sábado, 23 de abril de 2022

CLF057.04 Um rancho em chamas

As notícias tinham uma difusão por vezes incompreensível naquela comarca imensa e quase despovoada. 

Quando, à tarde, Clayton Tompkins foi visitar os Shannon, já estava a par dos acontecimentos daquela manhã em Benton. De certo modo, Clayton estava melhor informado que o próprio Wiley. 

— Bem, Wiley — disse o jovem e taciturno Trompkins. — Parece que armaste uma grande bronca esta manhã em Benton, matando Brokmeyer. 

Wiley não tinha a certeza de ter morto Brokmeyer e agora ao sabê-lo ficou desapontado. Clayton disse-lhe: 

— Ainda estás a tempo de sair da comarca. Esse condenado Haskell odeia-te de morte e agora que liquidaste um dos seus vaqueiros e tentaste matá-lo a ele, será um bom pretexto para te declarar guerra aberta. 

Wiley pensava em Josephine, na sua estranha e intempestiva confissão. Era estranho como tinha estado preocupado toda a manhã com o que Josephine lhe dissera, naquela manhã em Benton. Conhecendo o seu orgulho, era incompreensível que se tivesse rebaixado a declarar-se num momento em que só podia esperar uma recusa. Agora as palavras de Clayton abriam caminho a uma nova interrogativa. Conseguiria Josephine reprimir o seu irmão, dizendo-lhe que o amava, ou pelo contrário, atiçaria o seu ódio com o seu rancor, pelo desprezo de que tinha sido objeto? 

Wiley não tinha confiado a ninguém o seu segredo 

— Não quero sequer discutir esse assunto, Clayton. Estou na minha casa. Para onde poderia ir? 

— Bastaria que te afastasses uma temporada até que os ânimos estivessem calmos. 

— Não! — foi a sua resposta. 

Tompkins jantou com os Shannon. Falou um bocado a sós com Anne. Wiley do seu quarto ouviu ruído dos cascos do cavalo quando Clayton se afastou, depois de se ter despedido de Anne em voz baixa. 

Até àquela altura Wiley tinha andado vagabundeando pela casa, dedicando a maior parte do tempo ao descanso e à meditação. Chegando a este ponto, Wiley compreendeu que os seus pensamentos só lhe faziam mal. Além disso, tinha demonstrado que era capaz de montar a cavalo e era chegado o momento de o gado ir para as pastagens da montanha. 

A maioria dos seus vizinhos já tinham começado a emigração e os Tompkins já tinham anunciado o seu propósito de fazer o mesmo. 

No domingo, os Shannon aprontaram a sua equipa, reuniram as reses e carregaram o carro com provisões para várias semanas. 

No dia seguinte, cedo quando se dispunham a partir, viram uma manada que pastava perto do rio, nas terras de Ludlow. Não era muito grande, quando muito teria umas quinhentas cabeças. 

Stuart Shannon disse a propósito: 

— Este ano não vamos caber na montanha, nem em pé. O Verão vai ser longo e seco. Oxalá não tenhamos complicações com os rapazes de Ludlow. 

Levando atrás as mulas e o carro da cozinha, com Anne na boleia, os Shannon partiram naquele dia através do deserto escaldante, empurrando à sua frente a manada. 

Ao Norte, uma ou outra manada avançava pelo deserto, deixando o seu caminho marcado por uma coluna de pó. Eram os Tompkins. 

A manada de Ludlow vinha um pouco mais atrás e ao Sul, mas levavam todos a mesma direção: as montanhas. 

Nos dias seguintes, à medida que se iam internando no deserto, o gado dava sinal de esgotamento, produzido pela sede, pelo calor e pela falta de pasto. À tarde, o vento acumulava sobre as montanhas, nuvens negras de trovoada. Ao anoitecer, os trovões ouviam-se com grande fragor, escurecia de repente e por vezes chegavam até a cair algumas gotas de chuva que o calor convertia rapidamente em vapor. 

Os vaqueiros jantavam junto dos carros à luz da fogueira, a noite arrefecia e o céu tenebroso iluminava-se momentaneamente com o fulgor dos relâmpagos. 

— Mais calor para amanhã — costumava dizer Stuart Shannon ao meter-se entre as mantas. 

O dia seguinte amanhecia sem que uma só nuvem mitigasse o calor sufocante daquele sol abrasador. Por volta do meio-dia começavam de novo a acumular-se as nuvens sobre a montanha, e assim, um dia e outro se passavam sem que jamais chegasse a cair a tão desejada chuva. 

Após terem caminhado uma semana chegaram à cabana onde costumavam acampar até à chegada das primeiras chuvadas. 

Os Tompkins andavam perto, e estando ali Anne, como era de esperar, não tardaram em aparecer, em especial Clayton. 

Uma tarde, uma personagem inesperada chegou a cavalo ao solitário acampamento dos Shannon. Era Roger Talbot, «sheriff» de Benton. Os Shannon dispunham-se a jantar quando Talbot chegou cansado e coberto de pó. 

— Olá, Roger — saudou Shannon. — Que o traz tão longe de Benton? Não quer desmontar e jantar connosco? 

— Está bem — disse Roger, desmontando. — Venho à vossa procura para vos dar uma má notícia. 

Wiley escutava atento e Anne parou com a cafeteira na mão. Como homem que tinha vivido a sua vida no campo, Stuart estava acostumado a encarar qualquer manifestação violenta das grandes forças da Natureza: raios, trovoadas, enchentes de rios... Mas ninguém esperava que a desgraça anunciada por Talbot tivesse algo que ver com a Natureza. 

— Bem, Roger — disse Shannon — tenho junto de mim toda a família, as minhas reses, os meus cavalos e os meus vaqueiros. Não tenho mais parentes. Portanto deve tratar-se de qualquer coisa que aconteceu a algum amigo meu. 

— Trata-se da tua casa, Shannon. 

— Que aconteceu ao meu rancho? 

— Ardeu. Tudo, completamente. O fogo destruiu; tudo. Anne deixou escapar uma exclamação de surpresa e Wiley sentiu dentro de si qualquer coisa como um soco. O seu coração começou a bater com maior violência. 

Talbot, passado uns segundos, prosseguiu: 

— Eu pensei que vocês, ao partir, tivessem deixado por descuido fogo em qualquer sítio... Qualquer coisa que tenha estado a fumegar durante vários dias, como por exemplo uma corda e que finalmente se tenha declarado o incêndio que destruiu toda a casa. 

— Quando foi o incêndio? — perguntou Shannon, surdamente. 

— Deve ter sido uma semana depois de vocês terem partido. Foi da casa de Ludlow que viram o fogo, e ele mesmo foi pessoalmente combatê-lo, mas chegaram demasiado tarde para o salvar. 

Stuart Shanon encaixou o golpe com a firmeza de um homem que já viu muitas vezes o infortúnio na sua vida. Wiley, pelo contrário, era demasiado jovem para poder enfrentar aquela desgraça com a calma do pai. Numa explosão disse: 

— Você não acreditará que esse fogo tenha estado todo este tempo na nossa casa, uma semana, para arder de repente, justamente quando nós estávamos a muitas milhas de lá. 

— Talvez algum vagabundo lá tivesse estado e deixado uma fogueira mal apagada... 

— Sim. Ou alguém lhe pegou fogo deliberadamente. 

— Antes de fazer qualquer acusação, Wiley, eu pensaria na gravidade do que vais dizer—observou Talbot. 

— É coisa de Evan Haskell, com certeza. É assim que ele se paga do susto que o fiz passar no outro dia em Benton. Oh, o grande cobarde! Vai pagar caro! 

— Tu não terás que fazer pagar nada a ninguém, se puderes demonstrar que foi ele quem largou fogo à vossa casa — disse o «sheriff». — Não quero que torne a repetir-se coisa parecida com a do outro dia, em Benton. Se não houvesse testemunhas que disseram que Brokmeyer foi o primeiro a deitar a mão à pistola, teria que prender-te por agressão à mão armada. 

— Não diga asneiras, «sheriff» — replicou Wiley. —Claro que não tenho nenhuma prova contra Haskell. Eu não estava lá quando largaram fogo à casa, mas mesmo sem ver estou certo de que foi ele. 

— Bem, filho — disse Stuart Shannon. — A verdade é que não podemos estar certos de nada. Nem que o incêndio foi provocado, nem de que foi Haskell o provocador. 

— Quem mais podia ser? Que outros inimigos temos nós? 

—Esquece, Wiley. 

— Esquecer? Como podes dizer isso? Era a nossa casa. 

— Só lá havia uns quantos móveis velhos. 

Anne soluçando disse: 

—Mas eram os nossos móveis, pai! Nem novos, nem bons, nem bonitos, mas eram nossos. Tinham para nós recordações que não se podem comprar... e havia mais coisas além dos móveis! 

— Tenho pena, Shannon — disse o «sheriff». — Já sabes que se puder fazer qualquer coisa... 

— Obrigado, Roger — respondeu Shannon. — Tira a sela do teu cavalo e senta-te para jantar connosco. 

Aquele jantar não foi muito animado como era de esperar. Wiley pouco comeu e Anne levantou-se sem ter comido absolutamente nada. Talbot que estava muito cansado, também se mostrava taciturno e retiraram-se cedo para repousar. 

Os Shannon ficaram sós junto da fogueira. Stuart deitou uma braçada de lenha no lume e quando as chamas iluminaram o rosto carrancudo de Wiley, o pai disse: 

— Wiley, não quero que penses mais na casa, se o fogo a destruiu, nós voltaremos a levantá-la. Não se perdeu nada. Nada que seja irreparável, Wiley. Se te tivesse perdido a ti, ou a Anne, isso sim, que seria irreparável. 

Wiley soltou um grunhido, levantou-se e foi sentar-se à porta da cabana. 

Roger Talbot tomou o pequeno-almoço com os Shannon, selou o cavalo e dispôs-se a partir. 

—Já que estou por aqui, vou cumprimentar os Tompkins. 

Mal Talbot se tinha afastado quando Wiley agarrou o laço e desceu ao prado onde pastavam os cavalos. Pouco depois regressava com um cavalo que começou a selar, enquanto o pai o olhava com o cenho franzido. 

— Wiley — disse-lhe — não estarás pensando fazer aquilo que eu estou a pensar, não é verdade? 

— Não sei o que quer dizer — foi a seca resposta. 

—Nunca utilizas o teu cavalo de passeio para trabalhos pesados, nem o arriscarias a partir uma pata correndo atrás das reses. 

— Tens razão — disse Wiley. — Vou a Benton. 

— Para ver como ficou a nossa casa? 

— Sim, também para isso. 

— Bem, então vou contigo. 

— Achas necessário? 

— Pois claro. Se tivermos de reconstruir a nossa casa, então precisaremos de madeira e outros materiais para que estejam prontos para quando voltarmos em Novembro. 

Wiley conhecia o seu pai quase tão bem como o seu pai o conhecia a ele. Assim, não teve outro remédio senão aceitá-lo como companheiro de viagem. 

Puseram-se a caminho depois de breves preparativos, percorrendo numa jornada tanto quanto tinham percorrido em quatro dias com a manada, à noite acamparam em pleno deserto, a umas vinte milhas do rancho. 

Do rancho só restavam paredes. O fogo tinha destruído o telhado que caiu sobre os móveis e as paredes tinham sido reduzidas a carvão. 

— Talvez tenha sido melhor que Anne não visse isto — disse o velho Shannon. — Em poucos dias tiraremos os escombros e chamaremos um carpinteiro para que vá pondo os marcos e portas. Assim, quando Anne vier em Novembro, será menos duro o golpe que vai receber. 

Os Shannon, viram por fim com agrado, o bom estado da cabana dos vaqueiros, o armazém dos cereais que juntamente com as cercas e os currais era tudo o que restava de pé. Quando terminaram dirigiram-se para Benton, onde alugaram um quarto num hotel. 

— Vou procurar um carpinteiro — disse o velho Shannon. 

Apenas Stuart saiu, Wiley abandonou o hotel, dirigindo-se ao estábulo de Warrenton, onde tinham deixado os cavalos. Como o seu cavalo estivesse muito cansado, Wiley alugou um a Warrenton. Cavalgou dez milhas na escuridão da noite, até que, sentindo-se cansado, parou para dormir uma hora. 



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