quinta-feira, 28 de abril de 2022

CLF057.09 O Diabo na figura de uma rapariga

Em meados de Novembro, os Shannon reuniram a sua manada e abandonando o seu acampamento da montanha empreenderam o regresso ao rancho. 

Chegados ao seu lar, onde havia tantas coisas a fazer, Wiley foi um dia visitar Clayton Tompkins. Quando Wiley regressou disse à sua irmã: 

— Tu deverias fazer qualquer coisa por esse rapaz, Anne. De contrário a solidão e a tristeza vão matá-lo ou então vai cometer um disparate. 

Depois de saber da morte do seu pai, Clayton tinha estado quase a ir buscar Alphens Ludlow e exigir-lhe contas do ocorrido. O bom senso tinha vencido por fim os impulsos selvagens de Clayton, estimulado pelos conselhos de Talbot e Wiley. 

Mas, de novo no cenário da tragédia, habitando sozinho em péssimas condições numa cabana de tábuas e com um toldo de lona por cujos buracos entrava a chuva, Clayton tinha sido encontrado pelo seu amigo em desesperado estado de irritabilidade. 

— Clayton disse que viria ver-nos um dia destes —disse Wiley à sua irmã. — Se há qualquer coisa que lhe queiras dizer, não deixes passar a ocasião. 

Anne corou e guardou silêncio. Quando Clayton chegou a casa foram os dois dar um passeio. Quando regressaram ao rancho para jantar, Anne disse ao pai, agarrando Clayton por uma mão: 

— Pai, vou casar com Clayton. 

Clayton, muito corado, acrescentou: 

— Naturalmente se você não tem nada que objetar, senhor Stuart. 

— Que Deus os abençoe, meus filhos — disse Shannon. — Há muito tempo que esperava por isto. Pena é que o velho Bill não esteja para poder alegrar-se connosco! 

Visto que Clayton não tinha casa própria de momento, e teria que passar ainda algum tempo até que pudesse construí-la, ficou decidido que o jovem casal ficaria a viver em casa da noiva. Clayton uniria o seu gado ao dos Shannon, ainda que conservando a sua marca, beneficiando ambas as partes do trabalho em conjunto. 

Ainda era recente a trágica morte de Bill Tompkins na mente do povo, quando Cole Ross foi encontrado morto num barranco, vítima, ao que parecia de uma queda de um cavalo. A sua viúva apressou-se a vender o rancho a Ludlow e saiu da comarca com os seus filhos. 

Sem que à primeira vista existissem motivos fundados para suspeitar que o acidente de Ross não fora casual, começaram a correr rumores de certa vingança sobre os ganadeiros que estavam em cumplicidade para obrigar o gado doente de Ludlow a sair dos «canhões» para o deserto, onde se sabia de certeza que morreria. 

Repentinamente, Franck Goldbeck vendeu a sua fazenda a Ludlow e abandonou a comarca, sem despedir-se de nenhum dos seus amigos. Ouviu-se dizer que Goldbeck tinha sido ameaçado, e que atendendo às ameaças que lhe faziam, ele preferira vender por qualquer preço e partir do que conservar o seu escasso gado e ser encontrado morto no fundo de qualquer barranco, como Ross, ou debaixo dos escombros carbonizados da sua casa, como Bill. 

Entretanto, Alphens Ludlow via crescer rapidamente o seu poder e a sua influência. Os recursos económicos daquela vasta região estavam quase por inteiro nas suas mãos, e as poucas posições que lhe faltavam ganhar iam caindo umas atrás das outras nas suas mãos. 

Em Fevereiro, dois meses depois do casamento de Clayton Tompkins com Anne Shannon, outros quatro rancheiros do lado ocidental do rio tinham vendido os seus ranchos a Ludlow. 

Na mesma altura terminou o período porque tinha sido eleito o «sheriff». Walter Moten foi nomeado substituto de Talbot que abandonou o seu lugar e entregou a sua estrela com grande alívio. 

As coisas, verdadeiramente, naquela comarca estavam a pôr-se feias. As infrações à Lei e ao Direito aumentavam, tendo sempre o objetivo de favorecer Ludlow. 

Excecionalmente, a infração favorecia outro altivo e impertinente indivíduo: Evan Haskell. Demasiado insignificante, ruim e imbecil para brilhar por si mesmo, Evan Haskell brilhava por reflexo do esplendor do seu cunhado, como um satélite reflete parte da luz que recebe do planeta de que é escravo. 

O destino de Evan era este: girar ao redor de uma pessoa de vontade mais forte do que a sua. Mas enquanto que, sujeito à enérgica Josephine estava atado com rédea curta, Ludlow dava-lhe rédea solta para todos os desatinos que lhe apeteciam, o que criava em Evan uma falsa impressão de liberdade capaz de fazer-se sentir importante ante a sua própria pessoa. Um dia no princípio da Primavera, o novo «sheriff» chegou ao rancho dos Shannon com um recado de Ludlow. 

— O senhor Ludlow desejava falar com o senhor Shannon — comunicou Moten a Stuart. — Recebê-lo-á amanhã no seu escritório do Banco a qualquer hora do expediente. 

— Para que me quer falar o senhor Ludlow? — perguntou o velho Shannon, que neste momento se encontrava só no rancho com Anne. 

— Não sei, mas creio que faria bem em ir vê-lo —respondeu Moten com estranho acento ameaçador. Dizendo isto, o novo «sheriff» partiu. 

Quando Wiley regressou ao rancho e teve conhecimento do estranho recado, deu tratos à imaginação sobre o que poderia querer Ludlow a seu pai. Clayton que vinha na companhia de Wiley alvitrou: 

— Talvez queira fazer uma nova oferta pelo vosso rancho. 

— Eu acho que não se trata disso. Se lhe devêssemos algum dinheiro, então estaria em condições de compreender melhor este recado. Porém, não devemos nada ao Banco Monroe quando Ludlow o adquiriu. Não é assim, pai? 

— Estou a pensar... — murmurou o velho Shannon. 

— Em quê? 

— Que não devemos nada a Ludlow, mas a Rollins sim. 

— Bem, e que tem isso a ver com Ludlow? 

— Rollins opôs muita resistência em vender-me o arame farpado, a cal e os ácidos que lhe comprámos quando da epidemia da Glosopeda. Não se contentou com uma simples promessa verbal, assim tive de assinar um vale de tudo quanto trouxemos do seu armazém. 

— Ora Deus I — exclamou Wiley. — Assim já não é necessário pensar mais. Ludlow resgatou o vale a Rollins quando soube que este o tinha! Vejamos... Puseste data de vencimento no vale? 

— Pois... não. Não tenho bem a certeza, mas creio que não. 

Wiley manteve-se calado uns instantes, e depois disse: 

— Amanhã vou falar com Ludlow. Quando na manhã seguinte Wiley ia selar o seu cavalo para ir a Benton, Clayton disse-lhe: 

— Se não te importas vou contigo a Benton. 

Wiley não se importou. Partiram juntos, montando os seus cavalos sem pressa, conversando pelo caminho, gozando a bela manhã de Primavera. 

Em Benton, a carruagem de Josephine Haskell estava parada frente ao Banco. Wiley conhecia a carruagem, e incompreensivelmente sentiu uma grande alegria ao vê-lo. Não pela carruagem, claro está, mas por que a presença dela era sinal de que a fogosa e explosiva Josephine andava perto. 

Wiley e Clayton acabavam de amarrar os cavalos ao poste, e dispunham-se a entrar no estabelecimento bancário quando Josephine Haskell apareceu à porta, calçando as luvas de cabedal forte, seguida de Ludlow. Como de costume vestia roupas de rapaz. Josephine deteve-se ao ver Wiley e corou ligeiramente. 

— Olá, Wiley — cumprimentou ela. 

Wiley ficou surpreendido, mas mesmo assim respondeu sem rancor: 

— Olá, Josephine, como estás? 

Ludlow e Clayton tinham parado, fazendo-se uma pausa embaraçadora entre os quatro personagens. Por fim Josephine perguntou: 

— Vais entrar? 

— Sim — respondeu Wiley. 

— Bem, mais tarde nos veremos — disse Josephine. 

E passou pela frente de Wiley e Clayton tão alterada que tropeçou ao descer o passeio. Ludlow olhando para Wiley e Clayton perguntou: 

— Vieram por causa do recado que mandei a vosso pai, Wiley? 

— Sim. 

— Bem, façam o favor de entrar. 

Wiley e Clayton seguiram Ludlow, o qual entrando no seu escritório lhes apontou dois cadeirões para que se sentassem. Os dois jovens, porém, continuaram de pé, com os lábios apertados e o olhar inequivocamente hostil. 

— Não se querem sentar? Bem, tenho aqui um vale... 

Wiley adiantou a mão para agarrar o documento que Ludlow acabava de tirar de uma gaveta, mas Ludlow retirou rapidamente o papel, sorrindo, enquanto dizia: 

— Não, senhor Shannon. Deixe que eu lhe leia o seu conteúdo, quer? 

— Conheço o conteúdo desse maldito papel — disse Wiley —. Se não é o vale que o meu pai assinou a Rollins estou disposto a pagar o dobro da quantia que nele está mencionada. 

— As minhas felicitações, Shannon. Você é um homem muito sagaz. Como adivinhou que se tratava precisamente disso? 

—Muito fácil, Ludlow. Essas são as maneiras de que se valem os tipos tão miseráveis como você, para conseguir à traição o que não podem tomar pelo caminho recto. Imagino que agora nos vai ameaçar com o embargo se não liquidarmos o vale no prazo de uns dias... 

— Só de umas horas, Shannon — retificou Ludlow, olhando-os friamente —. Exatamente até amanhã ao meio-dia. 

— Está bem, Ludlow. Será pago. 

— A sério? E como? 

— Venderei parte da minha manada... todo o meu gado se for preciso. 

— Satisfaz-me vê-lo tão bem-disposto com respeito à sua divida, Shannon. Mas diga-me, quem lhe vai comprar o seu gado? 

— Alguém o comprará. 

—Em vinte e quatro horas? Não acredito. 

Wiley ficou pensativo durante uns segundos, findos os quais disse: 

— Está bem, Ludlow. Que pretende? Que lhe dê quatro tiros aqui, e agora mesmo? 

Ludlow riu entre dentes, mas os seus olhos continuaram frios e duros como gelo. 

— Semelhante acto, como recurso desesperado, não solucionaria nada. Você iria parar à cadeia, seria condenado por assassinato... e não poderia anular a ação deste vale. Mas, que digo eu? Você não sairia com vida deste escritório, nem o seu cunhado... nem sequer teriam tempo de empunhar os revólveres. Por que não olham para trás? 

Wiley, sem se mexer, disse: 

— Olha tu, Clayton. 

Clayton voltou a cabeça e resmungando, disse: 

— Com efeito há dois tipos com espingardas lá fora. 

— E eu — acrescentou uma voz aguda. Wiley voltou-se, reconhecendo aquela voz. 

Josephine Haskell estava atrás dos dois pistoleiros. A rapariga afastou bruscamente os dois guarda-costas de Ludlow e entrou decidida no escritório. 

— Voltei atrás e pude ouvir tudo, Ludlow — disse a rapariga com os olhos incendiados de raiva —. Com todo o respeito devido ao nosso parentesco devo dizer--te que és um miserável... 

— Sai do meu escritório, Josephine — disse Ludlow com voz surda —. Já estou cansado desse teu costume de meteres o nariz onde não és chamada. Vou fazer-te uma advertência: Não te atravesses no meu caminho ou... 

A rapariga estendeu a mão, arrebatou o documento a Ludlow e rasgou-o em bocados. 

— Podes pôr na minha conta, cunhado — disse Josephine, atirando os bocados de papel ao rosto lívido de Ludlow —. Incluindo os juros. — Depois voltou-se para Wiley e Clayton e disse-lhes: — Podem sair rapazes. O assunto está arrumado. 

Wiley balbuciou: 

— Se o que queres dizer é que vais liquidar essa conta por nós... 

A rapariga interrompeu-o: 

— Não era minha intenção humilhar-te fazendo-te uma oferta. Se o teu orgulho, porém, te impede de aceitar o meu dinheiro como um favor, amanhã leva ao meu rancho esse gado que queres vender, e o assunto fica arrumado. 

Wiley não teve tempo de fazer nenhuma outra proposta. Josephine saiu do escritório empurrando de novo os dois pistoleiros que estavam de guarda e desapareceu na rua a passos largos. Wiley de repente teve vontade de rir. Voltou-se para Ludlow e disse: 

— Bem, Ludlow. Parece que se enganou quando disse que ninguém na região me compraria uma centena de vacas antes das doze horas de amanhã. Creio que nem sequer ainda são doze de hoje... 

A cara de Ludlow estava verde. 

— Teve sorte, Shannon. A próxima vez, apontarei mais baixo — disse Ludlow. 

— Faça-o. Isso de apontar baixo assenta-lhe muito bem. Bom-dia, senhor Ludlow. 

Wiley saiu seguido do seu cunhado. Ao chegar à rua pararam, olharam-se cara a cara e começaram a rir. 

— Essa rapariga é o diabo — exclamou Clayton —. Nunca tinha simpatizado com ela, mas agora reconheço que tem personalidade. 

Wiley não respondeu. Os seus olhos percorrendo a rua acabavam de ver Josephine que entrava no hotel. Mas quase ao mesmo tempo, Wiley descobriu Rollins à porta do seu armazém. 

— Rollins está ali. Vamos aquecer-lhe as orelhas. 


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