sábado, 29 de julho de 2023

CLF052.13 Um aristocrata transformado em ganadeiro

Dester demonstrou ter maneiras de ganadeiro. Assim, o dinheiro que sobrou depois de saldar a dívida de seu pai a Olga Collins, a simpatia com que foi acolhido pela maioria dos «cowboys» do «Breed» e a qualidade das crias que domava, fez que apenas se notasse a falta de Marvis e Denton, gravemente feridos, mas mais perto da vida que da morte, naquele momento.

Absalon, que tinha tomado conta da cozinha do rancho, entrou uma manhã no escritório do novo rancheiro.

— Patrão; há alguém que lhe quer falar.

Dester olhou para o negro com pena. Havia-se feito amigo da maioria dos vaqueiros, mas não de todos.

— Estou acostumado a que os «cowboys» comecem assim, para depois dizerem que me deixam, rapaz. Pensas ir-te embora e és tu que me queres falar?

Absalon, cujos olhos brilharam de agradecimento. aproximou-se da secretária.

— A você, patrão, a carne, o sangue e o coração de um negro não lhe servem para nada, não é verdade?

— Pouco mais ou menos como de um branco. Se se trata de um ingrato, de uma cor ou de outra... Que se passa, se não é para me dizeres que te despedes?

— Primeiro quero dizer-lhe, patrão, que morrerei de velho no «Breed» e que você é... é todo um cavalheiro.

— Que é isso, Absalon? Ouvi dizer que já não existem cavalheiros, embora eu diga que a União ainda não teve tempo de formar-se.

— Você o será até à morte. Quando nasceu, patrão, nasceu o primeiro cavalheiro da União.

O jovem recordou que Pierce, que se tinha revelado como um excelente capataz lhe havia dito pouco mais ou menos a mesma coisa...

Quanto tempo? Um século? O tempo já não contava para ele, desde a sua chegada a Concho. Quando Marvis e Denton estivessem curados ele faria uma breve visita a Halbrook. Entretanto, não devia impacientar-se. No seu íntimo tinha decretado a morte de dois homens, e matá-los-ia ainda que fosse ao fim do mundo; mas isso sim, o faria sem perder as estribeiras, sem usar palavras impróprias de um homem educado. Um revólver, quando cuspia uma bala, sabia acaso se o dedo que premia o gatilho pertencia a um homem que rangia os dentes ou sorria alegremente?

Dester levantou-se da secretária, aproximou-se do negro e pôs-lhe as mãos nos ombros.

— Estás contente com o teu novo cargo de cozinheiro, amigo?

— Estaria, ainda que tivesse sido destinado aos estábulos, patrão, o meu único desejo é estar a seu lado... Pode entrar esse homem que disse que vem de Holbrook e pelos vistos tem desejos de vê-lo rapidamente?

— De Holbrook...? Vai rápido! Fá-lo entrar em seguida Absalon!

Dester teve um estremecimento ao reconhecer o seu visitante o xerife Peterson, que fechou a porta do gabinete e olhou significativamente para uma cadeira.

— Posso sentar-me, rapaz? — sentou-se, depois de pedir autorização para o fazer.

— Deus da bondade! É você, xerife Peterson?

— Sim, ou pelo menos o que resta de um tal Joe Peterson.

— Que se passou? Que ocorreu para estar tão magro? Quê? Explique-se, meu amigo!

O representante da lei explicou-se, fazendo-o com todos os detalhes. Quando por sua vez se inteirou da morte de Dave às mãos do jovem, alegrou-se e em seguida fez um gesto de impotência.

— Então, não terei outro remédio senão regressar à capital e esperar que me matem qualquer noite ao sair do meu escritório e me dirija para casa. Maldita seja a minha sorte. Em Holbrook conheço sete dúzias de Daves. Escuta...

Dester deixou-o falar, procurando ao mesmo tempo, coordenar as suas ideias no seu cérebro e ocultar os seus verdadeiros sentimentos. Um homem educado deve saber conter-se, impor-se com disciplina, estando só ou acompanhado.

— Você — disse por fim, tendo tomado uma decisão — ficará em Concho. Está doente, os seus olhos têm o brilho da febre.

— Impossível, meu rapaz. Ainda que bata os dentes e a febre me devore, o meu lugar é em Holbrook ao pé do fogo.

-- Regressaremos os dois a Holbrook dentro de um par de semanas, quando o meu pai e o seu sócio se levantem da cama. Você ficará aqui e restabelece-se de todo. O negro e os demais viram-no entrar nesta casa e julgarão que se foi e que só veio... Isto é. Veio vender-me o seu cavalo.

— Ainda que me matem não deixo de resolver eu só os assuntos do meu distrito, Dester. Não o compreende? Vim unicamente para avisá-lo do que tramam contra ti os mesmos que me meteram no meio.

— Matavam-no logo que pusesse os pés em Holbrook!

O jovem venceu a vacilação do seu visitante com argumentos convincentes. –

--- Não teria nada de particular que Oyster e Shelton enviassem ao meu encontro vários desses Dave a que você se referiu, e para bem da justiça, temos de desmascarar esses canalhas.

O xerife pensou na conversação tida na noite anterior com o juiz e o rancheiro Shelton, e decidiu ficar em Concho e restabelecer-se totalmente, pois ainda se sentia muito débil.

— «Agora que sabem que vim avisar este rapaz -- -pensou — creio que farei bem ficando aqui».

Acompanhado de Pierce, Dester foi ao escritório do comissário, o qual o mandou chamar na manhã seguinte ao ser encontrado o cadáver de Edw Sou.

— Que sabe da morte do vaqueiro Edw, pertencente ao pessoal do «Breed», senhor Bon? — interrogou o comissário.

Pierce fez notar, apontando as cadeiras colocadas em frente da mesa à qual estava sentado o pequeno e enérgico homem de uns trinta e sete anos:

— O senhor Bon não pode estar de pé quando é interrogado, comissário.

— Seja... Aí têm duas cadeiras.

— Eu não me sento nunca quando estou na presença do senhor Bon — respondeu Pierce.

— Continue de pé. Conte anedotas graciosas e ria das suas próprias graças, amigo! Faça o que lhe dê na gana, mas deixe que o senhor Bon fale por ele.

Dester levantou a mão, atalhando o eventual capataz do «Breed» que se dispunha a replicar.

— O comissário tem razão, Pierce. Senta-te e deixa--nos falar.

— Eu, senhor...

— Patrão!

— Digo patrão, que não me parece bem que eu...

— Senta-te.

Os dois visitantes sentaram-se. Enquanto durou o diálogo entre Pierce e o comissário, Dester, a quem haviam comunicado às primeiras horas o achado do cadáver, mandando o vaqueiro Bill a comunicá-lo ao comissário, teve tempo de refletir.

— Bem, senhor Bon; já me ouviu. Diga-me o que sabe da morte do vaqueiro Edw Sou com quem teve uma luta há pouco tempo — insistiu o comissário.

— Não direi uma palavra sobre este assunto até que mande chamar o rancheiro Collins. Não é assim que se chama o dono do rancho vizinho ao «Breed»?

— O dono do «Muuu Ranch» chama-se John Collins. Pensava mandá-lo procurar quando terminasse de falar consigo, amigo.

— Chamo-me Dester.

— E eu chamo-me Olin Laxson.

— Obrigado, comissário Laxson.

John, o pai de Olga, demorou bastante a vir à chamada do representante da Lei e quando penetrou no gabinete deste, estava calado. Olhou para Dester e depois para o comissário.

— Bem, Olin; vim logo que me foi possível dar-lhe conhecimento da morte desse porco do «Breed» — mas apressou-se a retificar: — Reconheço que no «Muuu» também há porcos.

— Que sabe da morte de Edw, John?

— Matei-o eu. Foi em legítima defesa.

Dester tinha ouvido falar que aquele rancheiro que se expressava como faria qualquer homem de coração, compreendendo que não lhe tinham mentido ao dizerem-lhe que era muito diferente da sua filha.

— O que sei, John, — respondeu o comissário. —Edw tinha o revólver na mão quando o encontrámos esta manhã.

O pai de Olga, tinha uma cara leal, simpática, sempre risonha, se bem que naquele momento estivesse mais do que sério.

— Pensas obrigar-me a explicar-te porque o matei, Olin, depois de saberes que foi num desafio.

O comissário conhecia os rumores espalhados a respeito do idílio... ou o que fosse entre Edw e a volúvel filha daquele homem tão querido por todos os cidadãos.

— Não o farei, John. Falarei com o meu superior e creio que ele compreenderá tudo. O xerife Peterson é um homem justo; ainda que agora ande há procura de algum «desesperado» e não sei onde está.

Dester levantou-se da cadeira e dirigiu-se para porta.

— Sou o filho de Marvis Bon, senhor Collins. Posso esperar que sejamos amigos?

O rancheiro deu uns passos para o jovem de mão estendida.

-- Rapaz — disse num arranque, — enche-se-me cara de vergonha ao pensar no apuro em que o colocou a minha filha. Posso fazer-lhe um empréstimo do meu próprio bolso, já agora que sei que me informaram mal a seu respeito. Deseja...?

— Obrigado, senhor Collins. O assunto do dinheiro está resolvido, creio que para sempre, e não desejo voltar a falar dele.

Apertou a mão do homem, inclinou levemente cabeça ante o comissário e adiantou-se a Pierce, que se colocou respeitosamente ao lado da porta para o deixar passar.

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