dizer?
— Olhe para Jim, Dester. Jim é o domador mal feito. Ele e o bonitão do Bob pertencem ao «Breed» e são amigos.
— Já notei. Não o perdi de vista.
O pobre empalideceu, embora não tenha protestado.
—É bom, trabalhador, honrado. Jim é como o homem que eu gostaria que fosse quando me casasse.
— E o outro?
— Bob também é bom, honrado...
— Então?
— Mas tem a vantagem de que é bonito e Rosa preferiu-o só por isso, porque é mais bonito que Jim. Fale agora você, Dester.
— Não sou mulher, Katie.
— E se fosse?
O jovem viu que o vaqueiro feio tinha recuado, deixando de olhar o jovem frágil, que era feliz com o seu par.
— Se eu fosse mulher, estaria de acordo comigo. Teria escolhido Jim.
A delicadeza com que ele a enlaçava pela cintura, a sua agilidade a dar as voltas, a suave pressão da mão masculina na sua, contribuíram para que Katie considerasse Dester de um modo distinto do que tinha no dia em que o conheceu. Desconcertava-a, excitava-a... Gostaria daquele homem!
Dester não sabia o que pensar. As suas impressões eram novas, confusas, e o corpo juvenil que o seguia com tanta ligeireza como inteligência, junto com o que aquela rapariga tinha feito por ele, confirmaram ao jovem o seu primeiro pensamento. Aquela mulher era diferente de todas as que tinha conhecido!
A música parou de tocar. O estampido de dois tiros que pareceram um só, sobrepôs-se ao ruído da música.
Dester abandonou o seu par. Antes de sair do «Breed» tinha visto Denton e seu pai juntos. O capataz insistia com Marvis para o acompanhar à cidade...
O jovem adiantou-se aos vaqueiros, levantou a cortina que separava as duas salas e as suas pupilas fixaram-se nos dois homens caídos e imóveis no chão junto ao balcão. Dave estava encostado ao balcão, querendo dar a impressão de que tinha sido obrigado a matar, impelido pelo que tinha perdido.
Dester deu os primeiros passos para o balcão, parando quando Pierce, ofegante, demonstrando que tinha vindo a correr, lhe fez notar:
— Está desarmado, patrão.
O jovem não se voltou nem pronunciou uma só palavra. Afastou os cotovelos do corpo numa atitude que tinha muito que ver com os seus costumes anteriores, os quais tinham criado nele unia segunda natureza, que tinha de perder à força de vontade.
Pierce deu um quarto de volta com o cinto e pistola do seu amo, o qual lho apertou à volta da cintura em poucos segundos.
— Examina-os, Pierce — disse Dester em voz rouca, referindo-se aos caídos.
O antigo criado (ainda não estava conhecida a sua nova função no «Breed») rodeou o corpo do jovem, procurando não se meter na linha dos tiros. Dave julgou conveniente dizer alguma coisa; não gostava daquele silêncio, que pesava como chumbo. A sua fantasia fez o resto.
— Você é Dester Bon, embora alguns lhe chamem «mister» Bon. Engano-me?
O jovem tinha visto uma infinidade de vezes aquele tipo, que o juiz Oyster e o rancheiro Shelton empregavam sempre que queriam algo pouco digno. Afirmou que sim com um movimento de cabeça.
— Vim saldar uma dívida consigo, Dester. Estava a dizê-lo a seu pai e ele não me deixou terminar. Pregou-me um murro...
— Esse homem mente! — interveio um cliente com valentia —. Quem lhe bateu foi Denton.
Dave não se intimidou.
—O que sei é que me bateram, lançando-me ao chão. Podia fazer outra coisa que defender-me? Digam vocês, amigos! — acrescentou o «pistoleiro».
Ninguém lhe respondeu.
— O que é que lhe devo, Dave?
— Conhece o meu nome, senhor Dester?
— Ouviu-o pronunciar o rancheiro Shelton e o juiz Oyster, em Holbrook.
Calou-se quando Pierce soltou um grito, pedindo ajuda.
— Depressa! Estes homens não estão mortos! Ajudem-me, amigos!
Dezenas de voluntários ofereceram-se para ajudar, tirando os feridos do estabelecimento. Dester lutou consigo próprio como nunca o tinha feito até então, para dominar-se, procurando não deixar transparecer os seus sentimentos. Um homem educado deve dominar-se, matar um inimigo se for necessário, mas nunca deve perder as boas maneiras.
— Perguntei-te qual é a minha dívida para contigo, Dave.
— Não sabe? É uma dívida de honra. A minha irmã...
Então o assassino do xerife Peterson inventava uma história em que uma mulher que morava em determinado lugar, que ele não queria dizer onde, tinha sido enganada, um filho do pecado tinha morrido de fome e por culpa de um «grande senhor» um jovem tinha-se suicidado.
Katie levou as mãos ao peito. À sua deceção pelo que ouviu ao vagabundo, juntou-se um profundo pressentimento, quando um dos rapazes disse:
— Não te assustes, Katie. Mas o teu pai foi ferido,
Soltou um grito e saiu do «Dancing Saloon» acompanhada por várias raparigas pouco dadas a presenciar uma luta de tiros, que era o que se estava preparando.
Dester permanecia sereno, dando conta que todos olhavam para ele. Só disse urna coisa em réplica à patranha inventada pelo vagabundo.
— Este canalha mente. Não podia falar sem mentir. Não é um homem, mas sim um animal a quem seguramente deram o encargo...
No seu cérebro fez-se luz.
— Sai para a rua, Dave — disse com naturalidade. recuando para a porta.
O criminoso encolheu os ombros, olhando para Os que o rodeavam.
— Vocês veem, amigos! A esse monstro não lhe basta só ter desonrado o meu apelido e ainda me quer matar para fazer desaparecer a única testemunha da sua vilania. Mas Deus guiará a minha mão.
Tinha este discurso preparado. As palavras que acabava de pronunciar tinha-as ouvido dizer muitas vezes entre os orgulhosos assistentes do «Rich Saloon», de Holbrook, os quais o admitiam no estabelecimento — embora o obrigassem a permanecer sentado a. um canto — devido às suas funções de guarda-costas dos ilustres juiz Oyster e rancheiro Shelton Harmon.
Os curtos preparativos para a luta causaram certa deceção aos amantes de emoções fortes. Ao ficar frente a frente com o vagabundo, Dester disse uma só palavra.
—Fala!
— Que Deus guie...!
Soou o primeiro disparo e Dave julgou ser testemunha de algo monstruoso.
A bala disparada pelo «Colt» do seu adversário destroçou-lhe o braço, paralisou-lhe o movimento do cotovelo, do punho e dos dedos da mão.
— Maldição!...
O segundo tiro furou-lhe a mão esquerda, o músculo do mesmo lado e também lhe fez cair o segundo revólver da mão, que ficou inerme. A voz de Dester mudou de entoação.
— Fala— acrescentou ao cabo de uns segundos Quem te pagou para vires ao meu encontro?
—Maldito!...
A terceira bala disparada pelo jovem, feriu o ombro do lado direito de Dave, no momento preciso em que um vaqueiro pequeno montava um cavalo de boa estampa e se lançava para o Norte, para Holbrook.
Dester compreendeu que as suas suspeitas eram certas. O juiz e Shelton tinham decidido a sua morte.
«Claro — pensou—. Esqueceste-te de que mataste Howard. o filho de Shelton?»
— Confessa em voz alta que contaste uma patranha direito ao teu coração — voltou a dizer. — De contrário mato-te lentamente, torturando-te„ Dave. Pensa. Dou-te trinta segundos para pensar.
A mordidela de chumbo quente rasgando-lhe a carne, quebrando ossos e causando uma dor viva, era menos suportável que o pensamento da morte. Dave nunca tinha pensado na possibilidade de o matarem a tiros. Julgava que nunca nasceria um atirador como ele. Mas se não tinha pensado na morte, julgara sempre impossível que um homem pudesse chegar a sofrer tanto como ele sofria naquele instante.
Os segundos não corriam, voavam, e Dester voltou a falar com aquela voz tão serena, tão natural, como se dissesse uma coisa transcendente.
— Vamos, Dave. O meu quarto tiro penetrará na tua cara, próximo do pescoço e arrancar-te-á uma ore-lha. Quem te pagou para matar-me? Confessa que contaste uma patranha.
— Confesso, malditas sejam as tuas entranhas!
— Não chega, Dave. Diz agora quem te pagou para me desafiar. Não direi mais nada, ainda que...!
A quarta bala causou naquela repugnante cara os destroços prometidos.
— Sim. Senhor Dester, tenha compaixão de mim. Foram o juiz e o rancheiro Shelton os que...!
Caiu de bruços e a sua mão fechou-se sobre a coronha de um dos revólveres. A última bala saída do «Colt» do jovem entrou-lhe pelo olho esquerdo. Enquanto Dester carregava o tambor da arma, o seu coração deixou de bater com tanta força.
De novo Pierce chegou ofegante, dizendo gaguejando:
— Salvam-se... se..., patrão, salvam-se!
O coração do jovem voltou a bater normalmente e os seus lábios abriram-se num sorriso. Dez minutos mais tarde a música voltou a soar no «Dancing Saloon», mas Dester, Katie e o feio vaqueiro Jim não formavam parte dos pares que voltavam a dançar ao compasso da música.
Sem comentários:
Enviar um comentário