Fortemente armados, silenciosos e cobertos de pó, os cavaleiros passaram pela rua e foram deter as suas fatigadas montadas frente ao hotel.
Uma onda de curiosidade passou como um sopro através do povoado, de ordinário tranquilo. Pelas janelas das casas, alguns rostos de mulher apareceram espreitando. Do pórtico do «saloon», um grupo de mexicanos ficou olhando curioso para os cavaleiros.
A voz denunciou a mulher que até então tinha passado despercebida por causa das suas roupas de homem.
— Desmontem-se!
Esta ordem chegou até ao quarto de Terry Haskell num dos andares do hotel, já alerta pelo barulho dos cavalos e pelo dos cavaleiros ao desmontar, bastou para lhe fazer compreender que terminava aqui a aventura começada três dias antes.
Atravessando rapidamente o quarto, Terry foi até à janela e afastou a cortina para olhar para a rua. Ali estavam com efeito, os vaqueiros de seu pai: Moten, Taussing e Webster, entre outros bem seus conhecidos. Conseguiu ver ainda o nervoso cavalo árabe do seu irmão, mas não conseguiu ver a sua irmã Josephine, que tinha sido quem tinha dado a ordem de desmontar. Estavam ocultos pelo telhado que havia por baixo da sua varanda.
Brokmeyer, que em outros tempos a tinha cortejado, estava no meio da rua sobre o seu cavalo, levantou os olhos até à janela. Terry deixou cair a cortina apressadamente, no momento em que se abria a porta e aparecia Wiley Shannon. Era um rapaz alto e loiro, de cabelos encaracolados, olhos azuis, nariz aquilino e queixo quadrado. Tinha os lábios finos, franzidos, não por medo, mas por preocupação. Dirigindo-se a Terry disse:
— Os teus irmãos estão a desmontar em frente do hotel.
— Acabo de vê-los — disse Terry, ainda que só os tivesse ouvido.
Shannon que vestia umas calças ajustadas e calçava botas texanas, disse, fazendo um gesto de desgosto:
— Tenho pena, mas já é demasiado tarde para tentarmos a fuga.
A voz de Josephine, «José» como todos lhe chamavam, soou agora no vestíbulo. Na escada ouviram-se pesados passos. Shannon deu pela primeira vez sinal de nervosismo ao fechar a sua mão morena sobre a coronha do «Colt» que trazia no cinturão.
— Não — disse Terry assustada—. Isso não. Se for necessário voltarei com eles. Mas a ti não te devem encontrar aqui. Foge! São capazes de te enforcar como fizeram com Muldrow.
A lembrança daquele velho episódio pareceu inquietar Shannon.
— Tu achas que sim? — perguntou.
A escada de madeira estalava sob o peso dos homens que subiam. Não havia tempo para pensar, mas apenas para agir. Wiley entrou de um salto e fechou a porta atrás de si. Como a chave estava do lado de dentro da fechadura Wiley fechou a porta à chave e atravessou o quarto até à janela.
Na rua viu vários cavalos, mas nenhum cavaleiro.
Shannon voltou-se para olhar para Terry que se tinha sentado na cama e chorava, cobrindo a cara com as mãos.
— Voltarei para te buscar — disse Shannon, mesmo não estando certo de poder cumprir a sua promessa.
Uma forte pancada fez estremecer a porta. Terry assentiu com a cabeça continuando a chorar.
— Terry, sabemos que estás aí — gritou Josephine Haskell —. Abre a porta!
Wiley Shannon levantou o vidro da janela, deitou as pernas para fora e saltou para o telhado do pórtico. Das casas que havia em frente, alguns brancos e vários mestiços olharam para ele assombrados.
Wiley ouviu os golpes furiosos que os vaqueiros davam contra a porta do quarto. Avançou sobre o inclinado telhado e olhou para baixo.
A Providência, pela sua própria mão, parecia ter posto ao seu alcance um potro sem cavaleiro, cujas rédeas estavam caídas no pó da rua. Entretanto um formidável estrondo nas suas costas, anunciava-lhe que a porta do quarto acabava de ser arrombada.
Wiley saltou. A queda em cima do cavalo obrigou este a cair de joelhos. No momento em que caia montado sobre o cavalo conseguiu ver um homem que estava no pórtico e que se voltava para ele olhando-o surpreendido.
Wiley fez a única coisa que em tais circunstâncias se poderia fazer: inclinar-se para agarrar as rédeas do cavalo e cravar as esporas nos flancos do animal. O cavalo relinchou de dor e caiu de lado, arrastando o cavaleiro na queda. Não tinha tido sorte.
O homem que estava no pórtico deu um grito e lançou-se sobre Shannon quando este ainda se encontrava no chão. Wiley levantou os pés, recebendo o vaqueiro com dois pontapés no estômago que o lançaram de costas contra o passeio. Outros dois vaqueiros de Haskell saíram do vestíbulo do hotel e atiraram-se sobre o fugitivo.
Wiley tinha conseguido pôr-se em pé. Obrigou um dos vaqueiros a recuar com um soco no nariz, encaixou um soco do terceiro homem e respondeu com um golpe baixo na cintura, seguido de um gancho rápido que lançou o seu inimigo de costas contra uma coluna do pórtico.
Ainda que momentaneamente desembaraçado dos seus inimigos, Wiley desistiu da ideia de saltar sobre outro cavalo para fugir. Não tinha tempo.
Girou rapidamente sobre os calcanhares e começou a correr como um gamo pelo centro da cidade. Tinha boas pernas e era rápido na corrida, mas não tanto como uma bala que um dos vaqueiros enfurecido enviou contra ele depois de se ter reposto.
O homem não atirou a matar pois se o tivesse feito facilmente teria acertado nas costas do Wiley, da mesma maneira que lhe acertou numa das pernas.
Wiley sentiu que um joelho se lhe fazia em bocados. Antes de que pudesse perceber o que tinha acontecido viu-se de bruços na rua. Tentou levantar-se, mas não conseguiu. Percebeu as vozes e os passos dos vaqueiros.
Como um relâmpago passou-lhe pela cabeça empunhar a sua pistola e vender cara a vida. Os vaqueiros de Haskell caíram sobre ele e manietaram-no. Não podia continuar lutando com aquela maldita perna paralisada. Tiraram-lhe o revólver da funda.
Quando o obrigaram a pôr-se em pé sentiu uma torturante e irresistível dor no joelho. Do hotel, saiu correndo Evan Haskell seguido de um pelotão de vaqueiros.
— Afastem-se! — gritou Evan desenfundando a pistola.
O seu rosto estava verde de raiva e as suas pupilas deitavam fogo.
— Deixem-no só!
Os vaqueiros que tinham agarrado Shannon afastaram-se de um salto. A pistola de Evan disparou. Wiley sentiu um golpe contra o peito e a passagem do chumbo através da carne desgarrada. Não sentiu a queda, mas notou o sabor de sangue na sua boca e o calor do pó da rua contra a sua cara...
Uma excitação diabólica tinha-se apoderado de Evan, como acontece com certas feras carnívoras ao cheiro do sangue.
De novo levantou o percutor do revólver. Walter Moten, o vaqueiro mais velho da equipa, estava junto de Evan e empurrou-o com o ombro. O tiro de Evan saiu desviado levantando o pó da rua.
— Imbecil! — gritou Evan voltando-se para Moten. — Que fazes?
— Evito que o acusem de assassínio, patrão — disse Moten. — Não pode disparar contra um homem desarmando.
— Que diferença há entre enforcá-lo e matá-lo a tiro como a um cão raivoso? — perguntou Evan, pálido e irritado.
Os vaqueiros olharam-se entre si. Moten finalmente disse:
— A diferença está em que, quando linchamos um homem, na realidade já o julgámos previamente entre vários.
Evan Haskell compreendeu. Enfundando a pistola disse:
— Muito bem. Tragam uma corda.
De novo os vaqueiros se olharam entre si, como que consultando-se. Webster tinha-se inclinado sobre Wiley e disse:
—Este já está. A bala entrou no peito.
— Tragam a corda — repetiu Haskell, sombriamente.
Moten, porém, objetou:
— Para quê? Esse rapaz já está praticamente morto. Para quê isso?
— Imbecil! — disse Haskell entre dentes, sem levantar a voz. — É isso precisamente que temos de evitar, que morra da ferida. Não percebes?
— De qualquer maneira creio que deveria consultar a senhorita Josephine...
— Porquê? — disse Evan desesperado. — Sou menos responsável dos meus actos do que a minha irmã? É a sua parte no rancho maior do que a minha? Sou tão dono como ela e digo-vos... tragam uma corda!
Nenhum dos vaqueiros se moveu nem manifestou o menor desejo de o fazer. Se eles pudessem ter respondido com franqueza à pergunta, a sua resposta provavelmente teria sido que não consideravam Evan responsável dos seus actos.
Com efeito, se não com direito, era a senhorita Josephine o patrão do rancho, e a sua autoridade a única que os vaqueiros respeitavam, por cima mesmo da autoridade do velho Haskell, que há vários anos estava no leito pois não andava muito bem da cabeça. Evan sabia isto, e estava farto de representar um obscuro papel ao lado da sua enérgica irmã.
Evan não podia ter escolhido pior dia para se revoltar. Uma nova personagem apareceu em cena, saindo pela porta do hotel: Josephine Haskell.
Josephine atravessou o pórtico e saiu para a rua. Era uma rapariga alta, loira, não muito bonita, mas dotada de uma extraordinária personalidade. As suas calças de vaqueiro ajustavam-se às incitantes ancas, marcando bem as pernas fortes. Tinha a testa larga e um pouco arredondada, os olhos pardos e o nariz pequeno e direito. Vestia camisa de homem aos quadrados e tinha na cabeça um chapéu de copa achatada. Usava também um cinturão com pistola.
Ao vê-lo, Evan ficou como um balão ao qual atiram o ar. Josephine olhou primeiro para o homem que jazia no chão e depois para Evan.
— Mataste-o?
Foi Webster quem respondeu:
— Está gravemente ferido.
— Há médico neste povoado?
— Não sei, senhorita Haskell.
— Vá saber. Levantem Shannon e levem-no para o hotel.
—José! Não pensarás ajudar esse bandido; pois não? — protestou Evan.
Josephine Haskell respondeu:
— Se esta aventura traz consequências, Evan, esse bandido' será teu cunhado.
Evan Haskell empalideceu.
— Casar Terry com Shannon? Isso não pode ser! Seria capaz de matar essa perdida se...
— Tu não matarás ninguém, Evan — respondeu Josephine, secamente. — O que vais fazer é montar imediatamente a cavalo, e sair do povoado. Suponho que deve haver um «sheriff» que não tardará em aparecer. Vai. E se não queres fazer a viagem de regresso sozinho para casa, podes esperar no mesmo lugar onde acampámos ontem à noite.
Evan não respondeu e de má vontade dirigiu-se para o seu cavalo. Josephine, sem voltar a cabeça, disse:
—Jim, vai com ele.
Nesse momento, ao fundo da rua, apareceu um homem seguido por um compacto grupo de mexicanos. Sobre o colete, brilhava ao sol uma estrela de latão. Quando o «sheriff» chegou perto de Shannon, Evan e Jim saiam a galope pelo extremo oposto do povoado.
*
Quando se aclararam as brumas que envolviam a sua vista, e as manchas que se moviam em torno de si tomaram forma, a primeira coisa que Wiley viu foi a enrugada e nobre cara de seu pai.
Stuart Shannon tinha-lhe agarrado uma mão, e o contacto cálido, a áspera e firme pressão dos dedos toscos de seu pai, infundiram em Wiley uma sensação de confiança. Wiley sabia que o seu estado era de extrema gravidade.
— Estou a morrer? — perguntou com voz débil.
Stuart Shannon sorriu.
— Pelo contrário, eu diria melhor que tu estás a ressuscitar.
— Quando chegaste?
— Há uns dias.
Wiley calou-se enquanto fazia uns cálculos. Benton distava três longos dias a cavalo. Se a notícia do seu estado tinha demorado três dias a chegar a Benton e o seu pai estava agora a seu lado, era porque já tinham passado pelo menos oito dias desde que Haskell o tinha ferido.
— Que aconteceu a Terry Haskell? — perguntou de repente.
— Terry regressou com os seus irmãos. Um dos vaqueiros de Haskell veio à nossa casa com a notícia de que estavas gravemente ferido... possivelmente morto. Selámos os cavalos e montámos correndo o mais que pudemos.
— Correram?
— Sim. A tua irmã está cá também.
— Mas Terry Haskell...
— Não te preocupes agora com ela, Wiley. Ela está bem. Quem está mal és tu. Procura dormir e esquece o resto.
A grave e tranquila voz de seu pai fizera-lhe sonolência. Quando acordou de novo, era de noite. No quarto brilhava a luz de uma lâmpada. Ao pedir qualquer coisa com voz queixosa, alguém que estava numa cadeira fora do círculo da luz, acorreu à chamada.
Anne, a sua querida e encantadora irmã, inclinou--se sobre ele. Pôs-lhe a mão fresca na testa suada e Wiley sentiu alívio. Anne deu-lhe de beber.
— Pouco de cada vez!
— Que boa és, Anne! — exclamou Wiley olhando para a irmã, de grandes olhos azuis e pele acetinada.
— Tonto! — sussurrou a rapariga. Deu-lhe um beijo na testa e disse: — Dorme.
— O pai?
— Está a descansar no quarto ao lado. Anda, dorme tu também.
Wiley adormeceu na serena confiança de que era velado pelos seres que mais amava. Os dois? E Terry Haskell? Wiley, antes de adormecer, comparou o amor de Terry Haskell com o que sentia por seu pai e por sua irmã.
*
Quando Wiley se levantou, no primeiro dia, ao colocar as suas débeis pernas no chão, notou que não podia dobrar o joelho esquerdo. O doutor Talbot, que o observava de um canto do quarto, disse:
— Ao princípio vai custar-lhe mover essa perna, mas com o tempo e à medida que vá fazendo exercício, é possível que chegue a andar sem muleta, só com uma bengala. Wiley empalideceu:
— Que quer dizer?
Stuart Shannon interveio:
— Não considerámos oportuno dizer-te até agora, Wiley, mas vais ficar um pouco coxo.
— Para toda a vida? — exclamou Wiley engolindo a saliva.
O doutor explicou:
— O tiro que recebeu nesse joelho destroçou-lhe a rótula. Já pode dar-se por satisfeito em poder conservá-la, porque surgiram bastantes complicações.
Wiley pensou com angústia no seu próximo futuro. Coxo. Isto equivalia pouco menos do que dizer inválido. Não poderia ajudar nas tarefas mais pesadas do rancho. Não poderia montar a cavalo. Talvez visse os seus dias condenados a permanecer deitado numa cadeira de recosto enquanto o seu velho pai e a sim irmã se matavam trabalhando para conseguir fazer o trabalho do rancho!
— Quem foi que disparou contra as minhas pernas? — perguntou.
— Creio que foi um rapaz chamado Brokmeyer. Mas não quero que penses em vinganças, Wiley — disse Shannon com severidade. — Brokmeyer é o melhor atirador que Haskell tem... E já tivemos bastantes aborrecimentos com eles. Pensa, que além do mais, Brokmeyer podia ter disparado contra as tuas costas e matar-te. Atirou para ferir e isso pesa em seu favor.
— Oh, claro que podia matar-me! — gritou Wiley, furioso. — Se era tão mesquinho que podia disparar contra um homem de costas, podia ter feito o gosto ao dedo acabando com tudo em vez de dar a oportunidade a Evan. Dizes que não pense em vingar-me? Oh, Isso é muito fácil de dizer, mas se quiseres aposto qualquer coisa em como tarde ou cedo matarei esse cobarde!
Stuart Shannon abanou a cabeça, com ar pessimista.
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