A rua principal de Holbrook era um verdadeiro formigueiro de gente ocupadíssima em demonstrar que estava preocupada com qualquer coisa proveitosa.
Holbrook era a capital do distrito do mesmo nome e lugar de resistência dos ganadeiros, rancheiros, agricultores e colonos enriquecidos, os quais encarregavam com toda a responsabilidade os seus homens de confiança de construir uma casa no sítio mais central da povoação e longe dos lugares onde tinham enriquecido.
A maioria das pessoas que moravam em Holbrook deitava-se tarde e levantava-se quando os raios solares tinham perdido a força. Katie ficou boquiaberta ao contemplar o impecável criado que abriu a porta daquela mansão construída de pedra imitando o mármore, a qual parecia um palácio encantado.
— O negro que vá pela porta de serviço — disse o criado, agitando a mão em sinal de desprezo.
— Antes de sair do rancho expulsaram-me-- replicou Abralon.
O criado continuou a agitar a mão enquanto olhava para a jovem.
— Que deseja?... --- perguntou, como fazendo uma concessão. — Desejo falar com Dester Bon.
— Senhor Dester Bon?
A jovem confirmou com um movimento de cabeça e acrescentou:
— Este amigo é meu companheiro.
— Lamento-o. Ele não pode entrar por esta porta.
As negras pupilas do jovem chamejaram.
— Diga ao senhor Dester Bon — silabou o nome e o tratamento — que a filha de Denton Tante, de Concho, deseja falar com ele agora mesmo.
— Terá de dizer ao negro...
— Diga-lhe também que em vista do meu companheiro não poder entrar comigo, deverá procurar-me naquele hotel — e assinalou para trás das costas.
— Um momento.
O criado voltou-se, fechou um pouco a porta e falou com alguém que se encontrava no interior. A porta abriu-se de par em par e o criado tapou o nariz com os dedos quando o negro transpôs o umbral da porta.
— Jesus! Que delicada que é a carpete! — brincou Absalon.
Katie não viu a cara do homem que a seguia no interior da casa, até que este se deteve, depois de percorrer um largo corredor, indicando um sofá em frente de ¡outro igual, no qual se deixou cair pesadamente, esquecendo-se por completo do negro.
— Absalon é meu companheiro! — fez ela notar.
O rosto carregado do dono da casa olhou o negro e depois a jovem, abrindo e fechando as pálpebras enquanto olhava para esta. Examinou com intensidade a jovem e, por fim, passou a mão pelos olhos.
— Em princípio não tenho nada contra os negros e brancos humildes, mas não estou acostumado a que ninguém me indique o que devo fazer em minha casa. Menina?... — interrogou.
— Katie Tante.
— Ah! — olhou de soslaio para o criado, o qual tinha o rosto petrificado como uma estátua, dando a impressão de estar a aguardar ordens, e acrescentou: — Se entendi bem, você é filha do capataz do meu pai.
— Meu pai é o capataz e ao mesmo tempo sócio de uma terça parte do «Breed», Disler.
— Diabo! — tossiu o criado, admiradíssimo que uma jovem muito bonita, mas com todo o aspeto de rancheira, se atrevia a chamar pelo seu nome o seu amo.
— Uma cadeira, Pierce — pediu o dono da casa.
O criado deu uma cadeira ao negro e, obedecendo a uma ordem do seu amo, saiu da sala com um porte majestoso. Uma porta contrária àquela por onde tinha saído o criado, abriu-se para dar passagem a uma mulher loira, de deslumbrante beleza, lábios carnudos e vermelhos e andar altivo.
— Oh! — dando um gritinho. — Incomodo?
O dono da casa levantou-se, aproximou-se da mulher e beijou-a nos lábios, demonstrando que desejava estar só.
— Deixa-nos só um minuto, Elinor, sim?
— Leroy disse que não se vai embora sem te ver. Quis entrar pela porta de serviço para que não pudesses fugir — voltou-se a sorrir. — Estas foram as suas palavras.
— Leroy é um bruto.
—É meu irmão!
— Isso não tira para que deixe de ser um bruto sem maneiras.
O olhar da loira torvou-se.
— Leroy — disse falando suavemente, mas contendo a fúria — é granadeiro e não está acostumado a falar com pessoas como tu, Dester.
A voz do dono da casa não mudou de entoação. Katie disse para si que o filho do sócio de seu pai era orgulhoso, pertencia à nova aristocracia do dinheiro, mas sabia dominar-se. Dester acusou a ironia das palavras da escultural loira.
— Eu não o mandei chamar — recordou friamente. — É ele quem se empenha em falar comigo.
Elinor levantou a voz.
— É meu irmão! — repetiu. — Quer falar-te para obrigar-te a formalizar as nossas relações... As pessoas começam a falar... a murmurar.
— Obrigar-me?
Katie murmurou alguma coisa entre dentes ao ver a atitude da loira, a qual inclinou a cabeça como que envergonhada das suas palavras.
— A cabra! Estás a representar.
A comédia, segundo a opinião da jovem sentada o que era testemunho do acontecimento e que prometia converter-se em drama, quando a porta por onde tinha entrado a loira se abriu de repente e um homem entrou de' rompante:
— Gritaste, irmã?
Leroy era um vaqueiro de uns 32 anos ou 34, de corpo bem proporcionado, de cara leal e olhar franco e entrou na sala com passos curtos, cautelosos, deixando de olhar a loira e examinando o filho do rancheiro Marvis Bon.
— Quis ser cordial, mas Dester não o deixou.
— Já começam com conflitos antes de se casarem, pequenos?
— Tenho visitas, Leroy — observou Dester, apontando para a jovem morena e para o preto. E olhou sem pestanejar a loira. — Por outro lado quero deixar bem assente que não admito imposições de ninguém. Elinor é uma mulher e eu um homem, já não somos garotos.
A réplica de Leroy foi de um homem honrado e de bons sentimentos.
— Se vocês o disseram ou, melhor, o dissemos os três, algo desagradável na presença das tuas visitas, rapaz, não me culpes a mim. Elinor gritou e eu...
— Elinor é uma estúpida, Leroy — interrompeu Dester. — Uma senhora não procederia como ela procedeu.
A loira recuou, detendo-se junto do seu irmão. Quando voltou a falar parecia outra mulher.
«Agora não está a fazer comédia», disse para si Katie.
— Até agora tenho-te tolerado tudo, Dester; mas chegámos a um ponto em que não penso aguentar nada mais.
Frio como gelo, o dono da casa apontou a porta de serviço aberta
— A saída é por esse lado, Elinor. A loira saiu da ampla sala atirando com força a porta, enquanto os dois homens se olhavam em desafio.
— És um tratante — disse lentamente Leroy.
Naquele momento Dester mudou de entoação de voz, mas fê-lo ironicamente, sem demonstrar qualquer preocupação ante aquele homem que o media com o olhar e em cuja cintura pendia um revólver comprido, negro, temível.
— A Elinor só lhe interessa o meu dinheiro e, como ouviste, chamei-lhe estúpida. — Procurou raciocinar. — Como se chama ao irmão de uma estúpida que quer apanhar um homem à força, Leroy?
— Maldito sejas, porco.
— Isso não é um insulto, pois não, Leroy?
— A ti que te parece. Dester Bon?
Este cruzou a sala sem deixar de olhar para o rancheiro. Abriu a porta e ao mesmo tempo gritou:
— Pierce! Deita este lixo à rua!
Nem um só músculo do seu rosto se alterou quando Leroy soltou uma blasfémia e levou a mão ao revólver.
Katie e Absalon levantaram-se, perguntando como se defenderia aquele homem tão frio, e na aparência desarmado, contra a ameaça que se aproximava. Katie deu a resposta a si própria: «Bah! Levantará as mãos, e com palavras doces dirá que nada se passou».
Mas antes que tivesse tempo de formular todo este pensamento, a aba do casaco do filho de Marvis abriu-se impulsionada pela mão esquerda e um «Colt» de cano curto, grosso, brilhante, de coronha de nácar cuspiu uma bala.
— Larga o revólver, Leroy — ordenou Dester no mesmo tom de voz que até ali tinha empregado.
— Vai para o in...
O «Colt» de cano curto voltou a falar pela segunda vez, ao mesmo tempo que a porta por onde tinha saído a jovem se abriu.
— Chamava, senhor?
— Sim, Pierce. Deita este lixo à rua.
Leroy tinha recebido a primeira bala no braço direito e a segunda no ombro do mesmo lado. Katie não teve outro remédio senão reconhecer que amo e criado eram da mesma têmpera. Esteve a ponto de os reconhecer «admiravelmente frios», pois que o criado passou por si sem dar-se ao incómodo de a olhar, inclinou-se para apanhar o «seis tiros» do granadeiro e em seguida agarrou-o pelo braço esquerdo.
— Por aqui, senhor — disse com naturalidade.
O ferido não resistiu quando o criado se deteve um instante para alisar a rica alcatifa; mas disse o que Katie esperava ouvir:
— Tu começaste, Dester. Mas juro que serei eu a terminar.
Dester guardou o seu revólver sem que os seus visitantes o vissem fazer, apontando o sofá à morena.
— Se não estou em erro — disse sentando-se com naturalidade, — você disse que vinha falar-me da parte do meu pai.
Katie sabia como tratar com aquele homem, ou pelo menos pensou. Voltou-se para o negro, o qual continuava de pé, sem atrever-se a sentar-se.
— Eu disse isso, Absalon?
— Eu, menina Katie...
A jovem voltou a olhar para Dester.
— Já vê que eu não disse tal coisa, senhor.
Aquele homem de 26 ou 27 anos desconcertou a jovem, pois que abriu os lábios num sorriso agradável, mostrando uns dentes branquíssimos. Fez um sinal para que o negro se sentasse, embora não olhando para ver se era obedecido.
— Ah! — disse. — Então equivoquei-me, menina.
— Somente em metade... senhor.
Dester mexeu-se no sofá.
— Então dirá qual o motivo da visita.
Katie estava certa de inquietar o jovem com as suas palavras.
— Agora é o momento que desejo falar-lhe a sós -- olhou para o negro. — Deixa-nos, Absalon, sim?
Enquanto o negro se juntava a Pierce, os dois jovens examinavam-se largamente.
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