Os Tompkins, vizinhos dos Shannon, foram visitá-los no domingo.
Bill Tompkins era um homem forte, vigoroso, o qual falava sempre com voz forte e retumbante. Sendo um rancheiro de firmes convicções, honrado e cumpridor da sua palavra, Tompkins não se importava de dizer as coisas como eram, o que lhe tinha criado conflitos com os seus amigos em mais de uma ocasião.
Clayton Tompkins sem chegar a ser a antítese do seu pai, era um rapaz calado, sério, com uma fala suave e harmoniosa, com um extraordinário vigor físico e uma vontade incansável para o trabalho.
Clayton estava enamorado de Anne Shannon, o que era sabido por todos e contava com a aprovação do velho Shannon, enquanto o rapaz lutava ainda com a invencível timidez sem decidir-se nunca a declarar-se. Assim, pois, enquanto Clayton mexia o café, deitava frequentes olhares para Anne.
—Magnífico, Wiley, não imaginas quanto me alegra saber que regressaste e que estás bem. Que tem essa pata? É certo que não poderás voltar a montar?
—É falso. Já montei a cavalo com esta maldita perna tesa como um pau. Mas que fiquei coxo para toda a vida, é verdade.
— Bem, bem, rapaz, muito pior seria se estivesses morto. Agora, toca a viver e a esquecer. Ainda há muitas raparigas bonitas solteiras; e se queres que te diga a verdade, não gostava da irmã dos Haskell para ti. Não por ela, mas pela família. Não sei se sabem que Sam Nichols vendeu a sua manada a Ludlow e que assinaram os documentos de venda há três dias.
A notícia para os Shannon não era novidade, mas mesmo assim Stuart Shannon não deixou de resmungar:
— Que será o que pretende Ludlow? Já tem cem mil acres de terreno dos Haskell para juntar aos seus. Será que pensa comprar todo o Estado do Texas?
— Houve quem me chamasse louco por dizer isso no povoado; mas se eu tivesse dotes de adivinho, diria que Ludlow se propôs ser dono absoluto desta comarca. Dentro em breve pedirá que nós lhe cedamos os nossos direitos...
— Pois eu, pela minha parte, se me pagar bem, cedo-lhe os meus e vou para outro sítio — disse Stuart Shannon.
Tompkins protestou:
— Tu não podes fazer isso, Stuart. Nem posso eu fazê-lo nem ninguém. Já basta que tenhas perdido a ilusão de viver depois do que aconteceu, mas deves pensar também se tu cedes, eu cedo e outro cede, alguns dos pequenos rancheiros que não desejam mudar de terra terão que abandonar as suas ante a força de Ludlow, e pode ser que sejam obrigados mesmo sem receber indemnização alguma. As coisas já estão bastante mal para que tu e eu as tornemos piores abandonando os nossos amigos. Tu não farás isso, Shannon.
— Não se preocupe, Bill — disse Wiley tranquilo. —O meu pai está demasiado velho para recomeçar noutro lugar e eu não penso sair daqui. Creio que Anne pensa da mesma maneira. Não é assim, Anne?
Anne Shannon para quem o jovem Tompkins não deixava de olhar, apressou-se a responder afirmativamente com a cabeça. Tompkins acrescentou:
—Bem, Wiley. Se estás a pensar vingar-te dos Haskell, também não aprovo. Deixa Terry em paz e esquece o resto da família. Os Haskell formam com Ludlow uma aliança demasiado forte e perigosa.
Wiley, porém, não podia esquecer, e o seu maior desejo até ao seu encontro com Ludlow era encontrar-se com Josephine Haskell.
No dia seguinte, levantou cedo, pôs o cinturão com o revólver e tomou o caminho de Benson.
Wiley sabia que se desejava obter alguma notícia, o melhor sítio para o conseguir era o armazém de Rollins. Rollins era a pessoa melhor informada em Benson, não só do que acontecia no povoado, mas do que acontecia em qualquer lugar por muito longe que fosse da sua loja.
— Olá, Wiley, alegra-me ver-te — disse Rollins. Estreitou-lhe a mão. — Agora vens pouco pelo povoado.
— De hoje em diante passarei a vir com mais frequência.
—Homem, deixa que te dê uma boa notícia. Se calhar não sabes quem morreu.
— Não será Alphens Ludlow?
— Ah, ah!... não. Mas a coisa anda perto. Foi o sogro de Ludlow quem morreu, ou seja, o velho Haskell
— A sério? Bem, a notícia não me afeta pois o velho Haskell há muito tempo que não se metia com ninguém.
— Pois olha que há quem receba uma grande alegria: Ludlow. Agora com a morte do velho Haskell, a fazenda vai ser repartida entre os três irmãos, correspondendo a Ludlow um terço das terras e do gado pelo seu matrimónio com Terry Haskell.
Wiley comprou umas pequenas coisas no armazém de Rollins e depois levou o seu cavalo ao ferreiro Warrenton para que colocasse uma ferradura que faltava ao animal. Entretanto foi ao «saloon» e bebeu com um grupo de desocupados.
Antes de abandonar o povoado para regressar ao seu rancho, Wiley soube por fonte digna de crédito que os Haskell e os Ludlow se reuniriam no dia seguinte em Benson no notário para repartir a herança que tinha deixado o velho Haskell ao morrer.
Wiley naquela noite dormiu na sua casa levantando-se cedo e selando o cavalo tomou novamente o caminho de Benson.
O povoado estava tranquilo quando Wiley entrou. Os Haskell não tinham chegado ainda, pois a distância que tinham de percorrer desde o seu rancho era consideravelmente maior do que aquela que Wiley tinha percorrido do seu. Ludlow também não tinha chegado, mas certamente teria passado a noite no rancho dos Haskell com a sua esposa, fazendo os deveres de um bom cunhado.
Sabendo que os seus inimigos deveriam chegar de um momento para o outro, Wiley sentou-se numa cadeira no pórtico com o espaldar inclinado contra a parede do «saloon».
O notário era precisamente em frente, de modo que não podiam escapar quando chegassem.
A espera foi maior do que Wiley tinha calculado. Perto do meio-dia apareceram um par de carruagens no extremo da rua Maior e avançaram sem pressa, seguidas por um solitário cavaleiro, indo parar em frente do Hotel de Julius, um pouco mais abaixo do «saloon» onde estava Wiley.
O jovem endireitou-se, vendo de longe como Ludlow se apeava da primeira carruagem e ajudava Terry Haskell, o notário e o capataz dos Haskell, Barclay, que era quem guiava a carruagem.
Josephine e o notário entraram no hotel, enquanto Barclay agarrava as rédeas do cavalo e atravessava a rua para estacionar a carruagem à sombra, do outro lado da rua.
Wiley começou a andar pelo passeio do seu lado encostando-se à sua bengala. Quando Barclay voltava a atravessar a rua em direção do hotel, o rapaz atravessou também um pouco mais abaixo e continuou a andar pelo passeio.
A rua, sob o sol abrasador do meio-dia, estava deserta neste momento.
McPike atravessou por sua vez a rua para conduzir o cavalo para a mesma sombra onde Barclay acabara de estacionar a primeira carruagem. Depois Barclay agarrou o cavalo de Ludlow para o juntar aos outros. Este momento foi aproveitado por Wiley para entrar rapidamente no hotel.
Marcel Julius, dono do hotel, olhou-o surpreendido e assustado. As feições do jovem Shannon denunciavam um estado de ânimo que o próprio Wiley ignorava. Marcel agitou as mãos.
— Não quero sarilhos na minha casa, Wiley. Por favor, sai.
— Põe um talher para mim na mesa do teu restaurante, Marcel — disse Wiley. — Isto já me dá direito de entrar na tua casa?
— Wiley, rapaz, não armes barulho por cá, por aquilo que mais amas.
— Onde está essa Haskell?
— Referes-te a Terry?
—Não. Refiro-me a Josephine, onde está?
Marcel pareceu tranquilizar-se um pouco.
—Josephine tem reservado um quarto com casa de banho para quando vem por cá. Subiu para tirar o pó do caminho e...
— Que número?
— Vinte, mas promete-me que não vais armar barulho. Ludlow está na casa de jantar e os vaqueiros de Haskell devem estar a chegar de um momento para c outro. Não quero que se repita na minha casa o que aconteceu não há muito tempo naquele povoado onde por pouco não te mataram.
—Está bem, Marcel — disse Wiley secamente.
Subiu a escada. O quarto ocupado por Josephine tinha bem visível o número na porta, pelo que não havia possibilidade de se enganar. Wiley sentia as fontes a latejar quando a sua mão fez girar a maçaneta da porta que empurrou. Dentro do quarto, Josephine Haskell dispunha-se a despir a blusa quando a porta se abriu e Wiley Shannon apareceu, pálido e sombrio.
Josephine, que nesta ocasião vestia roupas apropriadas ao seu sexo e condição, entreabriu os seus lábios vermelhos e apressou-se a fechar a blusa, enquanto o seu rosto se tornava vermelho de cólera
—Wiley Shannon. É essa a maneira de entrar no quarto de uma senhora? —gritou. —Porque não bateste? Além disso que vens fazer aqui?
— Não julgarás que te venho seduzir, José — respondeu Wiley com aspereza, fechando a porta. —Só desejo ter urna conversa contigo.
Wiley tinha serenado entre o momento em que tinha aberto a porta e aquele em que a fechara à chave. Josephine reparou nisso e o facto causou-lhe mais preocupação do que se ele tivesse entrado com violência e sem domínio sobre si mesmo.
—Bem, Wiley — disse Josephine, abotoando a blusa. — Quase que adivinho o que queres. Estás furioso porque Terry casou com Ludlow. É isso?
—Tu obrigaste Terry a que tornasse essa decisão afirmando-lhe que eu tinha morrido. Posso saber por que motivo fizeste isso?
— Naturalmente. Menti para que perdesse de uma vez para sempre a esperança e se casasse com Ludlow, que era o que verdadeiramente lhe convinha.
Olharam-se frente a frente.
— O que lhe convinha, dizes. Já perguntaste a Terry se se sente feliz com o homem que lhe deste para marido?
— Uma coisa é evidente. E é que Terry tem um carácter inconstante que fará com que se esqueça dentro em breve de ti.
— Terry amava-me a mim.
— Bah! Terry não sabe sequer o que é amar. Teria batido com a cabeça contra a parede por ti enquanto encontrou oposição aos seus desejos, mas é muito possível que tivesse sido diferente se desde um princípio lhe tivéssemos dado a nossa aprovação.
— Isso é fácil de dizer agora. Porque não lhe deram a vossa aprovação muito antes?
— Porque eu não queria que te casasses com ela, Wiley, nada mais que por isso.
Wiley conteve-se apertando os punhos até que os nós dos dedos se tornaram brancos de tanto apertar. Olhava para Josephine e não podia dar crédito ao que ouvia. Josephine como Ludlow era um carácter que não fugia à luta nunca. Josephine uma declaração, e ela acabava de declarar que a culpa era dela, não negava.
— José — disse Wiley com voz rouca. — não podes sequer imaginar o que daria neste momento para que fosses homem e poder partir-te a cara a socos.
Josephine empalideceu o que fez que se notassem mais as sardas na sua bonita cara. As pupilas pelo contrário brilhavam de excitação.
— Bem, diz qualquer coisa — rugiu Wiley avançando dois passos para ela, até a dominar com a sua grande estatura.
— Creio que já está tudo dito, Wiley.
— Sim. Querias evitar por todos os meios que Terry casasse comigo e conseguiste.
— Na realidade o que quis evitar foi que tu casasses com ela.
— É a mesma coisa, não?
Durante alguns segundos ficaram a olhar-se frente a frente. De repente, Josephine fez o inesperado. Atirou-se para ele, deitou-lhe os braços ao pescoço e uniu os seus lábios aos de Wiley. Este sentiu um estremecimento. Empurrou-a brutalmente para trás. A rapariga caiu contra a cómoda, fazendo uma careta de dor.
— Estás louca? — gritou Wiley.
— Não! — respondeu ela com fúria. — Amo-te! Sempre te amei, mas tu estavas cego e nunca o compreendeste. Teria morrido de ciúmes se te tivesses casado com a minha irmã. Teria sido horrível!
Wiley contemplou-a mudo de espanto. Passou a mão pela cara.
— Meus Deus! — murmurou. — Já reparaste no que acabas de fazer? Destroçaste a minha vida e a felicidade da tua irmã. Porque fizeste isto, porque mentiste? Ela limitou-se a olhar para ele com os seus grandes olhos muito abertos, fixos nele sem o menor arrependimento, afrontando-o serenamente.
—Nunca poderei perdoar-te isto, José — disse Wiley surdamente. — Não, nunca te perdoarei!
Caminhou em direção da porta que abriu e saiu arrastando a sua perna destroçada, ardendo numa raiva interior que não encontrava maneira de desafogar.
Quando descia a escada, Terry apareceu à porta do restaurante que comunicava com o vestíbulo e deteve-se olhando-o com os seus olhos azuis.
Wiley não tinha chegado ainda ao fim da escada, quando apareceu Ludlow. Terry estremeceu afastando os olhos apressada mente para os cravar no chão timidamente. Wiley parou ao chegar junto do casal, olhou para Terry, mas ela não ousou levantar o seu olhar para ele.
Ludlow disse então:
— Siga o seu caminho, Shannon.
Wiley ficou hirto. Como um homem que acaba de receber uma estalada, a sua cara corou e o seu braço deslisou roçando quase na culatra do «Colt».
Neste momento, McPike apareceu por detrás de Ludlow e colocou-se junto do seu patrão. McPike tinha a mão sobre a culatra do seu revólver. Um frio sorriso de jactância aflorava nos seus lábios, e Wiley compreendeu qual era a missão daquele indivíduo junto de Ludlow.
McPike era um «pistoleiro», um guarda-costas profissional. Nesse momento McPike disse:
— Não ouviu, Shannon? Desapareça!
O calor tinha desaparecido da cara de Wiley o qual rugiu:
— Ninguém me afasta a pontapés como a um cão.
Terry Ludlow levantou os olhos, fitou-o e disse em tom suplicante:
— Por favor, Wiley.
—Está bem, Terry— disse Wiley contendo um suspiro. Olhou para McPike e disse: — Voltaremos a ver-nos.
— Com certeza — respondeu o «pistoleiro», com um sorriso desdenhoso.
Wiley voltou as costas ao grupo, atravessou o vestíbulo e saiu. Quando Wiley chegou ao pórtico, três cavaleiros paravam e desmontavam à sombra dos edifícios do outro lado da rua. Um deles era Evan Haskell, o outro Brokmeyer e o terceiro Taussing.
Os olhos de Wiley cintilaram e a sua mão desceu instintivamente ao «Colt». Ao descer o passeio para atravessar a rua em direção aos três homens que estavam de costas, Wiley ouviu por cima o barulho de uma janela e um grito de aviso de Josephine.
— Cuidado, Evan I
Wiley não tinha até àquele momento o deliberado propósito de matar Evan ou Brokmeyer, mas as circunstâncias a isso o obrigavam. Evan e Brokmeyer voltaram-se ao mesmo tempo e deitaram as mãos às pistolas.
Evan estava atrás do cavalo e o corpo do animal ficou interposto entre ele e Wiley. Mas Brokmeyer ficou a descoberto frente a Wiley e foi o mais rápido a «sacar». O «Colt» de Wiley relampagueou à luz do sol e ouviu-se um disparo surdo.
Brokmeyer dobrou-se sobre si próprio ao mesmo tempo que disparava contra o chão levantando uma nuvem de pó, girou lentamente e caiu entre as patas dos cavalos que começaram a escoicear assustados.
Wiley saltou de lado quando Evan disparou por cima da garupa do cavalo. A perna ferida fez com que caísse no chão. Evan disparou precipitadamente, deu um salto e correu agachado por detrás dos cavalos, atravessou o passeio e entrou na primeira porta que encontrou.
Tudo tinha sido tão rápido que Taussing estava ainda paralisado pelo assombro, junto dos cavalos, quando já Evan tinha desaparecido de um salto e Wiley se levantava, coberto de pó até à cabeça.
Wiley trocou um olhar com Taussing. O vaqueiro não tinha feito até àquele momento nenhum movimento indicativo de que fosse empunhar a pistola. Porém, estava armado, e um companheiro seu jazia imóvel a seus pés, deitando golfadas de sangue.
Wiley percebeu que se se voltasse de costas, Taussing aproveitaria para «sacar» o revólver, pelo menos a expressão do seu rosto assim o indicava. Outro pensamento que o fez retroceder rapidamente para uma porta que havia por detrás foi a lembrança de que o perigoso McPike tinha ficado no hotel.
Wiley mal tinha acabado de se recolher quando os vidros de uma janela saltaram em fanicos, e a pistola de Evan assomou pela janela da casa onde se tinha refugiado.
O primeiro tiro de Haskell arrancou lascas de madeira da coluna do pórtico por onde Wiley passava naquele momento. O jovem apressou o passo e ao chegar ao «saloon» cruzou a rua, mostrando a sua perna inútil.
Um homem saiu do hotel e parou no centro da rua Maior, com os braços pendendo ao longo do corpo, e as mãos perto das culatras das pistolas. Era McPike.
O «pistoleiro» ficou a olhar atentamente a rua deserta. Wiley alcançou o seu cavalo e montou. Askell saiu à rua disparando. A distância, porém, era demasiado grande para que os tiros inquietassem Wiley, o qual partiu a galope, deixando para trás a última casa de Benton.
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