sexta-feira, 7 de julho de 2023

ARZ138.10 O desespero do condenado na véspera da execução

As marteladas dos carpinteiros que construíam o patíbulo ressoavam-lhe lugubremente no cérebro.

Tinham passado as três semanas.

Tal como prognosticara Houligan, o veredicto dos jurados fora unânime. Ainda lhe parecia escutar a voz do juiz, condenando-o a ser enforcado e pedindo a Deus piedade para a sua alma. Ao romper do dia seguinte morreria pendurado pelo pescoço.

O último amanhecer.

Para ele seria uma alvorada de morte. Para outros, pelo contrário, a felicidade.

Linda e Wander iam casar-se. Não podia afastar isso do pensamento. Tão apaixonada por ele a jovem se mostrara... e quase de repente ia casar com o homem que provocara o duelo.

Passeou nervosamente pela cela. A perna ferida incomodava-o ainda um pouco, mas não fez caso. Que lhe podia importar a dor quando no dia seguinte já não lhe doeria nada?

Linda e Wander iam casar.

Raymond estava morto. Não poderia testemunhar a seu favor.

O xerife de Black Bear não dera sinais de vida. Houligan dizia ter-lhe escrito, mas, nas circunstâncias em que se encontrava, Paul já não acreditava em nada.

E Susan? Esta era outra das pessoas que o podiam ajudar. Mas desde o momento em que se tinham separado para praticar o assalto, não voltara a ter notícias da rapariga. Onde estava? Pensou desesperadamente nela. Dizia estar apaixonada por ele, mas se isso era verdade, porque não fizera nada a seu favor?

— Recebeu a sua parte nos assaltos e fugiu — concluiu, fazendo uma careta com a qual exprimiu a imensa deceção que sentia. — É como todas. E eu que começava a inclinar-me para ela...

Cuspiu desdenhosamente para um lado. Susan era como todas.

E de novo o seu pensamento se virou para Linda. Solicitara à sua antiga noiva que o visitasse, mas a jovem negara-se redondamente a aceder aos seus desejos. Claro, devia estar zangada com ele por lhe ter disparado quando procurava ajudá-lo. No entanto, isto não excluía o facto de ir casar com Wander. Porque mudara de parecer tão bruscamente?

Acendeu um cigarro. O fumo soube-lhe mal e desistiu de fumar. Linda não o queria ver porque disparara contra ela. Gostaria de lhe explicar que o fizera por uma circunstância fortuita. Pensara que se tratava de um cúmplice de Wander, que o queria matar à traição. De contrário, como se teria lembrado de disparar contra Linda?

Agarrou os varões da porta com mão convulsa e fechou os olhos um instante.

Sem querer, viu-se de novo avançar pela rua para Wander. Recordou todos os pormenores do duelo. Porque se sentira de repente tão desmoralizado o pistoleiro? Era claro que por lhe ter faltado o companheiro. Sim, Wander, antes de atirar, olhara para a janela, como se quisesse verificar que o seu cúmplice estava postado atrás dela. Pareceu-lhe que de repente o feria um raio. O cúmplice de Wander! Não, era demasiado monstruoso! Linda não...

Todo o seu corpo sofreu um terrível estremecimento, de alto a baixo, da cabeça aos pés. Era uma enorme monstruosidade. Linda não...

Porque lhe saíra a rapariga ao encontro e o obrigara a aceitar o duelo? Porque ia casar com Wander, precisamente no dia seguinte, depois de ele ser enforcado?

Voltou a passear pela cela. A suspeita cravara-se-lhe no cérebro como o ferro de uma flecha e não a conseguia arrancar, por mais esforços que fizesse. Então, Linda não o quisera ajudar, antes pele contrário, postara-se ali para o matar. Matá-lo, a ele, ao seu próprio noivo! Porquê? O seu rancho, talvez...

— Suponhamos que isto é verdade — disse em voz alta, procurando dominar o tremor convulso que lhe sacudia todos os membros do corpo. — Suponhamos que Linda desejava a minha morte. Ela sabia, porque eu lho dissera no dia anterior, que deixaria um documento para que pudesse dispor livremente do meu rancho. Esta é uma boa razão. Mas, vale assim tanto a minha propriedade que a levasse a desejar-me a morte?

Deu três ou quatro passeios mais e de novo se deteve, a fazer estalar os nós dos dedos.

— Mas se eu não morresse ela não poderia aproveitar--se da propriedade — continuou. — Por isso me saiu ao encontro, porque conhecia os meus propósitos de evitar o duelo com Wander. E obrigou-me a aceitá-lo... para eu morrer e ficar com o rancho.

Acendeu um cigarro.

— Tinha de estar combinada com Wander, havia muito tempo. Se calhar até era seu...

Repugnou-lhe pronunciar a palavra. Riu azedamente.

— E eu, no limbo, como costuma acontecer nestas ocasiões. O último a saber é o enganado, claro...

Mas o que não compreendia era o empenho de o matar.

— Que fariam depois da minha morte? Ela pensava disparar ao mesmo tempo que Wander. Os seus disparos confundir-se-iam com os do pistoleiro... e este era bastante hábil para não gastar bem o dinheiro e conseguir um veredicto benévolo. Agora vejamos: onde arranjou os mil dólares para a multa? Não trabalha, não tem ofício...

De súbito, uma ideia explodiu-lhe na mente com devastador impacto.

Cochrane!

O chefe da quadrilha era um indivíduo vulgar, um homem que levava uma existência aparentemente calma e normal. A vida de Wander não era um exemplo de perfeição, sem dúvida, mas se se casasse e adquirisse uma propriedade, converter-se-ia num cidadão respeitável.

Que coisa melhor do que um bom rancho para conseguir os seus propósitos? O casamento com Linda e o rancho. Tudo muito bem estudado, bem planeado, como todos os golpes de Cochrane.

Perfeito, infalível.

E a voz disfarçada de Cochrane.

E a emboscada em que haviam caído os sobreviventes da quadrilha. Não queria testemunhas incómodas atrás dele. Desejava viver tranquila e agradavelmente com o produto de cinco anos de contínuas depredações, produto que estaria ou no Banco ou escondido no seu próprio rancho. Que astúcia tão diabólica a do bandido!

Mas até o plano mais astutamente traçado pode ter uma falha: ele.

Ainda não morrera. Faltavam quase vinte e quatro horas para ser executada a sentença, e nesse tempo...

Que podia fazer se estava preso, se ninguém, nem mesmo Houligan, acreditava nas suas declarações? Atirou-se à grade como um louco.

Naquele momento ouviu vozes no gabinete do xerife. Umas eram fortes, masculinas. Outra... Estaria a sonhar?

— Susan! — gritou como uma fera.

— Paul! — foi a resposta que recebeu.

Abriu-se a porta do corredor. Soaram passos precipitados. Susan correu para a grade.

— Paul! Paul! — gritava a rapariga, como louca. — Vim salvar-te! Trago as provas da tua inocência!

Paul julgava sonhar.

— Isso é verdade? — perguntou.

Susan não vinha sozinha: Além de Houligan, estavam dois homens no corredor.

— Sim. Escuta, por fim consegui arranjar tudo, Paul.

Um dos homens pareceu-lhe vagamente conhecido.

— Sou o xerife de Black Bear — disse. -- Vim tirá-lo desse atoleiro, Myers. Tenho o bilhete que você me deixou quando assaltaram o Banco. Compararemos a letra do bilhete com...

Paul suspirou profundamente.

— Graças, Senhor! — murmurou.

As mãos de Susan tinham-se crispado sobre as dele.

— Este é Mac Dougald — disse, apresentando o outro homem. — Era colega do meu primo Mark. Está ao corrente de tudo, Paul.

— Sabe, Myers? -- disse Mac Dougald. — Raymond era um pouco estranho nas suas coisas. Nós não sabíamos nada de si, porque ele nada nos dissera, e nem sequer nos falara da menina Hayes.

— Mas a contrassenha... — alegou o jovem. — Julgávamos que se tratava de uma casualidade. Por fim, procurando entre os seus papéis, encontrámos umas anotações que falavam dos dois, isto é, de você e da menina Hayes. Isso convenceu-nos de todo e vim aqui para o libertar. Claro que Cochrane está livre, mas sem a sua quadrilha não fará nada durante muito tempo, se é que voltar a fazer. No entanto — acrescentou o agente —, o importante, neste momento, é salvar a vida de um inocente.

Paul olhou para Susan com intensa expressão de simpatia.

— Nunca esquecerei o que fizeste por mim — disse, tratando-a por tu inconscientemente.

Ela corou e baixou os olhos, envergonhada. Paul virou-se para Mac Dougald.

— Escute, pensei muito... e já sei quem é Cochrane.

— Como?! — exclamou o agente. — Fala a sério, Myers?

— Absolutamente — respondeu ele, em tom enfático. - Só necessito de uma prova para lho poder demonstrar... — Virou-se para o xerife. — Quem o avisou de que íamos assaltar o Banco de Big Creek?

Houligan ficou muito pensativo.

— Recebi um bilhete pelo correio — disse. — Ainda o tem?

— Sim, claro.

Paul meditou uns instantes.

— Escute, encontraram algum documento num dos bandidos? Era um gigante, um tipo chamado Hank O'Shea.

— Sim, tinha um papel com instruções para assaltar o Banco de Black Bear... Espere! — gritou Houligan.

Voltou minutos depois, terrivelmente excitado.

— O bilhete que recebi e o que tinha O'Shea foram escritos pela mesma mão — declarou sensacionalmente.

Os olhos do jovem endureceram.

— Abra esta porta, Houligan — disse. — Vou buscar Cochrane.

— Paul, não! — gritou Susan. — Matar-te-á!

Ele olhou-a intensamente.

— Agora — disse, falando muito devagar — é quando quero que ninguém sinta nojo por um cobarde. Procurarei trazer vivo Cochrane, mas se resistir... tanto pior para ele!

Fitou Houligan.

— Xerife, vá ao Banco. Deve lá haver, sem dúvida, papéis escritos por Kent Wander. Verifique também a quanto ascende a sua conta corrente.

Houligan abriu a boca desmedidamente.

— Céus! — foi tudo quanto conseguiu dizer.

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