John levantou a cabeça ao ouvir o ruído dos passos. Era o xerife que se deteve ante a porta da sua cela, abrindo-a:
— Saia, Weldon - resmungou, mal-humorado o representante da Lei —. Tem aqui as suas armas. Uma senhora que vive no prédio do Banco, viu e ouviu tudo. Parece que me equivoquei. Desculpe.
— De modo que, enganou-se e... desculpe, não é verdade? E já está…
O xerife encolheu os ombros, irritado.
— Que mais quer que lhe diga?
— Nada — replicou John —. Sou eu que vou dizer-lhe: purgue-se, porque você tem o fígado em mau estado...
— Saia! - bradou o outro.
Assim fez John, se bem que a sua vontade fosse de dizer muito mais. Dirigiu-se ao hotel, para tomar um banho, e já se encontrava no vestíbulo do estabelecimento, quando um homem forte lhe intercetou o passo.
— Senhor Weldon?
Deslumbrado com o sol radiante do exterior, John não se tinha ainda adaptado a penumbra do interior. Tardou, por isso, a reconhecer o interlocutor.
— Sim — respondeu, reconhecendo a jovem que se detivera também, pequena, delicada e esbelta, e que não tirava os seus olhos dele.
— Chamo-me Veach Adams, e não sei como desculpar-me do sucedido — estava dizendo o sujeito, com uma voz de trovão, que retumbava no vestíbulo, praticamente deserto — Minha filha e eu lamentamos muito o incidente.
A formosa rapariga, acercou-se um pouco e murmurou, com os olhos baixos:
—Sou eu a responsável por tudo, senhor Weldon — levantou os olhos para o rapaz, com ar consternado —. Não sei como expressar-lhe quanto lamento...
John nunca fora rancoroso, mas também nunca matara um homem, nem estivera preso, como acontecera por culpa daquele jovem demasiado impulsiva
— Não lamente o não ter dado o bofetão na pessoa adequada. Se o tivesse feito — acrescentou secamente — era mais que provável que seu pai, nesta altura, estivesse morto.
Separou-se deles e foi para o quarto tomar um banho delicioso.
A rapariga ficou pensativa. Por seu lado, John não estava satisfeito consigo próprio. Era compreensível o erro de Merry Adams e ainda mais a indignação de seu pai.
—''És um tipo duro John. Deixaste o xerife furioso, os Adams humilhados e a rapariga assustada. Estás contente?”
Claro que, em vez de sentir-se contente, sentia-se desgostoso.
Depois do banho, saiu em busca de um restaurante para comer. E acabou por Ir para o "saloon” distrair-se. O local já estava cheio e de uma mesa agitaram um chapéu, para lhe chamar a atenção. Eram os seus vaqueiros. Normalmente ter-se-ia alegrado com a companhia, mas, agora, sabia que só iriam falar do seu duelo com Hazes e isso aborrecia-o. Por isso, correspondeu à saudação, mas foi procurar um lugar ao balcão
— Tenho pressa! — disse para o criado.
Entregue aos seus pensamentos, não viu aproximarem-se três vaqueiros, altos e jovens com aspeto selvagem, e agressivos, demonstrando à evidência as doses de uísque ingeridas. Tinham entrado logo atrás dele, detendo-se à porta, até localizá-lo.
O primeiro indício do que se avizinhava, teve-o John ao ouvir uma voz alta em tom de desafio, por detrás de si.
— Aí o tendes, companheiros. O homem mais famoso do estado. O assassino do célebre Hazes.
John levantava já o copo de uísque, mas voltou a colocá-lo sobre o balcão, e com as mãos abertas ergueu a cabeça para ver no largo espelho que tinha à sua frente, o que se passava. Então, viu os três indivíduos que também o olhavam pelo espelho.
— Cuidado — disse um deles, de cabelo louro—. É perigoso, não o incomodemos.
— Estes grandes homens são muito irritáveis —disse outro em tom irónico.
— Que emocionante! Estou tremendo, companheiros — acrescentou o último do grupo.
Nao havia a menor dúvida de que estavam a provocar uma luta e John voltou-se, lentamente, deixando cair os braços ao longo do corpo.
— Procuram-me?
— Claro que sim! — disse o que primeiro falara —. Queríamos conhecer a nova celebridade.
John procurou contemporizar.
— Nesse caso — disse com um sorriso — que lhes parece um trago?
— É um herói sociável — chasqueou um.
— Tenho um nó na garganta e engasgar-me-ia -replicou outro.
— Mas é uma grande honra — acrescentou o terceiro —. Estou ruborizado de satisfação.
John compreendeu, então, que o tinham seguido desde o restaurante onde comera, e que não seria com boas palavras que evitaria a luta. Conhecia aquele género de jovens, loucos por se destacarem em frente das raparigas dos "saloons". Era frequente, quase inevitável, tropeçar com eles na fronteira. Rapazes sem moral, que só pensavam no álcool e nas rameiras.
Quase todos morriam calçados, muito jovens ainda, mas os que logravam sobreviver, atrasavam a colonização, assolando as planícies, sem o menor respeito pela Lei e pela moral, e quase sempre, acabavam em fugitivos com a cabeça a prémio. E ali estavam aqueles três que vinham para matá-lo, somente para ficar com a fama de ter morto o homem que "liquidara" Hazes. E nada do que pudesse fazer ou dizer, serviria para dissuadi--los dos seus propósitos. Embora sabendo tudo isto, John não se resignava ao inevitável. Repugnava-lhe a ideia de ter de verter mais sangue humano, mas, por outro lado, não estava disposto a deixar-se matar, para satisfação daqueles borrachos.
— Se não querem beber comigo — disse, serenamente — paciência…
A atitude e a maneira de falar dos recém-chegados, chamara a atenção das outras pessoas que se encontravam na sala e que, prevendo o pior, se afastaram precipitadamente do pé deles, abrindo uma clareira á volta dos quatro. Mas os três vaqueiros não estavam dispostos a modificar a sua atitude.
— Agora compreendo como pôde vencer tão facilmente Hazes — exclamou o ruivo, com uma risada cínica —. Deve ter-lhe pedido, por favor, que morresse, e o pobre não pôde negar-se a satisfazer um pedido tao cortês.
— Fica-se de boca aberta, escutando-o — acrescentou um dos seus companheiros.
O outro retrocedeu até ficar a um passo da porta. Era o menos embriagado dos três e parecia nervoso.
— Porque não acabas de uma vez, Toby?
O ruivo retrocedeu, também, curvando-se um pouco, e chegando a mão para o revólver, enquanto o terceiro se separava deles, dando um passo para o lado. Chegara o momento!
Os olhos azuis de John Weldon, frios como o gelo, cravaram-se nos três vaqueiros, calculando as probabilidades. Eram poucas, na verdade, mas ele não podia escolher.
— Porque é isto? - perguntou.
— Simples curiosidade — replicou Toby, o mais alto dos três —. Queremos ver se é tao rápido como dizem...
John meneou a cabeça, lentamente.
— Muito bem — concordou —. Que um dos seus amigos atire uma moeda ao ar, a ver quem lhe acerta primeiro. O que perder paga as bebidas.
Todos riram de forma depreciativa, com sonoras e insultuosas gargalhadas.
— Foi assim que acabou com Hazes, Weldon?
John começava a impacientar-se, e não conseguiu evitar um gesto de irritação.
— Porque não me deixa em paz, vaqueiro? Matei esse pistoleiro sem saber quem era e porque ele não me deixou outra alternativa. Mas não quero matar mais ninguém.
— Que é isso, Weldon? — perguntou Toby, com um sorriso insolente —. Generosidade ou... medo?
— Fala você de medo! O que se chama então ao facto de se juntarem três, para lutar com um homem só?
John tinha-se deixado levar pela sua crescente irritação e lamentou-o imediatamente.
— Chamou-me cobarde! — gritou o ruivo vaqueiro, que já não necessitava mais pretextos —. Nenhum filho de...!
Dando-se conta do erro que cometera, John não esperou mais. Já bastava a superioridade em número dos bandidos, quanto mais deixar-lhes a iniciativa. Assim pensando, entrou rapidamente em ação, sacando os revólveres com incrível rapidez, e disparando para matar, sem vacilar. Tinha de matar, ou morrer.
O alto Toby ainda soltou um grito de aviso, pulando para trás, ao mesmo tempo que sacava um comprido e negro “Colt”. Sem embargo, nada daquilo lhe serviu. O revólver da direita de John seguiu o brusco movimento do vaqueiro, e furou-lhe o coração com um certeiro balázio. Entretanto, estava engatilhando a outra arma com a mão esquerda e o Colt pareceu apontar-se por si mesmo.
Quando o olhar do jovem se cravou no bolso esquerdo da camisa do segundo vaqueiro, o revólver lançou uma língua de fogo, simultaneamente com o qual apareceu um buraco no peito do outro. Dois disparos seguidos, que ninguém poderia ter feito com mais certeza.
As duas vítimas caíram no solo mortalmente feridas, sem terem tido, sequer, oportunidade de disparar as armas que empunhavam.
Apesar de tudo, John sabia que não podia antecipar-se ao terceiro, pelo que se atirou, com a rapidez do raio, para o solo, furtando o corpo às balas do último dos seus inimigos. Este perdeu a calma, quando viu como os seus companheiros tinham sido liquidados e disparou precipitadamente contra John, no momento em que este se atirava para o solo, falhando-o por muito pouco. Depois, como estava perto da porta, saltou para trás, lançando-se de costas para os batentes, e desaparecendo da vista dos que estavam no salso.
John disparou, metendo a bala por entre as portas, quando estas se cerravam, mas um segundo tarde demais. não obstante continuar a não desejar verter sangue humano, inutilmente, não podia deixá-lo fugir, pois arriscava-se a receber uma bala nas costas, quando menos o esperasse.
Movendo-se com a agilidade de um gato, o jovem rancheiro saltou para a porta, sem vacilar, desprezando o risco que essa atitude comportava, enquanto engatilhava os revólveres.
O vaqueiro tinha boas pernas e conseguira distanciar-se uns quinze metros, quando o ruído das portas batentes o advertiram do que se passava nas suas costas. Voltou-se, rapidamente, levantando o "Colt”, pronto a disparar.
Parados no meio da rua, os dois homens olharam-se enquanto as armas não falavam a linguagem da morte.
O vaqueiro foi quem disparou primeiro, mas voltou a fazê-lo precipitadamente. Uma lufada mortal açoitou o rosto de John e o escaldante chumbo passou zumbindo tao próximo da orelha esquerda, que a chamuscou ligeiramente. Apesar disso, não se impressionou. O disparo foi como que o prolongamento da outra detonação, e o eco pareceu correr ao longo da rua, para terminar com o baque surdo de um corpo pesado, contra o solo. Fixando o olhar no corpo cardo, John voltou a carregar o "Colt".
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